0 UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE FACULDE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E ECONÔMICAS CURSO DE DIREITO Júlia Sobreira da Silva ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO Governador Valadares 2011 1 JÚLIA SOBREIRA DA SILVA ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO Monografia para obtenção do grau de bacharel em Direito, apresentada à Faculdade de Direito, Ciências Administrativas e Econômicas da Universidade Vale do Rio Doce. Orientadora: Suely F. Pinel Fernandes. Governador Valadares 2011 2 JÚLIA SOBREIRA DA SILVA ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO Monografia para obtenção do grau de bacharel em Direito, apresentada à Faculdade de Direito, Ciências Administrativas e Econômicas da Universidade Vale do Rio Doce. Governador Valadares, ___ de ____________ de _____. Banca Examinadora: __________________________________________ Suely F. Pinel Fernandes. Universidade Vale do Rio Doce __________________________________________ Convidado 1 __________________________________________ Convidado 2 3 DEDICATÓRIA A minha família – Wanderson Sobreira Ferreira, Matheus Henrique, Guilherme: meu suporte, meu auxílio, meu esconderijo secreto. 4 AGRADECIMENTOS Aos Professores, especialmente a Suely F. Pinel Fernandes, minha orientadora, que com tanto carinho e presteza colaborou nesta monografia. Aos colegas de classe, especialmente a minha amiga Patrícia Fernandes, Alexandre Augusto e Edeusilene Lopes , com quem convivi com muita alegria. Aos meus pais Maria das Graças e Abílio, ao meu querido sogro Custodio e sogra Maria da Penha, e aos meus irmãos: especialmente a minha amiga Valdirene, que juntos cada um a sua maneira, colaboraram com seu amor e carinho para com meus filhos para que eu pudesse finalizar este trabalho Ao meu esposo Wanderson e aos meus filhos Matheus Henrique e Guilherme, que tanto sofreram com minha ausência quando da elaboração desta monografia e dos diversos trabalhos durante os dois anos do curso. E especialmente agradeço Deus, sem ele, nada disso seria possível. 5 RESUMO Assédio Moral é visto como uma forma de manipulação do empregado, que fica exposto a situações humilhantes, que são o resultado das condutas abusivas do empregador. O assédio no ambiente de trabalho decorre do desvio no exercício do poder nas relações de trabalho, que faz com que o trabalhador fique desestabilizado e coagido, ocorrendo, assim, o surgimento de direitos ao trabalhador de pleitear indenizações por esses danos gerados em relação a sua integridade psíquica ou física. A competência de conhecimento desse dissídio, resultante de assédio moral, também se agregou à Justiça do Trabalho, por ser extensão das relações de empregado e empregador. Tal assunto, objeto desta pesquisa monográfica, visa demonstrar como o assédio moral no ambiente de trabalho causa transtornos ao trabalhador, que, constantemente, fica sujeito a essas situações de humilhação, por ser a parte mais fraca da relação empregatícia, embora ele mereça ser tratado com a devida atenção. Mas o trabalhador acaba em uma situação de se sujeitar aos abusos visando manter seu emprego, abrindo mão, assim, de sua integridade e honra. Palavras Chave: Assédio Moral. Conduta. Indenização. Danos. Competência. 6 ABSTRACT Moral Harassment is seen as a form of employee's manipulation, he/she is exposed to humiliating situations, those are the result of employer´s abusive conducts. The harassment in the in the work atmosphere elapses of the deviation in the exercise of the power in the work relationships, that destabilize and coerce the worker, causing, like this, the appearance of rights to the worker of pleading compensations for those damages generated in relation to his/her psychic or physical integrity. The Competence of knowledge of that dissension, resulting from moral harassment, also was joined to Labour Justice, for it is an extension of employee's relationships and employer. Such subject, object of this monographic research, seeks to demonstrate how the moral harassment in a work atmosphere causes upset to the worker, who is constantly subject to those humiliation situations, because he/she is the weakest part of the employment relationship, although he/she deserve to be treated with the concerning attention. But worker put himself/herself in a situation of subjecting to abuses seeking to maintain his/her job, therefore renounce his/her integrity and honor. Keywords: Moral harassment. Conduct. Compensation. Damages. Competence. 7 SUMÁRIO RESUMO.....................................................................................................................5 ABSTRACT.................................................................................................................6 1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................8 2 HISTÓRICO ...........................................................................................................10 2.1 CONCEITO .........................................................................................................13 3 TIPOS DE ASSÉDIO MORAL ...............................................................................15 3.1 ASSÉDIO HORIZONTAL ....................................................................................15 3.2 ASSÉDIO VERTICAL ASCENDENTE ................................................................16 3.3 ASSÉDIO VERTICAL DESCENDENTE ..............................................................16 3.4 ASSÉDIO MISTO ................................................................................................17 4 CARACTERIZAÇÃO .............................................................................................19 