TOXICOMANIAS – SINTOMA NA CONTEMPORANEIDADE
Paradoxo do gozo no encontro do objeto a com o objeto droga
2008
NÁDIA AFONSO SOUZA MARTINS
TOXICOMANIAS – SINTOMA NA CONTEMPORANEIDADE
Paradoxo do gozo no encontro do objeto a com o objeto droga
MESTRADO PROFISSIONAL EM PSICANÁLISE,
SAÚDE E SOCIEDADE
ORIENTADORA: Dra. Betty Bernardo Fuks
Rio de Janeiro
2008
UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA
SISTEMA DE BIBLIOTECAS
Rua Ibituruna, 108 – Maracanã
20271-020 – Rio de Janeiro – RJ
Tel.: (21) 2574-8845 Fax.: (21) 2574-8891
FICHA CATALOGRÁFICA
M379t
Martins, Nádia Afonso Souza
FICHA CATALOGRÁFICA
Toxicomanias – sintoma na contemporaneidade:
Paradoxo do gozo no encontro do objeto a com o objeto
droga / Nádia Afonso Souza Martins, 2008
152p. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Veiga de
Almeida, Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e
Sociedade, Rio de Janeiro, 2008.
Orientação: Betty Bernardo Fuks
1. Toxicomania. 2. Psicanálise. 3. Gozo. I. Fuks,
Betty Bernardo. II. Universidade Veiga de Almeida,
Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade.
III. Título.
CDD – 150.195
Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Setorial Tijucal/UVA
NÁDIA AFONSO SOUZA MARTINS
TOXICOMANIAS – SINTOMA NA CONTEMPORANEIDADE
Paradoxo do gozo no encontro do objeto a com o objeto droga
MESTRADO PROFISSIONAL EM PSICANÁLISE, SAÚDE E SOCIEDADE
Aprovada em
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________
Profa. Dra. Betty Bernardo Fuks
Dra. em Comunicação e cultura (UFRJ-ECO)
_________________________________________
Profa. Dra. Sandra Vilma Paes Barreto Edler
Dra. em Teoria Psicanalítica (UFRJ)
_________________________________________
Profa. Dra. Maria Anita Carneiro Ribeiro
Pós-Dra. em Psicologia (PUC)
SUPLENTE
________________________________________
Profa. Vera Pollo
Mestre em Psicanálise (PUC – RJ)
Para Zé, meu amor, amigo e companheiro pela cumplicidade
nos projetos da vida e aos meus filhos amados Guto e Carol,
o resultado dos momentos em que não estivemos juntos.
AGRADECIMENTOS
A Professora Betty Fucks pela orientação e suporte aos meus passos iniciais,
nesse trabalho de pesquisa.
A Professora Maria Anita pela incansável dedicação a todo o meu percurso
clínico e teórico de formação psicanalítica nas FCCL o que me abriu as comportas
do desejo de saber.
Aos meus professores e colegas de FCCL pela interlocução generosa durante
o desenvolvimento desse trabalho.
A Professora Clara Inem da Rede de Pesquisa em Toxicomania pela escuta,
sempre interessada e pela paixão com que nos transmite sua experiência nesta área
de saber psicanalítico com o toxicômano.
A professora Glória Sadala, Coord. do Mestrado, pelo incentivo e aposta
nesse tema de trabalho e pelo sucesso que tem sido esse espaço de trabalho
acadêmico.
A Professora e Doutora Sandra Vilma Paes Barreto Edler pela colaboração
com avaliações e críticas construtivas, durante minha formação acadêmica,
incentivando-me na trajetória pela psicanálise.
Ao Prof.º Marco Antônio Coutinho da UERJ pelas dicas preciosas durante
parte desse estudo e por sua gentileza na colaboração com envio de seus preciosos
textos.
Às colegas de outras sociedades psicanalíticas que se debruçaram com
cumplicidade e parceria, durante algumas partes desse estudo, em especial: Ana
Paola Staynhauser da Letra Psicanalítica, pela contribuição dos termos em alemão.
Aos meus pacientes pela fonte inesgotável de estudo e pesquisa que se
submeteram autorizando-me no trabalho com a clínica psicanalítica.
À minha preciosa família pelo apoio e incentivo que sempre dedicaram a
todos meus interesses profissionais.
Ao Zé meu marido, parceiro, amigo e amante que sempre me incentivou em
todo crescimento profissional e pessoal.
Aos meus filhos – Guto e Carol - amores da minha vida, pelas horas que
deixei de estar com eles estabelecendo intensa dedicação, me debruçando sobre os
autores escolhidos nessa bibliografia.
Ao meu saudoso pai, por suas memórias aos incentivos que me inspirava em
todos esses momentos de passagens e viradas na vida, há quem muito devo
retribuições amorosas.
Ao Professor Antonio Quinet por ocupar brilhantemente, durante tantos anos,
o lugar de objeto a, no dispositivo mais íntimo de minha vida, o dispositivo analítico.
RESUMO
A questão privilegiada nesse estudo sobre as toxicomanias foi o momento paradoxal
do encontro subjetivo do objeto droga com o objeto a, no dispositivo analítico, durante o
tratamento. Trata-se de focalizar a evitação do sujeito à castração, posto que a droga pode
funcionar como uma tentativa de anular o sofrimento decorrente da perda do objeto, na
verdade, desde sempre perdido. Nossa investigação parte do paradoxo do gozo que
apresenta um predomínio sobre o movimento desejante do sujeito, que altera o sentido da
castração e a noção de limite. Na toxicomania, o sujeito submerge no discurso capitalista
também afeito ao fascínio pelo consumo de drogas e pelos efeitos medicamentosos dos
psicofármacos, abrindo espaço para o fracasso do laço social. O que justamente caracteriza
o sintoma como sintoma social é a manifestação do esgarçamento do laço social, fundado
na dimensão simbólica do sujeito submetido à clandestinidade com o uso das drogas, à
violência, à agressividade exagerada e ao excesso de gozo. Lacan parte de Marx e das
relações do sujeito com o capital e a cultura para aprofundar a discussão sobre o mal-estar
na estrutura subjetiva. Tal formulação levou-o a positivar o conceito de sintoma ao final de
análise como uma forma de gozo, própria do sujeito, seu estilo, sua verdade e o que enlaça
os registros real, simbólico e imaginário. O sujeito toxicômano, mergulhado no gozo que
incide no real de seu corpo, encontra dificuldade na mediação fálica, no estabelecimento de
laços sociais e em sua permanência na análise. À luz da dialética da teoria dos discursos
psicanalíticos lacanianos, nas toxicomanias, o sujeito estaria submetido ao discurso
capitalista, como objeto de gozo, exposto à banalização da violência, do sexo e da morte.
Lacan diz que o amor é o sinal de que trocamos de discurso, a cada aproximação da
verdade, desse ponto mais real da verdade, desse impossível, há uma mudança de
discurso... é o que chamamos de amor à verdade. (1972-1973).
Para desenvolver essa
hipótese, nos colocamos como objeto a, causa de desejo e nos preparamos para enfrentar
uma clínica do real ao simbólico, aguardando esse sinal do amor, que segundo Lacan se
revela numa mudança de discurso. Apresentamos a trajetória de alguns pacientes
toxicômanos, que inebriam suas angústias de imediato com o uso da droga – tornando-a um
antídoto ao tratamento psicanalítico, para ilustrar nossos estudos em busca de um saber
teórico.
Palavras-chave: toxicomania, ato, gozo, desejo e contemporaneidade.
ABSTRACT
Our approach to this study on drug addiction was the paradoxical moment of the
subjective encounter among the object, the drug and the object a, in the analytical device,
during therapy. It is about placing the focus on how the subject tries to avoid castration, since
the drug may work as an attempt to nullify the suffering brought about the loss of the object
that, actually, has always been lost. The starting point of our investigation is the paradox of
lust that prevails over the subject’s desiring movement that changes the sense of castration
and the idea of limitation. What clearly typifies it as a social symptom is precisely the
manifestation of shredding social ties, based on the symbolic dimension of the subject led to
clandestinity due to drug use, violence, exacerbated aggressiveness and excess of lust. In
drug addiction, the subject is drowned into the capitalist discourse and gets used to the
fascination of drug consumption and the medical effects of psycho-drugs that brings about
failure of social ties. Based on Marx and on the subject’s relation with the capital and the
culture, Lacan deepens the discussion on uneasiness in the subjective structure. Such
formulation made him establish the concept of symptom at the end of the therapy as a
means of lust, typical of the subject, of his style, of his truth and that ties the real, symbolic,
and imaginary records. The drug-addicted subject, plunged into that lust that falls on the true
part of his body and without phallic mediation, finds it difficult to establish social ties and to
stay in therapy. From the point of view of the dialectics of Lacan’s psychoanalyst discourses
on drug-addiction, the subject would be subordinated to capitalist discourse, as an object of
lust, exposed to violence, sex and death, as something ordinary. Lacan says that love is the
sign that we change discourses – every time we get closer to truth, to this more real point of
truth, to this impossible, there is a change in discourse... it is what we call love of truth.
(1972-1973). In order to develop such thesis, we place ourselves as object a, cause of
desire, and get ready to face a clinic from the real to the symbolic, awaiting this love sign
that, according to Lacan, reveals itself in a change of discourse. We present the trajectory of
some drug-addicted patients that inebriate their anguish immediately by using drugs –
making the latter an antidote to psychoanalytic therapy –, to illustrate our studies in search of
some theoretical knowledge.
Keywords: drug addiction, act, lust, desire and contemporaniety.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1 O OBJETO a E O DESEJO – O IMPOSSÍVEL E A FALTA
1.1. O DESEJO E DAS DING
1.2. A PULSÃO E SEUS DESTINOS
1.3. QUESTÕES ESPECÍFICAS EXTRAÍDAS DA PRÁTICA CLÍNICA
COM TOXICÔMANOS
2 VICISSITUDES DO ATO
2.1. FREUD E O ATO
2.2. CASO CLÍNICO PARADIGMÁTICO DA ENTRADA EM ANÁLISE
COM UM ACTING OUT
2.3. LACAN - ACTING OUT, ATUAÇÃO OU PASSAGEM AO ATO
2.4. ANGÚSTIA – DESEJO E GOZO
9
18
18
29
36
37
37
43
44
50
3 A DIMENSÃO DO GOZO NA CONTEMPORANEIDADE
3.1. FREUD DELINEOU O CAMPO DO GOZO
3.2. A DIMENSÃO DO GOZO EM LACAN
3.3. DISCURSOS E LAÇOS SOCIAIS – O GOZO DISCURSIVO
3.4. TOXICOMANIA – FORMAS DE GOZO E TRANSFERÊNCIA
3.5. PARADOXOS DO GOZO
3.6. CASO CLÍNICO – UMA EXPRESSÃO DO GOZO
55
55
58
71
81
109
113
4 CONTEMPORANEIDADE E FORMAS DE MODERNIDADE
4.1. SINTOMAS NA CONTEMPORANEIDADE
120
120
CONCLUSÃO
139
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
148
INTRODUÇÃO
O tema que investigamos, no presente trabalho, vem de uma trajetória de
experiência clínica tanto em consultório quanto em serviços de atendimento a
usuários de drogas que nos endereçam seu sofrimento. Os inúmeros impasses
encontrados nessa prática, particularmente aqueles relacionados à demanda de
tratamento e ao verdadeiro desejo do sujeito, foram articulados com o estatuto do
gozo e a Teoria dos Discursos da obra lacaniana. Partimos da concepção da droga
como produto da ciência elevada à categoria de mercadoria no Discurso Capitalista
e as toxicomanias concebemos como uma forma de gozo do sujeito agravado pelo o
mal-estar na contemporaneidade.
Iniciamos, em 1997, uma experiência de trabalho com crianças e
adolescentes infratores, atendidos nas unidades de internação do DEGASE
(Departamento Geral de Ações Sócio-educativas), destinado a receber jovens,
autores de ato infracional, encaminhados pelo Juizado da Infância e Juventude para
cumprimento de medidas socio-educativas, conforme previsto no Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA – Lei nº 8.069 – 1990).
Participamos, então, do desenvolvimento de um projeto de prevenção e
tratamento ao uso/abuso de drogas, intitulado “Projeto Nossa Casa”, junto a uma
equipe composta por psicólogos, assistentes sociais, pedagogos, terapeutas
educacionais e médicos, que teve a consultoria da Superintendência de Saúde da
Secretaria de Estado e Justiça. O trabalho propiciou, além de uma extensa
experiência com adolescentes infratores envolvidos com a droga e a criminalidade, a
10
oportunidade ímpar de colaborar na autoria coletiva da elaboração do projeto
mencionado.
No período de 2001 a 2003, acompanhamos pacientes toxicômanos e
alcoólatras no Hospital Escola São Francisco de Assis da UFRJ, experiência que
muito contribuiu para configurar algumas interrogações desde o campo da
psicanálise. Finalmente, a partir de 2004, trabalhamos com adultos usuários de
drogas lícitas e ilícitas, junto ao CEAD (Centro de Atendimento Anti Drogas).
Foi, portanto, a partir da riqueza de tais experiências institucionais, além do
trabalho de consultório, assim como da análise pessoal, de supervisões e estudos
complementares, que formulamos algumas questões sobre a demanda de análise do
sujeito toxicômano.
Participamos também, como integrante, durante quatro anos consecutivos, da
Rede de Pesquisa em Toxicomania da escola de psicanálise lacaniana Formações
Clínicas do Campo Lacaniano – Rio1, cuja proposta é construir um saber a partir da
clínica do sujeito nas toxicomanias.
No delineamento dos caminhos iniciais dessa investigação, uma questão
especial se destacou: na toxicomania, o sujeito busca livrar-se da angústia, através
da droga, que traz um alívio imediato, enquanto o tratamento psicanalítico implica,
justamente, num certo confronto com a angústia como meio de produzir mudanças.
Eis o desafio da clínica do sujeito toxicômano: o embate do objeto a e do objeto
droga. Trata-se de tentar focalizar o momento de evitação do sujeito à castração,
posto que a droga pode funcionar como uma tentativa de anular o sofrimento
decorrente da perda do objeto, na verdade, desde sempre perdido.
Nossa investigação parte do paradoxo do gozo que apresenta um predomínio
sobre o movimento desejante do sujeito, que altera o sentido da castração e a noção
de limite do sujeito. Na toxicomania o sujeito submerge no discurso capitalista
também afeito ao fascínio pelo consumo de drogas e pelos efeitos medicamentosos
dos psicofármacos, abrindo espaço para o fracasso do laço social. Lacan parte de
Marx e das relações do sujeito com o capital e a cultura, para aprofundar a
discussão sobre o mal-estar na estrutura subjetiva. Tal formulação levou-o a
positivar o conceito de sintoma ao final de análise como uma forma de gozo, própria
do sujeito, seu estilo, sua verdade e o que enlaça os registros real, simbólico e
1
Formações Clínicas do Campo Lacaniano – Escola de Psicanálise do Campo Lacaniano.
11
imaginário. O sujeito toxicômano, mergulhado no gozo que incide no real de seu
corpo, encontra dificuldade na sua mediação fálica, logo no estabelecimento de
laços sociais e em sua permanência na análise. À luz da dialética da teoria dos
discursos psicanalíticos lacanianos, nas toxicomanias, o sujeito estaria submetido ao
discurso capitalista, como objeto de gozo, exposto à banalização da violência, do
sexo e da morte. Apresentamos, portanto, para ilustrar nossos estudos em busca de
um saber teórico, a trajetória de alguns pacientes toxicômanos, que inebriam suas
angústias de imediato com o uso da droga, tentando torná-la um antídoto ao
tratamento psicanalítico. Lacan diz que o amor é o sinal de que trocamos de
discurso, a cada aproximação da verdade, desse ponto mais real da verdade, desse
impossível, há uma mudança de discurso... é o que chamamos de amor à verdade.
(1972-1973). Para desenvolver esta hipótese, nos colocamos como objeto a, causa
de desejo e nos preparamos para enfrentar uma clínica do real ao simbólico,
aguardando esse sinal do amor, que segundo Lacan se revela numa mudança de
discurso.
Conduzimos nossa pesquisa a partir dessa prática pulsional 2, ligada à lógica
do corpo pulsional no trabalho psicanalítico. Tomando por base os textos de
Sigmund Freud e Lacan, destacamos os conceitos de objeto a, desejo, pulsão, atos,
sintoma, angustia, gozo e contemporaneidade ao longo dos quatro capítulos. E,
tentamos articular a teoria com a práxis através de casos clínicos e uma construção
literária, para ilustrar nossos estudos.
Um caso clínico paradigmático da experiência no DEGASE, cujo tratamento
foi interrompido com a morte trágica do paciente, fato bastante comum no destino de
muitos adolescentes envolvidos com o tráfico e a criminalidade. Muitos jovens
morrem, como uma espécie de “queima de arquivo”, justamente quando buscam
outra saída, para desvincular-se do mundo do tráfico. Propomos fazer uma
construção teórica referidos ao Complexo de Édipo ou seja, paradigma do gozo
fálico (JΦ).
Um caso clínico da experiência de consultório – modelo de entrada em
análise com um acting out, que endereça à analista um pedido de ajuda através de
um ato. Permanecendo, em análise durante quatro anos e interrompendo o
2
Prática pulsional – Expressão criada pela autora para nomear e destacar a característica central da
práxis psicanalítica com o sujeito na toxicomania.
12
tratamento com uma atuação, não atingindo em termos psicanalítico o final de
análise. Propomos comentar o paradigma do gozo do sentido (JS). Aquele que na
passagem do significante ao significado produz-se um efeito de sentido e não há
uma perda de gozo, mas produção do sentido, em lugar do não- sentido, do enigma.
Abordamos o relato literário de uma adolescente de classe média/alta, que
procura aliviar seu sofrimento através da droga. Trata-se da personagem do livro
Hell, Lolita Pille, que foi um sucesso entre os adolescentes de nossos tempos e que
aponta para um gozo sem limite. Coloca, de modo exemplar, a questão da
articulação entre desejo, excesso de gozo e mais-de-gozar, elaborações conceituais
lacanianas a partir de Freud, que pretendemos explorar para discutir o paradoxo que
circunscrevemos como impasse no tratamento do sujeito na toxicomania.
Articulamos a busca pelo excesso de gozo com o objeto a, mais–de-gozar que está
para o sujeito do inconsciente, assim como, a mais-valia está para o capitalista, é
aquilo pelo qual se dá a vida. O mais-de-gozar instiga a causa do desejo.
A fim de estabelecer um contraponto entre os casos apresentados,
enfocamos o paradoxo do gozo, ou seja, os contra censos, os absurdo, as
incertezas, as negociações para dar conta do clima atmosférico dos nossos tempos.
Ressaltando nos três casos, o limite com a morte na busca por uma solução
imediata da angustia.
Na contemporaneidade, a psicanálise tem lidado com as mesmas referências
diagnósticas empregadas por Freud, variando, segundo a época, o “invólucro formal
do sintoma”, que, como diz Lacan se reverte em efeitos de criação. (LACAN, 1998:
p. 70). Para abordar as questões suscitadas pela toxicomania na atualidade,
devemos lembrar que a práxis psicanalítica está voltada para a consideração da
posição que o sujeito ocupa na relação edípica e para sua forma de gozar, não se
apoiando unicamente na fenomenologia. Assim, nosso propósito é contribuir para
estabelecer conexões entre clínica, pesquisa e articulação teórica no campo da
psicanálise, problematizando a questão do sujeito na toxicomania e sua forma de
gozo.
O tema da toxicomania, certamente, coloca em cena, para além da clínica,
outros questionamentos atuais: a vida acelerada, o excesso e a velocidade das
informações, a globalização, entre outros. Sabemos que o tratamento psicanalítico
implica em um trabalho de elaboração do sofrimento, seja o sujeito neurótico,
13
psicótico ou perverso. É o dispositivo da transferência que permite desvelar a
posição ocupada frente ao desejo do Outro e a modalidade de gozo.
Nossa hipótese é que uma análise bem encaminhada, necessariamente, leva
o sujeito a uma modificação de suas possibilidades de suportar e manejar a
experiência da angústia. Certamente, a clínica, como forma de acesso ao sujeito do
inconsciente, é sempre o campo da pesquisa em psicanálise 3. Para a psicanálise, o
sujeito só pode ser incluído na investigação científica como sujeito do inconsciente,
que é aquele que emerge entre dois significantes, portanto, de forma intervalar (S1 –
S2). O objeto da pesquisa psicanalítica é o inconsciente, ou, melhor dizendo, suas
manifestações na clínica revelam-se por meio das formações do inconsciente: atos
falhos, acting out, atuações, passagens ao ato, sonhos, sintomas, chistes e lapsos.
Toda pesquisa em psicanálise é, portanto, clínica e implica o analista no lugar de
escuta do sofrimento do analisando.
As questões fundamentais – sexo, vida, morte, procriação, paternidade e
maternidade, em especial a forma pela qual o sujeito as articula, nos fornecem as
pistas para construir um diagnóstico estrutural. Este só pode ser buscado no registro
do simbólico, referido à travessia do complexo de Édipo. O diagnóstico diferencial
remete, assim, aos três modos de negação do Édipo – negação da castração do
Outro, correspondendo às três estruturas clínicas: no recalque (Verdrängung)
veremos o neurótico, nega conservando o elemento no inconsciente, e no
desmentido (Verleugnung) o perverso, nega conservando-o no fetiche, esses dois
modos de negação que conservam o elemento, implicam a admissão do Édipo no
simbólico, o que não acontece na psicose com a foraclusão (Verwerfung) que é um
modo de negação que não deixa rastro, nega o elemento, não o conserva no
inconsciente.
No primeiro capítulo partimos dos primeiros esboços do conceito de desejo e
das Ding. Retomamos nosso estudo prévio
4
sobre o Projeto para uma Psicologia
Científica de Freud de (1950 [1895]), o qual elegemos como um dos textos
freudianos fundamentais ao desenvolvimento de nossa discussão e buscamos
acompanhar, passo a passo, a construção e a elaboração das formulações
3
MARTINS, N.A.S. e RANGEL M.B. “Psicanálise, Ciência, Pesquisa e Clínica”, na disciplina
Metodologia Científica, no Curso Psicanálise, Saúde e Sociedade, da Universidade Veiga de Almeida,
2007.
4
MARTINS, N.A.S. “O Inconsciente intérprete e o Estilo”. Monografia de conclusão do Curso de
Especialização de Freud à Lacan na Universidade Estácio de Sá, 1998.
14
freudianas para, então, realizar uma articulação com as idéias de Lacan, discutidas
no Seminário da Ética da Psicanálise (1959-1960). Abordamos os caminhos da
pulsão e seus destinos, conforme colocados por Freud, para desenvolver as
articulações lacanianas sobre objeto a, em relação aos três registros – Real,
Simbólico e Imaginário, além de trazer a contribuição de autores atuais como
Antônio Quinet, Marco Antônio Coutinho Jorge e Diana Rabinovich, sobre o objeto a.
Quinet defende a idéia de que o objeto a não pode ser explicitado pela pulsão
sexual, por não ter representação psíquica – portanto, sendo implícito, seria objeto
condensador de gozo. O capital e a libido conjugam os princípios fundamentais para
pensar a questão do objeto a, uma vez que a vertente metafórica da falta, implicada
no desejo, aparece – o substituto do objeto representa a falta, ou seja, a castração.
Seria uma ilusão achar que os objetos compráveis e desejáveis não têm relação
com o objeto a. O dinheiro vinculado ao desejo entra em circulação nessa série de
objetos imaginários marcados pela falta, como é aquilo que permite um ciframento
do gozo. A libido é definida, por Freud, como energia, como a grandeza quantitativa
das pulsões que remete ao que podemos entender como amor: “a libido era a
manifestação dinâmica da força do amor, na vida psíquica da pulsão sexual”
(FREUD, 1923[1922]: p. 308). Já capital seria “o conjunto das riquezas possuídas e,
no sentido figurado, é o conjunto de bens intelectuais, espirituais ou morais que um
indivíduo ou um país possui” (QUINET, 1991: p. 89). Outro autor que destacamos,
em nosso estudo, é Marco Antônio Coutinho Jorge, que ressalta a diferença entre os
significantes impossível e proibido, quando se refere à natureza própria do objeto em
sua distinção da Coisa. A pulsão estaria referida, essencialmente, ao impossível e
das Ding, ao proibido, assunto a ser desenvolvido no capítulo em questão.
A visão topológica de Diana Rabinovich, sobre o objeto a na sua configuração
entre o desejo e a pulsão, constitui um caminho profícuo para a discussão de nosso
tema. O objeto a é, pois, sempre solidário de uma topologia que, por estrutura,
recusa
à
delimitação
externo-interno,
dentro-fora.
Estabelece-se,
pois,
a
especificidade da mesma em relação ao desejo e a pulsão. Rabinovich examina o
assunto à luz dos termos freudianos, apontando, com muita clareza, os passos do
caminho que conduz Lacan a formular o mais-de-gozar como um lugar de captura de
gozo.
15
No segundo capítulo, abordaremos a dimensão do ato na clínica psicanalítica.
A toxicomania, assim como a anorexia e a bulimia, entre outros exemplos possíveis,
são dimensões sintomáticas que se destacam na contemporaneidade.
Trabalhamos os conceitos de sintoma e angústia, buscando destacar seus
elementos centrais e estabelecer algumas referências para discutir a questão da
angústia no âmbito do tratamento analítico. O sintoma em Freud aponta para o que
vai mal e assim deslocado pode dizer respeito às condições gerais de nosso acesso
ao sexo. A clínica freudiana,apoiada no Édipo, tem se confrontado com situações
diferentes das que Freud estudou e descreveu. Lacan nos adverte para a fidelidade
ao invólucro formal do sintoma, como o verdadeiro traço clínico. Em 1958, Lacan diz
que o sintoma vai no sentido de um desejo de reconhecimento, mas esse desejo
permanece excluído, recalcado. Depois em 1975 acrescenta que o sintoma é aquilo
de mais Real, vem do Real, ele é o Real, esclarecendo seu pensamento, explica que
o sintoma deve cair, e que o “sinthoma” é aquilo que não cai, mas modifica-se,
transforma-se, para que continue sendo possível o gozo, o desejo. Abordamos o
manejo da transferência e sua função na direção do tratamento, particularmente no
que diz respeito ao trabalho com o que é da ordem da castração. Diz Lacan: a
“castração significa que: é preciso que o gozo seja recusado, para que possa ser
atingido na escala invertida da Lei do desejo”. (LACAN, 1998: p. 841). Com o auxílio
de outros três autores atuais, Paul-Laurent Assoun, Maria Anita C. Ribeiro e Sonia
Albert, articulamos também a trilogia inibição, sintoma e angústia no contexto dos
três registros lacanianos.
No terceiro capítulo, fazemos uma peignage sobre o conceito de gozo e as
ampliações expressivas que este passou nos mais de trinta anos do ensino de
Lacan. Freud atentou para a expressão de um gozo, em si mesmo ignorado, cujo
estatuto remeteria à maldade imanente ao homem. Gozo maligno enraizado na
utopia de uma felicidade e explorado pelo capitalismo crescente que tende a ofuscar
qualquer outra escolha que não o brilho efêmero de medidas paliativas. Freud faz
uma referência explícita sobre a droga: “O mais grosseiro, embora também o mais
eficaz, desses métodos de influência é o químico: a intoxicação”. (FREUD, 1930: p.
