XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO
Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção
Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.
A TRANSFERÊNCIA DE
CONHECIMENTO NO PROCESSO DE
SUCESSÃO FAMILIAR: UM ESTUDO DE
CASO
Deborah Mara Siade Barbosa (UFLA)
[email protected]
Nayara Silva de Noronha (UFLA)
[email protected]
Daniela Meirelles Andrade (UFLA)
[email protected]
Este trabalho teve o objetivo de investigar o processo de transferência
de conhecimento em um processo de sucessão familiar. As empresas
familiares possuem papel importante no sistema econômico brasileiro
e o processo de transferência da geestão dentro da própria família
consiste em um período complexo dos empreendimentos familiares.
Destarte, realizou-se um estudo de caso qualitativo e descritivo em
uma empresa familiar de Minas Gerais. Verificou-se que, apesar de
negar o conatus, a segunda geração se mantém no processo de
sucessão familiar, provavelmente por ter-lhe sido incumbida essa
responsabilidade ainda na infância.
Palavras-chaves: transferência de conhecimento, empresa familiar,
sucessão familiar
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1. Introdução
A empresa familiar é a forma mais simples e antiga das organizações, o que torna evidente
sua relevância no contexto em que está inserida. Na presente conjuntura econômica, as
empresas familiares representam um número expressivo de empreendimentos, gerando renda
e emprego, movimentando a economia (PAIVA; OLIVEIRA; MELLO, 2008; CHRISMAN;
CHUA; ZAHRA, 2003). Deste modo, as empresas familiares têm se tornado objeto de estudo
em diversas áreas, cujo interesse tem, recentemente, se intensificado.
Na perspectiva da administração, o processo de sucessão familiar, focando a transferência da
empresa entre gerações, é ponto de fundamental importância para os estudos organizacionais,
haja vista sua complexidade (BORGES, 2009; PETRY; NASCIMENTO, 2009; COSTA,
2007; GRZYBOVISKI, 2007; CRAIG; MOORES, 2006; SILVA-JUNIOR; MUNIZ, 2006;
TILLMAN; GRZYBOVISKI, 2005; MACÊDO et al., 2004).
Dentre diversos conceitos de sucessão na gestão, entende-se, de forma simplificada, que se
relaciona ao fator hereditário, por pelo menos duas gerações, ocasionando a influência
recíproca nos interesses da empresa e da família (DONNELLEY, 1964; LODI, 1999).
No âmbito dos estudos de sucessão familiar, Pimentel (2011) apresenta três perspectivas,
sendo que a abordagem do evento de sucessão é mais antiga e foca, usualmente, a questão
específica do momento da transição. A perspectiva do processo sucessório, por sua vez,
evolui da anterior no sentido de analisar mais eventos adjacentes e tende a se ampliar
temporalmente. E, por fim, recentemente, a plataforma de aprendizado parece se colocar
como uma extensão da abordagem do processo sucessório, incorporando elementos
contextuais e de aprendizagem.
Grzybovski (2007) denomina como plataforma de aprendizagem o processo de entendimento
e enquadramento da sucessão nas empresas familiares a partir de uma perspectiva histórica e
longitudinal baseada nas relações sociais e espaciais que os membros da família empresária
constroem ao longo de sua história. Neste contexto, compreender como se dá a transferência
de conhecimento no processo de sucessão, a partir dos relacionamentos familiares torna-se
uma questão importante de ser estudada.
Destarte, o objetivo deste trabalho é descrever um caso de sucessão familiar de uma empresa
no setor de decoração enfatizando as ações de transferência de conhecimento de uma geração
a outra. Especificamente, pretende-se: (i) compreender como ocorreu o processo de sucessão
familiar nesta empresa; (ii) identificar ações desta empresa que levaram à transferência de
conhecimento de uma geração a outra e (iii) verificar os impactos do processo de sucessão
familiar em seu relacionamento com os stakeholders.