4.1 ESTRATÉGIAS E CONDUTAS DO AGRESSOR ...............................................20 5 CONSEQUÊNCIA DO ASSÉDIO MORAL.............................................................23 5.1 CONSEQUÊNCIAS À SAÚDE DA VITÍMA .........................................................24 5.2 NEXO CAUSAL...................................................................................................25 6 ASSÉDIO MORAL E A PROTEÇÃO JURÍDICA BRASILEIRA ............................27 6.1 ASSÉDIO MORAL NA CF E CLT........................................................................27 7 CONCLUSÃO ........................................................................................................30 REFERÊNCIAS.........................................................................................................31 8 1 INTRODUÇÃO O tema abordado para estudo é “assédio moral no ambiente de trabalho”, que é pouco conhecido no direito brasileiro. Em um cenário de reestruturação produtiva, fechamento e diminuição de postos de trabalho, flexibilização e desregulamentação de direitos sociais inerentes ao trabalhador e, por conseguinte, em face de uma política altamente capitalista em um mundo globalizado que busca a todo preço o aumento da produtividade e crescimento da expansão empresarial, nasce um mundo de incertezas e medo frente a altos índices de desemprego. Assim cresce a submissão e sujeição nas relações de emprego, surgindo a vergonha de não ser reconhecido naquilo que faz, deixando em cada trabalhador um sentimento de fracasso por não acompanhar o intenso ritmo da produtividade. A violência moral no âmbito do trabalho sempre ocorreu, podendo-se dizer que seja tão antiga como o próprio trabalho. Contudo, hoje tomou proporções gigantescas se intensificando e generalizando, principalmente na linha de produtividade. Isso se deve ao novo perfil do trabalhador: autônomo, flexível, competitivo, criativo e qualificado, inserido em um contexto de pressões por produtividade e o distanciamento entre os órgãos dirigentes e os trabalhadores, erradicando a solidariedade pela impossibilidade de uma comunicação direta. O assédio moral não é um caso isolado e deve ser analisado sob a visibilidade social e jurídica, uma vez estar inserido na relação de emprego, e mais precisamente como derivação do mesmo, em face do uso de políticas de gestão errôneas. Este trabalho terá como objeto de pesquisa a problematização do assunto a ser pesquisado e as respostas prováveis para o problema elaborado. Assim, a pesquisa abordará seus elementos caracterizadores, espécies, formas de manifestação, efeitos e conseqüências trazidas pelas agressões, o dano e as dimensões. E terá como problema principal a questão se é o assédio moral um caso isolado, uma doença a ser estudada no âmbito não só patológico pela medicina. O objetivo principal desta pesquisa será evidenciar até onde este fenômeno conduz a Sociedade, de forma especial o agressor e a vítima frente a sua veiculação 9 social e jurídica, objetivando, assim, a criação de mecanismos que possam interromper este processo de degradsação humana em crise empresarial. Para a realização do presente trabalho, utilizar-se-á de pesquisa descritiva do tipo pesquisa bibliográfica, valendo-se para tanto da leitura de doutrinas, jurisprudência e artigos, acerca do tema pesquisado. A pesquisa bibliográfica será embasada, principalmente na autora: Marie-France Hirigoyen; será embasada também em artigos da internet, revistas, jornais, Jurisprudência, e, principalmente, em livros especializados no assunto, que foram recentemente publicados. O embasamento teórico e jurídico se fará pela Constituição Federal, Consolidação das Leis Trabalhistas e Código Civil Brasileiro. 10 2 HISTÓRICO O assédio moral no ambiente de trabalho não atinge somente o nosso país, pelo contrário, em outros países este fenômeno é conhecido na Itália como mobbing; na Alemanha recebe o nome de bullying; nos Estados Unidos é conhecido como harassment; na França, harcèlement moral; no Japão, ijime; nos países de língua espanhola, psicoterror laboral ou acoso moral; e em países de língua portuguesa, além da denominação de assédio moral, identifica-se também pelas expressões terror psicológico, tortura psicológica ou humilhações no trabalho (PAMPLONA FILHO, 2006). De acordo com Marie-France Hirigoyen o mobbing [...] foi presumivelmente utilizado pela primeira vez pelo etimólogo Konrad Lorenz, a propósito do comportamento agressivo de animais que querem expulsar um animal intruso, e reproduzido nos anos 60 pelo médico sueco, Peter Heinemann, pra descrever o comportamento hostil de determinadas crianças em relação a outras, dentro das escolas. (HIRIGOYEN, 2002, p. 76) Segundo o dicionário, o termo mobbing vem do verbo inglês to mob, cuja tradução é maltratar, atacar, perseguir, sitiar. As primeiras pesquisas sobre o assédio moral no trabalho tiveram seu início no campo da Medicina e da Psicologia do Trabalho. Segundo Guedes (2003, p. 27), ao relatar os estudos mobbing: [...] foi no começo de 1984 que Heinz Leymann publica, num pequeno ensaio cientifico contendo uma longa pesquisa feita pelo National Board of Occupational Saety and Health in Stokolm, no qual demonstra as conseqüências do mobbing, sobretudo na esfera Neuropsíquica, sobre a pessoa que é exposta a um comportamento humilhante no trabalho durante certo lapso de tempo, seja por parte dos superiores, seja por parte dos colegas. Os estudos de Leymann se desenvolveram com maior ênfase na Suécia, para onde se transferira em meados dos anos 50, e verificou que em um ano 3,5% dos trabalhadores, de uma população economicamente ativa de 4,4 milhões de pessoas, sofreram perseguição moral por tempo superior a 15 meses. Leymann estabeleceu que, para caracterizar o mobbing, era necessário que as humilhações fossem repetidas com duração mínima de seis meses. 