96).
Em Lacan, percorremos as modificações do conceito de gozo, desde sua
significação para a formulação-chave lacaniana no Discurso de Roma, em 1953, “o
inconsciente é estruturado como uma linguagem”, até o novo panorama
16
descortinado, vinte anos mais tarde, no seminário 20, Mais, ainda. Os anos 70
trazem os marcos inovadores da teoria lacaniana que destacamos nesse capítulo.
Para finalizar, articulamos a clínica dos discursos com a posição que o sujeito na
toxicomania ocupa no tratamento psicanalítico. Trata-se não só de investigar a
relação estrutural do sujeito e suas estratégias para lidar com o desejo e o gozo do
Outro, mas também de verificar como ele se insere nos discursos, com o saber, com
a mestria, com o outro do laço social, com o mais-de-gozar, ou seja, com os objetos
pulsionais e sua posição no gozo.
No quarto capítulo, enfocamos a discussão atual, sobre o fim da modernidade
e a queda de seus paradigmas. Há autores que supõem uma ruptura com a
modernidade, ou seja, o fim de uma época e o início de outra, chamada “pósmodernidade”, conforme Lyotard, ou “modernidade líquida”, segundo Bauman.
Outros, entretanto, como Lipovetsky, acreditam na mudança de um registro fundado
na exacerbação de algo que já existe, tendo apenas se agigantado, assumindo
novas proporções. Na busca de um suporte conceitual que legitime o aparente caos
em que vivemos, a presença do excesso é salientada com o significante
“hipermodernidade” para marcar um tempo em que o homem está alienado à cultura
do excesso, porém, ao mesmo tempo, mais livre e independente, autônomo e crítico
em relação às instituições que o cercam, socializam e controlam.
Traçamos um paralelo entre o pensamento de Freud sobre o desamparo
fundamental Hilflosigkeit, (FREUD, 1895), com o termo alemão Unsicherheit,
(BAUMAN, 2006), para situar a experiência de incerteza, insegurança e falta de
garantias. A palavra alemã Unsicherheit remete ao sentimento de impotência, cujo
impacto mais assustador é o medo em suas várias vertentes. Segundo Bauman: “Os
vínculos da era líquida moderna se tornam tênues, a vida vira um ensaio diário de
morte e da vida após a morte”. (BAUMAN, p. 65). O autor comenta que a fragilidade
dos vínculos humanos é um atributo proveniente, e talvez definidor, da vida líquidomoderna.
Apresentamos a síntese das idéias de autores atravessados pelo discurso
lacaniano, tais como Zizek, que toma duas grandes fontes filosóficas, o idealismo
alemão e a psicanálise. Iniciamos com a Sociedade do Espetáculo de Debord,
filósofo, artista e crítico social que aponta para o surgimento de um novo homem,
marcado pelo excesso de gozo, dessimbolizado, sem culpabilidade e sem
capacidade crítica – um sujeito consumido pelo capitalismo que estende seu
17
território até a subjetivação humana. E, fomos com Lipovetsky da Era do Vazio
estabelecendo os marcos do “paradigma individualista”, aos “Os Tempos
Hipermodernos” (2004), que se aproxima de um modelo mais otimista. Abordamos
os medos na era líquido-moderna de Zigmunt Bauman (2008). Situamos, portanto, a
visão de pensadores que estudam as mudanças sociais e podem nortear uma
reflexão mais ampla sobre a relação da toxicomania com os sintomas sociais
contemporâneos.
Devemos ressaltar que, de saída, os termos toxicomania e sintoma social
interrogam a teoria e a clínica da psicanálise. O que caracteriza um sintoma como
sintoma social é conseqüente a um esgarçamento do laço social, fundado na
dimensão simbólica do sujeito. A delinqüência, a clandestinidade e a violência
seriam algumas de suas manifestações. Podemos dizer que, na toxicomania, o
sujeito responde ao discurso capitalista, que instiga o consumo de drogas e à
fascinação pelos efeitos dos psicofármacos frente ao fracasso dos laços socais. O
que caracteriza o discurso capitalista é a foraclusão da castração5, ou seja, a
foraclusão da sexualidade e da diferença dos sexos. É o discurso que exclui o outro
do laço social, pois o sujeito só se relaciona com os objetos – mercadoria –
comandados pelo significante-mestre capital. Trata-se de um discurso que não faz
laço social, como verificamos em seu matema: não há relação entre o agente e o
outro ao qual esse discurso se dirige.
Além da dificuldade de estabelecer laços sociais permanentes – o toxicômano
tende a realizar um curto-circuito nos seus laços sociais ao buscar o objeto droga –,
o sujeito funde-se ao objeto droga, um objeto que se pode comprar. O discurso
sobre a toxicomania, com ênfase no objeto droga, ganha força nos anos 50 – junto
com o nascimento da farmacologia, mas tem a sua consagração ao longo dos anos
70, ligada à efervescência do discurso da ciência ao capitalismo.
Localizar os impasses do sujeito na contemporaneidade, frente à queda dos
paradigmas da modernidade e o advento de novos paradigmas, eis a tarefa que se
apresenta como mais um desafio neste presente estudo.
5
QUINET, A. Psicose e laço social: esquizofrenia, paranóia e melancolia. 2006, p. 38. Expressão
in: O saber do psicanalista. LACAN, J., 1971-1972. Inédito.
1 OBJETO a E O DESEJO – O IMPOSSÍVEL E A FALTA
Eu te amo, mas, porque inexplicavelmente amo em ti
algo que é mais do que tu – objeto a minúsculo, eu te
mutilo.
LACAN, Seminário 11, p. 254.
1.1
O DESEJO E DAS DING
O ponto de partida que elegemos, para a discussão proposta no presente
capítulo, é o estudo freudiano sobre o desejo e das Ding, presente, inicialmente, no
Projeto para uma psicologia científica (1950[1895]). Focalizamos, a princípio, a
elaboração do pensamento freudiano para, posteriormente, retomar as contribuições
de Lacan, colocadas no Seminário da Ética da Psicanálise, de 1959-1960.
O Projeto é um rascunho escrito por Freud em 1895 e abandonado antes de
sua conclusão. Sua publicação, em 1950, permite uma releitura, a partir de textos
posteriores, o que lhe confere uma importância particular em relação ao contexto da
obra. O manuscrito esteve sob os cuidados de seu guardião, Wilhelm Fliess, que o
manteve afastado do acesso público, tendo também ele próprio um papel relevante
no que diz respeito ao seu conteúdo. O Projeto, como é conhecido, é considerado o
primeiro modelo consistente da subjetividade humana, construção frente a qual o
próprio Freud se mostrou ambivalente, ora qualificando-o como o mais importante e
ambicioso trabalho teórico, ora negando-lhe qualquer valor. É importante salientar
que Freud utiliza a terminologia, mas não o modelo neurológico ou biológico. Isola o
19
aparelho psíquico em relação ao organismo, atendo-se a sua especificidade. Na
primeira parte, afirma: “O propósito desse projeto é propor uma psicologia como
ciência natural”. Freud estava tentando fazer uma psicologia dos processos, porém,
aos poucos, percebeu que seu empreendimento trazia algo de diferente, que
chamará, depois, de psicanálise. Trata-se de um trabalho teórico de natureza
fundamentalmente hipotética e não de um trabalho baseado na observação prática,
como foi todo seu trabalho com a clínica. Quando o Projeto veio à luz, toda a teoria
psicanalítica já estava elaborada e seu caráter ambíguo logo foi disseminado: para
uns, seria o ponto de partida da psicanálise, enquanto, para outros, apenas uma
tentativa de estabelecer uma linguagem neurológica ou física. Após a descoberta
deste manuscrito, os conceitos elaborados posteriormente foram projetados sobre
seu conteúdo, em uma tentativa de traçar uma linha contínua até os textos
metapsicológicos. A proposta de Freud, no Projeto, é elaborar uma teoria do
funcionamento psíquico, segundo uma abordagem quantitativa, “uma espécie de
economia da força nervosa” (FREUD, 1895: p. 382). Freud fala em excitação
pulsional, estímulos externos (fonte exógena) e estímulos internos (fonte endógena),
provenientes do corpo. Não haveria evitamento possível em relação aos estímulos
internos, ligados às grandes necessidades, tais como a fome, a respiração e a
sexualidade. Aos estímulos provenientes do próprio corpo, Freud articula,
posteriormente, o conceito de pulsão (trieb). Para desaparecerem ou diminuírem de
intensidade, requerem uma “ação específica”. Só com o sistema primário, o aparelho
não disporia de reserva de energia para realizá-la, devendo, então, tolerar o
acúmulo de Q para exercer tal finalidade. Como essa tendência se opõe à inércia
inicial (Q=0), o aparelho procura manter a quota de Q em um nível o mais baixo
possível. Buscando a proteção contra o aumento de energia, procura mantê-la
constante. Eis a lei da constância, que Freud retoma em 1920, em Além do princípio
do prazer, como princípio de constância.
No Projeto há, na verdade, uma quase equivalência entre o princípio da
inércia e o princípio de prazer. O desprazer é identificado ao aumento de estímulo,
enquanto o prazer resulta em sua diminuição. Só em 1920, no texto “Além do
princípio do prazer”, é que Freud admite que um estado de tensão seja também
desprazeroso. Em 1924, com “O problema econômico do masoquismo”, afirma
claramente a impossibilidade de identificar o princípio de inércia com o princípio do
prazer. Freud toma o sentimento de prazer na dor e o sentimento de culpa, este
20
último remetendo à necessidade de punição em relação a um poder parental, como
constituintes do sujeito.
Em A interpretação de sonhos, ao transpor a Besetzung6 para o plano
psicológico, Freud passa a falar em representações (vorstellungen) investidas ao
invés de neurônios investidos. Em seu famoso sétimo capítulo, destaca que o
processo primário tende sempre a uma identidade de percepção. Não coincidindo
com a realidade, a percepção é alucinatória – eis o perigo, quando o processo
primário ganha a rodada. Em outras palavras, o princípio do prazer deve fracassar,
deve haver um corte, uma interrupção do processo. Se tomarmos a contribuição
lacaniana, podemos dizer que, sem perda, sem o suporte do registro do real,
prevalece o imaginário. O processo secundário, por outro lado, de acordo com o
Projeto e a Interpretação de sonhos, tende a uma identidade de pensamento. Lacan
marca um novo entrecruzamento, quer dizer, o funcionamento do aparelho psíquico
tende no sentido de um tratamento, de uma prova retificadora, graças a qual o
sujeito é conduzido, por trilhamentos (bahnungen) conseqüentes às descargas já
feitas, a uma série de tentativas e rodeios. Da trama de fundo da experiência de
satisfação, surge um certo sistema de desejo ou de espera de prazer que tende, por
esse fato, a se realizar de forma autônoma, sem nada esperar, em princípio, do
exterior.
A experiência de satisfação, a partir da qual podemos entender os afetos e os
estados de desejo, está ligada à concepção freudiana de um estado de desamparo
original do ser humano. Um recém-nascido não é capaz de executar a ação
específica que põe fim à tensão decorrente do acúmulo de Q. A ação específica só
pode ser realizada com o auxílio de outra pessoa, no caso a mãe que lhe oferece o
alimento, suprimindo, assim, a tensão. É a eliminação dessa tensão interna, causada
por um estado de necessidade, que dá lugar à experiência de satisfação. A partir
desse momento, a experiência de satisfação fica associada à imagem do objeto que
a proporcionou, assim como ao movimento que permitiu a descarga. Como
decorrência dessa associação, surgirá, imediatamente, um impulso psíquico que
procura reinvestir a imagem mnêmica do objeto, reproduzindo a situação de
satisfação original. “Um impulso desta espécie é o que chamamos de desejo”, diz
6
Besetzung é o termo usado por Freud, no Projeto, para designar uma representação cujo afeto não
foi descarregado, uma estratégia de ocupação, capaz de dar conta da complexidade do aparato.
21
Freud. (Freud, 1895: p. 339-340). Os desejos e os afetos, por sua vez, produzem
dois mecanismos básicos de funcionamento do aparelho psíquico, a saber, o desejo
e a defesa primária, a qual Freud identifica com o recalcamento.
No Projeto, Freud descreve o que chama de experiência de satisfação e de
estado de desejo e denomina o complexo de próximo Nebenmensch (FREUD, 1895:
p. 430-431). O elemento essencial dessa experiência é o aparecimento de uma certa
percepção que permanece associada ao traço mnêmico da excitação: é satisfação
da necessidade. Há uma marca dessa experiência no sujeito, marca que produz
uma imagem, na verdade, uma imagem motora – uma marca do que foi essa
satisfação da necessidade ou sua falta. O que ocorre, quando há uma nova
excitação interna, é o estado de desejo, o reativamento da marca que ficou e que se
liga àquela imagem mnêmica do objeto que trouxe a satisfação. O estado de desejo
causa uma espécie de atração positiva pelo objeto desejado ou, mais precisamente,
por sua imagem mnêmica, diz Freud.
O reinvestimento reconstitui a situação da primeira satisfação que Lacan
chama de desejo, ou seja, o resto da falta. A fim de avançarmos, vejamos o que diz
Lacan, no seminário da Ética da Psicanálise, sobre o Projeto:
“Trata-se, diz ele, de explicar um funcionamento normal do espírito.
Para fazê-lo, ele parte de um aparelho cujos dados são os mais
opostos a um resultado de adequação e de equilíbrio. Ele parte de
um aparelho que, por sua própria tendência, se dirige ao engodo e
ao erro. Esse organismo por inteiro parece feito não para satisfazer a
necessidade, mas para aluciná-la. Convém, portanto, que um outro
aparelho, que se oponha a ele, entra em jogo para exercer uma
instância de realidade e se apresente, essencialmente, como um
princípio de correção, de chamada à ordem”. (LACAN, 1959-1960: p.
40).
Para Lacan, o aparelho psíquico, a serviço do princípio de realidade, faz muito
mais que um simples controle, trata-se de retificação:
“O modo pelo qual opera é apenas rodeio, precaução, retoque,
retenção. Ele corrige, compensa, opondo-se ao que parece ser a
tendência fundamental do aparelho psíquico e, fundamentalmente
opõe-se a ela. O conflito é introduzido aqui na base, na origem
mesmo de um organismo que parece, sobretudo, destinado a viver”.
(LACAN, 1959-1960: p. 40).
Lacan lembra que, para Freud, o processo secundário tende a uma identidade
de pensamento. Porém, as tentativas de trilhamento, que permitem ao sujeito a
22
adequação de sua ação, se exercem por vias inconscientes. Certamente, o
pensamento não é governado pelo princípio do prazer, mas como é produzido no
campo do inconsciente, está submetido ao princípio do prazer (LACAN, 1959-1960:
p. 44).
Os sinais que chegam à consciência são apenas de prazer ou de pena, diz
Freud. Há alguma apreensão dos processos inconscientes, na medida em que se
produzem palavras. Lacan ressalta, justamente, a passagem à consciência dos
movimentos inconscientes (LACAN, 1959-1960: p. 45).
No Projeto, Freud diz que o objeto hostil só é sinalizado no nível da
consciência, na medida em que a dor faz soltar um grito que, além de servir à
descarga, assinala que algo pode ser identificado na consciência. Os objetos mais
importantes para o humano são os objetos falantes, que lhe permitem encontrar os
processos que constituem, efetivamente, seu inconsciente. Se apreendemos o
inconsciente por meio de palavras, Lacan conclui que este tem uma estrutura de
linguagem, ou seja, que o inconsciente se estrutura como uma linguagem.
Poderíamos perguntar de que linguagem se trata. A escrita é uma linguagem, assim
como o ato (acting out, atuação ou passagem ao ato) é uma forma de linguagem, ou
seja, uma forma bruta de expressão da verdade do sujeito, em sua dimensão
inconsciente, assunto ao qual retornaremos no próximo capítulo. No duplo
entrecruzamento do princípio de realidade e do princípio do prazer, o primeiro
governa o nível do pensamento, porém apenas na medida em que faz retomar algo
e articulá-lo em palavras, trazendo-o à consciência (LACAN, 1959-1960, p. 46). Os
resíduos das experiências de satisfação e de dor irão constituir os afetos e os
estados de desejos (FREUD, 1895: p. 415). Toda a elaboração freudiana da
sexualidade parte de uma premissa que foi resgatada por Lacan: no cerne da
sexualidade humana, figura uma falta de objeto. O objeto é a marca dessa falta, do
resto, eis o objeto a que Lacan nomeia de objeto causa do desejo. O objeto a é um
objeto faltoso, ou, como diz Freud, é o objeto desde sempre perdido e que o sujeito
busca reencontrar.
Para pensar o objeto a e o desejo, partimos da seguinte reflexão: se o objeto
a nos confronta com o impossível, a falta inaugura o desejo. Em outras palavras, se
o objeto a é o fruto cobiçado, o desejo é o fruto proibido que inaugura a falta. Essas
duas concepções vão encaminhar nosso percurso para esse núcleo impossível de
23
simbolizar. Em Freud, como em Lacan, o desejo aparece articulado à Lei. Há uma
relação dialética entre esses dois significantes, um não existindo sem o outro.
A relação entre lei e pecado aparece na Bíblia, no discurso de São Paulo,
Epístola aos Romanos, capítulo 7, versículo 7: se substituirmos o significante pecado
pelo significante Coisa, nada mostra com mais exatidão a relação entre Coisa e Lei.
O desejo que a Coisa suscita só aparece em relação à Lei. De que Lei fala Lacan? A
Lei da fala, que faz advir o sujeito:
“Essa lei, sempre viva no coração de homens que a violam a cada
dia, pelo menos no que diz respeito à mulher do próximo, deve
certamente ter alguma relação com o que é aqui nosso objeto, ou
seja, das Ding. [...] Acrescento das Ding como o próprio correlato da
lei da fala em sua mais primitiva origem, nesse sentido que das Ding
estava lá no início, que é a primeira coisa que pôde separar-se de
tudo que o sujeito começou a nomear e articular, que a própria
cobiça em questão se dirige, não a uma coisa qualquer que eu
deseje, mas a uma coisa na medida em que é a coisa do meu
próximo”. (LACAN, 1959-1960: p. 105-106).
Sintetizando, a Lei não é a Coisa, mas uma não existe sem a outra. É essa
Lei que marca a diferença entre o indivíduo e o sujeito do inconsciente. Faz do
homem um sujeito, na medida em que fala e, portanto, deseja.
Podemos dizer que o desejo está situado no centro da teoria e prática
psicanalítica. Não o desejo tal como entendido pela biologia ou proposto pela
filosofia, nem o desejo como mera satisfação de necessidade, mas um desejo
desnaturalizado e lançado na ordem simbólica. O desejo, em psicanálise, é antes de
tudo, efeito da falta. E não se trata de falta imaginária ou de falta circunstancial,
contingente, mas de falta real. A falta é estruturante, remetendo ao conceito
freudiano de castração e às tentativas de recobrimento simbólico, que constituem o
campo da sexualidade, marcado pela incompletude, originada do desejo. O acesso
do sujeito ao desejo é, entretanto, indireto, pois não nasce um ser de desejo, mas de
necessidade. O bebê é, inevitavelmente, invadido por um duplo desconforto: o de
suas necessidades vitais e o da absoluta dependência de um outro que lhe supra
tais necessidades. O bebê, em sua relação com o mundo, encontra-se em um
estado de desamparo fundamental, Hilflosigkeit. A situação de desamparo e
dependência impõe à criança a alienação aos cuidados do adulto provedor. Esse
primeiro movimento é o resultado de uma escolha forçada para entrar no campo do
Outro, no campo do simbólico, pois os cuidados da mãe implicam em atribuir sentido
24
ao choro-sofrimento, ainda sem sentido, pura necessidade. A diferença fundamental
entre necessidade e desejo está no fato de que a necessidade é de ordem física ou
biológica e encontra sua satisfação por meio de uma ação específica que visa um
objeto específico para reduzir a tensão. O objeto do desejo não é algo concreto, mas
da ordem do simbólico. O desejo desliza continuamente por uma série interminável
de objetos, na qual cada um funciona como significante e remete a outro, em uma
busca sem fim, pois o objeto é um objeto perdido para sempre. Toda satisfação
obtida coloca, imediatamente, uma insatisfação que mantém o deslizamento
constante do desejo na rede infinita de significantes. Para Freud, portanto, o desejo
– efeito da falta – é definido como movimento. Para Lacan, não se trata de uma
produção interna, porque seu ponto de ancoragem é o Outro. Assim, se o desejo é a
busca do objeto perdido, podemos dizer que é dirigido àquilo que o representa. O
acesso do sujeito ao desejo não é, contudo, direto, exigindo um percurso que tem
seu ponto de partida na necessidade com a introdução do binômio demanda /
desejo.
Diz Lacan: “Se digo que o pequeno a é o que causa o desejo, isto quer dizer
que não é dele o objeto” (LACAN, RSI, lição 21/01/1975). O objeto a se define por
ser um objeto que não existe – só é possível falar dele na mesma proporção em que
se fala da falta. Este mantém uma relação absolutamente estrita com a falta. Por
isso, durante algum tempo, Lacan o chamou de objeto negativo. O objeto a funciona
como um verdadeiro motor da estrutura, como causa da estrutura do desejo. No
seminário RSI, Lacan situou o objeto a na interseção entre os três registros – real,
simbólico e imaginário – do nó borromeano. Ou seja, não só participa
simultaneamente dos três registros que constituem a estrutura, como também
representa o lugar de amarração do próprio nó.
I
R
S
25
Assim, o objeto a tem várias aparências, mas a dimensão que mais importa e
que o configura é o seu estatuto real, o qual lhe confere ex-sistência – designando o
que está fora do registro do simbólico. E o nome dessa dimensão real do objeto a,
Lacan empenhou-se em mostrar que foi chamada por Freud de das Ding, a Coisa.
Para abordar das Ding, Lacan retoma o Projeto e destaca o complexo de
Nebenmensch, emanado pelo infans a partir do ser humano que dele cuida e
tomado como seu semelhante, seu próximo. O objeto inicial seria simultaneamente o
primeiro objeto-satisfação e o primeiro objeto hostil, assim como o único poder
auxiliador.
É, pois, sobre o próximo que o ser humano aprende a discernir, pois o objeto
inicial será dividido em duas partes distintas: uma que diz respeito ao complexo de
percepção e os estímulos novos e incomparáveis, como os traços na esfera visual e
outra que se refere aos complexos perceptíveis passivos de serem reconhecidos
pelas vivências do sujeito, como os movimentos das mãos ou grito.
“[...] assim o complexo do próximo (Nebenmensch) se separa em
dois componentes, um dos quais se impõe por um aparelho
constante, se mantém coeso como uma coisa (Ding) do mundo, ao
passo que o outro é compreendido por um trabalho mnêmico,
referente a alguma informação do corpo próprio do sujeito”. (FREUD,
1895: p. 448).
Complementa Lacan: “O Ding é o elemento que é, originalmente, isolado pelo
sujeito em sua experiência do Nebenmensch, como sendo, por sua natureza,
estranho” (LACAN, 1959-1960: p. 68-69). É em torno do objeto, das Ding, que se
orienta o movimento desejante. O objeto que representa o Outro absoluto para o
sujeito, eis o que se trata, no fundo, de reencontrar. É justamente essa perda que é
sinônimo de sua existência como objeto. É o que Freud designa, quando diz que “o
objetivo primeiro e imediato da prova da realidade não é a de encontrar na
percepção real um objeto que corresponda ao representado, reencontrá-lo,
convencer-se de que ele ainda está presente” (LACAN, 1959-1960: p. 68-69).
Lacan ressalta que não se trata de querer situá-lo, como fez Melaine Klein, na
mãe, a qual ocupa, na verdade, o lugar do objeto faltoso. Tal distinção, aplicada no
contexto da relação de objeto, é aquela entre das Ding e o objeto materno: “Pois
bem, rogo-lhes considerar toda a articulação kleiniana com a chave que lhes
26
forneço. A articulação kleiniana consiste nisto – ter colocado no lugar central de das
Ding o corpo mítico da mãe” (LACAN, 1959-1960: p. 133).
No seminário sobre a ética, Lacan insinua que o grande erro dos psicanalistas
das teorias da relação de objeto é a confusão entre das Ding, o objeto radicalmente
perdido, origem da falta ôntica da estrutura, e a mãe, objeto ao qual o sujeito deverá
renunciar em sua história edípica particular. Nos termos freudianos, trata-se da
distinção entre filogênese e ontogênese, distinção que Freud sempre manteve viva
em sua obra e que deveria enriquecer a concepção científica do inconsciente.
Segundo Lacan, reencontramos aí uma estrutura fundamental que permite dizer que
a Coisa em questão é suscetível de ser representada pelo que chamamos, há
tempos, no discurso do tédio e da prece, de a Outra coisa. A Outra coisa é,
essencialmente, a Coisa (LACAN, 1959-1960: p. 149).
Mantendo o caráter real, faltoso, a Coisa comparece a cada vez que o sujeito
reencontra o objeto, repetição que Lacan define como tique e que vigora por trás do
autômaton da cadeia simbólica. Para ele, das Ding é essa Coisa, o que do real
primordial padece do significante (LACAN, 1959-1960: p. 149).
“Digamos hoje, que se ela ocupa esse lugar na constituição psíquica
que Freud definiu sobre a base da temática do princípio do prazer, é
que ela é essa Coisa, o que do real – entendam aqui um real que
não temos ainda que limitar, o real em sua totalidade, tanto o real
que é o do sujeito, quanto o real com o qual ele lida como lhe sendo
exterior – o que, do real primordial, diremos, padece do significante”.
(LACAN, 1959-1960: p. 149)
Fiel ao texto freudiano, Lacan faz a distinção entre os termos em alemão das
Ding e die Sache (LACAN, 1959-1960: p. 61). Freud ressalta que, entre coisa
(Sache) e palavra (Wort), há uma relação de par – daí falar de Sachvorstellung –
representação-coisa – e Wortvorstellung – representação-palavra (Idem p. 61).
Das Ding situa-se em outro lugar: o que há em das Ding é o verdadeiro segredo
(LACAN, 1959-1960: p. 61).
Devemos precisar como a psicanálise define o desejo, antes de entrarmos no
universo do gozo propriamente dito, já que ambos, o desejo e o gozo, constituem os
pilares fundamentais do mundo freudiano e lacaniano. Nesse capítulo apresentamos
a dimensão do desejo na sua referência a um objeto impossível das Ding, a Coisa,
para ressaltarmos a dimensão paradoxal do desejo, vinculado a uma falta real do
27
objeto, as formulações freudianas sobre o “complexo do próximo” – apresentados no
Projeto de 1895 – de onde Lacan pinça o termo das Ding, a Coisa.
Veremos que Freud utiliza dois termos em alemão para designar o desejo,
Wunsch que significa voto ou desejo e Lust que se traduz como apetite e prazer. O
Wunsch é o desejo inconsciente recalcado e ao mesmo tempo realização do desejo.