Este estudo está estruturado em cinco sessões, sendo esta introdução, a primeira, que
apresenta os objetivos e a justificativa da pesquisa. O referencial teórico que confere o
arcabouço necessário para a discussão do caso em estudo, contextualizando acerca de
sucessão familiar e transferência de conhecimento. Em seguida, é descrita a metodologia da
pesquisa e a apreciação dos resultados, por meio de análise de conteúdo das entrevistas. Por
fim, a última sessão expõe as considerações finais e sugestões para pesquisas futuras.
2. Referencial teórico
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2.1 O processo de sucessão em empresas familiares
A constante e complexa transformação do mundo contemporâneo exige o desenvolvimento de
competências viabilizadoras de alternativas que possibilitem a adequação, a evolução e até
mesmo a sobrevivência das organizações (SOUZA, 2005). As empresas familiares estão
inseridas nesse contexto de competitividade e representam parcela relevante da economia do
país. Leone (2005) assegura que aproximadamente 60% dos postos de trabalho e 48% do PIB
são gerados pelas empresas familiares.
Empresas familiares são entendidas como organizações administradas pelos membros da
mesma família ou por um pequeno número de famílias que partilhem de uma visão de
negócios que seja sustentável entre gerações (CHUA; CHRISMAN; SHARMA, 1999;
CHITTOOR; DAS, 2007; HALL; NORDQVIST, 2008). Por sua vez, o temo “família” é
entendido como “um grupo de pessoas ligadas por relações parentais estabelecidas tanto por
laços genealógicos, biológicos quanto sociais, como por ocasião de uniões de casais com
filhos oriundos de outros casamentos (GRZYBOVSKI; LIMA, 2004, p.7).
Insta salientar que mesmo tendo como pano de fundo a sustentabilidade entre gerações, de
acordo com Cohn (1991), em torno de 70% das empresas familiares não alcança a segunda
geração e das que alcançam apenas metade perdura. Um dos motivos apontados por Lank
(2003) para essa mortandade de empresas familiares reside no insucesso do processo de
sucessão,
Grzybovski (2002) define sucessão como a substituição do criador do empreendimento por
um sucessor, o qual dará prosseguimento à obra projetada, criada e gerida pelo pioneiro,
porém, com enfoque alterado em relação ao estilo de liderança, podendo renovar a empresa
em função da sua formação atualizada em termos teóricos e práticos.
Bernhoeft (1989) argumenta que o primeiro processo de sucessão é o mais complexo, visto
que a partir dele, a empresa deixa de ser uma sociedade baseada no trabalho de uma única
figura – o fundador. O sucessor geralmente possui comprometimento, com os ideais da
organização, inferior ao do fundador, pela simples razão de o negócio não representar uma
escolha livre, mas sim uma fatalidade.
Neste sentido, Bourdieu (2000) em sua obra “As contradições da Herança” discute as
discordâncias que podem surgir quando o sucessor não coaduna com a responsabilidade de
perpetuar o conatus – projeto familiar. A negação do conatus, no contexto de sucessão
familiar significa mais do que o descumprimento de uma obrigação familiar ou do fim da
organização. Representa a extinção das tradições e valores construídos e cultivados pela
família na figura de seu idealizador.
O processo sucessório é assunto relevante e, ao mesmo tempo, delicado (BERNHOEFT,
1989), por isso, não pode ser tratado apenas sob os aspectos puramente lógicos da
administração, uma vez que envolve pontos afetivos e emocionais, relacionados à estrutura
familiar e, concomitantemente, à estrutura empresarial. Há famílias em que prevalece o bom
relacionamento entre os integrantes devido às ideias semelhantes e à cooperação,
proporcionando bom desenvolvimento empresarial, devido ao trabalho em equipe, e
diminuindo a disputa pelo poder (LONGENECKER et al., 1997).
