AEP ASSOCIAÇÃO ESPAÇO PSICANALÍTICO Atividades / 2007 I. SEMINÁRIO 13. DE UM OUTRO AO OUTRO DA PSICANÁLISE. J. LACAN Coordenação: Cristian Giles e Tânia Souza Horário: 20h30min Datas: 05\04; 05\04; 19\04; 10\05; 24\05 e 21\06 Local: sede da AEP SEMINÁRIO 7. SOBRE A ÉTICA DA PSICANÁLISE. J. LACAN Coordenação: Ubirajara Cardoso de Cardoso Horário: 20h30min Datas: 03\04; 08\05 e 05\06 Local: sede da AEP II. GRUPOS TEMÁTICOS-CLÍNICOS ESTRUTURAS PSICOPATOLÓGICAS. ESCRITA DO FEMININO NA PSICOSE: LOUCAS MULHERES E SUAS PAIXÕES Coordenação: Iza Maria Abadi de Oliveira Horário: 20h30min Datas: 29\03; 26\04; 31\05 e 28\06 Local: sede da AEP A TRANSFERÊNCIA NA PSICANÁLISE Coordenação: Luciane G. Veronese e Iza Maria Abadi de Oliveira Horário: 9h Datas: 14\04; 12\05 e 09\06 Local: Centro de Cultura de Santo Ângelo QUESTÕES DA PSICANÁLISE Coordenação: Ubirajara Cardoso de Cardoso Datas: a confirmar Local: sede da AEP III. APRESENTAÇÃO TEMÁTICA A NOÇÃO DO EU EM PSICANÁLISE Coordenação: Luís Fernando Lofrano de Oliveira e Kênia Spolti Freire Horário: 20h30min Datas: 10\04; 15\05 e 12\06 Local: sede da AEP INSCRIÇÕES: Sede da AEP, terças e quintas-feiras das 20h30min às 22h30min. Rua José Bonifácio, 120 - sala 202. Fone: (55) 3332-4260 Ijuí/RS e-mail: [email protected] MODALIDADES DE PAGAMENTO: Inscrição Semestral: R$ 50,00 FALANDO SEMINÁRIO COM CHARLES MELMANN Como nos tornamos paranóicos? - De Schreber a nossos dias Dias: 17, 18, 19 de maio de 2007 - Unisinos - RS Local: Anfiteatro Pe. Werner - Ciências da Saúde - Av. Unisinos n° 950 - São Leopoldo/ RS Inscrições: www.unisinos.br/ihu NISSO… Ano 7 nº 28 março/abril 2007 “Escrita na Psicose: pontuações numa “escritura hemorrágica” Íza Maria Abade de Oliveira p. 3 “Psicanálise e Instituição: Um lugar possível na clínica das psicoses” Nilson Sibemberger p.4 As estruturas freudianas das psicoses e a questão institucional Sobre o atendimento da psicose na Instituição Pública Rainer Hermann Livro: O seminário: livro 3: As Psicoses. Joyce Carolina Ledur e Juliana Lutkemeyer Resenha - p.5 Filme: Don Juan De Marco. Anelise Prestes, Fabíola Vieira Bertotti, Juliana Lutkemeyer Terezinha Guberovich Agenda - p.8 No seu artigo sobre as Neuropsicoses de defesa (1894), Freud já se referia a um tipo de recusa da representação que romperia também com a realidade que lhe estivesse ligada, exigindo um trabalho psíquico de reparação obtido com a criação de uma outra realidade mais conforme às exigências do desejo inconciliável. Quinze anos depois, Freud redigia seu ensaio de interpretação do livro de memórias de Daniel Paul Schreber. Através de uma refinada análise da produção delirante de Schreber, Freud estabelece que há uma lógica nesse trabalho psíquico da produção do delírio, cujo resultado é a constituição de alguma coisa que antes estava em falta, assim ele afirma que “aquilo que foi abolido do interior retorna desde fora” e que a produção delirante, antes de ser a doença mesma, já é uma tentativa de restauração. Com a formulação da “questão preliminar a todo tratamento possível da psicose”, ou seja, a forclusão da função da metáfora paterna, Lacan retoma as estruturas freudianas das psicoses afirmando que o que foi forcluído do simbólico retorna desde o real. A conseqüência mais radical da forclusão de um significante que barre o desejo do Outro, falta da função paterna simbolizada, é a impossibilidade de compartilhar a significação fálica que distribui os lugares quanto à filiação e sexuação, isto é, as posições próprias de um lugar de pertencimento com o qual se possa fazer frente às demandas de realizações fálicas. Quando estas exigem do sujeito uma resposta singular, fora do imaginário das identificações conformistas, todo o saber que o sustentava até então corre o risco de não valer mais nada, ocasionando seu “crepúsculo do mundo” e exigindo a invenção delirante de uma nova significação que sirva de suplência à significação fálica que falta. A partir desses desenvolvimentos foi possível retomar