O desejo não deve ser confundido como necessidade, nem como demanda. O que
Freud chama de “desejo sexual” no Projeto, não corresponde a nenhuma
necessidade racionalizável, é uma tendência profundamente inigmática, diferente
das demandas e das necessidades, daquelas que v. sabe o que quer. Freud usa o
termo em alemão Befriedigung para definir que a necessidade pode encontrar a
satisfação em um objeto adequado, enquanto para a satisfação do desejo usa o
termo Wunschbefriedigung, pois pertence a outro registro. Freud especifica que o
sonho é a realização de um desejo sexual, na medida em que Wunsch tem sempre
uma polaridade, a satisfaço pode ser onírica ou fantasística, é uma satisfação
subjetiva, independente da sua realização efetiva em um prazer de órgão que
poderia acompanhá-la, independente também do seu encontro com o objeto sexual.
Freud, não reduz a sexualidade ao genital. A satisfação do desejo tem uma
polaridade sexual. A busca do objeto sexual na realidade, é orientada pelos traços
mnêmicos a partir dos quais o desejo inconsciente e indestrutível é determinado, de
modo que o objeto escolhido nunca é mais do que um objeto reencontrado em
relação ao objeto primeiro, aquele que presidiu a primeira experiência de satisfaça,
desde sempre perdido. Trata-se, portanto de uma teoria do desejo em Freud. A
solução que Lacan dá para esse enigma do desejo indestrutível é articulá-lo com
cadeia significante, insistindo que ele se realize na palavra – trata-se portanto de
uma verdadeira teoria do desejo em Freud. Se para Freud os termos chaves em
alemão para fundamentar as questões sobre o desejo eram: Just e Wunsch; para
Lacan o termo chave é Begierde, que significa apetite, tendência ou concupiscência,
e cuja significação é extraída da Fenomenologia do Espírito de Hegel, que comporta
a noção chave de reconhecimento:
“Eu me reconheço a partir de um outro, que serve de suporte para o meu
desejo; isso quer dizer que eu o tomo como objeto do meu desejo, negando-o como
consciência7.” KOJÈVE. (1971). Num primeiro momento, Lacan, define o desejo
7
KOJÈVE, A. Introduction à la lecture de Hegel, Paris, Gallimard, 1971.
28
como desejo de reconhecimento, ou seja, fazer-se reconhecer pelo outro na palavra
que lhe é dirigida. O desejo aqui é reconhecido pelo desejo do outro. É submetido às
leis da palavra (dom, reconhecimento, troca, pacto e aliança). Reconhecendo as leis
da palavra que legitima o seu desejo, o sujeito pode obter a sua realização no
encontro com o objeto escolhido. Essa é a tese desenvolvida em “Função e campo
da fala e da linguagem” em 1953, que inaugura o ensino público de Lacan. A partir
de 1958 as definições de sujeito e do desejo modificam-se radicalmente, com “A
Instância da Letra”, o sujeito que era tomado no sentido da pessoa, podia encontrar
a completude de seu ser na palavra plena, reconciliando-se com o seu desejo
reconhecido. Quando surge a nova concepção de sujeito definido como dividido pelo
significante que o representa para um outro significante, o distinguirá radicalmente
da pessoa. A partir dessa nova concepção, o desejo desse sujeito dividido pelo
significante, é submetido às leis da linguagem, regidas essencialmente, pelo jogo da
metáfora e da metonímia. A Lei do desejo, isto é, a interdição do incesto, é
consubstancial a essas leis da linguagem. O desejo aqui não é mais do outro, mas
do Outro do significante. O sujeito se aloja na metomínia da cadeia significante, de
modo que ele é impossível de dizer. O sujeito não pode mais reconhecê-lo, é preciso
interpretá-lo, para que ele possa nomeá-lo. É por meio da palavra que o desejo é
levado à existência, a partir de suas representações lingüísticas. O sujeito
detectando os significantes que o determinam, pode mudar o curso da sua história.
Portanto, tanto em Freud, como em Lacan a realização do desejo, está ligada
a sua representação significante, sendo o primeiro objeto desejo o significante de
seu reconhecimento. A partir daí temos como resultado, quanto mais o sujeito
avança no caminho da realização do seu desejo, mais ele sofre os efeitos de sua
destituição subjetiva, e mais é confrontado com a fragmentação de seus objetos. A
destituição subjetiva corresponde ao desvanecimento do sujeito. O sujeito se apaga,
desaparece sob o significante que o determina, enquanto o desejo se realiza pelo
advento desse significante. Parafraseando Lacan, poderíamos dizer que o sujeito
deve desaparecer de seu dizer para advir ao ser de seu desejo. Na realização do
desejo trata-se de uma satisfação do ser, que podemos dizer insaciável, e não de
um saciedade do desejo no encontro com um objeto que poderia satisfazê-lo. O ato
desejante, sempre renovado e não realizado que é aquilo que insiste no
inconsciente, segundo Lacan. Correlacionado o desejo inconsciente, que insiste,
com a cadeia significante, Lacan resolve o enigma do desejo indestrutível, Wunsch
29
de que Freud fala, na Interpretação dos Sonhos. Para Freud o desejo é por definição
sexual. O encadeamento do desejo com o significante apresenta a dificuldade de
saber como articular o desejo ao sexual. Para Lacan o axioma princeps de sua teoria
que é o inconsciente é estruturado como uma linguagem, precisa considerar que
nem tudo é significante experiência analítica. Há o significante, mas há também o
gozo.
1.2
A PULSÃO E SEUS DESTINOS
Freud conceituou a pulsão em uma referência que permitiu a Lacan
ressaltar, com precisão, o impossível da satisfação total: “há algo na natureza
mesma da pulsão que está fadado à insatisfação”. A satisfação absoluta pertence ao
regime do impossível, como sublinha Lacan – a satisfação é sempre parcial, sempre
não-toda, para usar essa expressão lacaniana que aparece em muitos de seus
escritos. Lacan diz que “a satisfação da pulsão é paradoxal. Quando olhamos de
perto para ela, apercebemo-nos de que entra em jogo algo de novo – a categoria do
impossível”. Algo da categoria do real como impossível (LACAN, 1964: p. 158).
Diz Lacan:
“A montagem da pulsão é uma montagem que, de saída, se
apresenta como não tendo nem pé nem cabeça – no sentido em que
se fala de montagem numa colagem surrealista” [...] Seu esquema é
particularmente rico: “A esse seio, na sua função de objeto, de objeto
a causa do desejo, tal como eu trago sua noção – devemos dar uma
função tal que pudéssemos dizer seu lugar na satisfação da pulsão.
A melhor fórmula nos parece ser esta – que a pulsão o contorna”.
LACAN, 1964: p. 160/161.
30
O objeto da pulsão é “aquilo em que ou por quem ela pode alcançar seus
objetivos” (FREUD, 1915). Freud utiliza os termos fonte, impulso, objeto e objetivo,
como características da pulsão. O objeto (Objekt) é o que Freud designa como
aquilo que há de mais variável e que só se liga à pulsão por sua aptidão para
possibilitar a satisfação. Freud não deixa de assinalar, mesmo tardiamente, que há
algo na natureza mesma da pulsão sexual que é “desfavorável à realização da plena
satisfação”. Entre a satisfação almejada e a obtida, haverá sempre uma diferença
que não se pode eliminar. O esquema de Lacan representa o circuito pulsional em
torno do elemento faltoso, que é da categoria do desejo – na satisfação da pulsão,
entra em jogo a categoria do impossível, do real enquanto impossível de ser
simbolizado.
“Assim, devemos levar em consideração que as pulsões, triebe, as
comoções pulsionais sexuais, são extremamente plásticas. Elas
podem entrar em jogo umas no lugar das outras. Uma pode pegar
para si a intensidade das outras. Quando a satisfação de umas é
recusada pela realidade, a satisfação de outra pode oferecer-lhe uma
completa compensação. Elas se comportam umas em relação às
outras como uma rede, como canais comunicantes preenchidos por
um líquido. Vemos aí aparecer a metáfora que se encontra, ora de
dúvida, na origem dessa obra surrealista que se chama ‘Os vasos
Comunicantes’” (LACAN, 1959-1960: p. 116).
Lacan apresenta o objeto a, a partir de quatro vertentes: demanda ao Outro,
do objeto que eu quero do Outro (seio); Demanda do Outro, que exige a doação de
um objeto do meu corpo (fezes); Desejo pelo Outro, que o Outro me olhe (olhar);
Desejo do Outro, que eu fale (voz).O objeto a está situado fora da ordem da
representação e não deixa de ter os seus suportes, seus equivalentes, suas
figurações, seus modos. São quatro as formas em que o objeto a se apresenta –
seio, fezes, voz e olhar. Detêm um traço em comum: são objetos destacáveis do
corpo, produzidos por um corte, por uma separação. Percebemos que os objetos da
demanda são objetos reais palpáveis, enquanto o desejo é inconsciente e nunca
totalmente realizável. O seio é o objeto primordial, roubado do campo do Outro, cuja
representação primeira é a mãe, que incorpora o próprio corpo do sujeito, na
amamentação. Lacan presentifica aí o primeiro objeto a: será que esse objeto
pertence à mãe ou ao bebê? O sujeito vai se constituir com a falta, com o desejo do
Outro. O objeto a é o que está em jogo entre o sujeito e o Outro (A). O sujeito
barrado /S e o Outro (A) não podem coexistir, a não ser marcados pela barra,
31
divididos pela própria existência do objeto a. Eis o enigma do sujeito humano,
sempre em busca da falta, da desrealização de seu desejo.
De acordo com o ensino de Lacan, o estatuto do objeto na psicanálise tem
características bastante definidas e particulares. Para ele, o objeto não é o objeto
dividido em bom e mau da teorização de Melanie Klein, nem o objeto transicional de
Winnicott ou objeto perdido que se busca infinitamente reencontrar, de Freud. O seio
que se presta à equivalência ao objeto a não é o seio anatômico, mas sim o seio
como objeto equívoco entre mãe e a criança – do qual a criança terá que se separar,
terá que perder. O mesmo vale para os outros objetos: todos sem essência em si
mesmo, portanto, adequados para simbolizar a perda constituinte do sujeito. A perda
constitutiva do sujeito corresponde à perda do objeto. O objeto perdido é o substrato
do desejo, é a causa que nos faz desejar. Esse objeto que é a causa do desejo
ocupa um lugar privilegiado em relação à angústia. O conceito de objeto a vai sendo
construído ao longo do ensino de Lacan. No seminário sobre as formações do
inconsciente, de 1957-1958, Lacan coloca que não há objeto senão metonímico. Ou
seja, o objeto do desejo é o objeto do desejo do Outro e o desejo é sempre desejo
de outra coisa, mais precisamente daquilo que falta ao objeto perdido
primordialmente, pois Freud o coloca como estando sempre por ser reencontrado.
No seminário sobre a ética, de 1959-1960, Lacan fala de das Ding,
antecedente lógico e teórico do objeto a, definido como um espaço vazio, um furo
que delimita o inconsciente.
No seminário sobre a angústia, de 1962-1963, teoriza o objeto a como objeto
do real. A angústia é o sinal de que algo falta, resposta do real evocada pela
incidência do desejo. O desejo do Outro se endereça ao sujeito, transformando-se
em questão. Sabemos que o termo objeto, utilizado por Freud, remete ao
determinante explícito ou implícito da pulsão, ao objeto do amor, assim como ao
objeto de identificação. Em oposição ao Objekt, a Coisa (das Ding) surge mais como
o objeto perdido de uma satisfação mítica. É no lugar de objeto que Lacan escreve o
objeto a, esclarecendo por que o objeto da pulsão é o mais variado possível:
qualquer que seja esse objeto, não é o objeto “adequado”, é um mero substituto que
está ali apenas para possibilitar o objetivo da pulsão que, segundo Freud, é produzir
satisfação. Com a travessia da fantasia, o sujeito é levado a mudar de posição com
relação ao objeto a, que passa a ser colocado atrás do sujeito, funcionando como
causa e não mais na frente, como algo a ser encontrado, como pensava Freud.
32
Ressaltamos que este é o ponto de inovação da teorização lacaniana por onde faz
avançar sua consideração sobre o final de análise. Lacan coloca o objeto a à parte
da estrutura linguageira – a partir do momento em que ele não é um significante ,
nem um significado. Assim, o analista ocupa o lugar de agente, lugar de causa, lugar
de objeto, fazendo semblante de objeto, o que significa que, no lugar de responder a
partir de um saber que possa conduzir a uma identificação com um ideal, deve
responder com seu ato, o ato analítico. Lacan realmente admite ter construído e
inventado o objeto a, objeto que tem a característica de ser escrito com um símbolo:
a letra “a”. Não se trata da primeira letra do alfabeto, mas da primeira letra da
palavra “outro” (autre). Na teoria lacaniana, diferenciamos outro, com minúscula, “a”,
e Outro, com maiúscula, “A”. O Outro remete a uma das imagens do poder de
sobredeterminação da cadeia significante, enquanto o outro designa nosso
semelhante, o ego.A invenção do objeto a visa responder a alguns problemas.
Quem é o outro? Quem é meu semelhante? Quem é esse diante de mim? É um
corpo, uma imagem, uma representação simbólica? A psicanálise não propõe
responder, daí a construção do objeto a. Representado pela letra a, é uma maneira
de nomear a dificuldade, que surge no lugar de uma não-resposta. O objeto a é uma
letra que visa expressar uma ausência. Ausência de resposta a uma pergunta que
insiste sem parar. Na medida em que não encontramos respostas, marcamos com
uma notação escrita, uma simples letra, o furo opaco de nossa ignorância. Assim, o
objeto a designa uma impossibilidade, um ponto de resistência ao desenvolvimento
teórico. Trata-se, enfim, de um artifício, do pensamento analítico para contornar a
rocha do impossível. Transpomos o real ao representá-lo por uma letra. Com a
ênfase sobre o objeto desde sempre perdido do desejo (a Coisa, das Ding) e a
distinção do objeto causa do desejo (objeto a), ao buscar sucessivos substitutos em
seus deslocamentos simbólicos e investimentos libidinais imaginários, o sujeito
sempre acaba por se deparar com a Coisa. Trata-se da repetição de um encontro
faltoso com o real, maneira pela qual Lacan define a função da tiquê, que vigora por
trás do autômaton da cadeia significante. O real está para além do autômaton, do
retorno, da volta, da insistência dos signos aos quais nos vemos comandados pelo
princípio do prazer. LACAN, 1964: p. 56.
Lacan sublinha que o sujeito que emerge no Outro é um sujeito vazio de
atributos, situado num lugar indeterminado da cadeia, dividido entre um significante
e outro. A operação de extração do sujeito a partir do Outro deixa um resto,
33
irredutível ao significante, que é o objeto a. Trata-se, portanto, de uma invenção de
Lacan, um objeto conceitual inapreensível à experiência. Ele o identifica ao objeto da
pulsão, objeto parcial, objeto perdido, na teoria freudiana.
“[...] este objeto, que de fato é apenas a presença de um cavo, de um
vazio, ocupável, nos diz Freud, por não importar que objeto, e cuja
instância só conhecemos na forma de objeto perdido, a minúsculo. O
objeto a minúsculo não é a origem da pulsão oral. Ele não é
introduzido a título de alimento primitivo, é introduzido pelo fato de
que nenhum alimento jamais satisfará a pulsão oral, senão
contornando-se o objeto perdido, a minúsculo. (LACAN, 1964: p.
170).
O objeto a desempenha o papel de causa do desejo do Outro, lugar que o
próprio sujeito ocupa, pois seu objeto é o desejo do Outro. O objeto a não pertence a
ninguém, estando justamente, na junção lógica do desejo do Outro e do sujeito.
Sabemos que o sujeito não é a causa de si, mas todo o trabalho de análise é levá-lo
a assumir a sua determinação. Um imperativo diferente do pensamento de Kant,
pois não é um imperativo de liberdade em acordo com uma lei universal, mas um
imperativo em função do qual o sujeito deve assumir a sua própria causação. O
objeto remete ao que funda o sujeito, àquilo que o determina em sua relação com a
realidade: princípio do prazer versus princípio da realidade. Lacan lembra que a
noção freudiana de objeto é referida a tal conflito. Diz respeito à relação conflitual,
estruturante e insolúvel entre o sujeito e o mundo. Na infinita busca pela realização
de seus desejos, marcados pelo significante, o sujeito caminha pela vida com as
possibilidades de combinação que lhe são dadas. Ama e sofre, tentando, em vão,
preencher, completar, harmonizar sua relação com a falta. Em nossa experiência
clínica, encontramos, não raramente, um sujeito às voltas com a toxicomania,
enfrentando grande dificuldade de elucidar algo sobre seu sofrimento, apresentando
uma demanda vaga e imprecisa de tratamento e não sustentando a trajetória
analítica, pois pouco alcança alguma retificação subjetiva e quase nunca consegue
transformar sua demanda em demanda analítica. A falta de condições para cifrar
metaforicamente o seu sintoma, como meio de sustentar a transferência analítica,
tende a impulsionar tais sujeitos a cometerem inúmeros acting out, atos e passagens
ao ato. Característica principal da clínica de tais sujeitos, também convoca o analista
a se servir fortemente da indicação do real. O aspecto acéfalo do ato analítico é
correlato à dimensão acéfala da pulsão. No trabalho analítico, presentifica-se o
34
trajeto pulsional que subverte o sujeito, fazendo dele um objeto da pulsão. Os
enunciados e os desejos do sujeito giram em torno dos significantes da pulsão,
constituindo um turbilhão em volta do vazio inominável de seu ser de objeto.
Diana Rabinovitch, em seu estudo sobre a pulsão, aponta que a topologia do
objeto a apresenta-se entre realização do desejo e satisfação pulsional. O objeto a,
na função de causa de desejo e de mais-de-gozar, revela dimensões do real que
podem ser enfocadas por diversos ângulos. O objeto a é delineado entre o objeto do
desejo e objeto da pulsão. Apresenta-se, topologicamente, no intervalo entre o
conceito de objeto causa do desejo e o conceito de objeto de mais-de-gozar, que se
inclina até a vertente da satisfação pulsional. Funciona com uma espécie de
dobradiça, oscilando entre o conceito de desejo e o de pulsão.
“O objeto a é, pois, sempre solidário de uma topologia que, por
estrutura, recusa à delimitação externo-interno, dentro-fora.
Estabelece-se, pois, a especificidade da mesma em relação ao
desejo e a pulsão. A dificuldade que enfrentamos se situa, portanto,
no intervalo que vai intermediar conceito de causa do desejo, em sua
articulação com o desejo, e o conceito de mais-de-gozar que se
inclina até a vertente da satisfação pulsional”. (RABINOVICH, 2004:
p. 11)
No seminário “De um Outro ao outro”, de 1968-1969, Lacan introduz o
conceito de mais-de-gozar. Encontramos aí o “objeto a preparado para ser um lugar
de captura de gozo”. O “mais”, o excesso de gozo apresenta-se como a recuperação
de uma perda, de uma renúncia prévia ao gozo (RABINOVICH, 2004: p. 11). Lacan
tardará a articular o gozo como satisfação de uma pulsão. No seminário sobre a
ética, define o gozo como satisfação pulsional e os conceitos de corpo e pulsão
tornam-se inseparáveis. Rabinovich destaca que patologias, tais como jogos de
azar, bulimia, anorexia e toxicomania, tem um expressivo caráter compulsivo e
revelam-se como substitutos do auto-erotismo. A autora examina o caso de
Dostoievski, que era viciado em jogos de azar, para discutir o problema da
energética da fixação, o problema do quantum de fixação ao objeto a como
satisfação da pulsão e não com objeto causa de desejo. Recordem que Freud
coloca-o como um dos obstáculos maiores à finalização de uma análise. Portanto,
podemos afirmar que o sujeito na toxicomania encontra-se situado na dimensão da
adesividade da libido, ou seja, da satisfação da pulsão. Fixado ao objeto pulsional e
distante do objeto causa de desejo, está alojado na dobradiça, existente
35
topologicamente, entre desejo e pulsão. Segundo Rabinovich, Freud chamou de
adesividade da libido o fator constitucional, até hoje, não bem explicado
(RABINOVICH, 2004: p. 19).
Lacan diz: “O modo como cada sujeito sofre em sua relação com o gozo na
medida em que só se insere na relação com o gozo por meio do mais-de-gozar é o
sintoma” (Idem p. 25). Ele lembra que o gozo é o que revela “a origem sórdida”
8
de
nosso ser. O sujeito do gozo, na neurose, sofre a operação do recalcamento
originário, através do qual entra na linguagem e advém como sujeito do significante.
Tal operação é responsável pela extração do objeto a da realidade psíquica,
produzindo simultaneamente o advento de “um pouco de realidade” para o sujeito e
a perda do gozo absoluto enquanto um real doravante inatingível.
“A conseqüência disso, é que o objeto a , enquanto radicalmente
perdido, é o objeto da fantasia que passa a sustentar o desejo. Para
Lacan o desejo é sempre sustentado pela fantasia. Se o desejo é,
em sua essência, da ordem da falta, a fantasia é a estrutura que
enquadra, emoldura esta falta num certo limite, numa certa ‘janela
para o real’. Se o desejo é a falta enquanto tal, a fantasia é o que
sustenta esta falta radical ao mesmo tempo em que indica
ilusoriamente ‘o que falta’. Há falta diz o desejo. É isso que falta diz a
fantasia”. (JORGE, 2006).
A fantasia constitui a realidade psíquica para cada sujeito, mediatizando o
encontro do sujeito com o real. É uma espécie de tela protetora para o sujeito,
constituindo, para Lacan, o suporte do desejo, na medida em que permite fixá-lo na
relação com determinado objeto a, para fazer tela à das Ding. É nesse sentido que a
fantasia constitui uma janela para o real, o impossível de ser simbolizado. (JORGE,
2006)
Quinet coloca a questão do objeto a dentro do dispositivo analítico de forma
lúdica e inteligente:
“O que é, o que é: o sujeito só pode dele desfrutar com a condição
de não possuí-lo? A resposta é o objeto a, produto do trabalho do
significante sobre o gozo que vai funcionar sobre objeto mais-degozar enquanto objeto perdido. O objeto a – o objeto propriamente
da pulsão – é função da renúncia ao gozo”. (QUINET, 1991: p. 91)
8
LACAN, J. De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. In:Escritos. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1998, p. 589.
36
Para encerrar o primeiro capítulo, fazemos um paralelo entre o término da
análise e o que ocorre com o objeto a no atravessamento da fantasia, considerando
que, no discurso do analista, o objeto a ocupa o lugar de agente do discurso. No
termino de uma análise, o psicanalista cai desse lugar que está situado como o
semblante do objeto a. O sujeito, por sua vez, causado pelo enigma do objeto a, faz
a produção de um significante primordial sobre sua falta, um S1, chegando a análise
a seu termo.
1.3 QUESTÕES ESPECÍFICAS EXTRAÍDAS DA PRÁTICA CLÍNICA
COM TOXICÔMANOS
A
questão
formulada
na
presente
investigação
partiu
de
algumas
interrogações específicas, extraídas da prática clínica:
1. Porque os toxicômanos, assim como os anoréxicos e os bulímicos, tendem a
não sustentar um trabalho de análise?
2. Como transformar a demanda de tratamento desses sujeitos em demanda de
análise, uma vez que, quase sempre, o trabalho é interrompido?
3. Qual o tipo de transferência analítica que o sujeito na toxicomania pode
estabelecer no dispositivo analítico, já que mantém o objeto a no bolso, como
um antídoto à angústia gerada pelo tratamento?
2 VICISSITUDES DO ATO
“A meu ver não há outra definição possível do
inconsciente. O inconsciente é o real”.
LACAN, 1975.
2.1
FREUD E O ATO
Retomar a problemática do ato na psicanálise, implica em retornar aos
primórdios da obra freudiana. Embora Freud não apresente em sua obra um estudo
sistemático acerca do ato, este é um termo muito utilizado em suas mais relevantes
investigações sobre o funcionamento psíquico.
Propomos destacar algumas variações que ocorreram nas formulações a
respeito do ato em psicanálise. Seguindo a trilha de Freud e Lacan, sabemos que
existem diferentes registros de ato: ato fundador, ato falho, ato obsessivo, acting out,
passagem ao ato, ato analítico. Em Freud, encontraremos cinco termos diferentes,
disseminados ao longo de sua obra, que recobrem momentos diferenciados do ato,
a saber: aktion, handlung, akt, tat e agieren.
Freud associa o termo aktion a dois contextos: o da ação específica e o das
ações de repetição. Segundo Freud, quando as estimulações chegam ao aparelho
psíquico, o organismo não pode delas escapar. Quando o perigo vem do externo, a
própria energia da estimulação é usada para, segundo as leis do princípio do prazer,
servir à tendência da conservação da energia num mínimo ideal. A ação específica é
desencadeada pelo princípio de realidade a serviço do princípio do prazer, em uma
relação ao outro. Aktion faz parte de uma ética, pois as primeiras experiências
38
psíquicas ligam o bebê ao campo do Outro em função de seu estado de Hilflosigkeit
– desamparo fundamental.
Handlung é uma ação específica desenvolvida em todas as suas nuances,
cujo modelo é o mesmo da ação específica, porém exige mais energia, posto que
sua ação é muito mais complexa. Exige um armazenamento de energia, pois implica
em prorrogar a descarga motora. Handlung não é ato é ação. O ato é um
significante, diz Lacan, a ação, ao contrário, é mais ou menos verbalizável, na
medida em que é função do julgamento pré-consciente. Se a Handlung depende da
vontade e do armazenamento de energia, cuja descarga é prorrogada, trata-se
então da ordem do gozo, que contraria o princípio do prazer.
A Handlung envolve um trabalho do pensamento e da vontade, constituindose junto com um eu que estabelece uma certa ordem nos processos psíquicos e os
submete à prova de realidade. A ação é, portanto, a entrada da função do eu que
negocia com o isso, sob o crivo do princípio da realidade. Assoun inverte a metáfora
freudiana: "o eu busca governar, justamente porque ele não reina" (ASSOUN, 1985:
p. 12) 9.
Akt é um termo encontrado no início da obra de Freud, em relação explícita
com o ato sexual, enquanto coito, enquanto Sexualakt. Tem, para Freud, um
estatuto muito particular, pois, coloca o sujeito em relação direta com o seu gozo, ali
onde atinge o maior prazer possível. O Akt engendra o sujeito: é o akt dos pais, o
sexualakt da cena originária (FREUD, 1918: p. 163).
Freud usa o termo akt para se referir a ato sexual e ao ato preparatório ao
mesmo. Ambos aparecem em “Mas além do princípio e do prazer”, de 1920. Ao
tratar da repetição na brincadeira do neto de 18 meses, utiliza o termo para
descrever o jogo do carretel, conhecido como Fort-Da, que anuncia a presença do
simbólico e o desejo. Já em "Totem e Tabu” FREUD (1913), também faz outra
referência ao ato:
“É certo que nem nos selvagens nem nos neuróticos estão presentes
as nítidas separações que traçamos entre pensar e agir. Porém, o
neurótico está, sobretudo, inibido em seu ato, o pensamento é para
ele o substituto pleno do ato. O primitivo não está inibido, o
pensamento se transpõe de imediato em ato; para ele o ato é, por
assim dizer, um substituto do pensamento; e por isso eu opino, ainda
sem pronunciar-me acerca da certeza última da decisão, que no caso
9
Tradução realizada pela psicanalista Guilhermina Bourgeois no ano 2000.