11 Após a difusão de seu estudo em 1995, Leymann acabou por difundir o resultado de suas pesquisas por toda a Europa. Após isso, a Alemanha acabou por adotar medidas de atendimento médico específico para suavizar o sofrimento das vítimas, e introduzir aspectos que envolvem o assédio moral em disciplina de estudo universitário, como parte da cadeira de Psicologia do Trabalho. Na França, a vitimologia passou a ser especialidade na área médica e consiste em analisar quais as razões que levam um indivíduo a tornar-se vítima, os processos que geram a vitimação, quais conseqüências produzidas e quais os direitos que podem pretender. Foi devido à divulgação dos estudos de Leymann que surgiram as primeiras estatísticas sobre a violência psicológica na Europa. Em 2000, o termo assédio moral era praticamente desconhecido no Brasil. Um estudo realizado a partir de entrevistas revelou um dado alarmante: 42% dos entrevistados responderam com firmeza que sofriam humilhações no trabalho. Com isso houve a abertura de espaço para se debater e refletir sobre relações de trabalho que não seguem as regras sociais ou às funções elencadas no contrato de trabalho. O assédio moral pode ser considerado como uma violência psicológica contra o empregado. Expor o funcionário a situações humilhantes; negar folgas e emendas de feriado quando outros empregados são dispensados; delegar cada vez menos tarefas alegando incapacidade do trabalhador; exigir dele metas inatingíveis; agir com rigor excessivo e reclamar dos problemas de saúde do funcionário são alguns exemplos de assédio moral. São atitudes que, ocorridas com freqüência, tornam insuportável a permanência do funcionário no emprego causando danos à saúde do mesmo. Entretanto, o assédio moral não é um fenômeno novo. As relações de trabalho sempre foram marcadas por casos de humilhação e abuso. A discussão atual existente tem por objetivo proteger legalmente o trabalhador. Dados apontam a necessidade de uma legislação para tanto. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o problema é comum em todo o mundo e atinge mais de 12 milhões de trabalhadores na Europa. Os distúrbios mentais gerados devido às más condições de trabalho são hoje um dos males da modernidade. Tudo o que foge às normas de contrato caracteriza-se como abuso para com o trabalhador. É de suma importância ressaltar e diferenciar os acontecimentos comuns nas relações de trabalho (como uma bronca eventual do chefe, ou mesmo a necessidade de se trabalhar além do horário algumas vezes) das situações que caracterizam o assédio moral. É preciso saber diferenciar. 12 Geralmente a violência deste assédio é exercida pelas pessoas “inseguras, autoritárias e racistas”. Por medo, algumas pessoas repetem a atitude do chefe, humilham aquele que é humilhado ou silenciam quando se deparam com uma situação dessas. O problema é puramente estrutural das empresas. Uma das principais causas do assédio é a vontade do empregador de demitir o empregado. Para não pagar as despesas trabalhistas, o empregador cria um ambiente insuportável fazendo com que o funcionário acabe por pedir demissão. No âmbito federal, o Brasil ainda não possui regulamentação jurídica específica, mas a agressão moral pode ser julgada por condutas elencadas no artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: a) ato de improbidade; b) incontinência de conduta ou mau procedimento; c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço; d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena; e) desídia no desempenho das respectivas funções; f) embriaguez habitual ou em serviço; g) violação de segredo da empresa; h) ato de indisciplina ou de insubordinação; i) abandono de emprego; j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; l) prática constante de jogos de azar. Parágrafo único - Constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional. (CARRION, 2011, p. 432-433) Mesmo com a possibilidade de processar o empregador, o empregado quase nunca recorre à Justiça do Trabalho. Além do medo do desemprego, o empregado geralmente fica inseguro com relação às situações que caracterizam o assédio moral. Caso peça demissão, o trabalhador deve reunir o maior número possível de provas que demonstrem o assédio, como troca de e-mails com o chefe (onde este escreve de forma agressiva, degradante) e testemunhos de outros funcionários que tenham presenciado cenas de humilhação. 13 2.1 CONCEITO Segundo nos ensina Nascimento o assédio moral é definido como: [...] uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica, de forma repetitiva e prolongada, e que expõe o trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de causar ofensa à personalidade, à dignidade ou à integridade psíquica, e que tenha por efeito excluir a posição do empregado no emprego ou deteriorar o ambiente de trabalho, durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções. (NASCIMENTO, 2004, p. 01) Segundo a psiquiatra Marie-France Hirigoyen, pode-se entender por assédio moral toda e qualquer conduta abusiva, (gestos, palavras, comportamentos, atitudes), que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho. Qualquer ato que viole a dignidade do trabalhador, atitudes humilhantes que vão desde o isolamento, passa pela desqualificação profissional e acaba no terrorismo visando a destruição psicológica da vítima pode ser enquadrado como assédio moral. Neste fenômeno a violência é praticada de forma isolada, fato que não a caracteriza como de natureza grave, entretanto, produz efeitos destrutivos a