A passagem ao ato como uma resposta ao que do amor não se escreve na psicose
Gabriela Rodrigues Mansur de Castro
Psicóloga Judicial do PAIPJ/Tribunal de Justiça de Minas Gerais
Mestranda em teoria psicanalítica pela Universidade Federal de Minas Gerais
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Michelle Karina Silva
Psicóloga clínica do Hospital Risoleta Tolentino Neves
Mestranda em teoria psicanalítica pela Universidade Federal de Minas Gerais
[email protected]
“A psicose é um fracasso no que concerne à efetivação do que se chama amor”
J. Lacan
L há três dias não dorme. Com a esposa e um casal de filhos, afirma que correm risco de
morte, pois pessoas querem lhes matar. Diz que está envenenado e após agitação é
levado a um hospital geral. Os médicos concluem que o envenenamento não era de fato
e, apesar de pedir para ficar internado, L é liberado sem atendimento psiquiátrico. Em
casa, agride a esposa, sai e entra em um condomínio das imediações, onde invade a casa
de uma senhora. A ela, diz que precisa de ajuda, todavia a agredi seriamente. A agressão
se interrompe com a chegada da polícia. Na delegacia, bate a cabeça na cela e diz que
está endemoniado. É transferido para um hospital do sistema prisional, momento em
que a equipe do PAIPJ passa a acompanhar o caso.
No primeiro contato, L diz que estava preocupado com a família e pediu que a senhora
o ajudasse, mas quando viu estava com sangue nas mãos.
Revela que saiu cedo de casa, pois seu pai lhe batia, época em que se envolveu com
drogas e roubo. Aos 18 anos resolveu trabalhar, sair do crime. Após um tempo se casou.
Entretanto, a mulher passou a traí-lo. Conta o quanto lhe era insuportável ver a mulher
sair à noite para ficar com outro homem. Por um período a esposa deixou a casa com os
filhos. L pede a ela que volte, o que acontece. Diz que depois da traição, mesmo a
mulher tendo voltado, pensava que ela poderia o estar traindo. Começa a pensar em
suicídio e se envolve novamente com drogas, o que acontece meses antes do ato.
Após um período de detenção em hospital do sistema prisional, o juiz concede o
tratamento ambulatorial para L. Por alguns meses ele se mantém freqüente ao
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tratamento psiquiátrico e aos atendimentos no PAIPJ. Todavia, o fato da esposa ter se
mudado de estado e com ela levado os filhos se apresenta para L como um ponto de
impossível significação. Diz que não tem mais família, que sua vida não tem mais
sentido, que quer morrer. Ao mesmo tempo aponta que a esposa fez isto porque foi
influenciada pelos familiares, que ainda o ama e se não o amasse, ela teria pedido o
divórcio. Deixa de ir ao acompanhamento psiquiátrico e passa novamente a se envolver
com drogas. Após discussão com a rede de saúde, os profissionais entendem que não era
mais possível manter o tratamento ambulatorial, pois se durante algumas semanas L
ficava em permanência-noite no Centro de Saúde Mental, assim que recebia alta,
voltava a se envolver com drogas. Diante deste quadro, L teve sua medida ambulatorial
regredida para internação e no momento se encontra em tratamento em instituição
psiquiátrica.
Quinet (2006) em “Teoria e clínica da psicose”, tomando como referência a tese do
abade Rousselot defendida em Munique no ano de 1908 com o título “Pour l´histoire du
problème de l´amour au Moyen Age”, descreve a teoria física e a extática do amor. As
duas concepções sobre o amor serão desenvolvidas a partir da seguinte indagação: “Será
que o homem ama naturalmente a Deus mais do que a si mesmo?”
A teoria física tem sua referência em Aristóteles e, aqui, física não é sinônimo de
corporal, mas de natural: physis = a natureza. “E natural, para Aristóteles e para São
Tomás, é o homem procurar seu próprio bem” (QUINET, 2006, p.78). Amando seu
próprio bem, necessariamente, ama aquilo do qual depende, ou seja, Deus, condição de
sua existência. Assim, o amor a Deus é natural, físico. Há aqui uma identidade entre o
amor de si e o amor a Deus. Para Quinet (2006), na teoria física do amor, trata-se de um
encontro numa perspectiva de completude pela via do amor ao Outro divino.