a prática da psicanálise no tratamento de pacientes psicóticos, na qual o próprio Freud descria em função das dificuldades do estabelecimento da transferência. Assim, pensar que a transferência com pacientes psicóticos também é uma formação do forcluído, o que constitui uma clínica onde o ato analítico, quando possível, situa-se no limite do ato real. Dessa maneira será o mais comum que o tratamento padrão exija o auxílio de enquadres que o transbordam, precisando pensar a interdisciplinaridade e a constituição de equipes clínicas especializadas e, portanto, lugares institucionais bem pensados, o que nem sempre é fácil de conseguir. Os textos desse Falando N'Isso testemunham experiências e práticas que se vão realizando, apesar dessas dificuldades. Boa leitura. Ubirajara Cardoso de Cardoso SOBRE O ATENDIMENTO DA PSICOSE NA INSTITUIÇÃO PÚBLICA Rainer Hermann1 O reconhecimento de um conjunto de sintomas psíquicos que fazem com que a pessoa tenha pensamentos, afetos e condutas estranhas e bizarras perdendo a adequação ao cotidiano circunscrito é conhecido desde tempos imemoriais e tais sintomas foram descritos pela primeira vez supostamente pelos Gregos mas foram definidos com detalhes em linguagem próxima a atual por Kraepelin, no século XIX e por Bleuler, que cunhou o termo esquizofrenia para as psicoses mais freqüentes. Os delírios e as psicoses transitórias não orgânicas representam as demais psicoses. Nas instituições, os indivíduos que manifestam sintomas, principalmente os conhecidos como positivos com alucinações, agressividade, agitação e condutas bizarras, induzem respostas bem marcantes na equipe de saúde que se propõe a atender este grupo entre outros. Quando recebo um paciente em ambulatório, este geralmente foi trazido pela família ou mesmo por algum membro da equipe. Os seus sintomas geralmente exacerbados fazem com que a equipe, por vezes, perca o controle, rotulando o paciente com os mais variados diagnósticos, enquadramentos morais e preconceituosos. Dessa forma, no nosso trabalho como psiquiatras se torna mais importante acolher a pessoa que, muitas vezes, não consegue compreender a preocupação dos outros a sua volta. O acolhimento tem como objetivo escutar o que o trouxe ali e o que ele espera do tratamento. Esta é a primeira abordagem em muitos casos. Outro fator que devemos levar em consideração é que, por vezes, é preciso encontrar uma forma de aliviar aquele tumulto que cerca o paciente em sua forma de ver a realidade. Na experiência clinica não é raro o fato de termos alguma dificuldade em distinguir clara e instantaneamente qual dos que vem em grupo ao ambulatório é o paciente. Exige um trabalho de escuta para haver alguma intervenção, seja ela medicamentosa ou associada à psicoterapia. Precisamos construir um projeto terapêutico incluindo o paciente, de forma que ele saiba o que pode esperar do tratamento e as possibilidades de endereçamento. Também precisamos interagir com o grupo que o acompanha, explicando qual a abordagem que vamos usar e como o tratamento medicamentoso pode aliviar o quadro de sofrimento. Sabemos que, muitas vezes, o medicamento não dá conta do quadro que se apresenta na psicose, o que exige outras intervenções como proporcionar um espaço para que o paciente possa falar do que está lhe acontecendo do jeito que ele puder. O uso de medicamentos foi um marco na desinstitucionalização dos pacientes, possibilitando tratamentos ambulatoriais bastante eficazes se uma equipe conseguir ter uma compreensão dos sintomas de forma interdisciplinar. Hoje temos uma gama de medicamentos eficazes para aplacar os sintomas. Mas devemos pensar que há um sujeito em questão. Não podemos fazer uma clínica totalmente voltada para a classificação dos transtornos. A psiquiatria tende a abordar pela via do fenômeno no modelo de classificação em transtornos, o que penso não ser suficiente para que ocorra uma organização subjetiva, para o que é preciso fazer um diagnóstico diferencial correto. A proposta