39
que agora examinamos, há de se supor: ‘No início era o ato’”
(FREUD, 1986 [1913]: p. 162).
Freud designa tal ato como tat. Tomando emprestado de Goethe a inversão
da palavra bíblica, faz do tat o ato fundador da cultura – ato de criação, marcado por
um traço de violência, já que se trata do assassinato do pai.
Nos escritos técnicos, uma vez mais há um registro a respeito do ato –
agieren. Em lugar de lembrar, o analisado repete alguma coisa do seu passado: age
sem saber por quê. Sendo, a primeira vista, um problema técnico, seu manejo o
tornara um instrumento que visa à verdade do sujeito.
Agieren – ato de repetição – surge na transferência, a partir da palavra do
analisando, considerado, então como substituindo uma rememoração. É o retorno
do recalcado em forma de ação. Com muita freqüência, tomamos a transferência
como o palco onde se dá o tratamento psicanalítico e o agieren, como a encenação
teatral que nele ocorre. O paciente mostra, ao vivo, uma importante passagem de
sua vida. Em vez de apenas relatar em palavras o que se passou, age. O agieren
implica, portanto, o mesmo efeito que o brincar tem para criança, tal como Freud
observou em Mas além do princípio do prazer (1920), tratando da repetição. Há a
passagem de uma posição passiva para uma ativa. Como observou Assoun (1985),
o paciente torna-se agente. Autor e ator de seu ato faz da transferência um
momento
particularmente
importante
para
acesso
a
uma
verdade
que,
indubitavelmente, lhe pertence.
Já faz parte do vocabulário popular a expressão oriunda da psicanálise – ato
falho. Trata-se de um erro gramatical que, ao produzir um deslocamento de sentido,
causa estranheza na comunicação, no campo da fala e da linguagem. É uma falha
que foi nomeada como ato e não como palavra ou fala falha. Basta tal constatação
para indagar sobre o estatuto do ato nas formulações teóricas de Freud.
São muitas as referências de Freud ao ato, diante da diversidade de termos, o
mais indicado foi retomar os termos originais, em alemão e para tanto nos valemos
das pesquisas de Paul Laurent Assoun (1985) e Sônia Alberti (1996). P.60.
Apresentam minuciosas pesquisas sobre os cinco termos que Freud usa,
constatando que, em geral, ação e ato são usados indistintamente. A tradução
francesa reduz os cinco termos freudianos em apenas três, levando a uma
simplificação conceitual, encobre a riqueza das formulações freudianas.
40
Lacan apresenta uma teoria sistemática sobre o ato, estabelecendo ao longo
de sua obra três momentos diferenciados. No primeiro tempo, o ato remete à
implicação do simbólico no real. No segundo, o ato é referenciado à angustia e à
emergência do objeto a. Finalmente, no terceiro momento, o enigma do ato
relaciona-se á intervenção do analista.
Inserimos um recorte clínico a fim de examinar o conceito de pulsão e o
fenômeno da transferência, que implicam na função do desejo do analista, para
discutir dois tipos de ato na psicanálise: acting out e passagem ao ato, partindo da
idéia de que o inconsciente se manifesta em ato.
Freud fundou a psicanálise com um ato: inventou o método psicanalítico da
associação livre, através do ato de uma paciente que lhe diz: pare de perguntar,
deixe-me falar livremente. Lacan ressalta que, se a descoberta de Freud tem um
sentido, o sentido é este – a verdade pega o erro pelo cangote, na equivocação. Diz:
“Nossos atos falhados são atos que são bem sucedidos, nossas palavras que
tropeçam são palavras que confessam” (LACAN, 1954-1955: p.302).
É através da clínica que confirmamos que a verdade e o erro não são
excludentes, pois é exatamente da falha, do equívoco, do que claudica que pode
emergir a verdade do desejo.
Heidegger, considerando a linguagem como um meio privilegiado de acesso
ao ser, evidencia a dimensão do oculto e coloca o avesso como o lugar da
revelação. Para ele, a linguagem é o lugar onde a verdade se apresenta ou se
esconde. A linguagem é a morada do ser. Freud e Heidegger – recuperaram o valor
da palavra ambígua que revela e oculta a verdade.
O recorte clínico que elegemos mostra que a entrada e a saída em análise
estão marcadas por um ato, o que nos aproxima da passagem do texto bíblico “no
princípio era o verbo”, de São João, para a inversão de Goethe: “no princípio era o
ato”, a qual evidencia que não é possível contrapor ato e linguagem. (FREUD,
Totem e Tabu).
O que podemos compreender com essa premissa na articulação com a
psicanálise?
Devemos, neste ponto, recorrer a algumas expressões de importância para
nossa discussão: “No princípio era o Verbo. Im Anfang war das Wort.”, encontrada
no Evangelho de São João, assim como “o Verbo estava com Deus” e “o Verbo era
41
Deus”
10
, colhidas no prólogo do mesmo Evangelho, e ainda “[...] e o verbo se fez
carne e habitou entre nós”.
O primeiro momento conceitual na psicanálise freudiana circunscreve a
palavra em sua função criadora de sentido e o campo da linguagem, que, por sua
estrutura a suporta, valorizando a idéia de comunicação em suas dimensões
intersubjetiva e dialética. É o retorno do recalcado que, ocorrendo em forma de
rememoração, traz a palavra para a cena. Freud criou a psicanálise. Lacan renovou
a problemática da libido, conjugando-a com a estrutura do desejo e a economia do
gozo, por meio do significante.
Os impasses de Breuer e Freud, diante das histéricas, cedo indicaram a
importância da elaboração teórica da clínica. Esta é a especificidade da psicanálise
que, por tratar dos limites do indizível, faz oscilar o foco entre a teoria e a prática. Lá
onde a palavra entra em cena, escapa, trepida ou vacila, aí estará a verdade do
sujeito. A articulação entre teoria e clínica, que o próprio Freud analisa em seus
“Estudos sobre a Histeria” (1893-1895) e no “caso Dora” (1905), é o que possibilita
ressaltar a primazia da palavra no horizonte da psicanálise. No texto “A Etiologia da
Histeria”, Freud faz uma analogia entre o trabalho do arqueólogo e o do psicanalista,
lançando a seguinte expressão: “Saxa loquuntur!” (As pedras falam!). (FREUD,
1896, p. 180).
Assim como o arqueólogo, diante das ruínas, busca descobrir a verdade
histórica sobre palácios, muralhas e tesouros, o psicanalista depara-se com a inércia
do sintoma, uma forma bruta de dizer o sofrimento.
A metáfora escolhida por Freud aponta para a petrificação da histérica, imersa
em sua bela indiferença, indicando, brilhantemente, a importância das pedrassintomas, no trabalho analítico.
Quando o sujeito fala, algo também pode ser
reconstruído sobre a uma outra cena, a cena do inconsciente, da fantasia sexual.
Para Freud, o sintoma é o testemunho, na atualidade, do que aconteceu no
passado. Sua teorização destaca um aspecto peculiar: a histérica tem um saber
sobre a causa de sua doença, mas não sabe que o possui. Este “saber
desconhecido”, por um lado, denota o status do inconsciente e, por outro, leva a
conceber o sintoma em sua dupla face, de mistério e fato.
10
São João, Evangelho Bíblico, Prólogo.
42
Em 1900, no sétimo capítulo de A Interpretação dos sonhos, Freud afirma que
a associação de idéias na análise não significa que qualquer coisa se liga com
qualquer coisa. Ao contrário, obedece a uma lógica inconsciente, que é o cerne do
trabalho, um princípio pactuado na entrada em análise. A tarefa do analista implica
em descobrir, em relação a uma idéia até então sem sentido e uma ação
despropositada, a situação passada em que a idéia gratificou e a ação serviu a um
propósito. (FREUD, 1900, p. 319).
Lacan coloca que o desenvolvimento inicial da psicanálise evidencia a
experiência dialética da intersubjetividade. Mais tarde, situará sua discussão na
dimensão da fala e da linguagem. De início, ainda não há uma clara distinção entre
o Outro, lugar do significante, e o outro como sujeito a quem falo. Trata-se de
destacar que é pela alteridade que o sujeito se constitui. O que decorre da
conceituação da função da fala e da linguagem, uma vez abandonada à lógica
intersubjetiva, é a fórmula central no grafo do desejo: “a minha mensagem vem do
Outro sob forma invertida”. O sentido do sintoma seria decorrente da demanda
dirigida ao Outro, sendo necessário que o efeito de significação produzido se articule
com a fantasia para obter efeito de verdade. No grafo lacaniano, o lugar central será
ocupado pelo objeto a , como objeto causa de desejo, assim como o recalque
constitui a “pedra angular” da teoria freudiana.
Heidegger, tomando a linguagem como um meio privilegiado de acesso ao
ser, evidencia sua dimensão de oculto e coloca o avesso como lugar de revelação.
Para ele, a linguagem é o lugar onde a verdade se apresenta ou se esconde. A
linguagem é a morada do ser, diz ele. Freud e Heidegger recuperaram o valor da
palavra em sua ambigüidade e em seu potencial de revelar e ocultar a verdade.
Segundo Valas, “efetivamente, para a psicanálise, a tomada do corpo pela
linguagem não significa que o verbo se fez carne, mas ao contrário que a carne se
torna corpo [...]”. Com isso, o corpo humano muda de estatuto. Torna-se um corpo
de discurso, do qual a palavra é o substituto. É o corpo que depende das
representações do sujeito, que o significante recorta sobre o corpo próprio, segundo
uma anatomia erótica diferente da anatomia definida pela neurobiologia. É um corpo
fantasístico e, mais precisamente, pulsional, como mostram os fenômenos da dor e
as paralisias histéricas. VALAS. (2001, p. 44).
43
2.2 CASO CLÍNICO PARADIGMÁTICO DE ENTRADA EM ANÁLISE
COM ACTING OUT
De início, um ato endereçado ao analista.
Retomemos alguns fragmentos do caso clínico que servirá de fio condutor na
presente discussão. Luísa é uma mulher de 37 anos, com escolaridade universitária,
bilíngüe e que chega a ocupar um lugar de destaque no meio empresarial. Procura
análise por estar sofrendo muito, sentir-se sozinha, abandonada e desamparada.
Exibe um aspecto desleixado e sujo. Tem várias queixas: insônia, inapetência, dores
de cabeça constantes, vista cansada, dores reumáticas, apatia e indiferença a tudo,
improdutividade no trabalho, além de fracassos amorosos – dois casamentos
malogrados. Não está amando, nem tendo relações sexuais com ninguém. Tem
dificuldade de estabelecer laços sociais, considera-se tímida e sente-se infeliz. Além
disso, sofreu perdas irreparáveis: o pai faleceu antes dela ter nascido e a mãe e um
irmão morreram um ano antes do início de sua análise. No limite de sua capacidade
de suportar tantas perdas, recebe a notícia de que sua irmã mais velha, e única da
família com quem pode contar, está com câncer. Também está desempregada há
mais de um ano. Automedica-se para poder dormir, depois de ter passado, sem
sucesso, por várias tentativas de tratamento psiquiátrico. Foi encaminhada para
análise por um psiquiatra.
Após a primeira entrevista, precipita-se em um ato e tenta o suicídio face a
possibilidade antecipada de sofrimento decorrente da solidão, considerada
insuportável. O diagnóstico diferencial é bastante importante na direção do
tratamento e no manejo da transferência, principalmente levando-se em conta a
tentativa de suicídio que precipita um trabalho de formalização do caso clínico.
No dia seguinte à primeira entrevista com a analista, Luísa ingere grande
quantidade de comprimidos ansiolíticos, os quais tomava para dormir. Em seguida,
telefona-me para comunicar o fato e me endereçar este ato: "Acabo de tomar uns
quarenta comprimidos, estou ficando tonta e não sei o que faço". Oriento-a procurar
um hospital o mais rápido possível, a fim de submeter-se aos procedimentos
médicos necessários e comuns em tais circunstâncias. Dois dias depois, ela retorna
como havíamos combinado e o tratamento tem continuidade. Diante do incondicional
de sua demanda, o estabelecimento de algumas condições foi fundamental para o
44
prosseguimento do tratamento. Além do respaldo do tratamento medicamentoso, o
número de encontros semanais foi aumentado.
No primeiro momento, o caso suscita questões referidas à diferenciação entre
neurose e psicose, fenômeno e estrutura, além de diagnóstico e prognóstico. É
justamente nesta etapa, anterior à decisão acerca da possibilidade de trabalho
psicanalítico, que se definem perspectivas sobre o entorno da noção de diagnóstico
em psicanálise e o manejo da transferência. Freud denomina a fase inicial de
"tratamento de ensaio" e Lacan, de "entrevistas preliminares”.
No segundo momento, além da questão das relações do sujeito com a
alteridade, a linguagem e seus atos, há a escolha do sujeito quanto à entrada em
análise.
2.3
LACAN - ACTING OUT, ATUAÇÃO OU PASSAGEM AO ATO
Se a entrada da paciente em análise é caracterizada por um acting out, uma
forma selvagem de dizer "salve minha vida!", que se apresentou bastante fechada
na cadeia de significantes, o silêncio é a marca pulsional deste momento. Sua forma
de expressão é imposta ao Outro por intermédio de um ato – que podemos chamar
de acting out –, pois tenta o suicídio e liga para a analista. Por outro lado, a saída da
análise, quatro anos depois, marcada por uma interrupção brusca do tratamento,
distingue-se de uma atuação, que caracterizaria uma transposição do sujeito, como
o resultado da passagem que marca o fim de uma análise, momento decisivo de
escolha do sujeito.
Estamos diante de uma paciente que, ao entrar em análise, endereça um ato,
uma tentativa de suicídio, à analista. Trata-se de uma passagem ao ato ou de um
acting out. Lacan estabelece a diferença entre passagem ao ato e acting out, ao
especificar que, na primeira, há um endereçamento ao Outro – o sujeito desiste do
apelo ao Outro do saber. Já no acting out, há um apelo endereçado ao Outro do
saber. E na saída da análise, teria havido endereçamento desse ato? Como se pode
nomear seu ato de saída da análise?
Trata-se, portanto, na entrada em análise, de um acting out, um ato com
endereçamento à analista, que está do lado do inconsciente, uma verdade que se dá
a ler, ainda que de forma selvagem, como vimos. Nesse sentido, o acting out é um
45
instrumento clínico precioso, um convite ao saber, porém de difícil manejo na
transferência. O acting out atesta uma incapacidade do dizer. No seminário sobre a
angústia, Lacan situa o acting out do lado do eu não sou e faz um grafo em que
localiza o texto freudiano Inibição, sintoma e angústia em relação ao movimento e à
dificuldade. Desenha três colunas e localiza a passagem ao ato na coluna da
angústia, enquanto o acting out na coluna do sintoma, ressaltando suas
coordenadas simbólicas: um endereçamento ao Outro, como algo que o sujeito não
consegue dizer e atua. O clássico caso clínico do Homem dos miolos frescos, de
Kris, ilustra que o acting out aponta para uma falha do analista: ali onde o analista
não consegue escutar, o sujeito faz um acting out. Trata-se de um sujeito inibido em
sua vida intelectual e incapaz de conseguir publicar suas pesquisas, porque cede ao
impulso de plagiar. Sua primeira analista, Melitta Schmideberg, interpreta o fato à luz
de sua compulsão infantil de furtar guloseimas e alfarrábios. Ernst Kris modifica a
perspectiva do caso e afirma, para o paciente, que ele não é plagiador, embora
acredite sê-lo. É, então, que Kris, relata o acting out cometido logo após a sessão –
depois de ver os cardápios dos restaurantes próximos, resolve comer miolos frescos,
com o intuito de lhe fazer surgir idéias novas. Justamente, Lacan retoma o caso para
utilizá-lo como exemplo clássico da falha do analista: convocado a falar sobre sua
virada de posição subjetiva, não consegue simbolizar sua questão ou traduzi-la em
palavras, dialetizando-a segundo a função metonímica do desejo: em vez de falar,
faz um ato.
Podemos fazer uma analogia com o caso de Luísa, porém ressaltamos que é,
justamente, a tentativa de suicídio que configura o vetor que a leva à análise.
Poderia tratar-se de chantagem ou simulação banal, reivindicação de atenção e
carinho ou vitimização diante das vicissitudes e amarguras da vida. Sob este ou
qualquer outro prisma, a indicação para o tratamento pode ser tomada como algo
que ratifica sua impotência de existir ou sua exclusão como sujeito. A paciente
buscou se tratar diversas vezes, mas jamais deu continuidade a essas tentativas,
inclusive em hospitais psiquiátricos públicos.
O acting out de Luísa é dirigido à analista e exige resposta. Se tomarmos
como falha do analista, algo na interpretação ou no silêncio deste, que faz emergir o
real da pulsão, podemos então valorizar a dimensão transferencial, ocorrida na
entrevista inicial, como uma verdade em estado de bruto. Com o início do
tratamento, houve uma tentativa não só de converter esse acting out em enigma
46
para o sujeito, convocando seu advento no simbólico, como também integrando na
sua história a repetição inconsciente. Depois, Luiza relatou ter tentado o suicídio em
vários momentos de sua vida.
Podemos dizer que é uma análise que realiza um trajeto do real da pulsão ao
simbólico. Se, de um lado, a mais pertinente expressão de Luísa é o silêncio, de
outro, ela não para de se drogar com remédios. Age, acidenta-se e repete
constantes ataques ao corpo, sem elaborar tais acontecimentos.
Pensar a questão do acting out na entrada da análise nos leva à hipótese de
que houve atuação, porque ela não pôde falar da dimensão de seu sofrimento ao
entrar em análise. Não conseguindo aceder ao simbólico, emerge o real da pulsão,
que revela à analista a verdade sob os sintomas.
O encontro com a analista foi, provavelmente, o elemento desencadeador do
acting out, mas que impeliu a um desafio determinante – buscar sustentar o trabalho
analítico, o que Lacan designa como "decisão do desejo". Diante do acting out, que
provoca um impacto na analista, aumenta a preocupação com a posição ocupada
pelo sujeito diante do Outro e com o modo de gozo. Certamente, não é desde a
fenomenologia, mas sim no seio transferência, que o psicanalista pode entrever a
posição subjetiva do sujeito.
Assim, se na vida de Luiza emerge um gozo sob a forma de angústia, cabenos perguntar: que gozo está em jogo? Acompanhado da idéia de morte iminente,
de queda, de entrega total, também traz, de maneira implícita, um apelo imperativo:
"salve minha vida!".
O gozo do sentido (JS) mantém Luisa deslizando em busca de um elo entre
os significantes (S1- S2) que façam sentido. O que poderia levá-la ao enigma seria
justamente a falta de sentido. O não-sentido a faria vacilar, possibilitando-a
encontrar a verdade sobre seu desejo – operação essencial em que se funda o
sujeito. Luisa parece não encontrar seu lugar no campo do Outro, e na
impossibilidade da fala, atua e sai de cena, abandonado o tratamento.
Luisa representa o que Lacan chama de “ser de gozo do sujeito”, expressão
que significa que trata-se do gozo que resta ao sujeito, pelo fato de que o gozo do
Outro lhe é impossível.
47
Na passagem do significante ao significado, produz-se um efeito de
sentido, não de significado, chamado sujeito. Contudo essa operação
não dá conta de tudo, sobra um resto a que chamamos de perda de
gozo, representada pela letra a minúscula. GERBASE, (2008, p. 50).
É a partir do acting out que seu sintoma se eleva ao estatuto de questão,
fazendo o trabalho durar alguns anos. Fazemos um recuo para seguir, passo a
passo, as vicissitudes desse ato, retomando alguns aspectos clínicos da forma
melancólica pela qual Luiza inicia sua análise. Ela chorara durante dois anos a morte
de seus familiares e depois, em uma passagem à forma maníaca, lançara-se em
uma incessante busca de empregos que, porém, não a satisfazem. Permanece
enredada nesta captura imaginária do emprego e do parceiro ideal durante os dois
anos. Após um deslizamento da cadeia de significantes, interrompe bruscamente
sua análise e deixa duas sessões sem pagar. Com sua interrupção, sem o
consentimento da analista, o trabalho toma outra direção.
Seu ato, digamos sua atuação, indica a posição insustentável do sujeito que
sai de cena ao interromper o tratamento. O ato de saída brusca da análise parece
estar sob a marca do significante niederkommen que, na língua alemã, revela as
significações “parir” e “cair”. Ela sai de cena. Passagem ao ato é desistir do apelo ao
Outro do saber. Trata-se de uma manobra do sujeito na qual o que está em jogo é
responder sobre a questão do ser. Lacan diz que a saída de cena é própria da
estrutura da passagem ao ato. A passagem ao ato não é do registro do simbólico.
Assim como no caso clínico de Dora de Freud, um “nada” ao qual ela se vê reduzida
a impele ao ato – a bofetada no rosto do Sr. K. Nomeado como o caso da jovem
homossexual, Freud assinala que o olhar raivoso do pai, endereçado a ela, a conduz
para o lugar de um “nada”. Ambas passam ao ato, após uma inscrição simbólica.
Luiza sai, de forma inesperada, na tentativa de romper com sua posição subjetiva,
de objeto alienado ao Outro, já que nenhuma sublimação suporta sua ex-sistência.
Será que podemos interrogar se teria sido esse ato um débito em relação a si
mesmo? Pois, a passagem ao ato serve para designar ações violentas, como
suicídio, agressões e delitos. Petrificado pelo significante, o sujeito vive e age,
recusa-se a pensar sobre o que é e luta contra si.
Como epílogo à obra “Totem e Tabu”, que considerara fundamental para a
sua teoria, Freud destaca uma citação de Goethe: "No início era o ato" (Im Anfang
war die Tat), tal frase, relacionada ao parricídio, revela que não se pode contrapor
48
ato e linguagem. O ato, a partir de Freud, encontra seu estatuto e sua localização
no discurso. No ato é o retorno do recalcado em forma de ação, ou seja, ao invés de
um relato em palavras ou lembranças, o agir. Freud diz que, no neurótico como no
selvagem, não está presente a separação entre o pensar e surge o agir. Se por um
lado, o neurótico está inibido em seu ato e o substitui pelo pensamento, o homem
primitivo não pensa, age – para ele, o ato é o substituto do pensamento. Por isso,
sublinha, em 1913, a partir do parricídio, a importância do ato.
Freud faz, portanto, de Tat o ato fundador da cultura. Ato de criação, marcado por
um traço de violência, já que se trata do assassinato do pai, mas também inspirado
em Goethe e em sua inversão do Evangelho de São João, da Bíblia.
A psicanálise é, justamente, fundada com um ato: Freud inventa o método
psicanalítico da associação livre através do ato de uma paciente, que diz: pare de
perguntar, deixe-me falar livremente11.
Lacan ressalta que, se a descoberta de Freud tem um sentido é este – a
verdade pega o erro pelo cangote, na equivocação. E diz: “Nossos atos falhados são
atos que são bem sucedidos, nossas palavras que tropeçam são palavras que
confessam”. LACAN (1954-1955, p.302).
Aproveitando a inversão de Freud do verbo para o ato, discorreremos sobre o
ato. Sabemos que há diferentes registros de ato: ato fundador, ato falho, ato
obsessivo, acting out, passagem ao ato, ato analítico. Lacan não tem uma teoria
sistemática sobre o ato, mas suas formulações foram estabelecidas em três
momentos diferenciados.
O ato de repetição, que surge na transferência, seria o agieren, um dizer ou
um ato do analisante que substitui a rememoração. É o retorno do recalcado em
forma de ação. Com muita freqüência, referimo-nos à transferência como o palco
onde se dá o tratamento psicanalítico, remetendo o agieren à encenação teatral que
nele ocorre. O analisante mostra, ao vivo e a cores, importantes passagens de sua
vida. Em vez de apenas relatar em palavras o que se passou, age. Implica, portanto,
no mesmo efeito que o brincar tem para a criança, tal como Freud observa em “Mais
além do princípio do prazer”, quando discute a repetição e aponta a passagem de
uma posição passiva para ativa. Como assinala ASSOUN (1985), o analisante tornase agente – autor e ator de seu ato –, fazendo da transferência um momento
11
FREUD, S. Estudos sobre a Histeria (1893-1895). Casos clínicos: Frau Emmy von N. (1893).
49
particularmente importante, posto que possibilita o acesso a algo de uma verdade
que, indubitavelmente, lhe pertence e, assim, se revela.
Elegemos um caso de nossa experiência clínica para fazer um breve recorte,
destacando como a entrada e a saída da análise estão marcadas por um ato. Nossa
proposta é discutir, justamente, o confronto do analista com o ato, uma espécie de
forma “bruta” do dizer, suas relações com a alteridade, a linguagem e o ato,
estabelecendo uma diferença entre acting out, atuação ou passagem ao ato.
O ato, a partir de Freud, encontra seu estatuto e sua localização no discurso
psicanalítico, instaura um sujeito que, sem sabê-lo, é tomado nos seus efeitos que
atinge o campo do Outro e o do próprio sujeito. Pois ao sujeito escapam as
conseqüências do ato. Enunciar a questão do ato implica, estritamente, em
estabelecer um sujeito que não participa como agente, mas que se determina como
efeito. O ato supõe, pois, um sujeito que resulta nele radicalmente modificado.
Segundo Freud, o assassinato do pai primevo constituiria o ato originário da
humanidade. Com esta hipótese, oferece uma resposta à pergunta sobre o ato de
fundação da ordem cultural e simbólica. Como conseqüência do ato, os filhos
renunciam ao gozo ilimitado, sendo marcados pelo golpe da castração. Ao pai é
suposto o todo-gozar de todas e de todos, enquanto, ao filho, um "menos", já que
não poderia ser igual a ele. O acesso à lei do desejo provoca uma reviravolta na
relação ao gozo, que recebe a marca do limite, do impossível. No inconsciente,
persiste a figura do pai privador à qual o sujeito se sacrifica como prova de amor. O
mito freudiano revela sua eficácia simbólica no campo da teoria, ao escrever o limite
entre o gozo e o desejo no campo do Outro. O ato não está limitado ao crime de
assassinato: são suas conseqüências que o determinam. O crime é o instante da
hiância produzida no Outro suposto sem falha. Freud sublinha a dimensão das
conseqüências, quando fala da culpa testemunha tal ato e ratifica o pacto com o
simbólico, instaurado no tempo da emergência do sujeito. "No início era o ato"
escreve Freud, tempo verbal que traduzimos como imperfeito, ou seja no passado
imperfeito, indicativo da efetividade do mito no inconsciente.
50
2.4
ANGÚSTIA – DESEJO E GOZO
Seguindo o texto de Freud, “Inibição, sintoma e angústia” para discutir cada
um desses conceitos e melhor situar a discussão sobre angustia, desejo e gozo.