quem sofre com o assédio, os quais estão contidos nos pequenos traumas que freqüente e reiteradamente a vítima sofre durante determinado lapso temporal. Assédio moral é também o fruto de conjuntos de fatores, tais como a globalização econômica predatória, vislumbrando somente a produção e o lucro, e a atual organização do trabalho, marcado pela competição agressiva e pela opressão dos trabalhadores através do medo e da ameaça. Deve-se destacar que, para a identificação precisa do assédio moral nas relações de trabalho, é necessária a violação da dignidade do trabalhador por condutas abusivas desenvolvidas dentro do contexto. Barreto (2001, p. 68), uma das pioneiras a pesquisar o fenômeno no Brasil, ensina que o assédio moral: É a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comum em relações hierárquicas e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e étnicas de longa duração, de um ou mais chefes dirigidas a 14 um ou mais subordinados, desestabilizando a relação com o ambiente de trabalho e a organização, forçando-a a desistir do emprego. A violência moral nas relações de trabalho constitui um fenômeno internacional, segundo levantamento recente da OIT com diversos países desenvolvidos. As perspectivas são assombrosas para as duas próximas décadas, pois, segundo a OIT e a Organização Mundial de Saúde (OMS), estas são as décadas do mal-estar na globalização, onde predominarão depressões, angústias e outros danos psíquicos, relacionados com as novas políticas de gestão na organização de trabalho e que estão vinculados a políticas neoliberais (HADASSA, 2004). 15 3 TIPOS DE ASSÉDIO MORAL Para que se possa verificar a responsabilidade pela pratica de assédio moral é necessário, num primeiro momento, identificar os sujeitos da relação de emprego. Empregado e empregador, respectivamente, estão definidos nos artigos 3˚. e 2˚. da Consolidação das Leis do Trabalho. Segundo a CLT, “empregado é a pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário” e, “empregador, a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos de atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”. Além disso, há aqueles que são equiparados por lei ao empregador. Também, dependendo da relação que se estabelece entre os sujeitos, no lugar do empregador poderá estar superior hierárquico por ele eleito ou contratado para tal. (CARRION, 2011) Sendo assim, em relação ao assédio moral, as figuras de empregado, empregador e superior hierárquico não possuem posições definidas no que se refere a agressor e vítima, pois estas posições podem ser alteradas de acordo com a relação estabelecida no caso concreto. 3.1 ASSÉDIO HORIZONTAL Este tipo de assédio é desencadeado pelos próprios colegas de trabalho do mesmo patamar hierárquico. O medo, causado pela alta competitividade, aguça práticas individualistas, e de tolerância aos abusos dos superiores hierárquicos, que sustentam a “cultura do contentamento geral”. Entretanto, a busca de melhores resultados para maior produtividade e, por conseqüência, melhora no salário, leva à intolerância com os colegas mais morosos, passando para a discriminação dos “improdutivos”, humilhando-os. A competição sistemática entre os trabalhadores incentivada pela empresa provoca comportamentos agressivos e de indiferença ao sofrimento de outros. 16 Os fatores responsáveis por esse tipo de perversão moral são a competição, a preferência pessoal do chefe, porventura gozada pela vítima, a inveja, o racismo, a xenofobia e motivos políticos. Neste tipo de assédio, a empresa deveria intervir de forma justa, ou seja, dirigindo de maneira a educar, empregando sanções a todos os empregados envolvidos, pois se ocorrer de outra maneira, um funcionário pode entender que há um superior apoiando outro colega e acontecer de o processo de assédio moral piorar. 3.2 ASSÉDIO VERTICAL ASCENDENTE Apesar de raro, este tipo de humilhação também ocorre nas relações trabalhistas. É o assédio de baixo para cima, onde um descendente ou uma coletividade pratica atos vexatórios contra o superior hierárquico. Um chefe inexperiente pode demonstrar insegurança ao(s) seu(s) subalterno(s), tendo suas determinações desobedecidas ou hostilizadas, as quais podem evoluir num comportamento de deboche e desrespeito. Dessa forma, a pressão dos subalternos pode levar o superior a desacreditar de sua competência e, pelo medo de levar o problema ao empregador e ser considerado inapto para o exercício do cargo de liderança, acaba assistindo ao fenômeno calado, o que pode acabar numa violação na sua autoestima, além de outros prejuízos mais graves, tanto em níveis mentais como físicos. 3.3 ASSÉDIO VERTICAL DESCENDENTE Quando o terror psicológico é perpetrado por um superior hierárquico, ou na grande maioria dos casos, pelo próprio empregador (sócio da empresa ou pessoa física que contrata o empregado), é classificado como assédio vertical descendente. Este é o tipo mais freqüente na atualidade. 