de trabalho continua a se dar pelo laço transferencial. Nas equipes de saúde temos a tendência de colocar o médico como detentor do saber. Nesse modelo fica difícil o trabalho com a equipe. Proponho que o trabalho seja sempre enlaçando a outros saberes para que o médico não fique sozinho. Atender o paciente sem haver a possibilidade de troca, de estudo e discussão de casos empobrece o tratamento. Outro fator importante é fazer supervisão tanto para o entendimento do caso quanto supervisão medicamentosa. Quando há a orientação do paciente e de seu grupo mais o acompanhamento da equipe, acontece uma adesão muito maior ao tratamento. Na instituição pública, onde trabalho, a grande dificuldade é justamente o reconhecimento dos sintomas das psicoses por parte da equipe de saúde, sendo hoje ainda confundido com os aspectos morais e místicos religiosos. Penso também que é necessário haver uma melhor preparação dos profissionais, e é fundamental o acompanhamento de um psicólogo que dê lugar para que o paciente possa falar de seu sofrimento, de sua vida após ser medicado. Isso, muitas vezes, não acontece quando se espera que o medicamento seja a única opção possível ainda que os fármacos fornecidos pela instituição não estejam entre os mais eficazes e tolerados pelas pessoas. FAL NDO O livro “El burlador de Sevilla y convidado de piedra” aparece em algumas cenas do filme enquanto livro de cabeceira do personagem principal, parecendo cumprir uma função importante na construção do delírio desse personagem. “Um certo Don Gonzalo” é retratado no filme como aquele que é morto por Don Juan durante um duelo, em nome de vingar a morte de seu pai. Justamente essa cena é questionada pelo psiquiatra de Don Juan. Isso porque Don Juan, em seu delírio, ao narrar palavras de sua mãe durante o duelo, deixa evidenciar certa ambigüidade. A mãe, após a morte do marido, lamenta-se considerando que “poderia perder os dois”. Nesse momento do discurso de Don Juan, o psiquiatra questiona se a mãe referia-se ao filho ou a Don Gonzalo, um suspeito amante seu. A partir dessa intervenção, podemos pensar que o psiquiatra retira Don Juan do lugar em que o psicótico é colocado pelo discurso materno - o de falo da mãe. Isso acontece ao introduzir um ponto de interrogação nas certezas que constituem o discurso do psicótico. O filme de Jeremy Leven pode ser considerado uma variação do mito original de Don Juan, reatualizado e adaptado a circunstâncias atuais. Além disso, tal variação oferece uma possibilidade, a partir do referencial teórico da psicanálise, de tomar o personagem que se diz Don Juan como uma estrutura psicótica. Referências BOECHAT, Walter. Don Juan De Marco. Disponível e m : h t t p : / / w w w. a j b . o r g. b r / j u n grj/artigos/donjuan.htm. Acesso em: 15/04/2007. Don Juan. In: Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Don_Juan. Acesso em: 15/04/2007. Filme: Don Juan De Marco. Produção de Francis Ford Coppola, Fred Fuchs, Patrick Palmer. Escrito e dirigido por Jeremy Leven. EUA, 1995. Livro: O seminário: livro 3: As Psicoses. Joyce Carolina Ledur1 Juliana Lutkemeyer2 Pensar a clínica das psicoses é um desafio, assim como o é tentar submeter esta configuração a exemplos bem amarrados didaticamente. Uma vez que a análise, e o espaço de fala que esta inaugura, vem nos fornecer subsídio para pensar o lugar de onde um sujeito fala, também, é no processo transferencial que a cena analítica compõe o que Lacan pensou sobre a psicose. Nos postulados do seminário 3, Lacan refere que na fala do psicótico não está presente um terceiro, de maneira que nesta “modalidade de estruturação” o que não há é justamente uma garantia de testemunho, uma relação com o grande Outro. Considerando, a partir da psicanálise, que somos tecidos e costurados pela trama do desejo inconsciente e a medida que o Outro nos inscreve, tece em nós as marcas de seu nome, da cultura, nos confere um lugar de onde falaremos as frases deste que foi o primeiro texto, o faremos