Os conceitos de inibição e sintoma não estão no mesmo plano topológico,
pois, enquanto o primeiro não tem necessariamente uma implicação patológica, o
segundo a denota mais claramente. O sintoma é um sinal e um substituto de uma
satisfação pulsional que permaneceu em suspenso, conseqüência do processo de
recalcamento. O recalcamento, por sua vez, é proveniente do ego, que se recusa a
associar a um investimento pulsional, originado do isso. O ego torna-se, então, a
sede da angústia, porque é capaz de impedir que a idéia, que serve de veículo ao
impulso censurável, se torne consciente. Freud discorre sobre duas origens da
angústia: uma no isso (distúrbio da libido) e outra no ego. A angústia seria um
estado afetivo que tem como característica específica o desprazer. Surge,
originalmente, além de perpetuar-se como reação a um estado de perigo. Apenas
algumas das manifestações de angústia na criança são compreensíveis para nós,
tais como ficar sozinha, no escuro ou com um desconhecido. A angústia passa por
várias transformações conforme os diferentes estágios libidinais. A importância da
perda do objeto como determinante da angústia prolonga-se por um longo período
de tempo. A angústia de castração pertence á fase fálica e constitui também um
medo de separação, conseqüentemente, ligado ao mesmo determinante. O perigo é
a perda dos próprios órgãos genitais. A transformação seguinte é dada pelas forças
do superego: a angústia de castração transforma-se em angústia moral.
O conceito de angústia remete, portanto, ao sinal do ego para acionar a
instância prazer-desprazer. Não existe angústia do superego ou do isso. O último é
sede dos processos que levam o ego a produzir angústia. Freud estuda a relação
entre a formação de sintomas e a geração de angústia e apresenta duas opiniões
gerais sobre o assunto. Uma delas é de que a angústia constitui um sintoma de
neurose. A outra é de que há uma íntima relação entre os dois, isto é, os sintomas
só se formam para evitar a angústia, para afastar o ego de uma situação de perigo.
O processo defensivo é análogo à fuga por meio da qual o ego se afasta de um
perigo que o ameace do exterior. É, entretanto, uma tentativa de fugir a um perigo
pulsional. A angústia é, assim, uma reação ao perigo, caso o ego reconheça o
51
pulsional como perigoso por meio do processo de recalque, que inibe e danifica a
parte do isso relacionada ao evento. Todavia, oferece simultaneamente ao isso uma
parcela de independência, renunciando parte de sua própria soberania. Quando o
ego não consegue defender-se dos perigos pulsionais internos, tão bem quanto se
defende da realidade, em troca de atenuar as pulsões, aceita a formação de
sintomas. A teoria freudiana considera o sintoma como o retorno de uma satisfação
sexual há muito tempo recalcada, mas também trata-se de uma formação de
compromisso, à medida que nele igualmente se exprime o recalcamento. È sobre as
formação de compromisso que irão insistir os pós-freudianos. Em Lacan veremos
que o conceito de sintoma apresenta sucessivas modificações e avanços gradativos
nas elaborações, partindo de um desejo de reconhecimento que permanece
excluído e recalcado em 1958 até apresentar em 1975 uma articulação do sintoma
com o Real. Explica que o sintoma é o efeito do Simbólico no Real e não pode ser
dissociado dos outros círculos do nó borroneano proposto por Lacan para
apresentar sua doutrina, o Real, o Simbólico e o Imaginário. Lacan trabalhou ainda
um quarto círculo com uma função de prótese, como para Joyce, por exemplo, um
eu de substituição, uma prótese, que é justamente sua atividade de escritor, quando
enlaça o imaginário através de sua obra. Lacan criou o termo “sinthome”, para
designar esse quarto círculo do nó borromeano, e para significar que o sintoma deve
“cair”, o que é subentendido por sua etimologia, e que o “sinthoma” é aquilo que não
cai, mas modifica-se, transforma-se, para que continue sendo possível o gozo, o
desejo.
A angústia tem uma característica de indefinição e de falta de objeto além de
uma relação inequívoca com a expectativa a respeito de alguma coisa
desconhecida. Em termos mais precisos, empregamos a palavra medo sempre que
a angústia encontra um objeto. Parece existir uma relação íntima entre angústia e
neurose, porque o ego se defende contra um perigo pulsional por meio da angústia,
exatamente como o faz contra um perigo externo real. Então, o ego é a fonte da
angústia.
Tal linha de atividade defensiva, no entanto, acarreta uma neurose. FREUD,
1926.p. 201.12 Com base na obra freudiana e no ensino de Lacan, buscamos
trabalhar a relação essencial entre angústia e desejo do Outro, focalizando
12
FREUD. S. (1926) Parte XI. Apêndices: B. Comentários suplementares sobre a angústia.
52
particularmente a lição de 14/01/1962. Articulando os dois pisos do grafo, na medida
em que estruturam a relação do sujeito com o significante, o que parece ser a chave
da doutrina freudiana é o “Che vuoi?”, traduzido como “que queres?”.
No jogo da dialética que enoda tão estreitamente os dois pisos do grafo do
desejo, veremos introduzir-se a função da angústia, não que ela seja sua mola, mas
no sentido dela indicar aquilo que permite uma certa orientação. Para verificar o
ponto privilegiado onde a angústia emerge, Lacan introduz um método que é
modelado sobre a Orografia
13
( LACAN, 1962-1963.p.14.) da angústia e propõe
trabalhar o texto freudiano Inibição Sintoma e Angustia, em termos de movimento e
dificuldade. A inibição está na dimensão do movimento. Freud, aliás, fala da
locomoção, quando introduz este termo que, metaforicamente, remete à paralisação
do movimento. Lacan coloca:
“Nossos sujeitos estão inibidos, quando nos falam de sua inibição e
quando falamos dela em congressos científicos, e todo dia estão
impedidos. Estar impedido é um sintoma; e inibido é um sintoma
posto no museu; [...] Do lado da etimologia, sirvo-me dela quando ela
me serve, em todo caso, impedicare quer dizer cair na armadilha. [...]
A armadilha é de deixar-se levar por sua própria imagem, pela
imagem especular”. (LACAN, 1962-1963: p. 18-19).
Na
coluna
da
inibição,
encontramos
emoção,
efusão,
perturbação,
manifestações no corpo – relacionadas ao eu e ao imaginário. Na segunda coluna,
do sintoma, área do simbólico por excelência, o acting out remete a algo que o
sujeito não consegue dizer e atua, havendo um endereçamento ao Outro. Na
terceira coluna está a angústia que, em relação ao movimento e à dificuldade,
apresenta o maior grau: é o movimento de maior embaraço, com a adição de
emoção, sendo que o sujeito báscula para fora de cena, como diz LACAN (19621963: p. 20).
13
LACAN, J. Seminário Angústia. 1962-1963. [N.T.] p. 14. Orografia: descrição das montanhas.
53
No texto freudiano sobre inibição, sintoma e angústia, aparecem conceitos
essenciais da metapsicologia freudiana, porém o que devemos ressaltar, por ora, é
que, a partir da segunda tópica, a angústia torna-se produtora do desamparo e é
sinal de perigosa clivagem14.
A partir de 1920, com o advento da segunda teoria pulsional, o arcabouço
conceitual da psicanálise sofre uma acentuada modificação. A revolução
metapsicológica, marcada pela introdução da pulsão de morte, manifesta-se a partir
de uma reviravolta na teoria da angústia, quando Freud constata que a mesma não
provém da libido acumulada. Os fenômenos não explicáveis, no campo do afeto,
adquirem novo contorno teórico com tal mudança de perspectiva. O circuito pulsional
buscará sempre satisfação, mas esta poderá ocorrer tanto no prazer quanto na dor.
Em 1926, Freud afirma que “o sintoma é um sinal e um substituto de uma
satisfação pulsional que permaneceu em suspenso, foi interrompida; é uma
conseqüência do processo de recalcamento” (FREUD, 1926: p. 87). O sintoma é
constituído sobre um fundo de angústia. Por meio do recalcamento, o ego é capaz
de impedir que a idéia censurável se torne consciente. A fim de se opor ao processo
pulsional do isso, basta ao ego dar sinal de desprazer para conseguir o auxílio do
princípio do prazer na tarefa de dominar o isso. O ego afasta perigos internos e
externos de maneira semelhante. Somente depois de examinar o caso do Pequeno
14
RIBEIRO, Maria Anita Carneiro. Seminários, Formações Clínicas do Campo Lacaniano (FCCL)
sobre o Seminário 10 - A Angustia de Lacan (1962-1963).
54
Hans e do Homem dos lobos, é que Freud poderá trazer à luz aspectos relevantes
da teorização sobre a castração. A angústia foi considerada como uma reação ao
medo da castração, quer encarada como real ou como iminente.
“Toda angústia é angústia real, fruto de um perigo (...) A angústia
vincula-se de maneira mais direta à coisa sexual, sem perder sua
dependência da operação recalcante. Ela está localizada neste
registro quantitativo, excessivo, que insiste no universo do recalque,
indicando uma dimensão ao mesmo tempo externa e essencialmente
interna”. (VIEIRA, 2001: p. 61).
Segundo Vieira, tudo começa com a angústia. A angústia assinala um
momento de caos, isto é, perturba, desorienta, comove e, eventualmente, conduz ao
analista.
“Nada é, portanto, o que causa a angústia e nada é também o que
cura. O nada angústia, e do nada a angústia retira sua força. É
precisamente este nada que uma análise pode transformar em
exigência de trabalho e, em conseqüência disso, eventualmente,
engendrar o novo”. (VIEIRA, 2001: p. 163).
Cabe ressaltar que a psicanálise não pretende o ultrapassamento de todos
os momentos geradores de angústia de um sujeito. A angústia bordeia o limite do
trabalho o tempo todo. A psicanálise não propõe a busca de ideais, como
superioridade, perfeição ou qualquer outro.
Finalizando, estão lançadas as hipóteses a respeito do ato, a partir dos
termos utilizados por Freud para nomeá-lo, embora não haja uma definição nítida do
mesmo na sua obra. Uma única visada sobre o conjunto de termos permite situar
alguns indicativos importantes:
1. Não existe programação antecipada ao se efetivar um ato, embora ele
irrompa na seqüência de uma série de repetições;
2. O caráter eruptivo, inesperado e surpreendente do ato situa-o como um corte
na cadeia, possibilitando que a criação substitua a repetição.
3. Todo ato tem um agente, o que o coloca no campo da ética e da
responsabilidade.
3 A DIMENSÃO DO GOZO NA CONTEMPORANEIDADE
3.1
FREUD DELINEOU O CAMPO DO GOZO
Faremos uma varredura sobre o conceito de gozo e as ampliações
expressivas que o ensino de Lacan acrescentou durante todos esses anos. Embora
Freud não tenha conceituado o gozo, para ele o gozo nunca foi outra coisa senão
um vocábulo da língua, mas delineou seu campo, quando situa um mais além do
princípio do prazer, regulando o funcionamento do aparelho psíquico, no qual se
manifestam como prazer na dor, fenômenos repetitivos que podem ser remetidos à
pulsão de morte. O prazer e o gozo não pertencem ao mesmo registro. O prazer é
uma barreira contra o gozo, que se manifesta sempre como excesso em relação ao
prazer, confinando com a dor.
Freud não conceituou o gozo, mas teve a sensibilidade de distingui-lo do
prazer, além de situá-lo com precisão no nível da pulsão de morte que se manifesta
no mais-além do princípio do prazer. Freud nos indica que devemos buscar a
expressão de um gozo, em si mesmo, ignorado, cujo estatuto é à base da maldade
imanente ao homem. Gozo maligno enraizado na utopia de uma imposta felicidade
gerada pelo capitalismo crescente que nos impede de decidir se queremos ou não o
brilho efêmero das medidas paliativas. Eis aqui onde situamos a toxicomania como
Freud afirma: “O mais grosseiro, embora também o mais eficaz, desses métodos de
influência é o químico: a intoxicação”. (FREUD, S., 1930, p. 96).
56
Freud utiliza o termo Genuss para designar o gozo na sua conotação sexual,
para ele é apenas um vocábulo da língua e não um conceito em sua teoria, mas ao
utilizá-lo está delimitando seu campo. Na obra publicada igualmente em 1905 “Os
chistes e sua relação com o inconsciente”, a ocorrência da palavra Genuss justifica
que a consideremos a primeira conceituação do gozo em Freud. Quando Freud quer
sublinhar o caráter excessivo de um prazer, ao invés da palavra Lust que se traduz
como prazer, apetite, desejo, utiliza o termo Genuss (gozo), conotando-o em certas
situações com, o horror ou com o júbilo mórbido.
Freud, portanto, situa a idéia de gozo num mais além do princípio do prazer
referido à pulsão de morte e a uma gama de expressões ligadas a destrutividade. A
idéia de gozo opõe-se à de prazer no sentido freudiano do termo. Enquanto o prazer
corresponderia à diminuição de tensão psíquica equivalente a homeostase, o gozo
ao contrário, guardaria correspondência com o nível máximo de tensão. Nesse
sentido estaria associado ao excesso pulsional.
Freud destaca os momentos capitais em que o gozo é apresentado na própria
clínica psicanalítica freudiana, sem fazer menção a esse conceito de gozo tão bem
explorado por Lacan.
Freud percebe o júbilo no rosto do neto quando está envolvido em brincar
com o famoso carretel, fort-da, da mesma forma que o próprio menino no jogo do
esconde-esconde com a imagem da mãe; o jogo de alternâncias presença/ausência;
o jogo do vai e vem do ser; em fim esses jogos que permitem um primeiro nível de
autonomia frente aos mandamentos da vida. Destaca a voluptuosa expressão que
observa no Homem dos Ratos quando recorda o relato da tortura, fala de um intenso
prazer que era desconhecido pelo paciente no auge do horror evocativo. Ou, o gozo
voluptuoso, infinito, que exprime o Presidente Schreber, também diante do espelho,
ao constatar a transformação paulatina de seu corpo em um corpo feminino.
Na série da obras metapsicológicas de Freud, Além do Princípio do Prazer
(1920), pode ser considerado como uma apresentação da fase final de suas
opiniões. Nesse texto chama a atenção para a compulsão à repetição como
fenômeno clínico, apresenta a nova dicotomia entre pulsão de vida e pulsão de
morte e conclui que sob o domínio do princípio do prazer, existem meios e modos
suficientes de tornar algo que é em si desagradável num tema a ser acolhido e
trabalhado pela mente. A psicanálise observou a regularidade com que a libido se
afasta do objeto e se dirige para o ego. Concluiu que o ego é o verdadeiro e original
57
reservatório da libido e que somente a partir desse reservatório a libido se estende
aos objetos. O princípio do prazer é uma tendência que age a serviço de uma função
libertadora do aparelho mental de excitação ou para manter a quantidade de tensão
nele existente num nível constante e mais baixo possível.
Em 1924 aborda O problema econômico do masoquismo que foi observado
sob três formas: como uma condição imposta à excitação sexual, como uma
expressão a natureza feminina e como uma norma de comportamento.
Conseqüentemente, passamos a distinguir masoquismo erógeno, feminina e moral.
O primeiro, masoquismo erógeno, o prazer na dor, também está no fundo dos dois
outros. O masoquismo moral enlaça um sentimento inconsciente de culpa que
significa uma necessidade de punição nas mãos de um poder parental. O desejo de
ser espancado pelo pai é muito próximo do desejo de ter uma relação sexual passiva
(feminina) com ele e constitui apenas uma distorção regressiva do mesmo. O
sadismo do superego e o masoquismo do ego se complementam e se unem para
produzir os mesmos efeitos.
O prazer na dor é o ponto essencial desse texto freudiano, para lembrarmos
que o sentimento de culpa significa uma necessidade de punição pela crença de que
se é culpado de algo que se deseja e aparece na relação parental; é aí que Freud
ressalta que esse desejo de espancamento e sofrimento é muito próximo do desejo
de ser amado, de ter uma relação sexual com eles, constitui apenas uma regressão
do mesmo.
A definição clínica do masoquismo feminino é discutida e acompanhada de
uma explicação teórica do masoquismo erógeno. O masoquismo feminino baseia-se
no masoquismo primário, erógeno, no prazer com a dor. O masoquismo erógeno
acompanha a libido através de todas as suas fases do desenvolvimento e dela extrai
suas alterações de revestimentos psíquicos. O temor de ser devorado pelo animaltotem (pai) nasce da organização oral primitiva; o desejo de ser espancado pelo pai,
vem da fase anal-sádica que a sucede; a castração ingressa no conteúdo das
fantasias masoquistas como um precipitado da fase ou organização fálica; e as
situações de ser copulado ou dar a luz a uma criança nascem na organização
genital final. A terceira forma o masoquismo moral, é notável principalmente por ter
afrouxado seus laços com o que consideramos sexualidade e não necessita de uma
pessoa amada como uma de suas condições. Os sujeitos portadores desse tipo de
masoquismo dão a impressão de serem excessivamente inibidos moralmente,
58
embora não estejam conscientes dessa ultra moralidade. O masoquismo moral é
inconsciente.
Podemos afirma, portanto que: Freud nos deu a base para a compreensão do
conceito de gozo, embora não o tenha denominado, quando diz que o sadismo do
superego e o masoquismo do ego se complementam e se unem para produzir os
mesmos efeitos. Admitindo, então, que a idéia central como uma hipótese para se
construir um conceito de gozo já estava lançada por Freud nesses textos clínicos
onde o prazer extremo, júbilo, êxtases, sofrimento e dor foram bem destacados.
Lacan os rastreou e desenvolveu o conceito de gozo que veio se modificando por
toda sua obra.
3.2
A DIMENSÃO DO GOZO EM LACAN
Esquema lacaniano
A expressão utilizada no início desse trabalho do Evangelho de São João: Im
Anfang war das Wort (No princípio era a palavra) que de fato, agradaria Lacan no
final de sua obra, segundo Braunstein,15 seria a expressão: Im Anfang war der
Genuss. No princípio era o gozo, um aforismo que enfatizaria o aspecto bemaventurado e jubiloso que acompanha o gozo. (BRAUNSTEIN, 2007: p. 11).
15
BRAUNSTEIN, Nestor. O Gozo. pág. 11. Diz: “que ao escrever de tal modo minha fórmula gnômica
começaria a confundir o gozo com sua significação corrente [...] distante do conceito central na
psicanálise contemporânea.
59
O verbo (Wort) com a força no sentido passa essa força para o ato, um ato
que também, por força, é efeito da palavra e está em relação com o gozo. Por
somente haver gozo no ser que fala e porque fala, Lacan inaugura o pensamento
que introduz o campo da linguagem no campo do gozo e conduz uma estrutura
discursiva na produção dos quatros discursos. Lacan as definiu como “um discurso
sem palavras”. (LACAN, 1969-1970: p. 11).
Acompanhando a elaboração Braunstein, a partir da construção da premissa:
- No princípio era o gozo. Propomos investigar: - No princípio era o verbo, o ato ou o
gozo?16 – War am Anfang das Wort, die Tat, oder der Genuss?
Para a psicanálise, o gozo atravessa a porta de sua significação
convencional e pode aparecer, segundo Freud e Lacan do início de seu ensino,
como sinônimo de grande alegria, de prazer extremo, de júbilo ou de êxtase, mas
também de uma manifestação do corpo mais próxima à tensão, à dor e ao
sofrimento. O discurso no campo do gozo é um discurso sem palavras, que embora
seja da ordem da linguagem, vai além das enunciações. Não há discurso que não
seja gozo. Os discursos ou laços sociais fazem parte do campo do gozo.
Encontramos, no ensino de Lacan, uma bipartição, perfeitamente datável, que nos
permite distinguir dois campos definidos: o da linguagem e o do gozo (QUINET,
2006: p. 24/41).
Freud não conceituou o gozo, como já apontamos nesse trabalho, mas
delineou seu campo ao situar um mais além do princípio do prazer como regulando o
funcionamento do aparelho psíquico e cujas manifestações – tais como o prazer na
dor e os fenômenos repetitivos –, podem ser remetidas à pulsão de morte. É através
da clínica que confirmamos que verdade e erro não são excludentes, pois é,
exatamente, na falha, no equívoco e no que claudica que pode emergir a verdade do
desejo.
Podemos distinguir nitidamente dois campos definitivos na psicanálise: o da
linguagem e o do gozo. Para efeito didático, seguiremos a distinção estabelecida por
Quinet, que destaca tal bipartição da seguinte maneira: o primeiro período
corresponde aos anos 50 o segundo, aos 70. Entre essas duas décadas, ou seja,
nos anos 60, Lacan desenvolve o conceito de objeto a, tendo como ponto de partida
das Ding, retirado da obra de Freud (QUINET, 2006: p. 24).
16
MARTINS, Nádia. Autora da frase interrogativa com a tradução para o alemão de Anna Paola
Steinhauser.
60
O termo foi introduzido no campo da psicanálise, por Lacan; tal conceito
continua a elaboração freudiana sobre Befriedigung17 (Satisfação) apesar de diferir
dela. A ênfase é colocada na questão complexa da satisfação e, em especial, em
seu vínculo com a sexualidade. O gozo se opõe, então, ao prazer, a medida que
reduziria as tensões do aparelho psíquico, ao mais baixo nível possível de tensão.
Entretanto, sabemos que um sujeito experimenta sobre seu desejo, prazeres e
desprazeres estão presos na rede de significantes, ou seja, do sistema simbólico,
que dependem da linguagem e que a idéia de uma descarga é uma caricatura, pois,
o que é reivindicado radicalmente, por essa satisfação, é o sentido.
Lacan faz um jogo de palavras e chama de “j`ouissens” que é uma
combinação das palavras “jouissance”, gozo, e “sen”, sentido, homófona da palavra
“jouissance”, e que também pode ser lida como “eu ouvi sentido”,”je ouïs sens”.
CHEMAMA R.18 (1995) p. 91.
Lacan buscou essa palavra no campo jurídico para dar um novo sentido,
estabelecido especificamente a partir da clínica psicanalítica. Juridicamente a idéia
de gozo remete a noção de “usufruto” e de “propriedade”, ou seja, para se gozar
legitimamente de um objeto é preciso possuí-lo plenamente, o que implica na
renuncia do outro sobre este objeto. Nessa interseção entre o campo jurídico e o
psicanalítico cabe uma profunda distinção: se o direito dá ênfase ao aspecto objetivo
do gozo, a psicanálise ressalta seu lado subjetivo.
O gozo em espanhol é “goce” é um imperativo, uma ordem, uma junção que
não poderia se confundir com seu precedente mais arcaico na língua. Em alemão,
der Genuss, la jouissance em francês. Derivam do verbo latino gaudere (alegrar-se).
Lacan apreendeu a idéia de Genuss, o gozo como algo subjetivo, particular,
impossível de ser partilhado, inacessível à compreensão e oposto ao desejo, que
resulta do conhecimento de duas consciência e que é objetivo, universal, sujeito à
legislação.
Segundo Braunstein, o termo gozo não foi retirado do dicionário e nem
mesmo dos textos freudianos, Lacan teria chegado a ele a partir da Filosofia do
direito de Hegel. A ótica hegeliana articula os fundamentos do Estado, do Estado
17
HANNS, L. Dicionário Comentado do Alemão de Freud. Imago. Rio de Janeiro, p. 405/411, 1996.
CHEMAMA R. Dicionário de Psicanálise. Larousse. Artes Médicas. Porto Alegre, p. 91, 1995.
18
61
burguês, que dá a regra de uma organização fundada na necessidade e na razão.
(LACAN, 1959-60: p. 255).
Pelo fato do inconsciente ser “estruturado como uma linguagem”, como
demonstra Lacan, o gozo não pode ser concebido como satisfação de uma
necessidade, trazida por um objeto que a preencheria. O termo gozo é feito do
próprio tecido da linguagem é interdito, isto é, inter-dito, é, onde o desejo encontra
seu impacto e suas regras. Esse lugar da linguagem é chamado por Lacan, de
grande Outro, e toda dificuldade do termo “gozo” vem de sua relação com esse
grande Outro não-representável, lugar da cadeia significante. O gozo compensaria,
no sujeito o escasso nível de satisfação que a vida lhe oferece. A “felicidade se
recusa a quem não renuncia à via do desejo”. (LACAN, J., 1981: p. 797). Ele
introduz aí a idéia de que há uma escolha entre felicidade e o desejo. Lacan
reconhece que é possível pretender renunciar ao desejo, mas que o preço a pagar
por isso é o da própria verdade de nossa humanidade. No Seminário livro 7, “Não há
outro mal-estar na cultura senão o mal-estar do desejo”. (LACAN, 1959-1960).
Lacan desejava que o campo do gozo fosse chamado de campo lacaniano.
(LACAN, 1969-1970). Durante os primeiros anos de seu ensino, Lacan usou o termo
gozo (Lust ou Genuss) no sentido curricular do termo, na qual é sinônimo de alegria,
prazer, mas principalmente de prazer extremo, êxtase, beatitude, ou volúpia, quando
se trata de satisfação sexual.
Segundo Valas, a psicanálise não é o mundo do ser nem das coisas, mas do
desejo e do gozo, e é pelo desejo e pelo gozo que a existência humana assume seu
caráter de drama. Sem o desejo e sem o gozo, as noções de vida e de morte não
teriam nenhum sentido.
“O desejo está ligado à Lei de interdição do incesto (consubstancial
às leis da linguagem), que proíbe o gozo ao sujeito falante – aliás, é
por isso que ele pode ter acesso ao uso da palavra. Mais, ao mesmo
tempo, o gozo só começa a existir a partir do momento em que
falamos dele. E pelo ato da palavra, ele sofrerá uma profunda
modificação.” (VALAS, 2001: p. 8).
Braunstein, defende a idéia de que o inconsciente depende do gozo, de que o
inconsciente é um processador de gozo por meio do aparelho linguageiro que
transmite o gozo em seu discurso. (BRAUNSTEIN, 2007: p. 54). “O gozo é o que
62
escorre do discurso, mas, contudo esse inefável é a substância mesma do que se
fala ao longo de uma análise (...)”. (BRAUSNSTEIN, 2007: p.12).
Patrick Valas diz que: “(...) E pelo ato da palavra, ele sofrerá uma profunda
modificação”. (VALAS, 2001: p. 8).
A vulgata converte em sinônimo gozo e prazer, em termos psicanalíticos o
gozo apresenta-se ora como um excesso intolerável do prazer, ora como uma
manifestação do corpo mais próxima à tensão extrema, à dor e ao sofrimento. O
sujeito pode escolher entre uma ou outra posição. O que faz o sujeito é a invocação
do Outro que na verdade é subjetivante. Todo sujeito está e é chamado a ser. A ele
se pede que fale assumindo o nome que o Outro lhe deu. Ao falar identifica-se, e diz
quem é.
“O Outro requer sua palavra: se a linguagem é a morte da coisa ao
substituí-la, tornando-a ausente, a palavra deve reapresentá-la,
ordenando necessariamente o reconhecimento deste Outro da
linguagem, aquele que confere a vida, separando-se dela,
mortificando. O sujeito advém, alcança, assim, sua ex-sistência...
mas por ela deve. O Outro indica-lhe de mil maneiras que a vida que
recebeu não é gratuita, que deve pagar por ela. (BRAUSNSTEIN,
2007: p. 55).
Podemos, então, nos perguntar: Com que moeda se paga pelo preço dessa
ex-sistência? O pagamento é uma renúncia ao gozo; cada vez que é dada não pode
voltar a ser usada. A perda é inevitável. E para viver tem de pagar despedir-se com
renúncia ao gozo.
Mas ninguém se resigna de bom grado à renúncia que lhe é exigida. O gozo
rechaçado volta, insistentemente, pois é o fundamento da compulsão à repetição. A
memória inconsciente, não deixa o pedido ser esquecido.