17 A humilhação vertical se caracteriza por relações autoritárias, desumanas, onde predomina os desmandos, a manipulação do medo, a competitividade. O avanço do sistema organizacional do trabalho demandou novas características incorporadas às funções: polifuncionalidade, rotação das tarefas, autonomia e flexibilização. Exige-se uma maior qualificação dos trabalhadores a custos de menores salários. Assim, o que se verifica no assédio vertical descendente é a utilização do poder de chefia para fins de verdadeiro abuso de direito do poder diretivo e disciplinar, bem como para esquivar-se de conseqüências trabalhistas. Tal é o exemplo do empregador que, para não ter que arcar com as despesas de uma dispensa imotivada de um funcionário, tenta convencê-lo a demitir-se, ou cria situações constrangedoras, como retirar sua autonomia no departamento, transferir todas as suas atividades a outras pessoas, isolá-lo do ambiente, para que o empregado sinta-se de algum modo culpado pela situação, pedindo sua demissão. Diante deste quadro, o empregador que pratica o assédio moral, mesmo que por intermédio de seus prepostos, viola a dignidade do empregado, bem como demais direitos personalíssimos, ficando alterado o desenvolvimento comportamental da vítima, tanto no aspecto pessoal, como profissional e social. Desvirtuando, pois, a função social da empresa, desestruturando o ambiente laboral, onde passa a predominar a desarmonia e o desassossego. São variadas as razões pelas quais o empregador pratica este tipo de comportamento, dentre elas antipatia pessoal, inveja ou insegurança, no entanto, em todas estas razões o empregador (ou seu proposto) sente-se ameaçado de perder o seu poder e a posição privilegiada que goza dentro da empresa, diante da ameaça que a vítima representa. 3.4 ASSÉDIO MISTO Essa modalidade também é muito pouco freqüente e ocorre quando um funcionário sofre agressão moral tanto de seu superior quanto de seus colegas de trabalho da mesma linha hierárquica. Normalmente acontece nas empresas onde a competição interna é grande e a gerência de recursos humanos da empresa não 18 atua muito bem, assim como também em ambientes estressantes, onde o nível de exigência de qualidade de serviço é bem grande. O terror inicia-se por parte do seu superior hierárquico e daí, parte para os colegas da vítima. Estes assumem como suas a atitude tirânica do superior hierárquico. 19 4 CARACTERIZAÇÃO Barreto (2001, p. 4) assim caracteriza o assédio moral: Caracteriza-se pela degradação deliberada das condições de trabalho em que prevalecem atitudes e condutas negativas dos chefes em relação a seus subordinados, constituindo uma experiência subjetiva que acarreta prejuízo práticos e emocionais para o trabalhador e a organização. A vítima escolhida é isolada do grupo sem explicações, passando a ser hostilizada, ridicularizada, inferiorizada, culpabilizada e desacreditada diante dos pares. Estes, por medo do desemprego e a vergonha de serem também humilhados, associados ao estímulo constante à competitividade, rompem os laços afetivos com a vítima e, freqüentemente, reproduzem e reatualizam ações e atos do agressor no ambiente de trabalho, instaurando o “pacto da tolerância e do silêncio” no coletivo, enquanto a vítima vai gradativamente se desestabilizando e fragilizando-se, “perdendo” sua autoestima. O assédio moral não se confunde com estresse, conflito profissional, excesso de trabalho, exigências no cumprimento de metas, falta de segurança, trabalho em situação de risco ou economicamente desfavorável. Nada disso configura assédio moral. O assédio moral é evidenciado mediante uma série de condutas, sempre abusivas e agressivas, de forma mais ou menos explícita. Seja como recusa em estabelecer comunicação, seja pela humilhação através da desqualificação, seja, ainda, pelo isolamento, o agente assediador utiliza procedimentos que podem ser comparados a verdadeiras armadilhas. O assédio moral possui origem no abuso de poder. Dentro da empresa, tal abuso de poder pode ser entendido como a gestão ou manipulação perversa pela qual o empregador não é, necessariamente, o agente assediador direto, mas ele permite que o fenômeno se instale entre os empregados para atender interesses seus. A organização do trabalho atual incentiva muitas empresas a instalarem um processo de terrorismo sobre seus empregados, processo esse que acaba por gerar desconfiança total, uma verdadeira luta de todos contra todos, na qual é necessário atacar para não ser atacado. De qualquer modo, o processo do assédio moral nas empresas assume determinadas características que sempre se relacionam com a política de gestão delas: 20 [...] é que o assédio moral tende a igualar os indivíduos, isto é, a recusa em aceitar alguém ou algum traço diferente da sua personalidade. Existe uma linha muito tênue que limita a discriminação e o assédio moral. Daquela dáse margem para o surgimento deste, que é mais insidioso, sutil, velado, inclusive como medida para evitar qualquer tipo de sanção. Essa distinção pode ser de qualquer ordem: sexual, racial, cultural, religiosa, etc. (FERREIRA, 2004, p.63). A exploração do medo dos trabalhadores diante do desemprego por meio do uso de ameaças de demissões consiste em outra característica do assédio moral, instalando um ambiente de medo e insegurança. 4.1 ESTRATÉGIAS E CONDUTAS DO AGRESSOR Inúmeras são as possibilidades de condutas e métodos utilizados para se assediar moralmente alguém, entretanto, por serem as mais freqüentes, três delas se destacam: impossibilitar uma comunicação adequada com a vítima; degradar as condições de trabalho e atacar diretamente a saúde da vítima com efetiva violência. A recusa na comunicação direta busca desarmar a vítima, pois cortando o diálogo ela ficará sem resposta sobre a origem do tratamento que recebe. A comunicação perversa tem por objetivo impedir o outro de pensar, de compreender, de reagir. Essa recusa em dialogar é uma forma de dizer sem palavras o quanto a vítima não interessa à empresa. O procedimento consiste no tratamento com indiferença, no qual o empregador ou superior hierárquico não se comunica diretamente com a vítima, não a cumprimentando, fingindo até mesmo desconhecer sua existência. O isolamento é a prática mais comum nos processos de assédio moral. Nessa fase, os colegas de trabalho já estão envolvido de uma tal maneira com o processo, que acabam endossando o tratamento que a vítima recebe, talvez por medo ou mesmo por conivência, passando a tratá-la