desde um lugar de filiação e de sexuação. O que compõe o ciclo da repetição e diz de uma cena primária, da castração, que na neurose está recalcada, na psicose não consta, encontra-se fora do campo simbólico das representações. Logo, o sujeito psicótico não opera com a língua na mesma lógica neurótica. Nas palavras de Lacan: o psicótico ignora a língua que o permite falar. Lacan, no capítulo intitulado “O fenômeno psicótico e seu mecanismo” (1985[1955], p. 88105), observa que há um momento lógico onde é possível que parte da simbolização não se faça, um “momento”que precede a neurose cuja natureza é a da palavra articulada. Isso opera quando recalcado e retorno do recalcado são o mesmo, de maneira que algo de primordial do sujeito não entra na simbolização e é rejeitado ao invés de recalcado. Assim, na psicose ocorre uma Verwerfung, que determinará que alguma coisa não simbolizada só poderá retornar desde o real. Ante esta não toda simbolização há um mecanismo estrutural que Lacan nomeou Versöhung, observando um sentido de reconciliação que se dá por meio de uma construção delirante ante o rompimento da lógica que sustentava o sujeito até então. O que provoca o romper dessa lógica lhe vem desde fora enquanto ameaça de aniquilamento. A construção delirante é o caminho que o psicótico encontra para dizer daquilo que lhe faltou ser dito, do que não se inscreveu simbólicamente. Isto ocorre no momento em que o sujeito estruturado na psicose é convocado a falar em nome próprio, a responder pelo significante fálico que não se inscreveu. A construção delirante abre à dimensão de uma certeza que não se serve de qualquer dado da realidade neurótica, por assim dizermos. A formação delirante, ela mesma pode apontar para o sujeito o quanto está fora da lógica fálica, contudo, na crença delirante uma certeza se coloca a da interpretação que só a ele concerne, a afirmação delirante do que, na neurose, é a Bejahung, conforme a leitura lacaniana. Nesse contexto, é difícil nos remetermos a pensar esta configuração psicótica desacompanhados quando a validade de cada ato está remetida a uma dívida e a um necessário testemunho de uma presença outra. Bibliografia: LACAN, J. O seminário: livro 3: as psicoses, 1955 1956. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. 1 e 2 Acadêmicas do curso de Psicologia da UNIJUÌ ESCRITA NA PSICOSE: PONTUAÇÕES NUMA “ESCRITURA HEMORRÁGICA” Iza Maria Abadi de Oliveira1 “O louco aprende a ser sábio a sua própria custa.” (Homero) Certo dia, não qualquer momento de seu tratamento, aquele homem de intelecto espetacular, estudioso da Sagrada Escritura, poliglota, com informações preciosas sobre a infusão medicinal de várias plantas, dirige-me um pedido, imperativamente: “- Quero que você escreva o que tenho a falar!” Sem hesitar, e me vindo à lembrança uma passagem em que Lacan, no Seminário As Psicoses (1955-56), propõe sermos “secretários do alienado”, levanto-me de minha poltrona, procurando um papel em branco e uma caneta. Começa, então, o formato de uma cena em que empresto meu corpo para que aquela mensagem direta do Outro tome alguma corporiedade. No entanto, a partir de um certo tempo, começam a se apresentar dores em minha mão, e meu traçado não consegue mais acompanhar aquela “hemorragia de palavras” (Pommier, 2002). Peço-lhe pausas. Ele cede. Dessa forma é possibilitado que aquela errância de palavras seja, minimamente, pontuada. É certo que são vírgulas um tanto deslocadas, pontos finais um tanto espaçados, um sintaxe ambígua, descontínua. Mas, talvez, seja uma forma encontrada de possibilitar um pouco de descanso ao seu espírito vagante. São pelas pausas que aquele tempo se compõe numa temporalidade que a sonoridade das palavras necessita. Trata-se de um dispositivo clínico no tratamento nas psicoses? Não de uma técnica instrumental, mas de um procedimento em que, através da materialidade da letra, se possa produzir um pouco de descanso a esta entrega absoluta ao Outro? Dentro deste setting