Lacan parte de Freud, embora siga adiante – no primeiro momento, percorre
o conceito de inconsciente e de suas leis da fala e da linguagem, enquanto, no
segundo, detém-se nos conceitos de angústia e pulsão e, no terceiro, explora o
conceito de repetição e pulsão de morte.
O desenvolvimento do conceito de gozo, em Lacan teve início no Discurso de
19
Roma
(LACAN, 1953: 1998), contexto no qual apontava uma separação entre o
dizer e o gozar, vinte anos mais tarde, no Seminário 20, Mais, ainda (LACAN, 197219
LACAN, J. Escritos. Relatório do Congresso de Roma, realizado no Instituto Di Psicologia Della
Universitá Di Roma em 26 e 27 de setembro de 1953.
63
1973) o desenvolvimento do conceito de gozo leva Lacan a afirmar que o ser, ao
falar, goza. Um aspecto de fundamental importância diz respeito à fala, privilegiada,
no Discurso de Roma e durante todo o primeiro ensino de Lacan. Nessa primeira
cena conceitual, o âmago da questão diz respeito à demonstração da palavra
enquanto doadora de sentido e do campo da linguagem que, por sua estrutura a
suporta. Nesse contexto, o processo analítico se volta a operação de história e a
comunicação é intersubjetiva e dialética.
Lacan introduz, de modo original, no campo freudiano, a dimensão do gozo,
que terá conseqüências importantes na prática e na perspectiva do fim de análise. A
partir da formulação chave de “Função e campo da fala e da linguagem”, texto
conhecido como Discurso de Roma, Lacan tira as conseqüências lógicas da idéia de
que tudo é significante na experiência analítica: o sujeito encontraria a completude
do seu ser, reconciliando-se com seu desejo, reconhecido na “palavra plena”. O
desejo seria, então, correlato às leis da palavra, do dom, da troca, do
reconhecimento, do pacto e da aliança. A noção de sintoma guarda, assim, relação
com o conceito de inconsciente estruturado como uma linguagem, sendo o gozo
descrito em sua dimensão imaginária.
“O universo, é uma flor de retórica. Este eco literário poderia talvez ajudar a
compreender que o eu pode ser também flor de retórica, que brota do vaso do
princípio do prazer, que Freud chama Lustprinzip, e que eu defino como o que se
satisfaz com o blá-blá-blá”. (LACAN, 1972-73: p. 77).
Sendo assim, podemos afirmar que o gozo seria também da ordem dialética e
não como alguns autores afirmam, inclusive Miller, que o gozo não é dialético, é
apenas da ordem do imaginário. Segundo Braunstein “o gozo é dialético ainda que
se oponha a dialética do desejo”, e discorda da posição sustentada por Miller e seus
seguidores. (BRAUNSTEIN, 2007: p. 49-54).
Lacan introduz a referência preciosa de Hegel para entender a contradição
entre o gozo do senhor e o gozo do escravo, para entender a natureza dialética do
gozo. Lacan afirma que o desejo vem do Outro, enquanto o gozo está do lado da
Coisa, do lado do Um que só pode ser alcançado tirando-o do gozo do Outro e
preservando-o em seus embates numa forma de forçá-lo a reconhecer a existência
de um. (LACAN, 1998: p. 867).
O gozo é dialético ainda que se oponha a dialética do desejo. A dialética do
desejo é a dialética do desejo vem do outro, enquanto a dialética do gozo é a
64
dialética do sujeito com ele próprio. É possível postular que o desejo é o desejo do
Outro, mas não é possível postular que o gozo é o gozo do outro, embora o gozo de
um não se confunde com o gozo do “outro” podemos ver em Lacan (1967).
“Assim, é antes a assunção da castração que cria a falta pela qual se institui o
desejo. O desejo é desejo de desejo, desejo do Outro, como dissemos, ou seja,
submetido a Lei”. (LACAN, 1998: p. 866).
Segundo Braunstein o gozo é usufruir de algo. O corpo é esse campo de
batalha entre o gozo do Um e o gozo do Outro. O gozo está do lado da Coisa, mas
não se encontra a Coisa senão separando-a da cadeia significante.
Para dar continuidade ao pensamento que estamos focalizando sobre o
gozo, vamos destacar a articulação do gozo com o sintoma no enunciado que Lacan
em Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise:
(...) para admitir um sintoma na psicopatologia psicanalítica,... Freud
exige o mínimo de sobredeterminação constituída por um duplo
sentido, símbolo de um conflito defunto, (...) já está perfeitamente
claro que o sintoma se resolve por inteiro numa análise linguageira,
por ser ele mesmo estruturado com uma linguagem, por ser a
linguagem cuja fala deve ser libertada. (LACAN, 1998: p. 270)
Mais tarde, irá enunciar uma articulação do sintoma com um processo de
escrita e não de fala: “(...) se o sintoma pode ser lido, é por estar ele mesmo, num
processo de escrita. Como formação particular do inconsciente, ele não é uma
significação, mas a relação desta com uma estrutura significante que o determina”.
(LACAN, 1998: p. 446).
Lacan, investido das mudanças teóricas de Freud a partir de 1920, destaca a
diferença que há do sintoma como mensagem e mesmo como formação do
inconsciente, sonhos, atos falhos, lapsos, chistes e a presença de uma fixidez, uma
repetição, características que implicariam numa forma de gozo.
Estamos na dimensão do gozo no sintoma, se Freud ressalta uma repetição:
“(...) repete tudo o que já avançou a partir das fontes do recalcado para a sua
personalidade manifesta: suas inibições, suas atitudes inúteis e seus traços
patológicos de caráter”. (FREUD, 1920).
Lacan sublinha em “Instância da Letra” uma cumplicidade entre o gozo e o
desejo: “É a verdade do que esse desejo foi em sua história que o sujeito grita
através de seu sintoma, (...)” (LACAN, 1998: p. 522).
65
A oposição gozo/desejo, teria, portanto suas raízes em Helgel, que no texto
citado, afirma: “Se expresso que uma coisa também me agrada ou se me remeto ao
gozo, somente expresso que a coisa tem esse valor para mim. Com isso, suprimi a
relação possível com outros, que se baseia no entendimento”. (BRAUNSTEIN, 1992:
p. 17).
Lacan conceitua o gozo a partir do seminário sobre a ética da psicanálise, em
torno da definição da Coisa, correlata ao real, e sua função na economia subjetiva.
O gozo estaria no centro das representações do sujeito, em uma relação de
“extimidade”. Tal neologismo ressalta que o gozo é, ao mesmo tempo, o mais
estranho e o mais íntimo ao sujeito, aquilo que está fora do significante, na
dimensão do real. O gozo está do lado da Coisa (LACAN, 1998). Podemos dizer
“isso fala”, enquanto o desejo é sempre o desejo do Outro. O Outro é definido como
lugar do significante, onde o desejo se articula com a Lei. Trata-se da Lei primordial
da interdição do incesto, que é consubstancial à lei da linguagem.
No seminário sobre a ética, inspirado em “Totem e Tabu”, Lacan propõe a
idéia de um gozo absoluto, mítico, possível apenas ao pai primevo. Faz alusão ao
“Mal-Estar na cultura”, ressaltando sua dimensão maligna: “O gozo é um mal porque
comporta o mal do próximo”. Outra forma de destacar seu caráter desarmônico é
articulá-lo ao sintoma. No seminário sobre a angústia, Lacan afirma que o sintoma
não é apelo ao Outro, pois é, em sua natureza, gozo, portanto, se basta. (lição de
23/01/73).
Visando o campo do gozo no percurso do objeto a no encontro com o objeto
droga, citaremos o Seminário 7, onde Lacan liga o gozo à transgressão em alusão
ao Mal-estar na cultura (Freud, 1930), quando discute a relação do sujeito com o
outro, chega a formulá-lo como mau, maligno: “o gozo é um mal porque comporta o
mal do próximo”. (LACAN, 1959-60: p. 225).
No Seminário 11 Lacan ao contrário, tenta estabelecer novas alianças entre o
simbólico e o gozo. A pulsão e seus destinos pulsionais, apontam para um gozo
fragmentado em objetos a, os pequenos a representam um vazio, uma cavidade, o
furo, se tem acesso ao gozo pelos caminhos das pulsões, uma pulsão que realize
um ir e vir, sem transgressões, estabelecendo relações simbólicas com o gozo. Ali
onde havia o vazio, o furo, aparece então o objeto pequeno a . Lacan nesse
Seminário distingue duas operações que se trata de uma articulação íntima com os
mecanismos de alienação e separação que passam pela questão da identificação e
66
do recalque.Ele descreve o inconsciente como uma borda que se abre e que se
fecha. Para tornar o inconsciente homogêneo à uma zona erógena, como uma boca,
ou como um ânus.
Podemos dizer que há uma espécie de antítese entre A Ética da Psicanálise e
Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise, em alguns aspectos
encontramos verdadeiras oposições, se por uma lado na Ética da Psicanálise, temos
o gozo conectado ao horror, e é preciso passar pelo sadismo e até pela morte para
compreender alguma coisa disso. Quando se está no lugar do gozo, algo da ordem
de uma terrível fragmentação corporal se produz. No Seminário 11 sobre 0s Quatro
Conceitos, o modelo da relação ao gozo é a arte, o quadro, a contemplação pacífica
do objeto de arte. Como diz Lacan, a obra de arte acalma as pessoas, ela as
reconforta e lhes faz bem. É o impacto causado pela obra de arte.
Quando Lacan afirma: “(...) no sintoma em sua essência não é o apelo, digo
ao Outro, não é o que mostra ao Outro, que o sintoma em sua natureza é gozo, não
esqueçam, gozo encoberto, o sintoma não precisam de vocês como o acting out, ele
se basta.” (LACAN, 1962-63 A Angustia.20
Nesse Seminário 10 o sintoma passa a ser visto como um modo de gozo,
embora nem todo gozo seja sintomático.
No Seminário 11 (LACAN, 1964), Lacan retoma a formulação freudiana sobre
o trajeto da pulsão: o objeto é elemento de gozo, fazendo mediação entre a Coisa e
o Outro. Como o circuito pulsional é repetitivo e, pela repetição, engendra um gozo
cujo objeto é parcial, a satisfação pulsional é sempre parcial. Lacan trabalha a
aliança entre simbólico e gozo.
Já no Seminário 16, o objeto a é o mais-de-gozar, ou seja, o resto de gozo
que escapa ao processo da significância: “[...] o objeto a está preparado
especialmente por sua estrutura ara ser um lugar de captura de gozo”. (LACAN,
1968-69).
Ressaltamos que no Seminário da A Ética da Psicanálise, temos, de maneira
geral, uma apresentação do gozo maciço, colocado em um lugar que, normalmente,
não é alcançável e que exige uma transgressão, um forçamento, e o gozo é
colocado num lugar abissal ao qual somente se tem acesso pela transgressão.
20
LACAN, J. A angústia. Seminário inédito. Publicação interna do Centro de Estudos Freudiano de
Recife. (aula de 23/01/73).
67
Lacan revisa as próprias bases das quais havia partido no seu "Relatório de Roma",
Seminário sobre Os Quatro Conceitos Fundamentais.
Qual é a finalidade do mecanismo de alienação e separação, de todo esse
aparato que Lacan vai buscar na teoria dos conjuntos? De que se trata? Trata-se de
uma articulação íntima entre o simbólico e o gozo. Lacan distingue duas operações:
a alienação e a separação, a separação respondendo à alienação. A primeira, a
alienação é própria e mesmo puramente de ordem simbólica. Lacan esforça-se em
mostrar que o resultado dessa operação implica, necessariamente, em uma resposta
de gozo que é a separação. Tentemos fazer a análise conceitual, em termos
freudianos, do que Lacan chama de alienação. Ela vem para unificar os conceitos de
identificação e de recalque. Primeiramente, a identificação supõe um significante que
representa o sujeito, um significante, de certa forma, absorvente, que está no Outro
e ao qual o sujeito se identifica ao mesmo tempo em que permanece como conjunto
vazio. Trata-se do que Lacan chama de divisão do sujeito.
No início do Seminário 11, Lacan descreve o inconsciente de um modo como
jamais havia feito. Ele descreve o inconsciente exatamente como uma borda que se
abre e se fecha, recentralizando todo o inconsciente sobre a descontinuidade.
Na continuação do ensino de Lacan, o gozo é portanto distribuído sob a figura
do objeto pequeno a, quer dizer, de uma instância, muito mais modesta, reduzida,
mais manejável do que a Coisa. O objeto pequeno a em Lacan é o que, da Coisa,
tem menos valor.
Lacan destaca o pequeno a como elemento de gozo, ou seja, ele procede a
como um elemento da Coisa. Ele faz, da Coisa, um elemento múltiplo. Com isso, o
objeto pequeno a tem um ser que é, desde o início, ambíguo porque, por um lado,
ele encarna, reproduz a Coisa, é a sua figura elementar, mas, por outro lado, ele
provém do Outro. Ele faz, de certo modo, mediação entre a Coisa e o Outro.
Lacan apresenta no Seminário 17, O avesso da psicanálise (1969/70),
introduz sua teoria dos quatro discursos, a importância dos lugares que préinterpretam e a importância do desejo de saber. Introduz a idéia de que: “há uma
relação primitiva do saber com o gozo” (p.16). Ou seja há uma relação entre
significante e gozo. E o que muda em sua teoria, com a noção dos discursos, é a
idéia de que a relação significante e gozo é uma relação primitiva que se repete. “A
linguagem é a condição do Inconsciente, é isto o que eu digo. (...) ser totalmente
ativadas por motivos estritamente universitários – (...). (LACAN, 1969-70: p. 39). É
68
assim que Lacan diz que o saber é um meio de gozo, num duplo sentido, na medida
em que ele tem efeito de falta e que produz o suplemento, o mais de gozar.
Portanto, é ainda nesse Seminário 17 que Lacan introduz o objeto a, como mais-degozar e conceito de mais-de-gozar como suplemento da perda de gozo.
Isto quer dizer que a perda do objeto é também a hiância, o buraco
aberto em alguma coisa, que não se sabe se é a representação da
falta em gozar, que se situa a partir do processo do saber na medida
em que ganha ali um acento totalmente diverso, por ser desde então
saber escandido pelo significante. Será mesmo o mesmo? (LACAN,
1969/70: p. 17)
Lacan diz que “a verdade é irmã do gozo”, ou seja, dizendo que ela é
inseparável dos efeitos de linguagem e que está especialmente ligada ao gozo
barrado, ao gozo interdito, quer dizer que a verdade ocupa o lugar do que é anulado,
mortificado. Isso implica dizer que visa ao efeito de anulação do significante. O gozo
é mortificado por efeito de anulação do significante, mas essa representação não é
completa, é fracassada, daí a repetição. (LACAN, 1969/70: p. 51).
“O saber, isto é o que faz com que a vida se detenha em um certo limite em
direção ao gozo. Pois o caminho para a morte nada mais é do que aquilo que se
chama gozo”. (LACAN, 1969/70: p. 16).
Vinte anos mais tarde, depois de todo esse panorama que se descortina,
tomemos como eixo o Seminário 20 (1972/73) onde encontraremos a inversão que
incide sobre todo o percurso de Lacan, associando-se de forma totalmente nova, o
dizer e o gozar, propondo uma nova significação, uma formulação chave do
Relatório de Roma, ou seja da Função e Campo da fala e da linguagem , em que ele
diz que o Inconsciente está estruturado como uma linguagem. E, a partir do Mais,
ainda, Lacan promove uma virada em relação ao conceito de gozo, propondo uma
disjunção entre significante e significado, uma aliança entre o gozo e lalíngua, sob a
forma do gozo do blá-blá-blá. Afirma que o ser, ao falar, goza. Já em 1953, afirmara
a existência da fala vazia e da fala plena, apontando para uma separação entre o
dizer e o gozar. A fala vazia ganha, portanto, vinte anos depois, o estatuto de gozo.
Lacan, em Mais ainda, propõe uma relação entre o gozo e lalíngua propõe
uma série de modificações teóricas e traz novos recursos que inaugura o período
final do ensino de Lacan.
69
Se o ponto de partida de Lacan foi o fato da linguagem e o fato da palavra
como comunicação endereçada ao Outro, em Mais, Ainda, Lacan começa com o
gozo enquanto, fato, compromete a posição de todo o seu ensino, e isso implicará,
depois, na última parte do seu ensino, um esforço para reconstituir um outro
aparelho conceitual com os resquícios do precedente, dando origem à teoria dos
discursos.
No Seminário Mais, Ainda, Lacan coloca questão o conceito mesmo de
linguagem, que passa a ser considera como um conceito derivado, e não originário
em relação à invenção lacaniana de lalíngua, que é a fala antes do seu ordenamento
gramatical e léxico gráfico. Trata-se, certamente também, do questionamento do
conceito da palavra, concebida, agora, não como comunicação mas, como gozo.
Enquanto o gozo era, no ensino de Lacan, sempre secundário em relação ao
significante, e mesmo se ele acaba por ser conduzido a uma relação originária, para
que a linguagem e sua estrutura, que eram, então, tratadas como um dado primário,
apareçam como secundárias e derivadas. É por isso Lacan chama de lalíngua, é a
palavra aparece como derivada em relação a este exercício primeiro e separado da
comunicação. É sob essa condição que ele, então, propõe uma aliança originária
entre gozo e essa palavra lalíngua, sob a forma do gozo blá-blá-blá. Nesse
Seminário avança-se até que o antigo conceito da palavra como comunicação, e
também o conceito do grande Outro, o Nome-do-Pai, o símbolo fálico se
desmoronem como semblantes.
Esse Seminário é fundado, essencialmente, sobre a não-relação, sobre a
disjunção - a disjunção do significante e do significado, a disjunção do gozo e do
Outro, a disjunção do homem e da mulher sob a forma de A relação sexual não
existe, o que existe é o gozo.
Todos os termos que asseguravam a conjunção, em Lacan - o Outro, o Nome-doPai, o falo, que apareciam em todos os seus Seminários como termos primordiais,
como termos que podiam até ser chamados de transcendentais, posto que
condicionavam toda experiência, ficam reduzidos a simples conectores e teremos,
então a primado da prática.
Onde existia a estrutura transcendental, superior, muito elevada da fala,
temos uma pragmática, e mesmo uma pragmática social com a teoria dos discursos.
70
O ponto de partida inaugural de Lacan, em 1952, foi, definitivamente
apontado para a existência da psicanálise - há a psicanálise. Ela existe, ela
funciona, isto é, do ponto onde nos encontramos, há, nas condições da psicanálise,
uma satisfação que provém do fato de falar para alguém e de um certo número de
efeitos de mutação que isso acarreta. Fala-se para alguém - a psicanálise coloca
isso em evidência, e, ao se falar para alguém, efeitos de verdade aparecem e
remanejam o sujeito completamente. A relação com o Outro surge, aí, como sendo
inaugural, inicial, dada.
Trata-se de redescobrir, na própria psicanálise, o que triunfa hoje no laço
social, o que se chama de individualismo moderno, e que torna, de fato,
problemático tudo o que é relação e comunidade. O ponto de partida encontrado no
gozo é o verdadeiro fundamento do que aparece como extensão, ou mesmo o
comprometimento individualismo contemporâneo.
Trata-se, primeiramente, da exigência de situar o lugar do gozo sem nenhum
idealismo e, neste momento, o lugar do gozo, tal como os cínicos perceberam, é o
corpo próprio.
No Seminário do RSI (LACAN, 1974/75), Lacan lança mão da matemática
para tratar de uma nova concepção com uma topologia própria. O real, antes
articulado ao simbólico e o imaginário é agora situado na cadeia significante. A
ênfase na equiparação entre os registros, e não no simbólico como preponderante
entre os registros, desta maneira o que distinguiria uma estrutura de outra, seria a
forma como os elementos do nó borromeano se entrelaçariam, RSI, SIR, IRS, etc.
(1974/75). A ordem RSI revela a prevalência do Real sobre o Simbólico e Imaginário.
O Lacan dos anos 40 privilegia o Imaginário, enquanto no Lacan dos anos 50 o que
prepondera é o Simbólico. Só nos anos 60 o Real adquire sua dimensão de Pai
Real, como agente da castração na cadeia de significantes. Nos anos 70 Lacan sai
das pesquisas sobre o objeto a, objeto da pulsão, objeto mais de gozar e objeto da
fantasia. E, desenvolve o Campo do Gozo, onde o Real vai se apresentar como uma
modalidade de gozo e o sujeito é uma resposta do Real. No Seminário 20, afirma
que o ser ao falar goza e propõe uma série de modificações, Lacan cria uma
pragmática com a teoria dos discursos. Voltando ao RSI durante o ensino de Lacan
veremos uma nova estruturação para o ser falante frente a possibilidade de fracasso
do ser falante. Há a inclusão de um quarto elemento no nó borromeano, que exerce
a função encadeadora do Nome-do-Pai. Realiza uma revisão do imaginário, dando-
71
lhe extraordinário destaque uma vez que tudo o que nos afeta passa pelo corpo, é
percebido através do corpo: estamos mergulhados no imaginário. O gozo que pode
se manifestar no corpo, e com isso o corpo humano muda de estatuto, torna-se um
corpo de discurso. Vide gravura no capítulo III , parte 3. 2. - A dimensão do gozo em
Lacan, p. 55.
Sobre o gozo Lacan afirma: Já disse sobre ele o suficiente para que saibam
que o gozo é tonel das Danaides21, e que uma vez que ali se entra não se sabe
aonde isso vai dar. Começa como as cócegas e termina com a labareda de gasolina.
Tudo isso é, sempre, o gozo. (LACAN, 1969-1970: p. 68).
3.3
DISCURSOS E LAÇOS SOCIAIS – O GOZO DISCURSIVO
Nos Seminários 16 e 17 assim como em Radiofonia surge a elaboração dos
quatro discursos de Lacan que corresponde ao gozo discursivo.
Lacan chamou de discurso sem palavras distinguir o que está em questão no
discurso como uma estrutura necessária, que ultrapassa em muito a palavra, sempre
mais ou menos ocasional. (LACAN, 1969-1970: p. 11)
Nesse Seminário 17, Lacan apresenta uma relação primitiva do saber com o
gozo. [...] chama de saber o gozo do Outro. Tal frase deve ser entendida como: há
uma relação primitiva dos significantes com o gozo. (LACAN, 1969-1970: p. 12).
Antes sempre havia em Lacan, de uma maneira ou de outra, inicialmente, a
descrição da estrutura, da articulação dos significantes, do Outro, da dialética do
sujeito e, depois, em um segundo tempo, a questão era de saber como que o ser
vivo, o organismo, a libido eram capturados pela estrutura.
O que muda, com a noção de discurso, é a idéia de que a relação
significante/gozo é uma relação primitiva e originária. Quando Lacan fala que a
relação do significante e do gozo, do saber e do gozo, é primitiva, é na medida em
que é primitiva e originária que ela é muito mais estreita. Lacan se dedica a
21
Tonel de Danaides: Na Mitologia Grega: “As Danaides eram cinqüenta filhas de Danão, rei de
Argos. Seu irmão, Egito, tinha cinqüenta filhos. Mandou a filharada masculina casar com as primas.
Danão não queria o casamento. Combinou com as filhas um plano. Os cinqüenta recém-casados
tiveram a mais estranha noite de núpcias de que há notícias no mundo. Foram todos assassinados
pelas esposas. Só escapou um, Linceu, poupado por sua mulher, Hipernestra. Júpiter condenou as
Danaides às penas do Tártaro, que era o Inferno daquele tempo. As Danaides enchiam um tonel sem
fundo. Séculos e séculos, sem pausa, sem descanso, interrupção, as moças carregavam água,
despejando-a no barril furado.
Fonte: http://www2.uol.com.br/omossoroense/040806/conteudo/universo.htm
72
desmentir tudo o que poderia restar da não-relação entre o gozo e o significante, e
mostra, ao contrário, até que ponto a introdução mesma do significante depende do
gozo e que o gozo é impensável sem o significante, que existe aí, uma espécie de
circularidade primitiva entre o significante e o gozo.
“A clínica dos discursos, como propôs Lacan ao inserir a psicanálise
no campo do gozo a partir dos anos 1970, permite um acréscimo à
clínica das estruturas subjetivas ordenadas pelo Édipo, e não a sua
exclusão. Trata-se não só de investigar a relação estrutural do sujeito
e suas estratégias para lidar com o desejo gozo do Outro, mas
também de verificar se e como ele se insere nos discursos, sua
relação com a mestria (ou autoridade), com o saber, com o outro do
laço social e com o mais-de-gozar, ou seja, com os objetos
pulsionais excluídos da civilização, e sua posição com respeito ao
gozo”. (QUINET, 2001: p. 77).
No Avesso da Psicanálise, Lacan apresenta a articulação significante como
repetição ou como saber. Lacan valoriza a repetição como repetição de gozo. E,
afirma que é uma retomada do projeto freudiano pelo avesso. (LACAN, 1969-1970:
p. 10). Para mostrar que a repetição é necessária devido ao gozo. A repetição é
fundada, sobre um retorno de gozo. Isso vai além do que ele pôde dizer do sujeito, a
saber, que o gozo é representado pelo significante e que, ao mesmo tempo, essa
representação não é exaustiva, ela é malograda, e é precisamente isso que
condiciona a repetição. Desde então, o acesso ao gozo não se dá mais,
essencialmente, através da transgressão mas através da entropia, do desperdício
produzido pelo significante. E assim que Lacan trabalha a equivalência entre essa
entropia e uma informação, afirma: que pode dizer que o saber é um meio de gozo.
(LACAN, 1969-1970, p. 77). O saber é um meio de gozo num duplo sentido, na
medida em que ele tem efeito de falta e na medida em que ele produz o suplemento,
o mais gozar. Isso certamente também dá a Lacan a justificativa para dizer em uma
outra fórmula – a verdade é irmã do gozo. (LACAN, 1969-1970: p. 64). Dizer que ela
é irmã do gozo é dizer, sem dúvida, que ela é inseparável dos efeitos de linguagem
e que está especialmente ligada ao gozo barrado, ao gozo interdito, quer dizer que a
verdade ocupa o lugar do que é, aí, anulado, mortificado. Seria preciso acrescentar
– “a verdade irmã do gozo interdito”. Por isso, é preciso completar essa fórmula com
o que Lacan disse – “a verdade é a querida irmãzinha da impotência”. (LACAN,
1969-1970, p. 166). Isso indica muito bem que, quando Lacan diz: a verdade irmã do
gozo, ele visa o efeito de anulação significante. Existe aí, com efeito, um retorno ao
73
corpo. Toda essa lógica, cuja elaboração se mantém, é reinvestida e motivada com
relação ao corpo. Também se introduz aí, necessariamente, uma nova problemática
do final da análise. O fim da análise, em Lacan, concerne sempre à relação do
sujeito com o gozo e à modificação que pode ser feita nisso. Mas não é a mesma
coisa pensar essa relação sob a forma do fantasma ou pensá-la sob a forma da
repetição. Em Lacan, há um deslocamento sensível entre a relação com o gozo,
caracterizada pelo fantasma, e a relação com o gozo, caracterizada pela repetição,
posto que Lacan será levado a considerar, sobretudo, um novo valor para o sintoma.