de modo semelhante. Este isolamento priva a vítima de informações úteis, não lhe comunicando sobre reuniões realizadas ou, ainda, não lhe passando o serviço que deveria fazer, deixando o empregado, alvo do assédio moral, ocioso no trabalho. Outra conduta consiste em desqualificar e desacreditar a vítima, colocando em dúvida sua competência, ou mesmo sua sanidade, para que ela perca sua 21 autoconfiança. O procedimento de desqualificar é indireto, não verbal; enquanto para desacreditar a vítima o agente assediador utiliza-se de humilhações e ridicularizações, fazendo insinuações quanto à etnia, gênero sexual, religião ou traços físicos da vítima. Pode ocorrer, também, a deterioração proposital das condições de trabalho. Pela sonegação de informações, de material e até mesmo de condições físicas para o desenvolvimento do trabalho, o agressor busca atribuir à vítima a incompetência do serviço, o qual logicamente não será realizado nem com a qualidade nem com o prazo adequados. Isso pode perdurar até que a vítima peça demissão ou, não ocorrendo tal, que se encontrem pretextos para dispensá-la. Por fim, como uma atitude extremada, o assédio moral pode chegar à violência verbal, física, ou sexual. A violência, em geral, consiste na última conduta adotada pelo agente agressor, uma vez que o assédio moral já é visivelmente observado por todos. Fica difícil para a vítima resistir diante da violência, que inclusive invade a esfera íntima dela. Algumas outras condutas explicitam-se com maior freqüência, como a ocorrência de gestos, condutas abusivas e constrangedoras, humilhações repetidas, como inferiorizar, amedrontar, menosprezar ou desprezar, ironizar, difamar, ou ridicularizar. Risinhos, suspiros, piadas relacionadas ao sexo, ser indiferente à presença do outro, estigmatizar, fazendo adoecer pelo e para o trabalho, colocálos(as) em situações vexatórias, falar baixinho acerca da pessoa, olhar e não ver, ou ignorar sua presença, rir daquele(a) que apresenta dificuldades, não cumprimentar, sugerir que peçam demissão, dar tarefas sem sentido, ou que jamais serão utilizadas, ou mesmo irão para o lixo, dar tarefas através de terceiros, ou colocar em sua mesa sem avisar, controlar o tempo de idas ao banheiro, tornar público algo íntimo do(a) subordinado(a), não explicar a causa da perseguição, entre outras. As diversas expressões, usualmente utilizadas pelos agressores, visando humilhar, ofender, diminuir a vítima, são: 1 “você é mesmo difícil, não consegue aprender as coisas mais simples! Até uma criança faz isso!” 2 “a empresa não é lugar para doente. Aqui você só atrapalha”. 3 “você é mole...frouxo, se você não tem capacidade para trabalhar, então por que não fica em casa? Vá para casa lavar roupa”. 4 “a empresa não precisa de incompetentes igual a você!” 22 5 “ela faz confusão com tudo... é muito encrenqueira! É histérica!” 6 “é mal casada, brigou com o marido!” 7 “é melhor pedir demissão... não está produzindo nada... está indo muito ao médico...” 8 “não posso ficar com você... a empresa precisa de quem produz! E você só atrapalha.” 9 “se você não quer trabalhar, por que não dá lugar para outro?” 10 “burros! animais!” A esta relação podem-se acrescentar outras tantas expressões, usualmente dispensadas por um empregador a seus empregados. 23 5 CONSEQUÊNCIA DO ASSÉDIO MORAL O empregado que sofre o assédio moral não tem só atingido a sua integridade física, atingindo também sua vida social e econômica, esta atinge além da vítima, a empresa e toda a sociedade. Segundo pesquisa realizada pela psicanalista Marie France Hirigoyen, o processo de assédio moral quase sempre termina com a saída da vítima do emprego. É um estado de saúde tão debilitado, que acaba ficando sem condições físicas e mentais para se recolocar no mercado de trabalho. Em 36% dos casos de assédio moral, a vítima é desligada da empresa; em 20% destes, a pessoa é demitida devido a falhas; e, em 9% a demissão é negociada; em 1% restante, a pessoa é colocada em pré-aposentadoria. A gravidade do fato é observada quando a vítima percebe que o mercado não absorverá uma pessoa doente e que o único meio de ela manter sua sobrevivência e a de sua família é com o trabalho. Mas as conseqüências econômicas não se limitam à vida do empregado. A empresa também acaba sentindo os reflexos desse processo na produtividade, pois acontece uma perda de produção por falta de assiduidade e também pela desmotivação dos outros empregados. Isto significa também elevação dos custos, tanto pelos gastos médicos como pelos afastamentos por incapacidade. Toda a sociedade como um todo, na verdade, é atingida, já que mais pessoas estarão gozando de benefícios previdenciários temporários ou mesmo permanentes, em virtude de incapacidade adquirida, sobrecarregando, assim, a Previdência Social. Podem-se citar despesas como hospitalizações, indenizações de desemprego, aposentadorias antecipadas e outras mais. Já as conseqüências de assédio moral sobre o empregado podem ser observadas já na própria evolução do processo de agressão, ainda sob a vigência do contrato de trabalho. São os efeitos ocasionados pela conduta do agressor, o isolamento da vítima, que se vê acuada, a renúncia do conflito, a dúvida sobre suas origens, são conseqüências que acabam debilitando a saúde do empregado assediado, ocasionando perturbações que culminarão com o estresse. Existe ainda a conseqüência social gerada pelo fenômeno na vida da vítima. O estado psicológico do empregado exposto às agressões transforma-se. Torna-se uma pessoa fragilizada, irritada, sensível ou, às vezes, agressiva. O isolamento 24 acompanha-o fora do ambiente de trabalho, não existindo mais convívio social com a família nem com os amigos. Quase sempre acontecerão as desestruturações familiares. A família, assim como a vítima, desconhece as razões do conflito, repassando então as mesmas condições do assédio moral praticado no trabalho. Não raro os processos de assédio moral culminam com o fim do casamento daqueles que foram vítimas. 