A disputa entre irmãos ocorre quando existe discórdia sobre a política empresarial e/ou sobre
a posição (cargo) de cada membro dentro do negócio, afinal, a sucessão implica, inclusive, na
modificação das estruturas de poder (CAPELÃO; MELO, 2001). Foi evidenciado
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empiricamente que este tipo de disputa é intensificado quando os filhos começam a se casar,
pois novas pessoas passam a fazer parte da família, as quais estão embasadas por valores
diferentes dos da família em que ocorre o processo sucessório (LEITE, 2002).
Quanto mais se intensificam as disputas familiares, mais complexo se torna o processo de
sucessão. Bernhoeft et al.(1999) defendem que, nesse processo, questões emocionais não
resolvidas na esfera familiar podem emergir no processo sucessório em forma de chantagens,
vaidades e disputas.
Lodi (1998) defende que o êxito do processo sucessório está intrinsecamente relacionado à
maneira que o pai preparou a família para o poder e para a riqueza. Por sua vez, Longenecker
et al. (1997) defendem que a sucessão é um processo contínuo e, por isso, a família deve se
responsabilizar, desde cedo, por preparar os sucessores. É um período que envolve uma série
de interesses, tanto familiares como empresariais.
Em se tratando de interesses empresarias, Pereira e Oliveira (2010) defendem a necessidade
de uma estrutura de governança para mediar a orientar a sucessão, haja vista esse ser um
momento de incertezas também para os stakeholders das organizações que passam por essa
transição.
Diante ao exposto, fica evidente o contexto complexo inerente à interação família e
organização e, por conseguinte, a possibilidade relevante da ocorrência de conflitos. Logo, a
fim de amenizar conflitos futuros, é importante transferir aos herdeiros mais do que bens
patrimoniais, visto que esses levarão a disputas de poder e à falta de comprometimento. É
importante a transferência de valores, de um legado ideológico, a fim de que o sucessor
atribua maior valor e empenho ao projeto de seu progenitor (RAIMUNDINI, 2005).
Essa inculcação ideológica é usualmente construída pelo convívio diário do sucessor com o
projeto da família. Segundo Bourdieu (2000) o fundador impõe o conatus a seu sucessor de
forma implícita – pela expressão de sua personalidade – ou explícita, por meio de ações
educativas orientadas pela perpetuação da linhagem. Esse contato cotidiano se dá ao longo da
vida do herdeiro – geralmente desde a infância – que absorve naturalmente os valores e o
ideário organizacionais, bem como demais informações acerca da dinâmica do negócio da
família (KETS DE VRIES, 1993).
2.2 Transferência de conhecimento intergeracional em empresas familiares
A aprendizagem organizacional é vislumbrada por Easterby-Smith e Araújo (2001) sob duas
perspectivas: a técnica e a social. A visão técnica compreende a aprendizagem organizacional
como o processamento, interpretação e respostas às modificações do ambiente interno e
externo. Na vertente social, a aprendizagem organizacional está relacionada ao significado
que os indivíduos atribuem às experiências de trabalho.
Dentro da organização, a aprendizagem de cada indivíduo é cristalizada em forma de rotinas e
valores organizacionais, torna-se aprendizagem organizacional. Assim, Elkjaer (2005) afirma
que aprendizagem não é um processo individual de pensamento, mas uma atividade relacional
em que a construção desse aprendizado está intrinsecamente relacionada ao processo de
interação e participação com o outro. Neste contexto, fica clara a ideia de que aprendizagem
organizacional e individual não são sinônimos, haja vista o aprendizado organizacional
ocorrer por meio das experiências e das ações de seus membros (ARGYRIS, SCHÖN, 1978),
ou seja, por meio do conhecimento que esses detêm.
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Nonaka e Takeuchi (1997, p. 63) dividem o conhecimento em duas dimensões: ontológica –
se refere ao nível em que o conhecimento é gerado pelos indivíduos dentro da organização e
como essa os incentiva a produzi-lo e, epistemológica – baseada na distinção entre
conhecimento tácito e explícito estabelecida por Polanyi (1966). O conhecimento explícito é
aquele transmissível em linguagem formal e sistemática. Por sua vez, o conhecimento tácito é
pessoal, é difícil de ser formulado e comunicado, logo, mais custoso de ser transmitido, haja
vista “podemos saber mais do que podemos dizer” (POLANYI, 1966, p.8).