Pensar a relação com o gozo sob a forma do fantasma, é pensar o obstáculo sob a
forma de uma tela da fantasia que se trata de atravessar. E, certamente, sou
impelida a convir que a travessia do fantasma é, finalmente, uma variante da
transgressão. É uma transgressão talhada, na análise, como fim da análise,
convidando-nos a ir mais além, na direção do vazio, da destituição do sujeito, da
queda do sujeito suposto saber, e da assunção do ser de gozo. O efeito esperado
possui, ainda assim, a forma e a estrutura de um efeito de verdade, mesmo que
esse efeito de verdade seja a evaporação da pobre verdade irmã da impotência. É
muito diferente pensar a relação com o gozo sob a forma da repetição. A repetição
é, de algum modo, a forma desenvolvida do fantasma, tal como o fantasma é uma
espécie de forma concentrada da repetição. A repetição é o que merece ser
chamado de sintoma, o que nos apresenta, efetivamente, uma repetição de gozo e,
por isso mesmo, uma constância, mas que não é concentrada sobre o fantasma
fundamental a ser encontrado. É uma constante que se prolonga, que dura. Ela não
está propriamente envolvida no fantasma que - como uma fórmula - teria de ser
extraído, atingido.
O sintoma, tal como ele é tomado na última parte do ensino de Lacan,
comporta, em si mesmo, o desenvolvimento temporal dessa relação com o gozo,
que não se presta à transgressão, mas, se presta muito mais ao que Lacan chama,
em 1969-70 de entrar de fininho, ou o que, alhures, ele chamam de saber como
fazer com o sintoma. Está lá porque é aquele que tem um savoir-faire, um saber
fazer. (LACAN, 1969-1970: p. 19). Seu saber como fazer é uma forma de entrar de
fininho que é valorizada, justamente, por ser totalmente diferente de uma
transgressão que se efetiva. Evidentemente, isso implica que o fim tenha de ser
pensado. Trata-se de um basta na repetição ou de um novo uso dela? Ficaremos
com mais essa questão.
74
E, ainda nesse Seminário 17, Lacan discorre sobre o que é demandado ao
analista, concluindo que: O que se espera de um psicanalista é, como disse da
última vez, que faça funcionar seu saber em termos de verdade. (LACAN, 19691970: p. 50).
Como é pensar discurso como laço social?
Falar de discurso é falar de laço social como o sujeito se enquadra no campo
do outro. Freud em “O mal-estar na civilização” aponta que é o relacionamento como
os outros o maior causador de sofrimento para o ser humano. Ele conclui o texto
dizendo que o mal estar na civilização é o mal estar dos laços sociais. Apresenta
quatro formas das pessoas se relacionarem entre si , destaca: governar, educar,
psicanalisar e Lacan inclui nessa série o fazer desejar. As três profissões – se é que
se trata de profissões – são então Regieren, Erziehen, Analysieren, quer dizer,
governar, educar e analisar. (LACAN, 1969-1970: p. 158).
Todo discurso é por um lado, uma tentativa de estabelecer uma ligação entre
campo do sujeito e o campo do Outro. O discurso como laço é um modo de
aparelhar o gozo com linguagem, na medida em que o processo civilizatório, implica
em uma renúncia das tendências pulsionais para permitir que as pessoas se
relacionem. Freud utiliza o significante “amansamento” das pulsões, nesse sentido,
há que se amansá-las para viver em sociedade. Todo laço social, é portanto, um
enquadramento da pulsão, resultado de uma perda de gozo. Lacan vai nos falar do
discurso como uma estrutura que ultrapassa a palavra, discurso sem palavras. A
estrutura do discurso é de significante. O discurso do mestre representa a fundação
do sujeito no campo do outro. O discurso do mestre é o discurso da constituição do
sujeito. O campo do Outro é algo que está desde o início. Os elementos rodam, os
lugares ocupados, não são fixos. O que o analista institui como experiência analítica
é a histerilização do discurso. É a introdução estrutural, mediante condições
artificiais, do discurso da histérica. O discurso do mestre é agenciado por um saber
inconsciente. No discurso universitário não se trata de saber inconsciente e sim de
em discurso arbitrário. Com relação a verdade, trata-se de uma notação significante.
Os discursos introduzidos por Lacan correspondem às estruturas mínimas de
todo e qualquer liame social, sempre concebido como fundado exclusivamente na
linguagem os discursos levam às últimas conseqüências a tese lacaniana de que
inconsciente é um saber. (JORGE, M.A.C., 2002: p. 19).
75
O que representa para Lacan a definição de um discurso como forma de
liame social? O terno liame se origina do latim ligamen e significa ligação, aquilo que
prende uma coisa à outra, o terno social vem de socius significa companheiro,
aquele que se associa a um outro em uma empresa. (JORGE, M.A.C., 2002: p. 19).
O sujeito falante mesmo antes de vir ao mundo se inscreve em uma realidade
discursiva preexistente a partir dos significantes do campo do Outro. É somente por
meio da linguagem que o sujeito falante tem acesso ao mundo, seu encontro como o
outro deverá ser mediatizado pela linguagem.
A estrutura que define o discurso do inconsciente sobre o qual repousa a
teoria dos discursos em Lacan, é constituída de quatro lugares, nos quais se alojam
quatro letras cujas significações são as seguintes: S1 – é o significante mestre; o S/
sujeito dividido; o S2 o saber; o objeto a, mais- de- gozar. A Teoria dos quatros
discursos de Lacan, constitui uma das mais recentes e eficazes elaborações,
concernentes a tais estruturas. Foi por volta dos anos 60 que Lacan ilustrou suas
variáveis numa apresentação sistemática no Seminário, livro 17: O avesso da
Psicanálise sobre a produção dos quatro discursos. Além das subjetividades e
singularidades individuais, a psicanálise distingue funcionamentos, em número
restrito que dependem da estrutura na qual cada um se acha aprisionado.
“Os discursos em apreço nada mais são do que articulação significante, a
aparelho, cuja mera presença, o status existente, domina e governa tudo o que
eventualmente pode surgir de palavras. São discursos sem a palavra, que vem em
seguida alojar-se neles”. (LACAN, 1969-70: p. 159).
O campo do gozo, com os discursos, é a resposta de Lacan ao mal-estar-na
cultura. Freud afirma ser a relação entre as pessoas a maior fonte de sofrimento
humano. O mal-estar nos discursos é representado pelo objeto a, que significa a
parte excluída da linguagem, aquilo que a civilização exige do homem a renunciar,
ou seja a pulsão de morte. Os matemas formalizados por Lacan são para escrever
os quatro discursos como laços sociais. Portanto, Lacan pensa os discursos como
aparelhos de linguagem que estruturam o campo do gozo.
Mediante a linguagem o discurso instaura relações fundamentais e estáveis
no campo do gozo, a partir de enunciados que caracterizam aquele campo
específico. Lacan diz: trata-se de “um discurso sem palavras”, pois, “não há
necessidade de enunciações para que nossa conduta, nossos atos eventualmente
se inscrevam no âmbito de certos enunciados primordiais”. (LACAN, 1969-70, p. 11).
76
O discurso, é da ordem de um dizer, o dizer é aquilo, que não sendo da
ordem da fala, funda um fato. Os discursos fundam fatos, que são ligações sociais
entre pessoas.
Na teoria dos discursos é importante verificar o elemento específico que
domina o laço social. Trata-se daquilo que determina o agir do sujeito, ou seja, ele
age de acordo com a dominante do discurso que está inserido.
No discurso do mestre Lacan vai indicar que a dominante no discurso do
mestre é a Lei, no da histérica é o sintoma, no universitário é o saber, no discurso do
analista é o mais-de-gozar. A marca de cada discurso é o agir imperativo, exercendo
influência sob os demais elementos.
A seta – a seta presente em cada discurso é interpretada como
poder de dominação. (...) cada discurso que vai do agente ao outro é
interpretada como poder de dominação, só que tomando os
discursos na mais do lado de quem domina, mas de quem é
dominado. (QUINET, 2006: p. 35).
O discurso do analista é o único laço social que trata o outro como sujeito. O
mal-estar da civilização se apresenta atualmente como doenças oriundas do
discurso capitalista, são essas doenças que o psicanalista é chamado a tratar. O
discurso capitalista não promove o laço social entre os sujeitos, o que ele propõe ao
sujeito é a relação com um gadget (desejo de consumo curto e rápido) $ - a esse
discurso estimula a ilusão de completude não como constituição de um par mas com
um parceiro conectável, descartável. As toxicomanias dentre as várias doenças do
discurso capitalista emitam tal atitude. (QUINET, 2006: p. 37-38).
Lacan
em
televisão
em
1974
fala
do
mal-estar
na
modernidade
diagnosticando o discurso do capitalista, - coloca como uma variante do discurso do
mestre. O matema do discurso capitalista é composto do discurso do mestre,
invertendo-se os elementos da 1ª fração. O que caracteriza o discurso do capitalista
é a foraclusão da castração ou seja foraclusão da sexualidade e da diferente dos
sexos . É um discurso o que exclui o outro do laço social, pois esse sujeito só se
relaciona com os objetos gadgets- mercadorias comandadas pelo significante mestre
capital, por isso, dizemos que é um discurso que não faz laço social. O capitalismo é
o discurso globalizado que invadiu todos os campos. A sociedade globalizada,
regida pelo discurso capitalista se nutre pela fabricação da falta de gozo, produzindo
sujeitos insaciáveis, em suas demandas. Os homens não se cercam mais de outros
77
homens e sim de objetos prontos para serem consumidos. As relações sociais não
estão centradas nos laços sociais e sim na manipulação de suas mensagens.
Consumo de gadgets que a sociedade oferece, como objeto do desejo, assim vemos
no cenário atual uma novas economia libidinal. A ciência advinda do discurso
capitalista é produtora de objetos de consumo, operando como causa de desejo. O
saber científico aí produzido é para fabricar o objeto que possam representar o
objeto pulsionais (S2 – a). É fato de que o discurso capitalista fabrica um sujeito
animado pelo desejo capitalista, desejo que o leva a produzir. Ele produz um sujeito
inadimplente, o sujeito da dívida que se eterniza. O discurso do capitalista visa
dominar e sobrepor o mercado à sociedade. Trata-se de um discurso sem lei, que
obedece a lógica da foraclusão, por isso Lacan o declara fora-do-discurso, onde não
é possível o laço social tratando-se de um discurso do excluído, impossível de ser
regulado, portanto não é regulador, ele é segregador. A lógica desse discurso é a
lógica da exclusão, que segrega quem tem o capital de quem não tem o capital,
como determinante desse discurso. Ao contrário da lógica da psicanálise que vai
propor a lógica da diferença, e não da segragação ou da exclusão. É esse discurso,
obtido formalmente por torção, a partir do discurso do mestre, que Lacan denomina
de Discurso Capitalista.
Os quatro discursos com laços sociais são estruturados pelo Nome-do-pai eis
porque o psicótico é definido como “fora do discurso”, foraclusão do nome-do-pai. A
psiquiatria de hoje não é a mesma à qual Lacan se referiu. A tendência da
psiquiatria atual é a biológica caracterizada por fundamentos determinados por
outras disciplinas científicas, a neurobiologia. Esses autores supõem unicamente
uma causa neurobiológica para os transtornos mentais negam a causalidade
psíquica. A psiquiatria atual encontra nas neurociências seus fundamentos
epistemológicos e metodológicos. Principal argumento desses cientistas é que o
funcionamento cerebral é fundado em uma explicação genética evolucionista. Assim,
a psiquiatria atual, sabendo-se de sua vocação médica situando os transtornos
psíquicos nas fragilidades do corpo, mostra sua desimplicação ética medicando os
pacientes. A nova nosografia utilizada na psiquiatria, privilegia unicamente a
abordagem psicofarmacológica não havendo inclusão do sujeito na montagem da
estratégia terapêutica. Para a psicanálise o corpo é atravessado pela linguagem.
Nos primeiros artigos e seminários de Lacan, em (1954-1960), com referência
à preocupação de separar a dimensão simbólica da imaginária e afastar a
78
psicanálise dos trilhos da análise do ego, a noção do discurso corrente é assimilável
ao que Lacan chama, então, seja de linguagem do ego, seja de linguagem do préconsciente, para evidenciar a dimensão imaginária desse discurso, originado de um
certo número de signos, imagens ou formas prevalentes, no centro das quais se
acha a imagem do corpo. Tal discurso, é assim caracterizado, quando recebe do
mundo onde vive, uma soma de impressões e de informações; ele não possui a
estrutura de uma linguagem, ao contrário do inconsciente; é constituído de signos e
não de significantes, pois remete aos objetos ; assim Lacan ressalta que nenhuma
regressão, ao nível do ego ou do pré-consciente, nos faz aceder aos fenômenos
inconscientes. No Seminário 14, A Lógica do Fantasma22, Lacan afirma: “Eu não
digo que a política é inconsciente, mas simplesmente, o inconsciente é a política”.
(LACAN, 1966-1967). O primeiro aspecto a se destacar dessa afirmação de Lacan
que o inconsciente é a política, é a determinação daquilo que compete ao analista,
competência como sendo a de um psicanalista, pois propõe uma definição do
inconsciente, como aquilo que um analista tem sempre que lidar.
O inconsciente é a política caminha não só com a definição de Lacan de que
o inconsciente é o discurso do Outro(A), na medida em que o Outro é dividido e não
existe como “Um”, como também com a assertiva de que o inconsciente tem a ver
com laço social, justamente porque não há relação sexual.
Sabemos que o inconsciente se produz na relação do sujeito com o Outro(A),
e no encontro do sujeito com o Outro sexo. Assim, o inconsciente tem haver com o
que se produz a partir do laço social, e sendo o inconsciente aquilo que o analista
tem sempre a ver com o laço social, aquilo que faz o laço com o Outro e com os
outros, aquilo que o coloca frente a frente com a subjetividade de sua época.
Portanto, com relação ao inconsciente, não se trata, assim, de descobrir quais as
engrenagens que se encontram nas profundezas da alma humana e de como essas
engrenagens se articulam, mas sim de sustentar que o inconsciente está na
superfície, ou seja, de que ele é o discurso do Outro e, por isso, permanentemente
tecido pelos novos tempos. O witz de Freud é, a forma por excelência na qual o
inconsciente se mostra político, fazendo laço social, laço com o Outro, seja através
do jogo do significante, seja através do jogo com a letra, segundo Lacan.
22
LACAN, J. Lógica del fantasma (1966-1967). Inédito.
79
Marie-Hélène Brousse extraiu algumas citações dos textos: “Função e campo
da fala e da linguagem em psicanálise”, de 1953; “A direção do tratamento e os
princípios de seu poder”, de 1958; “A psiquiatria inglesa e a guerra”, de
1947;”Proposição de 9 de outubro...” de 1967, que destacaremos aqui, para
ressaltar que o inconsciente tem a ver com e se produz a partir do laço social. Na
primeira conferência a autora mostra como a dialética do desejo não é jamais
individual no campo analítico; portanto o inconsciente está no cerne da política e
isso se reflete no interesse do analista em alcançar em seu horizonte a subjetividade
de sua época.
Em seguida, marca a relação entre união dos mercados (globalização) por
um lado, e os processos de segregação por outro, como a universalização em que,
com o intuito de anular a diferença, vê a segregação ressurgir. E, a autora ainda,
postula que o futuro da psicanálise está ligado ao fracasso em satisfazer a demanda
do mestre.
A psicanálise busca a partir dos seus próprios fundamentos, analisar a época
na qual ela está inserida e a partir daí se responsabilizar por seu lugar. Faz face à
lógica da totalização, (de)mostrando o furo, o equívoco, fazendo vacilar o sintoma,
liberando o sinthome , fazendo aparecer o laço social como forma de suplência ao
Real. Para Lacan, a forma por excelência na qual o inconsciente se mostra político,
fazendo laço social, laço com o Outro está no witz de Freud. Lacan em 1953, referese à subjetividade da sua época, em termos de movimento simbólico.
Mais tarde,
isso será reduzido à dimensão do discurso, através da proposição de que a
psicanálise é um discurso, segundo uma definição que encontramos no Seminário17
– O avesso da Psicanálise.
O discurso é o laço social que implica sempre um freio sobre o gozo, uma
ordenação do gozo, uma organização do gozo humano: um freio, um limite, portanto,
um modo de organização do gozo. Como laço social, a psicanálise implica um freio
sobre o gozo. A psicanálise é um laço social e um saber. É justamente porque a
psicanálise é um laço social, portanto um tratamento do gozo, que ela está
necessariamente misturada na questão do político. Indo ao centro do problema, a
experiência analítica é uma experiência que se propõe tratar o gozo, que propõe
elucidar a relação a relação do gozo e do laço social. Trata-se, em uma análise, de
modificar a relação do sujeito com o significante-mestre, ou seja, modificar a posição
do sujeito a partir do lugar que ele ocupa no discurso do mestre.
80
Colocar em evidência os significantes-mestres proporciona uma outra
experiência, uma experiência inédita, que como diz Lacan, através da prática de um
outro laço social leva o sujeito a mudar de posição em relação ao significantemestre. Essa é a versão ativa do analista em relação à dimensão política. É por isso
que Lacan está certo de que todo discurso do mestre possui uma vocação totalitária,
inclusive aquele do mestre democrata. Não são apenas os tiranos que tem essa
vocação totalitária. O discurso do mestre coloca um significante no posto de
comando. É por essa razão que a psicanálise opera sobre o discurso do mestre, na
medida em que ele está presente no sujeito e mesmo ele o constitui.
A psicanálise sempre foi excluída dos discursos totalitários e também não é
muito bem vista quando o saber é posto pelo mestre na posição de significantemestre- o saber científico. O que dá ao analista o dever de política é justamente o
dever de devolver ao sujeito a escolha, a escolha decidida, ou melhor, a escolha
decidida dessa relação com o significante-mestre.
O S é barrado, para designar que não é sujeito autônomo, mas determinado
pelo significante, que tem “barra” sobre ele; nesse discurso não existe uma relação
direta do S/ com o a , porque inexiste, também, acesso direto do sujeito ao objeto de
seu desejo.
A teoria dos discursos, da qual só se apresentam aqui os traços essenciais,
continua a ser, atualmente, um dos instrumentos mais ativos para a psicanálise,
embora tenha conquistado tardiamente seus títulos de nobreza no pensamento
psicanalítico – foi por volta dos anos 69-70 que Lacan ilustrou suas variantes numa
sistemática dos quatro discursos – que se interessa pelo que produz o sujeito e
produz, com ele, a ordem social na qual se inscreve.
Lacan observou alguns aspectos fundamentais sobre esses quatro discursos:
que toda ligação social se sustenta nesses quatro discursos radicais e que o
discurso psicanalítico que permitiu que houvesse o destacamento dos outros
discursos; que o discurso psicanalítico emerge a cada vez que há passagem de um
discurso para outro, acrescentando que isso equivale a afirmar que o amor é o signo
de que trocamos de discurso.
Discurso capitalista sugerido por Lacan, numa conferência pronunciada em
Milão em 12 de maio de 1972, onde foi apresentado a fórmula de um quinto
discurso, o discurso do capitalista57 — considerado como o discurso do mestre
81
moderno —, escrita por meio de uma única inversão, no binómio do sujeito do
mestre, entre as letras S1 e $.
“A foraclusão da castração do discurso do capitalista nos indica
que esse “laço” é louco, pois seu discurso é psicotizante na medida
em que tira o sujeito de outros laços sociais. [...]O discurso
capitalista fabrica um sujeito animado pelo desejo capitalista –
desejo que o leva a produzir, ou seja materializar o significantemestre desse discurso: dinheiro que em seu carater virtual se
chama capital”. (QUINET, 2006: p. 39-40).
Trata-se de um discurso que, ao contrário dos outros quatro, não faz laço
social, e contrasta com os quatro discursos que constituem uma estrutura
discursiva articulada e coerente, ressaltamos, apenas que um novo estatuto foi
atribuído a esse quinto discurso.
ALBERT, A. (2000:47) ressalta que no discurso do capitalista, “o sujeito,
que se crê agente, é no fundo um engano que não deve se levar em conta pois o
que conta, na verdade, é o brilho daqueles significantes.” RIBEIRO, M. A. (1999)
propôs para estudá-lo “levar em conta a posição diferente das setas”, o que revela
que não há relação entre agente e outro, logo, não há laço social. O discurso do
capitalista seria, então, uma versão do discurso do mestre que não faz laço social.
Diferente dos outros quatro discursos, aponta para a possibilidade de gozar do
objeto, como a barreira do gozo aqui parece não estar colocada, há uma
foraclusão, e dada produto , pode ocupar o lugar ímpar do objeto a, como se fosse
objeto causa de desejo, desqualificando a verdade.
Os laços sociais definem os atos, e assim, todo ato está inserido num
discurso. Os atos inseridos nos laços sociais são os fatos de discurso, como
podemos verificar nos casos clínicos que ilustram esse trabalho, caso clínico de
Luisa, o caso extraido de uma obra literária Lolita Pille/Hell e ainda o paciente de
instituição pública, marcado para morrer pelos traficantes.
3.4
TOXICOMANIAS – FORMAS DE GOZO E TRANSFERÊNCIA
As toxicomanias, podem ser entendidas, pelo psicanalista que segue a
orientação lacaniana, como formas de gozo de um sujeito. Destacamos aqui outras
manifestações dos sintomas, como as anorexias, bulimias, obesidades, e outras
82
compulsões que se manifestam nesse fluxo do gozo alimentar, não só pelo excesso
como pela falta; recusar a engolir o alimento, ou engolir o alimento em excesso por
uma compulsão ou gula, seriam manifestações sintomáticas que se revelam
paradoxalmente por forças das circunstancias sociais ou ideológicas, cristalizadas
no corpo biológico, sendo que o foco de atenção da psicanálise está no corpo
pulsional, que advém pela via das pulsões. Simultaneamente, porém, a força de
derivação dos conceitos psicanalíticos e a compreensão interna dos modelos
metapsicológicos permitem renovar a abordagem das toxicomanias e desmontar as
armadilhas de um pensamento normativo e comportamentista pertencentes a um
discurso puramente organicista. A influencia da psicanálise sobre a compreensão
das
manifestações
toxicomaníacas
revelou-se
totalmente
paradoxal.
Essas
manifestações sintomáticas, acabam ultrapassando o modelo médico e abrindo
espaço para formulações de questões que articulam atos e reações em diferentes
épocas até os nossos tempos contemporâneos. As toxicomanias revelam mutações
culturais e questionam o lugar do gozo.
A toxicomania tem importância para todos os psicanalistas na medida em que
impõe a seguinte pergunta: ela responde à ordem do desejo particular ou introduz a
questão da existência de sintomas que alguns autores chamam de sintomas sociais?
Para Lacan, o sintoma também é uma maneira singular de gozar que não vai
de encontro ao ser social. O ser social é a cultura, é a civilização enquanto
definidora da distribuição do gozo entre os diversos sujeitos, oferece modelos fixos
para o sujeito satisfazer as pulsões. Em outras palavras, a civilizações define o perfil
de gozos toleráveis socialmente. A noção de mais de gozar traz algo de novo sobre
o gozo. O gozo como das Ding é pensado fora das variações do simbólico e do
imaginário. É apresentado enquanto objeto a da pulsão.
É preciso, portanto, definir de saída que a rigor, a psicanálise não poderia
fornecer uma explicação sobre as toxicomania em si mesma, mas pode inverter os
preconceitos, os estigmas e estereótipos que anulam o sujeito diante de seu desejo,
como por exemplo, rotular um sujeito de “dependente químico” ou “toxicômano”. O
que ocorre nas toxicomanias de extremamente paradoxal é que a aparente
autodestruição praticada pelos toxicômanos, é entendida pelo psicanalista como
uma
busca
pela
autoconservação,
uma
tentativa
de
automedicação
que
paradoxalmente funciona como um veneno que se vira contra si mesmo e se
assimila a um remédio contra a angustia do sujeito. É preciso diferenciar aqui o uso
83
da droga como quebra da inquietação, de um imperativo de tratamento do
organismo por um tóxico, quando se torna o único meio de manter um corpo ao
abrigo de uma dor intolerável.
A experiência clínica com pacientes toxicômanos confirma essa hipótese do
desaparecimento da angustia como uma espécie de supressão da dinâmica dos
conflitos no contexto de uma organização neurótica da realidade psíquica, o que
paradoxalmente inviabiliza as tentativas de busca pela solução desses conflitos.
Assim, o ato toxicômano parece realizar de certa forma uma busca paradoxal de
autoconservação em face do sexual reduzido a um tóxico, como se essa cobertura
pudesse garantir que ter ou dar uma satisfação não levaria o ser inteiro a ser sugado
pelo gozo, a ponto de se tornar pura e simplesmente o próprio gozo um objeto de
consumo do gozo do outro. Esse dispositivo paradoxal de suplência narcísica pode
ser desmontado pela escuta psicanalítica, apontando que a droga não é o
verdadeiro problema do sujeito. O caráter transgressor dos toxicômanos em geral
revelam em que medida esses sujeitos se vêem na necessidade de afirmar um
desejo próprio sob a forma de uma aspiração ao negativo, a fim de resistir à
castração ou seja a subjulgação ao bem materno ou paterno. Tornar-se o bem do
outro, no duplo sentido do termo, pode ser entendido de fato como uma ameaça de
castração; que a toxicomania tenta reduzir ao agenciar uma suplência narcísica. Em
geral, pacientes que interromperam todo uso de droga, no momento de
manifestação de um apelo à satisfação do outro, sentem-se ameaçados pela
demanda do outro recaem bruscamente no envolvimento, pela via do tóxico. Essas
práticas com muita freqüência surgem na adolescência, diante da ameaça de
castração, onde tentam encobrir num jogo particularmente insólito, pois inventam um
método de fazer de si mesmo um corpo estranho graças a incorporação de um
tóxico, na tentativa de ser um corpo estranho com manifestações corporais
enigmáticas.
Lacan, “no Seminário 16 “De um Outro ao outro”, ao introduzir o conceito de
mais de gozar, diz:” [...] , o objeto a está preparado especialmente por sua estrutura
para ser um lugar de captura de gozo. (LACAN, 1968/69: p. 17).
Podemos perguntar, então, que gozo captura? Captura esse mais de gozar,
esse excesso de gozo que é recuperação de uma perda, de uma renúncia prévia ao
gozo.
84
Segundo Rabinovich o primeiro passo para estabelecer o conceito de mais de
gozar, é o conceito de renúncia ao gozo, como sua condição prévia. (RABINOVICH,
2004: p. 13)
Lacan nos primeiros anos de seu ensino, ao promover a noção de gozo a um
lugar central da reflexão analítica, distingue essa dupla articulação do prazer/desejo.
A oposição entre gozo/desejo, central em Lacan, tem, pois, raiz hegeliana. Segundo
Braunstein, “Lacan lê Freud com uma faca afiada na pedra de Hegel”. p. 17
Os objetos de captação do gozo são os objetos mais-de-gozar, segundo
Rabinovich, constituem um extenso cardápio para o consumismo onde a
subjetividade humana praticamente submerge, capturada aos semblantes que se
multiplicam em progressão geométrica. Nesse contexto a produção de objetos, de
gadgets que cumprem a função de assegurar um gozo para todos e,
conseqüentemente, de assegurar a manutenção de zonas nas quais o sujeito viva
como todos os demais, consumindo grifes, objetos de brilho efêmero como carros
importados, celulares, jatinhos, que sustentam a ilusão de realizar o impossível e
conseqüentemente resolver a questão da divisão subjetiva, como uma solução da
falta-ser que habita o sujeito.