clínico, um texto-corpo (ou corpo textual) vai se produzindo. Mas que corpo estamos referenciando? Os estudos de Ana Costa, principalmente aqueles em Corpo e escrita (2002), indicam caminhos. Ela propõe pensar a escrita como um suporte corporal que recorta os restos não assimiláveis, os detritos, ou seja, o que retorna de uma separação nunca concluída. A escrita reúne, também, dois objetos pulsionais privilegiados, o olhar e a voz. Segundo ela, a dimensão corporal só se sustenta pelo recorte destes objetos. Por essa via, é possível pensar a escrita na psicose como um suporte de registro corporal, no entanto, não de um resto (porque não houve separação), mas do próprio corpo? Uma produção simbólica que tenta se inscrever no real? Os entrecruzamentos entre psicose e escrita podem ser concebidos como um legado da clínica psicanalítica freudianalacaniana. Uma referência inaugural neste campo é o estudo de Sigmund Freud sobre a psicose paranóica (1911), empreendido através da autobiografia de Paul Schreber (1995 [1903]). Neste relato de suas internações e seus delírios, Schreber acredita que se referia a uma das “obras mais interessantes que já foram escritas desde que o mundo existe” (p.306). Sem dúvida, este material se tornou precioso na literatura psicanalítica, bem como o estudo empreendido por Freud. Por sua vez, na obra de Jacques Lacan, se encontram distintos momentos dedicados a este tema. No entanto, destacaremos sua produção de 1932, quando escreve sua tese de doutoramento, “Da 1 Psicóloga/CAPS/Ijuí; mestre em Literatura Brasileira pela UFSM; membro do Laboratório de Psicopatologia Fundamental da Unicamp e do Espaço Psicanalítico de Ijuí, RS. psicose paranóica em suas relações com a personalidade” (1932), em que apresenta um estudo sobre o caso “Aimeé”. Uma das produções delirantes desta mulher denominada por Lacan como “a namorada das palavras” (1987, p. 190) era o de ser uma grande escritora, chegando a levar dois romances para serem publicados, os quais foram recusados pelas editoras. Segundo ele, seus escritos apresentam “grande valor clínico” (p.175), podendo ser encontrado, no estilo destas escrituras, o próprio “ritmo psíquico do doente” (p.188). No entanto, lhe surpreende o fato de que as expressões que ela utiliza não serem de origem automaticamente imposta, o que daria a impressão de uma estereotipia do pensamento (p.177). Este é um fato novo nos estudos que ele vem empreendendo: nos escritos da paciente faltam anomalias sintáticas clássicas dos escritos paranóicos. Lacan, na sua tese, apresenta a função da escritura nos delírios erotomaníacos de Aimée: um ato metafórico que a protege de um outro ato no real, como aquele que ela empreendeu contra a atriz Huguette ex-Duflos. No entanto, ela não consegue acolhimento (aceite de publicação) a essa construção delirante. Outro fato interessante, que durante sua internação, embora seja lhe oferecido “caneta e papel”, ela se recusa a escrever. Um dos ensinamentos deste trabalho de Lacan, tão atual para a clínica de nossos tempos, é a de que, muitas vezes, precisamos emprestar nosso próprio corpo para a construção de uma corporiedade em que plasmas e glóbulos possam encontrar caminhos para verterem oxigênio. Emprestar pontuações nessas narrativas tão entregues à demanda voraz do Outro pode ser uma forma deste corpo não padecer naquilo que não consegue conter. É isso que nos remete a narrativa de Thomas Bernhard sobre Paul Wittgenstein, este ser de sentido tão aguçado e de grande riqueza intelectual, diagnosticado de maníaco-depressivo: Mas é que Paul jogava continuamente pela janela os tesouros de seu espírito com sua fortuna, mas enquanto sua fortuna rapidamente foi definitivamente jogada pela janela e completamente esgotada, os tesouros de seu espírito eram realmente inesgotáveis: ele os jogava continuamente pela janela e (ao mesmo tempo) eles só faziam crescer e se multiplicar, quanto mais ele jogava os tesouros do espírito pela sua janela (e sua mente), mais eles