Desse modo, em um processo de sucessão familiar, o conhecimento a ser transmitido do
fundador para o herdeiro é o conhecimento tácito, um tipo de conhecimento subjetivo,
adquirido pela experiência, pela prática adquirida ao longo do tempo (NONAKA,
TAKEUCHI, 1997). Trata-se de um conhecimento de difícil transmissão, afinal, está
relacionado ao conhecimento acumulado ao longo da experiência de vida do fundador, seu
background.
Segundo Szulanski (1996), o processo de transferência do conhecimento é composto por
quatro etapas: (i) iniciação, (ii) implementação, (iii) ramp-up (aprimoramento) e (iv)
integração. A iniciação é quando se constata a necessidade de transferência de conhecimento,
a fim de sanar um novo problema, por exemplo. A fase seguinte, implementação, consiste na
transferência efetiva do conhecimento. Nesta etapa os conhecimentos recebidos são adaptados
para atenderem às necessidades do receptor. No aprimoramento, o receptor inicia a utilização
dos conhecimentos transferidos e corrige eventuais falhas não identificadas na fase de
integração; é comum que o conhecimento não seja utilizado de forma efetiva no começo, mas
gradualmente o desempenho será melhorado. No último estágio, a integração, a utilização do
conhecimento transferido, com o passar do tempo, se torna rotina.
Insta salientar que o processo de transferência do conhecimento pode ser prejudicado por
fatores que o inibam ou o retardem (DAVENPORT; PRUSACK, 1998). Os autores afirmam
que a falta de confiança entre receptor e transmissor, diferenças de culturas e vocabulários,
falta de tempo e de locais de encontro, intolerância a erros, deficiência de capacidade de
absorção dos receptores, dentre outros são fatores que dificultam o processo de transferência
do conhecimento. Tais dificuldades podem ser encontradas no processo de sucessão familiar,
visto que, a transferência do conhecimento intergeracional envolve laços afetivos e subjetivos
complexos.
3. Metodologia
A metodologia de pesquisa adotada neste trabalho tem natureza qualitativa, uma vez que,
contempla as quatro características capazes de identificar este tipo de pesquisa, apresentadas
por Godoy (1995), a saber: (i) o ambiente natural – a empresa familiar – como fonte direta de
dados; (ii) o caráter descritivo; (iii) o significado que as pessoas dão às coisas e à vida como
preocupação central da pesquisa e (iv) o enfoque indutivo.
O tipo de pesquisa adotado neste estudo foi o estudo de caso descritivo. O estudo de caso é
um método recomendado por permitir a caracterização e explicação do fenômeno em seu
contexto (YIN, 2005), o que possibilita atingir o objetivo de descrever um caso de sucessão
familiar de uma empresa do setor de decoração enfatizando as ações de transferência de
conhecimento intergeracional. Segundo Cançado et al. (2011), a complexidade do processo de
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sucessão e da teia social que caracteriza uma empresa familiar justifica a necessidade de
adoção do estudo de caso.
Destarte, este estudo de caso foi realizado em uma empresa do setor de decoração de uma
cidade do interior do estado de Minas Gerais. Esta empresa do setor de decoração foi indicada
por uma agência de apoio ao empreendedor e pequeno empresário devido à participação de
seus membros nas atividades proposta pela instituição.
A técnica de coleta de dados consistiu em entrevistas, com roteiro semiestruturado, no qual o
pesquisador e o entrevistado tinham autonomia para modificar o rumo da entrevista, porém
não se afastando do objetivo do estudo. Tais entrevistas foram realizadas pelos pesquisadores
com três membros da família que atuam na organização, a primeira e a segunda geração, com
duração média de duas horas cada, na sede da empresa. Essas entrevistas foram gravadas, com
a autorização dos participantes, e, posteriormente, transcritas pelos pesquisadores para serem
submetidas à análise de conteúdo.