5.1 CONSEQUÊNCIAS À SAÚDE DA VITÍMA Já se diferenciou o assédio moral do estresse, ressaltando que este pode transformar-se naquele, ou ser também uma conseqüência dependendo da exposição da vítima à agressão. Isso ocorre porque todos possuem uma certa tolerância às situações provocadoras, mas pode ocorrer de tal situação ultrapassar os limites humanamente possíveis. Quando inseridas nos seus limites, a agressão, ou qualquer outra situação, pode gerar o estresse como medida de defesa do organismo. A partir do momento em que o limite é invadido, começam a ocorrer alterações que podem originar desde doenças psicossomáticas até problemas crônicos que nunca serão restabelecidos. O trabalhador que sofre o assédio moral, tem a possibilidade ou esperança de reação e solução quando descoberto em seu estado inicial. Os sintomas desta conduta são parecidos com os do estresse. O organismo como mecanismo de autodefesa a uma hiperestimulação ou até mesmo com a tentativa de se adaptar para enfrentar o assédio moral, a vítima acaba por maquiar os sintomas com o que os médicos classificam de perturbações funcionais: cansaço, nervosismo, distúrbios do sono, enxaquecas, distúrbios digestivos, dores na coluna e outros. Mas se o assédio moral se prolonga por mais tempo, um estado depressivo mais forte pode se solidificar. A pessoa assediada apresenta então apatia, tristeza, complexo de culpa, obsessão e até desinteresse por seus próprios valores. O trabalhador por muitas vezes disfarça os sintomas do assédio moral para seus próximos e até mesmo para seu médico, pois se sente culpado por não estar mais a altura do que espera os seus empregadores. É de extrema necessidade que os familiares das vítimas prestem atenção em suas condutas, pois os estados 25 depressivos que o assédio moral causa pode vir a acarretar em suicídio em grande parte dos casos. A reação do enfrentamento do estresse pelo assédio moral pode levar ao aumento do consumo de álcool, tabaco, drogas e medicamentos, gerando ou agravando situações de dependências químicas. Transtornos do sono são freqüentes. 5.2 NEXO CAUSAL É de suma importância que se estabeleça nexo causal entre o assédio moral e as doenças físicas e psíquicas dos trabalhadores. E isto é possível utilizando-se a Resolução 1.488/98, do Conselho Federal de Medicina: Para o estabelecimento do nexo entre os transtornos da saúde e as atividades do trabalhador, além do exame clínico (físico e mental) e os exames complementares, quando necessários, deve o médico considerar: • A história clínica e ocupacional, decisiva em qualquer diagnóstico e/ou investigação de nexo causal; • O estudo do local de trabalho; • O estudo da organização do trabalho; • Os dados epidemiológicos; • A literatura atualizada; • A ocorrência de quadro cliníco ou sub-cliníco em trabalhador exposto a condições agressivas; • A identificação de riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos, estressantes e outros; • O depoimento e a experiência dos trabalhadores; • Os conhecimentos e as práticas de outras disciplinas e de seus profissionais sejam ou não da área da saúde. Assim, fica clara a possibilidade de se estabelecer a relação causal entre o assédio moral e doenças psicológicas e físicas, que venham a surgir ou agravar-se pela exposição constante a humilhações. Lê-se na Resolução 1.488/98 que o 26 “depoimento e a experiência dos trabalhadores” é um dado a ser considerado para estabelecer a relação causal, mas há que se lembrar que o mundo contemporâneo é de competitividade acirrada, portanto a solidariedade esvaiu-se do ambiente de trabalho. Assim, nem sempre é fácil que outros trabalhadores se exponham como testemunhas, por isso a necessidade de conscientização para que o grupo denuncie, pois o agressor, tendo eliminado sua vítima, logo arrumará outra. 27 6 ASSÉDIO MORAL E A PROTEÇÃO JURÍDICA BRASILEIRA Na legislação brasileira, ainda não há proteção jurídica específica para o combate ao assédio moral, porém, uma série de projetos de lei tramita nos âmbitos municipais, estaduais e federais. A idéia do projeto de lei é importante, uma vez que será mais uma arma no combate ao assédio moral, porém ainda é insuficiente. 6.1 ASSÉDIO MORAL NA CF E CLT O assédio moral envolve questões de ordem constitucional, porque viola princípios e garantias estabelecidas na Carta Magna. Envolve também direitos e liberdades há muito conquistados pelos trabalhadores, expressos tanto na CLT como em leis esparsas, impedindo o exercício de muitos deles, além de envolver a própria jurisprudência trabalhista, pois o tema vem sendo discutido e reconhecido pelos tribunais pátrios antes mesmo de haver uma legislação específica que o discipline. A prática do assédio moral evidencia frontal violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, inserto nos artigos 1°, III e 170, capu t, da Lei Maior, pois expõe o trabalhador a pressões psicológicas desumanas, condições de trabalho precárias, além de desrespeitar direitos sociais fundamentais, como a intimidade e a honra moral no trabalho, sendo que nesses casos, se o trabalhador teve sua saúde deteriorada, cabe ao empregador indenizá-lo por danos morais, consoante incisos V e X do artigo 5°. da Constituição Federal. Além da possibilidade da indenização por danos morais, que via de regra é pleiteada após o rompimento do vínculo laboral, há casos em que pode o trabalhador, durante a vigência da relação empregatícia, buscar