aumentavam, o que caracteriza pessoas desse tipo, que são primeiro um pouco loucas e que terminam sendo chamadas de completamente alienadas (p.31). Referências bibliográficas: BERNARD, T. O sobrinho de Wittgenstein: uma amizade. Rio de Janeiro, Rocco, 1992. COSTA, A. Corpo e escrita relações entre memória e transmissão da experiência. Rio de Janeiro: Relume&Dumará, 2001. LACAN, J. Da psicose paranóia e suas relações com a personalidade. Rio de Janeiro, Forense-Universitária, 1987. ___. O Seminário, Livro 3, As psicoses [1955-56]. Rio de Janeiro: Zahar, 1992. POMMIER, G. Nasimiento y Renacimento de la Escritura. In: Letra e Escrita na clínica Psicanalítica, Revista Literal da Escola de Psicanálise de Campinas, n. 5, jan. jun./2002. SCHREBER, P. Memórias de um doente dos nervos. [1903]. Trad. Marilene Carone. São Paulo: Paz e Terra, 1995. FAL NDO PSICANÁLISE E INSTITUIÇÃO: UM LUGAR POSSÍVEL NA CLÍNICA DAS PSICOSES Nilson Sibemberger 1 A clínica das psicoses tem interrogado continuamente os conhecimentos da medicina, da psicologia e da psicanálise nas formas de tratá-la. O século XIX e grande parte do século XX deram ênfase ao tratamento dentro de hospitais psiquiátricos. Na década de 60, o modelo manicomial foi duramente criticado pela sua ineficácia terapêutica e por seus efeitos iatrogênicos na exacerbação e cronificação dos sintomas negativos da esquizofrenia, na cronificação de crises psicóticas em sujeitos neuróticos e na exclusão social. Buscou-se , então, um modelo menos opressor e mais humanizado de tratamento em nova modalidade institucional. Surgiu a comunidade terapêutica. Seu princípio básico era a criação de um ambiente social dentro do espaço institucional marcado por um funcionamento democrático e participativo dos usuários. Para tanto, foram criados dispositivos institucionais baseados numa vida ideal de relações sociais como grupos operativos, assembléias, entre outros, acreditando que o convívio com tais dispositivos fosse capaz de tratar e educar o psicótico na direção da inserção social. Ao longo da reforma psiquiátrica, tanto na mudança do tempo de internação mais breve nos hospitais psiquiátricos, como nos processos de desconstrução dos grandes asilos psiquiátricos e tentativas de reinserção social via comunidade terapêutica, constatou-se a resistência não apenas da sociedade, mas de muitos pacientes em se manterem muito tempo longe dos muros institucionais. Ou seja, a vida dessas pessoas permanecia marcada por entradas e saídas intermitentes de instituição para casa e de casa para instituição. Diversas são as explicações para este fenômeno, que vão desde o rechaço social ao convívio com o psicótico, passando pelas dificuldades próprias desta clínica e de seus modos de tratamento. Elas não deixam de ter razão, nossa sociedade é intolerante à diferença do modo de ser psicótico, principalmente quando ele aponta ao neurótico onde pode chegar o fantasma da autonomia absoluta, do discurso da liberdade sem fronteiras. Porém, a psicanálise nos mostra que esta dificuldade de convívio social não é unilateral. O sujeito psicótico sente-se estrangeiro nos grupos sociais cuja regulação simbólica se dá sob o primado do falo. A forclusão da metáfora paterna faz com que o encontro desse sujeito com a demanda fálica do Outro seja fonte de incomensurável sofrimento. Não é sem razão que as primeiras crises psicóticas surjam em momentos cruciais da vida onde o sujeito se defronta com a questão “o que 1 Psicanalista, APPOA, Porto Alegre o Outro quer de mim”, como na primeira saída de casa para escola na infância, na adolescência onde o édipo dá nova volta na assunção de uma posição sexuada, ou no jovem adulto que ingressa no mercado de trabalho, tendo que prestar contas de sua suficiência fálica para sustentar a si e a família que o Outro espera que ele venha constituir. Foi pensando nas contribuições da psicologia social, nos avanços da reforma psiquiátrica, mas atravessando-os pelas contribuições da psicanálise, que se