A análise de conteúdo é uma técnica de tratamento de dados que, por procedimentos
sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, permitem a inferência de
conhecimentos relativos às condições variáveis inferidas destas mensagens, ou seja, visa
identificar o que está sendo dito a respeito de determinado tema (VERGARA, 2006;
BARDIN, 2007).
Deste modo, a interpretação dos dados foi feita por meio do emparelhamento (pattern
matching), pois os resultados da entrevista foram associados ao referencial teórico utilizado.
Este emparelhamento resultou em nove categorias de análise que permitiram a compreensão
do processo de transmissão de conhecimento na sucessão familiar do objeto de estudo. Frases
e parágrafos foram definidos como unidades de análise.
Os excertos extraídos das entrevistas foram dispostos em quadros, de acordo com as
categorias às quais foram classificados, conforme será demonstrado na análise de resultados.
4. Análise e discussão dos resultados
Os resultados foram organizados em duas partes: na primeira é apresentada a história de
fundação da empresa e a descrição do negócio e, em seguida, são analisadas as entrevistas
realizadas com os três membros da família: fundador, esposa e filho. A empresa, doravante
denominada EF, está no mercado há 15 anos. O fundador da empresa perdeu seu emprego
devido à forte crise econômica enfrentada pelo setor ferroviário, no final dos anos 80, do qual
era funcionário. A partir dessa situação e vislumbrando no artesanato que sua esposa fazia em
casa, inicia-se a história da EF.
4.1 A história da empresa EF
A história da empresa familiar EF é um típico caso brasileiro de organizações familiares. O
fundador da empresa, denominado neste estudo de JR, iniciou o negócio como alternativa de
renda para sustento da família. JR atuava como desenhista técnico em empresas do setor
ferroviário, que movia economicamente a cidade na qual a família residia. No final dos anos
80, o setor passou por uma crise econômica e as empresas ferroviárias deixaram a cidade para
atuarem em outros lugares, deixando JR desempregado.
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A esposa de JR, chamada neste caso apenas de AL, confeccionava bonecas de pano, em sua
própria residência, e as vendia nas feiras semanais da cidade, em algumas lojas e no comércio
de cidades vizinhas para complementação da renda familiar. AL percebendo o potencial de
seu artesanato iniciou a confecção de cortinas e enxovais para bebês, contudo, esta produção
ainda acontecia na casa da família. Com a perda do emprego, JR tomou a iniciativa de abrir
uma loja para vender móveis tubulares, tapetes, cortinas, decoração em geral. Desse modo,
incentivou AL a mudar sua produção para a loja do marido representando a primeira mudança
do negócio da família.
Concomitante à mudança física do maquinário de AL, foram adquiridas outras máquinas para
facilitar o processo produtivo – uma máquina de overlock e uma semi-industrial. Entretanto, a
produção continuava a ser executada integralmente pela família, devido à falta de condições
de manter funcionários na organização.
O filho mais velho do casal, DL, começou a participar da vida da empresa logo cedo. Iniciou
suas atividades na área de vendas, mas também auxiliava na instalação de cortinas. Assim, o
negócio foi crescendo lentamente, com tropeços e dificuldades, que foram sendo vencidos
pela família. Cinco anos atrás a EF passou por dificuldades financeiras resultantes da falta de
profissionalização, comum em empresas familiares. A família buscou a ajuda de uma
instituição de apoio ao pequeno empresário e de uma universidade federal mineira que
auxiliaram na reorganização do empreendimento, por meio de cursos de gestão empresarial,
possibilitando a aplicação de várias ferramentas e métodos, profissionalizando a empresa.