A concepção extática do amor comporta em si o aniquilamento da razão. “Trata-se de
uma concepção do amor dualista, violento, irracional e antinatural [...], de uma
personalidade independente da divindade” (QUINET, 2006, p. 80). Ao contrário da
concepção física na qual a unidade é a razão de ser e a finalidade do amor, na extática a
dualidade é o elemento essencial e necessário do amor. “Aqui o amor de si não está em
continuidade com o amor de Deus - o amor de si, amor egoísta, nem mesmo é digno de
ser chamado de amor. Para amar é preciso o outro, diferente de si” (QUINET, 2006,
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p.81). Há a morte, ruptura, mas a morte que o amor proporciona é desejável, daí ele ser
antinatural e aniquilador.
O autor então se pergunta em que as teorias medievais do amor podem esclarecer sobre
a relação do psicótico com seu Outro? Se por um lado encontramos o aniquilamento do
sujeito na relação com o Outro, tal como na concepção extática, por outro lado, trata-se
de uma relação em que o ser do sujeito não está separado do Outro, assim como na
teoria do amor físico.
Lacan, nas fórmulas da sexuação, coloca do lado do homem a função universal do falo,
pois todos os seres deste lado estão inscritos na função fálica. Mas, é preciso a exceção
que confirma a regra da castração simbólica para todos os homens, ou seja, esse pelomenos-um fora do fálico do lado masculino sustentado pela função do Pai. A função de
exceção vem do pai da horda primitiva, um pai gozador que, em podendo gozador de
todas as mulheres da tribo, proíbe o gozo aos filhos. Uma vez morto, o pai se torna um
significante da lei, proibindo assim o gozo sem limites.
Do lado feminino não há conjunto das mulheres, pois não existe uma exceção para
fundar o universal de todas as mulheres. Daí Lacan vai dizer que A Mulher não existe,
pois não há um universal nem uma exceção, o que não quer dizer que elas não tenham
relação com o falo. Contudo nem tudo do sujeito feminino tem relação com o falo,
como ensina Lacan é o não tudo fálico que define a posição feminina.
Lacan sugere em seu texto “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da
psicose” (1958/1998) que se procure no desencadeamento da psicose a evocação de
Um-pai capaz de solicitar o significante paterno foracluído. Essa convocação do
significante inexistente na cadeia de linguagem evoca fenômenos elementares na
psicose, tais como alucinações verbais e vivências de influência nas quais o sujeito se
encontra submetido às intrusões. (RIBEIRO, 2001)
É possível relacionar a irrupção de Um-pai à fórmula da sexuação feminina. Nessa
articulação se localiza o efeito de empuxo-à-mulher. Lacan, inicialmente, associa o
empuxo-à-mulher à foraclusão do Nome-do-Pai. Assim, por não poder situar-se na
repartição entre os sexos pela falta do significante paterno, o psicótico é alocado ao lado
da mulher (QUINET, 2006).
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No seminário “As psicoses” Lacan aponta que “para o psicótico, uma relação amorosa
só lhe é possível abolindo sua condição de sujeito, pois ela admite uma heterogeneidade
radical do Outro. Mas esse amor é também um amor morto” (LACAN, 19551956/1985, p. 287).
É possível pensar como o amor solicita na psicose o despertar de uma esfera
insuportável e fragmentadora para o sujeito. Na falta de um regulador universal, a
relação com um parceiro pode ser localizada como ponto de desencadeamento ou de
desestabilização na psicose. Desse modo, há uma dualidade que se estabelece entre o
sujeito e o outro que impede a entrada de mediadores que possam se colocar como
pontos desviantes do gozo maciço enquistado na relação amorosa.
Em seu último atendimento, ao reiterar que se a mulher não lhe amasse ela teria pedido
o divórcio, L reflete que talvez ele mesmo possa o pedir. Se como aponta (MUÑOZ,
2010), o excesso do Outro faz com que o sujeito não encontre outro lugar que não seja o
de se fazer de seu objeto, talvez ao pensar na possibilidade de que ele também pode
pedir o divórcio, possamos vislumbrar que L aponta uma separação desse lugar
objetificado em que se coloca na relação com A Mulher.
REFERÊNCIAS
MUÑOZ, N. M. Do amor à amizade na psicose: contribuições da psicanálise ao campo
da saúde mental. In: Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental,
vol.13 no.1 São Paulo, mar. 2010
LACAN, J. O seminário, livro 3: as psicoses. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 19551956/2002.
________,De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. In:
Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1958/1998, p.537-590.
QUINET, A. As teorias medievais do amor e a erotomania. In: Teoria e clínica da
psicose. Rio de Janeiro: 3.ed., Forense Universitária, 2006, p. 77-91.
RIBEIRO, P. C. O real é sexual: mal-estar na clínica lacaniana das psicoses, Percurso
Revista de Psicanálise, São Paulo: nº 27, 2001, p.113-125.
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Acting out/acting in - Laboratório de Psicopatologia Fundamental