pensou na criação de uma outra modalidade de instituição. Se parece insistência vincular o tratamento da psicose numa modalidade institucional, isso se dá pensando na importância que um lugar de arrimo, onde sua loucura tenha espaço de acolhimento e de reconhecimento na tentativa de uma ordenação subjetiva, tem na vida dessas pessoas. Nessa direção criou-se o CAIS Mental-8 (Centro de Atenção Integral à Saúde Mental do distrito sanitário 8 de Porto Alegre). Do nome do serviço, aproveita-se a homofonia para situar a instituição como um lugar de referência, mas de passagem. Como é o cais do porto para o marinheiro. Pensamos com isso que o vínculo que o paciente pode estabelecer com a instituição não passe pela reificação, por parte da instituição, da impossibilidade do sujeito psicótico em constituir um lugar de saber. De outra forma, o serviço estaria funcionando como uma Mãe de psicótico cujo fantasma diz que a única coisa que importa é aquilo que à Mãe interessa. Por isso incorporamos o conceito que Maud Mannoni implementou em Bonneuil, o da instituição que se implode, para fugirmos do risco que tem as instituições de acabar se fechando em torno do próprio umbigo. Dito de outra forma, nos colocamos como transicional nos momentos cruciais da vida do psicótico, acolhendo-o na crise, para logo ajudá-lo a encontrar um caminho na direção de outros lugares possíveis de convívio social. Pode-se objetar que essa forma de pensar seja contraditória com o que foi antes exposto sobre a relação que o psicótico costuma desenvolver com a sociedade e com o lugar de refúgio(nem sempre agradável) que a instituição pode lhe oferecer. E é bem verdade que estamos continuamente nos questionando para não cair nesta lógica. Por isso buscamos criar uma equipe interdisciplinar com psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistente social, enfermeiras, bem como o pessoal de apoio administrativo, de cozinha, de serviços gerais e de segurança. A baliza desta equipe é o saber psicanalítico, e a possibilidade de que o mesmo possa circular entre as diferentes disciplinas conduzindo suas práticas de forma articulada na mesma direção de cura . Na psicose, conforme se dá a inscrição primordial, podemos aventar duas possibilidades como vetor do trabalho clínico. Ou há a possibilidade da inscrição da metáfora paterna, como pode ocorrer na infância, ou nos resta dirigir a cura no sentido da suplência, fazendo do sintoma uma amarra ortopédica entre os registros soltos do real, do imaginário e do simbólico, o que não é pouco, nem tão fácil. Como trabalhamos com uma clientela de adolescentes e adultos, ficamos com a segunda opção. Para tanto, criamos dispositivos institucionais que articulam o que é trabalhado no gabinete psiquiátrico e psicológico com o que é desenvolvido junto ao serviço social, nos grupos de conversa, nas oficinas de expressão, de teatro, de biblioteca(onde se produz um jornal de circulação interna), de literatura, de beleza(uma das mais concorridas),de cinema, com as atividades no ambiente que visam propiciar a livre circulação de significantes sociais, como a hora do chá, mas, também, permitindo falas e escutas mais particularizadas. Os pacientes podem ficar um tempo dentro da instituição que varia de um dia inteiro (Centro de Atenção Diária I), passando por alguns turnos durante a semana (Centro de Atenção Diária II), até chegar a modalidade ambulatorial onde eles vem especificamente para algumas oficinas de terapia ocupacional e consultas com seu psiquiatra e/ou psicólogo. Alguns pacientes se beneficiam do trabalho de acompanhamento terapêutico desenvolvido por estagiárias de psicologia da UFRGS, que fazem ponte entre a organização da vida cotidiana e as atividades desenvolvidas no serviço. A permanência de um paciente em CAD I, CAD II ou ambulatório depende da intensidade necessária ao atendimento, dos riscos que a crise lhe impõe e do grau de autonomia de circulação social que o sujeito tem. Na medida em que o sujeito vai