Além disso, as responsabilidades foram divididas. JR é a pessoa que idealiza as inovações e
mudanças da empresa. Atualmente, não atua ativamente na EF devido a problemas de saúde.
DL, herdeiro, assumiu quase todos os setores da empresa, com exceção do setor financeiro
que é conduzido pela mãe. O processo de sucessão é tido como encerrado pelos pais, no
entanto, eles ainda atuam no cotidiano da empresa. A mãe atua de forma relevante na tomada
de decisões, principalmente, financeiras.
4.2 A sucessão familiar e a transferência de conhecimento na empresa
Das nove categorias analisadas à luz da análise de conteúdo, as seis primeiras se referem ao
repertório interpretativo “o processo de sucessão em empresas familiares” e as três seguintes
ao repertório “transferência de conhecimento intergeracional em empresas familiares”. As
figuras a seguir demonstram as categorias de análises e seus respectivos fragmentos
ilustrativos.
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Figura 1 – Repertório interpretativo “o processo de sucessão em empresas familiares”
Fonte: elaborado pelos autores
A categoria estrutura familiar demonstra que a empresa EF é uma empresa familiar de
acordo com a concepção de (CHUA; CHRISMAN; SHARMA, 1999; CHITTOOR; DAS,
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2007; HALL; NORDQVIST, 2008) que asseveram serem empresas familiares aquelas geridas
por membros da família, neste caso, marido e mulher, ou seja, uma relação estabelecida por
laços sociais (GRZYBOVSKI; LIMA, 2004).
Na categoria sucessão familiar – primeira geração fica evidente o processo sucessório
estabelecido, de acordo com a definição de Grzybovski (2002), ou seja, se trata da
substituição do fundador do negócio por um sucessor que dará prosseguimento ao
empreendimento com enfoque alterado. Vale ressaltar que JR não acredita que seu sucessor,
DL, dedicará o mesmo esforço que ele, pois não enfrentou desafios para que o
empreendimento se estabelecesse no mercado. Assim, de acordo com Bernhoeft (1989) a
sucessão de JR para DL além de ser complexa simplesmente porque a sucessão é um processo
delicado, ainda possui ingredientes que a tornam mais complicada como o fato de ser a
primeira sucessão e a crença, por parte do fundador, que seu sucessor não se empenhará o
suficiente para a manutenção e crescimento do negócio.
De fato, DL afirma ser um negócio que nunca pensou em seguir e que, nos momentos, de
raiva, pensa em deixá-lo, mas após reflexão diz que não venderá o negócio da família. Essa
passagem deixa clara a inculcação ideológica de que trata Bourdieu (2000), que afirma que o
fundador imputa o conatus, inclusive de forma implícita, a seu sucessor, geralmente desde a
infância.
DL demonstra em seu discurso o fado de permanecer à frente dos negócios da família até o
fim da vida. Assim, o sucessor nega o conatus de forma não explícita, pois apesar de afirmar
que permanecerá no negócio, afirma não desejar impor aos seus descentes a responsabilidade
de perpetuar o conatus e desejar encontrar um gerente para administrar o empreendimento,
conforme pode ser comprovado nos excertos da categoria sucessão familiar – segunda
geração.
Na categoria tomada de decisão fica evidente que o processo de tomada de decisão, apesar
de AL afirmar que a empresa já pertence a DL, ainda compete ao fundador. E o panorama de
pouca autonomia do herdeiro é corroborado no discurso de AL, assim, é possível afirmar que
o processo de sucessão não foi efetivamente completado. Parece ainda haver receio de ambas
as partes – fundador e sucessor.
Vale ressaltar que AL demonstra não haver disputas pelo poder entre os herdeiros,
corroborando o que Longenecker et al. (1997) afirmam acerca do bom desenvolvimento
empresarial proporcionado pela semelhança de ideais, ou seja, não há modificação das
estruturas de poder entre os irmãos (CAPELÃO; MELO, 2001), conforme pode ser
constatado no excerto exposto na categoria convívio familiar.