soluções que visem combater o assédio moral dentro de dispositivos existentes no bojo da CTL, em especial nas regras que disciplinam a chamada rescisão indireta do contrato de trabalho. O artigo 483 da CLT elenca as hipóteses em que o empregado pode pedir a extinção do contrato de trabalho por descumprimento das obrigações do 28 empregador, tais como, se lhe forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato (alínea “a”); for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo (alínea “b”); não cumprir o empregador as obrigações do contrato (alínea “d”); praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoa de sua família, ato lesivo da honra e boa fama (alínea “e”) e o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários (alínea “g”). Portanto, de acordo com a CLT, a prática do assédio moral que envolva qualquer das situações aqui mencionadas enseja, por parte do empregado, a rescisão indireta do contrato de trabalho. O projeto prevê também a inserção do artigo 484 – A, que, se aprovado, culminará indenização em dobro, em caso de culpa exclusiva do empregador, nos casos de rescisão pela prática de coação moral de sua parte ou de seus prepostos contra o trabalhador. Apesar de ser um grande avanço no sentido de combater o assédio moral, essas modificações somente atingem os casos de assédio praticados por empregadores ou superiores hierárquicos, não abrangendo os casos de assédio moral praticados por colegas ou mesmo aqueles praticados contra trabalhadores de nível hierárquico superior, ficando estes últimos desamparados juridicamente. Cabe referir que uma legislação com vistas a combater os agentes que cometem assédio moral é, em primeira análise, de elevada eficácia. Tem ela o condão não só de prevenir, mas também de agir positivamente na responsabilização e na punição do agente causador, desde que formulada com este objetivo. Todas essas leis prevêem a figura do assédio moral na Administração Pública, traçando o conceito do fenômeno, cominando sanções para os agentes assediadores, variando as penalidades de acordo com a gravidade e reincidência na prática do assédio moral. No âmbito estadual, o Rio de Janeiro, através da Lei estadual n°3.921/02 e em São Paulo, através de projetos de lei que tramitam na Assembléia Legislativa do Estado, pretende que o assédio moral seja proibido no serviço público, prevendo, basicamente, os mesmos pontos abordados para o serviço público municipal. No âmbito federal, além do projeto de alterações na CLT, existe o projeto de lei federal n°4.742/01, que prevê a inserção no Código Pe nal do crime de assédio moral 29 no trabalho, entretanto, como nas leis já existentes e demais projetos de lei em tramitação, apenas aborda os casos de assédio moral descendente. 30 7 CONCLUSÃO O assédio moral tem se mostrado um assunto dos mais discutidos nos debates de direito trabalhista da atualidade, entretanto, é um fenômeno que não constitui novidade. Podendo chegar a ponto de afirmar ser tão antigo quanto às relações trabalhistas. Em nossa geração tem tomado delineio mais agressivo e com forma bem visível da violência moral, resultante das precárias condições de trabalho proporcionadas pela economia capitalista, onde o trabalhador, a cada dia, tem sido mostrado como mais um número, menos com um ser humano e valendo apenas o que advier da força de seu trabalho. O que faz com que a relação entre empregador e empregado se desestabilize, criando situações humilhantes e constrangedoras que vêm atingir, na maioria das vezes, a parte mais fraca dessa relação: o empregado. Esta competição desmedida entre trabalhadores e empresas, causa a desvalorização do indivíduo, o desprezo pelo trabalho em equipe e a materialização cada vez mais acentuada das relações humanas. Para configuração desta prática, toma-se por base a condutas abusivas acometidas pelo empregador em face do trabalhador, onde aquele assume comportamento totalmente atentatório aos princípios que regem o contrato de trabalho. Estas práticas em formas verbais, e em grau mais elevado, agressões físicas ao trabalhador, afetam não somente o seu desempenho no ambiente de trabalho, mas também as relações familiares que ficam afetadas pelo constrangimento que veio a sofrer. Desta forma, o assédio moral deve ser visto como uma forma causadora de desequilíbrio da saúde física e mental, cabendo ao trabalhador que se sentir lesionado buscar amparo legal para resguardar seus direitos. 31 REFERÊNCIAS BARRETO, Maria. Uma Jornada de Humilhações, 2001. Dissertação de mestrado – PUC/SP. Disponível em <http.www.assediomoral.org>. Acessado em 01 jun. 2011. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. In: Vade Mecum: acadêmico de direito. Anne Joyce Angher (org.) 12 ed. São Paulo: Rideel, 2011. CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 36. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2011. FERREIRA, Hádassa Dolores Bonilha. Assédio Moral nas Relações de Trabalho. Campinas: Russel editores, 2004. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário da Língua Portuguesa. 6. ed.. Curitiba: Positivo, 2004. GUEDES, Márcia Novaes. Terror Psicológico no Trabalho. São Paulo: LTR, 2003. HIRIGOYE, Marie-France. Assédio Moral: a violência perversa no cotidiano. 10. ed.. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002 NASCIMENTO, Sônia A. C. Mascaro. O Assédio Moral no Ambiente do Trabalho. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 371, 13 jul. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5433>. Acesso em: 03 de jun. 2011. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Noções conceituais sobre o assédio moral na relação de emprego. In: Revista LTR, São Paulo, v. 70, n. 9, p. 1079-1089, set. 2006.