podendo articular um sintoma que lhe permita um certo trânsito no meio fálico, buscase espaços sociais, geralmente vinculados a área da cultura, da participação em organizações comunitárias, do trabalho, em outras oficinas fora do âmbito institucional, ou no próprio núcleo familiar, onde ele possa seguir sua vida, sabendo que quando precisar poderá buscar novamente a instituição. Ainda que não tenhamos mensurado de forma objetiva, observamos uma redução significativa no número de novas internações psiquiátricas em muitos dos usuários do serviço. No entanto, o apego à instituição como lugar de referência parece persistir mesmo naqueles que já não vem ali com tanta freqüência. Isso nos faz pensar que lugar a instituição pode ocupar na transferência com pacientes psicóticos. Para alguns, a instituição acaba se constituindo num lugar de pertença, de filiação. Porém, até que ponto essa filiação pode se sustentar no caráter significante do nome, ou necessita da presença real da estrutura institucional como suporte da produção de uma metáfora delirante? O objeto transicional, que nos serve de metáfora para a passagem da instituição do lugar do corpo materno na direção da circulação para o mundo externo, poderia em algum momento prescindir do seu suporte imaginário? Poderia haver resolução do laço transferencial sem que fosse dissolvido o sintoma capaz de costurar, de forma ortopédica, uma subjetividade ali onde a crise psicótica espalhou fragmentos? A permanência da ligação de alguns pacientes com a instituição não estaria vinculada a impossibilidade de encontrar um lugar de reconhecimento fora do âmbito institucional? Sabemos que tal ligação segue sustentando alguma forma de circulação social viável para essas pessoas. Diferente seria se a instituição seguisse atribuindo-se o lugar inequívoco de saber. Operaria o retorno à lógica manicomial, mesmo que sua roupagem fosse nova. Tais questões seguem sendo trabalhadas pela equipe para que ela possa se colocar como mais um recurso numa rede pública de serviços hierarquizada nos seus vários níveis de complexidade. Filme: Don Juan De Marco. Produção de Francis Ford Coppola, Fred Fuchs, Patrick Palmer. Escrito e dirigido por Jeremy Leven. EUA, 1995. Anelise Prestes, Fabíola Vieira Bertotti, Juliana Lutkemeyer 1 O filme Don Juan De Marco, produzido por Francis Ford Coppola, coloca em discussão a temática da psicose. Ao contar a história de um jovem de vinte e um anos que afirma ser Don Juan De Marco, este filme oferece elementos que possibilitam certa leitura. A partir do referencial teórico da psicanálise, revela-se possível pensar a construção delirante na psicose. O referido filme tem como base o mito de Don Juan De Marco, caracterizando uma variação do mesmo. O personagem de Don Juan é um lendário libertino fictício, de quem a história foi contada muitas vezes por autores diferentes. Segundo algumas lendas, Don Juan seduz, estupra ou mata uma jovem moça de família nobre da Espanha, e também assassina seu pai. Depois, tendo encontrado num cemitério uma estátua deste, jocosamente a convida para um jantar. A estátua aceita alegremente o convite. O fantasma do pai ali também chega, como precursor da morte de Don Juan. A estátua pede para apertar-lhe a mão e, quando este lhe estende o braço, é por ela arrastado até o inferno. A maioria dos pesquisadores concordam em afirmar que o primeiro conto a registrar a história de Don Juan foi El burlador de Sevilla y convidado de piedra ("O conquistador de Sevilha e o convidado de pedra"), por volta de 1630. Segundo esse conto, Don Juan fora grande sedutor de mulheres. Seduzia-as disfarçando-se de seus amantes ou lhes prometendo o matrimônio. Atrás de si deixara um “rastro de corações partidos”, até que finalmente acaba matando um certo Don Gonzalo. Quando depois é convidado pelo fantasma deste para um jantar numa catedral, acaba aceitando por não querer parecer um covarde. 1 Acadêmicas do nono semestre do curso de graduação em Psicologia da Unijuí.