O processo de sucessão parece não gerar incertezas para os stakeholders da empresa EF, visto
que o sucessor participa dos negócios familiares há muito tempo. DL está à frente de algumas
atividades há vários anos. Conforme demonstram os trechos retirados das entrevistas, na
categoria relação com os stakeholders, o relacionamento da empresa EF com fornecedores se
mantém cordial como já o era antes do processo de sucessão. Há relativa mudança quando se
trata dos funcionários da organização, haja vista o próprio sucessor afirmar que sua tratativa
para com os colaboradores é mais dura, menos paternal do que a do fundador.
Quanto ao relacionamento com os clientes, percebe-se divergência de opiniões, haja vista, JR
afirmar que os clientes ainda vislumbram na pessoa de AL os serviços e produtos oferecidos
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pela EF, ao passo que a própria AL aponta DL como muito bem recebido e competente para o
atendimento aos clientes.
A Figura 2, a seguir, demonstra os fragmentos do repertório “transferência de conhecimento
intergeracional em empresas familiares”.
Figura 2 – Repertório interpretativo “transferência de conhecimento intergeracional em empresas familiares
Fonte: elaborado pelos autores
O conhecimento tácito que o fundador transmite ao sucessor diz respeito à percepção do
mercado e de novas oportunidades de negócios. Contudo, conforme evidencia a fala de JR,
não é certo que DL conseguirá absorver o que o fundador que lhe transmitir, haja vista se
tratar de um conhecimento intimamente relacionado ao background do indivíduo, bastante
subjetivo (NONAKA; TAKEUCHI, 1997).
Quanto ao conhecimento explícito, DL afirma conseguir operacionalizar a empresa sozinho,
pois entende do funcionamento das operações básicas da empresa. Insta salientar que este tipo
de conhecimento é de mais fácil aquisição, pois é formal (NONAKA; TAKEUCHI, 1997).
A categoria etapas de transferência de conhecimento demonstra que DL está na fase de
aprimoramento, ou seja, o processo de transmissão foi iniciado, as informações foram
transmitidas (é provável que nem todas, visto que grande parte do conhecimento é tácito e,
portanto, de difícil transmissão). Neste momento, DL faz uso dos conhecimentos recebidos,
mas ainda comete erros, não possui segurança total, pois a tomada de decisão ainda é
realizada sob a tutela do fundador. Assim, DL se encontra na penúltima etapa do processo de
transmissão de conhecimento descrito por Szulanski (1996).
5. Considerações Finais
O presente estudo teve como objetivo descrever o caso de uma empresa familiar e o processo
de transferência de conhecimento intergeracional. Verificou-se que apesar de o processo de
sucessão familiar ser dado como concluído pelo fundador não é o que se percebe na prática da
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organização, pode-se afirmar que ele está em processo de finalização, pois não há gestão total
exercida pelo sucessor, como fica claro nos excertos retirados das entrevistas.
O processo de transferência de conhecimento se dá de maneira informal e, haja vista o
conhecimento tácito ser o mais relevante para o sucessor essa transmissão foi realizada de
forma bastante informal, por meio da convivência do herdeiro com o fundador, desde a
infância, absorvendo as práticas organizacionais.
Ademais, a sucessão organizacional não gerou nenhuma conseqüência relevante para
organização quando se consideram fornecedores e clientes. Contudo, quando se leva em conta
os funcionários, a modificação da gestão passando de paternal a “empresária” é perceptível
para todos os envolvidos no processo.
Ao finalizar este trabalho, se faz necessária a ressalva de ter sido considerada a perspectiva
dos entrevistados e não dos stakeholders envolvidos no processo demonstrando apenas a
visão daqueles acerca do processo.
Destarte, o processo de sucessão familiar é um processo complexo, permeado de facetas
subjetivas as quais não permitem julgar o processo de sucessão estudado como certo ou
errado, mas permitem conhecer mais profundamente a temática.
6. Referências bibliográficas
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