Na contemporaneidade a droga alcançou status de mercadoria, um produto
oferecido pelo capital ao consumidor.
De fato, nessa época contemporânea, o discurso do capitalista que produz o
sujeito-gadget como solução do falta-ser que habita o sujeito, acoplado ao discurso
da ciência que promove um saber especialista como solução pragmática do
problema da verdade, realizam numa expulsão-anulação do sujeito do inconsciente.
Os novos sintomas configuram-se efetivamente como um efeito desta expulsão,
sendo produtos específicos do discurso capitalista em seu enredamento espectral
com o discurso da ciência. Dentro dessa perspectiva, o fenômeno clínico da
toxicomania poderia ilustrar paradigmaticamente como o sintoma seria ao mesmo
tempo, o efeito de uma oferta de mercado e o efeito de um avanço do saber
científico-tecnológico uma produção industrial da substância droga. (RECALCATI,
M., 2002).
Alguns autores como Melman, Miller, Eric Laurent e outros, que sustentam a
idéia de que estaríamos diante de uma nova economia psíquica que segue em
paralelo à economia do mercado vigente no estágio avançado do capitalismo.
Estaríamos vivendo a emergência da passagem de uma cultura fundada no recalque
85
do desejo e, portanto, de uma cultura da neurose, para outra que recomenda a livre
expressão e que fomenta a perversão. A passagem de uma cultura da renúncia para
outra que sustenta a exibição de gozo. Esta mutação implica em dificuldades e
sofrimentos diferentes e traduz-se na nova feição da clínica psicanalítica hoje. O que
se via na clínica psicanalítica com mais freqüência era o sujeito buscar formas de
elaboração do conflito inerente ao desejo, hoje procura-se o analista para falar do
gozo excessivo, como sobreviver a ele.
Entretanto, apesar de citá-los cabe-nos, aqui como estudiosos e profissionais
da clínica psicanalítica, discordar dessa visão radical, que de uma forma mais
reducionista, acabaria por reduzir todos os nossos pacientes a uma grande massa
de sujeitos psicóticos ou perversos. Como se, não tivéssemos mais sujeitos
divididos, neuróticos, atravessados pelo recalque, pela falta como estruturante do
sujeito estaríamos todos inseridos em duas estruturas clínicas, psicose ou
perversão. Onde estariam os neuróticos, os sujeitos divididos, que sofrem o malestar cultural? Lacan diz que não existe outro mal-estar, senão o mal-estar da
cultura. (LACAN, 1959-1960).
Seríamos então, todos loucos? Mas, como escreveu Lacan na parede de sua
sala de plantão: “Não fica louco quem quer”. [...] “não podemos esquecer que a
loucura é um fenômeno do pensamento” (LACAN, 1981: p. 163 e 177).
O movimento que anima o que nós podemos chamar de ensino de Lacan
quanto à doutrina do gozo tem inicio no Discurso de Roma, ou seja, relatório do
Congresso de Roma, realizado no Istituto Di Psicologia Della Universitá Di Roma –
em 26 e 27 de setembro de 1953, onde Lacan toma como ponto de partida a
introdução do simbólico enquanto constituindo uma dimensão distinta da experiência
analítica e uma ordem própria de existência. Os paradoxos que se apresentam nas
relações dos conflitos simbólicos e as fixações imaginárias dominam esse primeiro
momento de comunicação concebida como intersubjetiva e dialética. Esse ponto de
partida de Lacan fixou, por longo tempo, o que se imaginou como sendo a base, o
núcleo e mesmo a totalidade de seu ensino.
Nesses primeiros anos do ensino de Lacan, o inconsciente aparecia ora como
linguagem, ora como palavra. 0ra o acento é colocado sobre o que ele comporta, ora
sobre o discurso que ele emite, que ele constitui, a tal ponto que o inconsciente pôde
ser qualificado por Lacan de sujeito.
86
O que advém da técnica da decifração do inconsciente, que justifica toda essa
extraordinária montagem comunicacional e estrutural e, depois, por outro lado, a
teoria das pulsões. Lacan privilegia a decifração na medida em que ela provém do
simbólico, que supõe, então, a diferença entre significante e significado e que acaba
por se alojar em uma estrutura de comunicação.
Há toda uma parte da clínica de Lacan, que consiste em atribuir um certo
número de fenômenos às rupturas da cadeia simbólica e as suas emergências de
gozo imaginário. Desta forma, sua leitura do acting out extraída da experiência de
Ernest Kris, é atribuída à emergência de uma relação oral primordialmente cerceada,
quer dizer, a um elemento de gozo imaginário. Onde prevalece a pulsão escópica a
“comer com os olhos” o cardápio ao sair da sessão de análise. Em Lacan, não falta,
com efeito, a lembrança de que o imaginário serve de material ao simbólico e,
particular, que serve de material ao sintoma, que é inserido no simbólico, que o
simbólico age sobre ele.
Ou ainda, no Seminário 4, onde se dedica a mostrar, de maneira repetitiva, o
aparecimento, na experiência, de perversões transitórias que são regularmente
consideradas como emergências de gozo imaginário, aí onde a elaboração simbólica
falha ou fracassa. É ainda a esse mesmo paradigma que se deve relacionar a
primeira fórmula lacaniana do supereu como figura obscena e feroz. O supereu é,
nesse momento, para Lacan, o que emerge de um tal fracasso simbólico e toma a
figura do gozo imaginário.
De uma maneira geral, é quando a cadeia simbólica se rompe que, a partir do
imaginário, os objetos, os produtos, que os efeitos de gozo proliferam. Tudo que, em
Freud, é, propriamente falando, libidinal, é imputado ao gozo imaginário como
obstáculo, como barreira. O que faz com que Lacan apresente o eixo do gozo
imaginário em posição transversal ao eixo simbólico, como obstáculo ou barreira à
elaboração simbólica.
Esse primeiro momento de estudo sobre o gozo, o imaginário é, certamente, o
que permanece fora da apreensão simbólica, enquanto que, por outro lado, Lacan
acrescenta sempre que esse imaginário é, ao mesmo tempo, dominado pelo
simbólico.
Mas, no início de seu ensino, nós só encontramos isso, que os elementos
imaginários são susceptíveis de uma reapreensão simbólica. Essa extraordinária
operação praticada sobre o texto de Freud - a imaginarização do gozo - encontra-se,
87
assim, acompanhada e, progressivamente, deslocada, superada pela transposição
do imaginário no simbólico.
O gesto inaugural, liberador, de Lacan realiza-se sob a bandeira da nãorelação entre o imaginário e o simbólico. Ele resgatou, de maneira inesquecível, a
ordem simbólica em sua autonomia e ensinou aos analistas que existia alguma coisa
como a lógica, abrindo mão de toda referência ao gozo do corpo, para estabelecer
suas leis, para responder aos princípios e para condicionar, do mesmo modo, o que
cada um pode dizer.
Com essa enorme reserva imaginária e, em seguida, num segundo movimento,
Lacan mostra a consistência e a articulação simbólica do que é imaginário.
Por exemplo, a transferência é, num primeiro tempo, relacionada ao gozo
imaginário e se encontra, num segundo tempo, deslocada para o eixo simbólico, que
podemos chamar de significantização do gozo.
Onde está o gozo então? Ele está essencialmente repartido entre o desejo e
o fantasma. De um lado ele é desejo, quer dizer, significado da demanda
inconsciente. A partir desse ponto de vista, parece justificável escrevê-lo assim: a
pulsão, como demanda inconsciente em posição de significante, e o desejo em
posição de significado.
O gozo, por um lado, não é outra coisa que o desejo, é, ao mesmo tempo,
desejo morto. É isso que constituí ainda mais o dever do segundo termo, onde
Lacan inscreve o gozo, a saber, o fantasma que concentra tudo que o gozo
comporta de vida. Esse fantasma comporta a vida, o corpo vivo, pela inserção do
pequeno a como imagem incluída em uma estrutura significante, imagem de gozo
captada no simbólico. Esse pequeno a conserva todas as suas pregnâncias
imaginárias e concentra o ápice mesmo do libidinal ligado ao vivo. Do lado do sujeito
barrado, nós temos, ao contrário, um ser de morte porque ele é somente função
significante.
Caso extraído de uma obra literária (PILLE, L., 2003)23: Jovem parisiense,
sem encontrar limites para o prazer, vive o angustiante vazio do excesso de gozo.
Hell é o retrato sincero e devastador da juventude rica, fútil, arrogante e consumista
de Paris, que preenche suas vidas com sexo, álcool, drogas e roupas de griff. Hell,
pseudônimo da narradora, descreve seu cotidiano, vivido em badalados restaurantes
23
PILLE, Lolita. Hell Paris. Tradução de Júlio Bandeira. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2003.
88
de luxo, bares e boates, e motéis Vips, passeios em Porsches, Ferraris e jatinhos de
amigos. O livro de Lolita Pille/Hell é um tipo de obra literária que está aparecendo no
mercado com muito êxito e retrata a história da classe alta francesa que vive imersa
na cultura do consumo; consumo de objetos, de marcas, de tóxicos, de casos
amorosos. Hell define-se, logo na primeira frase do livro, como “uma putinha
daquelas mais insuportáveis, da pior espécie”, considerando-se “o símbolo manifesto
da persistência do esquema marxista, a encarnação dos privilégios, os eflúvios
inebriantes do Capitalismo”. Seu único credo: “seja bela e consumista”. Faz amor
sem amor e resume a vida assim: “Entrei numa boate aos 14 anos e nunca mais
saí”. Todos os sonhos que o dinheiro pode comprar estão à sua disposição,
incluindo drogas legais e ilegais. “A gente toma Prozac como vocês tomam
Melhoral”. “Nos caímos de boca na noite e na cocaína, misturamos fumo com pó, pó
com ecstasy, crack e álcool”.
Essa personagem vive a vida na busca aflitiva do prazer e evitando, com uso
de drogas, a permanência em estados de angústia. E, por mais que seja cínica
diante da mediocridade que a rodeia, Lolita/Hell se recusa a assumir o papel de
pobre menina rica. Ela não abre mão dessa vida, mordida pela engrenagem infernal
da noite: “Não vou parar de sair. O que iria fazer com meu guarda-roupa Gucci?”
Hell é muito rica, faz parte de 0,01% da população mundial que vive gastando
enquanto os outros 99,9% trabalham. Hell nasceu em um mundo particular, o qual
nos interessa averiguar melhor. Nessa ode do consumo, do gozar a qualquer preço
e da exibição do gozo, Hell fez um aborto, sai desta perda sem luto aparente, logo
depois em confronto com a uma loja de roupinhas de bebê, ela sente um mal estar
súbito e só então, pode identificar o início de um luto.
Após este episódio, a jovem bela, rica e deprimida se apaixona por um rapaz
tão belo, rico e deprimido quanto. O casal perfeito convive durante seis meses uma
lua de mel repleta de viagens, presentes, mas sem as drogas e em alta velocidade.
E, de forma previsível a nossa personagem concorre para o fim do relacionamento
com o homem que ama. Em desespero, o pobre rico tenta acompanhar o ritmo
frenético da amante entre drogas, danceterias, jantares e compras, coisas que se
revertem contra eles mesmos.
O relacionamento acaba e ela, de forma bem previsível, redescobre o amor
por ele. Os dois vão tentando se esquecer e se matando lentamente entre as
drogas, as danças, as compras, os encontros falsos, sexo de risco.
89
O rapaz, Andrea, morre pelo excesso de velocidade, melhor morre de uma
vez só e rápido. A moça Hell continua viva, morrendo aos poucos, se degradando
com o excesso e trepando com aqueles que não são de sua classe e que ela gosta
de humilhar.
Os dois, o perverso que gostava de seduzir as meninas e largá-las e a
putinha que gostava de se drogar, transar e rondar as lojas de marca são os
personagens
perfeitos
para
discutirmos
os
paradigmas
da
nossa
contemporaneidade.
Na contemporaneidade, com o perfil do indivíduo hipermoderno de
(LIPOVETSKY, 2004: p. 22), em qualquer cidade do mundo, podemos encontrar
personagens, como essa, que espelham os valores e o comportamento de uma
classe para quem o mundo se divide em duas categorias: a que encontra limite no
prazer e sabe que a satisfação pulsional é parcial, e a que, frente ao vazio
angustiante, vive o excesso de gozo.
O mundo das substâncias químicas também está dividido em duas
categorias: a das drogas ilícitas, aquelas que são encontradas nas ruas e que
tornam o sujeito um toxicômano, moralmente inferiorizado aos olhos do restante da
sociedade e aos seus próprios olhos; e a das drogas lícitas, os psicofármacos, as
drogas prescritas e que são utilizadas no campo clínico. Sendo que a Hell utiliza as
duas. Apesar das especificidades que as distinguem, ambas são formas de
“medicalizar” o sofrimento e ambas fazem parte de um mercado que se desenvolve
no capitalismo contemporâneo. O capitalismo avançado levou-nos a esta condição
do consumo exacerbado e compulsivo, na qual o gozo é enaltecido, e o desejo tem
perdido cada vez mais o seu lugar. (LACAN, 1969-1970)
Em termos contemporâneos o discurso do mestre moderno corresponde ao
discurso capitalista, desdobramento do discurso inicial do mestre, que amplia a
possibilidade de pensarmos uma modalidade discursiva que já se distancia daquela
do discurso do antigo mestre: a relação entre o capitalista e seu empregado. Há
diferenças entre o mestre antigo e o mestre moderno. Este novo mestre aprendeu a
gozar do objeto que o outro produz para ele. Nas palavras de Lacan:
“Alguma coisa mudou no discurso do mestre a partir de certo
momento da história (...) pois o importante é que, a partir de certo
dia, o mais-de-gozar se conta, se contabiliza, se totaliza. Aí começa
o que se chama de acumulação de capital”. (LACAN, 1969-1970: p.
169)
90
O que caracteriza o mestre moderno é a sua insaciabilidade. Caracterizam a
hipermodernidade na sociedade contemporânea: a velocidade, a globalização, a
virtualidade,
o
simulacro,
a
desisubjetivação,
des-historicização,
além
da
insaciabilidade. Lacan observa que não há capitalista que possa dizer que um
determinado número basta, que está tranqüilo e satisfeito, isso seria fazer uma
injúria ao jogo capitalista. (LACAN, 1969-1970: p. 169).
Vivemos o império generalizado da mercadoria, no qual tudo se consome. Se,
numa cultura, todos os objetos entram num circuito de trocas, o regime capitalista se
desenvolve selvagem no sentido da produção crescente e da ampliação do
mercado. Os objetos de captação do gozo constituem um extenso cardápio para o
consumismo, e a subjetividade humana praticamente submerge, capturada pelos
semblantes que se multiplicam em escala industrial. Nesse contexto, o mais-degozar constitui-se numa obrigação de gozar, num atrelamento ao gozo em ritmo de
consumo compatível com as condições do capitalismo, que busca sempre um amais, um gozar a qualquer preço. (MELMAN, 2003).
A nova economia psíquica segue em paralelo à economia de mercado vigente
no estágio avançado do capitalismo. Estaríamos vivendo a emergência da
passagem de uma cultura fundada no recalque do desejo e, portanto, de uma cultura
da neurose, para outra que recomenda a livre expressão e que fomenta a perversão.
A passagem de uma cultura de renúncia para outra que sustenta a exibição de gozo.
Essa mutação implica dificuldades e sofrimentos diferentes e traduz-se na
nova feição da clínica psicanalítica hoje. O que se via na clínica psicanalítica com
mais freqüência era o sujeito buscar formas de elaboração do conflito inerente ao
desejo; hoje procura-se o analista para falar do gozo excessivo e de como
sobreviver a ele.
Na contemporaneidade a droga alcançou status de mercadoria, um produto
oferecido pelo capital ao consumidor.
Questionamos a função ética dessas mercadorias, discutindo o estudo de
Kramer acerca do uso do Prozac na clínica. No trabalho em que propõe escutar o
Prozac,
Kramer
provoca
a
comunidade
psicanalítica
com
o
seguinte
questionamento: qual o critério para negar o produto, se este oferece êxito para um
padrão de sociabilidade mais atrativo, com uma postura de personalidade mais
otimista, com maior poder de decisão, com raciocínio rápido, com mais energia e
confiança em sua performance?
91
A discussão ética e estética está no sonho futurista do cientista de esculpir a
personalidade do paciente traço a traço, refazendo em detalhe o seu comportamento
social por meio de substâncias químicas. Nesses termos, o sentido moderno do eu
estaria radicado nesta afirmativa, da psicologia do eu para a estética química do eu.
Próteses químicas para escamotear a fragilidade humana. (FREUD, 1930: p. 104).
Outra questão a ser pensada diz respeito à diferença dessas drogas para as demais,
já que mesmo as drogas não prescritas clinicamente também cumprem uma
finalidade estético-eficientista demandada pela modernidade.
As discussões surgidas dessa realidade atingem uma questão ética que trata
do sofrimento humano; a psicanálise acredita que a verdade que está do lado do
sujeito do inconsciente pode libertar o homem; as teorias psicofarmacológicas
organicistas nascidas ao amparo dos novos fármacos salientam que a verdade e a
história não curam ninguém.
Para elaborar uma posição ética da psicanálise em relação à crença na
eficácia da química, recorremos a Lacan, que situa no discurso capitalista a
dominação mercantilista do desejo, ou seja, a sua domesticação. Para o mundo do
consumo, poucos são os valores que escapam à esfera do lucro, como o amor, a
preocupação com a verdade, a honestidade intelectual. Num contexto de extensão
do consumo e de renúncia pulsional, ocorre o aumento da exigência do gozo, que,
por sua vez, incrementa a insatisfação, retornando às formas de consumo. A
dimensão subjetiva é esmagada em uma cosmética do corpo e do eu para que o
sujeito possa se adaptar à lógica do consumo: “A obrigação de ser feliz”, onde todos
ficam submetidos a um laboratório farmacêutico de medicamentos que produzem as
pílulas da felicidade. Curiosamente patologizar a tristeza, sobre o terno depressão é
a maneira encontrada por muitos médicos da contemporaneidade para sair do
registro do sofrimento. (SILVESTRE, D., 1999: p. 115).
Se, entretanto, a palavra se apresenta como principal instrumento para o
trabalho psicanalítico, como abordar a questão do "discurso psicanalítico" com o
psicofármaco, na sociedade de consumo, que cria e incentiva essa demanda,
desemboca numa idéia de uma "psiquiatria cosmética", em que o uso do
psicofármaco em regra impede mesmo a emergência do discurso do sujeito.
DRESCO, R (1995).
Sabe-se que a ciência exclui o sujeito e se desentende em relação às
questões do gozo. Mas é o mercado, a sociedade de consumo, que oferece
92
massivamente esses objetos para prover satisfação, aplacar o mal-estar e instaurar
o reinado do prazer e da felicidade. Freud, em O mal-estar da civilização, foi preciso:
não há felicidade, mas satisfação.
Partindo da noção lacaniana de que o sujeito é sempre feliz, já que o gozo
que obtém corresponde silenciosamente à demanda do próprio sujeito, ainda que
sem o saber. (LACAN, 1993: p. 45). Lacan joga com o significante bonheur
(felicidade) e faz uma escansão, decompondo-o em bon (bom/boa), heur (hora,
encontro, esbarrão). A felicidade está no bom encontro, na boa topada, na boa hora.
O modo de vida contemporâneo, testemunhável por intermédio de Hell, entra
em contradição com a realidade obscura do excesso de gozo, leva-nos a apresentar
sucintamente a periodização do ensino de Lacan em relação ao conceito de gozo. O
avanço conceitual de gozo é inseparável da estrutura discursiva que domina a
época. No Seminário 5, Lacan dedica-se a evidenciar o gozo como intra-imaginário;
ele não é intersubjetivo, ele não é dialético, a libido tem um estatuto imaginário, “o
narcisismo envelopa as formas do desejo”. (LACAN, 1998). Depois, no Seminário 5,
vemos um deslocamento do conceito de gozo do imaginário para o registro do
simbólico. A imagem em função significante é articulada ao sujeito simbólico.
Querendo inscrever tudo no simbólico, ele acredita na possibilidade de expressar o
gozo no significante. É o momento do falo, que aparece como significante. É um
gozo mortificado, transposto para o significante; ele está querendo inscrever o gozo
no sentido; é o desejo significado. O gozo está repartido entre o desejo e o
fantasma. No Seminário da Ética, Lacan avança e localiza o gozo no impossível;
não está nem no imaginário, nem no simbólico. É um gozo atribuído à ordem do real.
O gozo fica reduzido a um lugar vazio, ou seja, situado no das Ding, a Coisa, como
equivalente que constitui a castração. O gozo passa a ser estruturalmente
inacessível, a não ser por transgressão. No Seminário 11 Lacan faz referência a um
gozo normal; trata-se de uma ruptura grande, e teremos o gozo fragmentado em
objetos de pequeno a, simplesmente a presença de uma cavidade, de um vazio.
Não se trata mais do gozo pela transgressão heróica, mas pela pulsão repensada,
por uma pulsão que realiza um ir e vir. O gozo parece responder à alienação do
sujeito sob a forma de objeto. Isso é o que Lacan chama de separação. O gozo nos
Seminários 16 e 17 é o gozo do discurso, o gozo da repetição, o gozo do mais-degozar. Lacan introduz aí o objeto pequeno a, e a repetição é fundada sobre um
retorno de gozo, a repetição visa ao gozo. Há uma equivalência entre o sujeito e o
93
gozo, logo “O significante representa o gozo para outro significante”. Lacan diz que
tudo que nos é permitido gozar o é por pedacinhos, “pequenas fatias” de gozo que
conferem o estilo próprio ao modo de vida e de gozar. No Seminário 20, mais ainda,
o significante é o signo do sujeito. A palavra não é concebida como significação,
mas como um modo de gozo. A relação sexual não existe, o que significa que o
gozo é idiota e solitário.
Os psicofármacos, fundamentalmente o Prozac, servem não somente para
atacar as depressões, mas, sobretudo, para oferecer uma felicidade química
acessível em farmácias.
A grande descoberta, então, é a de que um medicamento indicado para
depressão, no decorrer de seu uso, se revelou com poderes para transformar
pessoas e personalidades. O fundamento químico é simples:
Fluoxetina - inibidor serotonina
Serotonina - principal neurotransmissor do cérebro
Maior quantidade de serotonina disponível no organismo,
maiores as sensações de satisfação e bem-estar
Lançando mão dessa química, pessoas que não necessariamente sofrem de
depressão, mas são tímidas, têm tentado transformar sua personalidade em outra
mais alegre, mais participativa socialmente, mais decidida. Kramer só esqueceu de
incluir em seu estudo que personalidade não se pede no serviço delivery de uma
farmácia.
Kramer, com a Pílula da Felicidade, propõe libertar o homem do flagelo de
estados de angústia e outros sentimentos por ele considerados negativos. A
química, então, atuaria no sentido de imobilizar o homem, já que, a partir dessa
angústia, é possível sempre uma superação, conferindo, portanto conferindo à
existência humana uma possibilidade de subversão do sujeito. Já a química
pretende a manutenção no nível do imediato, do consumo da pílula. No entanto, nós,
analistas, sabemos que não há outro aparato maior do que o da linguagem e que o
sujeito é efeito do discurso e determinado pelo lugar que nele ocupa. Em A
interpretação da droga, Sinatra oferece abordagem pertinente para discussão do
estudo de Kramer "Escutando ao Prozac", ao situar o uso da droga para além do
objetivo de atuar na angústia, mas com efeito reparador. Já a psicanálise, na
questão da droga, busca encontrar o lugar que esta ocupa na economia libidinal do
94
sujeito. A partir do tratamento psicanalítico pode-se apostar na possibilidade de
alcançar o lugar - a verdadeira causa do desejo - que revela a função que a droga
encarna. Ao contrário, a utilização massiva do psicofármaco, homogeniza,
universaliza, abolindo a singularidade do sujeito, trazendo em si mesmo um risco
para a economia subjetiva do sujeito, já que o empurra para um ideal (estético) de
felicidade, à exemplo do que acontece com a busca de um ideal (estético) para o
corpo, precipitando o sujeito a uma exigência superegóica que se articula à
mortificação de um desejo feito de vontade de gozo. Raul. Para alguns autores,
como Dresco, mais cedo ou mais tarde haverá a irrupção daquilo que resiste à
química, localizado na galeria mais profunda da arquitetura psíquica, onde o
psicanalista renova sua aposta fundada na prática do particular, no singular de cada
caso. O que vemos em psicanálise é que: A castração significa que é preciso que o
gozo seja recusado, para que possa ser atingido na escala invertida da Lei do
desejo. (LACAN, 1998: p. 841). Algo ao qual se recusa, mas, pela via de uma
renúncia, pode retornar posteriormente, de outra forma, submetida à Lei do desejo.
Assim, com a introdução da Lei do desejo, a castração protege o sujeito do gozo do
Outro, não precisando mais oferecer sua própria castração para dela esse Outro se
servir, não ficando, portanto, reduzido novamente a objeto de gozo do Outro. Nesse
sentido, temos, o sujeito engajando-se numa relação de busca e não de encontro
com o objeto – objeto a – o qual decai na hora de sua separação com o grande
Outro. Estará, portanto, destinado a sempre buscar um encontro falho, esquivandose de um encontro pleno e mortal. A questão da toxicomania poderia entrar
exatamente nesse momento de evitamento da castração, uma vez que ela poderia
ser uma tentativa de anular a perda do objeto desde sempre perdido, por parte do
sujeito. Na drogadição, a economia de gozo do objeto, imaginariamente, apresenta
um caminho de satisfação primária da pulsão. Ou seja, poderíamos pensar que a
própria droga poderia funcionar para o sujeito como um parceiro, na função de
suplência daquilo que não há na relação sexual, substituindo dessa forma o amor,
outro parceiro possível para ele.
Lacan em seu Seminário 20 diz que é do amor que devemos esperar essa
função: O que vem em suplência à relação sexual é precisamente o amor. (LACAN,
1958: p. 62).
O amor, afirma Lacan, certamente faz signo, e ele é sempre recíproco (..) É
mesmo por isso que se inventou o inconsciente - para se perceber que o desejo do
95
homem é o desejo do Outro. (LACAN, 1958: p. 12). [E o amor?] o amor demanda o
amor. Ele não deixa de demandá-lo. Ele o demanda...mais...ainda.
Mas, por mais que não se abra mão dessa vida, mordida por essa
engrenagem das drogas, vemos que ainda é possível decifrar a si mesmo neste
admirável mundo da estética de mercado. Não se pode negar que a palavra final e a
saída última cabem aqui ao sujeito ou, antes, à insondável decisão do ser (LACAN,
1998: p. 177) ou escolha da neurose (FREUD, Carta 125. p. 299).
O sujeito transformado pela análise se definirá por nova relação com a
castração e com a pulsão. Lacan não hesitou e mais uma vez evocou esse sujeito
transformado pela análise com o termo, muito forte, metamorfose. (SOLER, 1998: p.
391).
A liberdade, o conforto, a qualidade e a expectativa de vida não eliminam o
trágico
da
existência;
pelo
contrário,
tornam
mais
cruel
a
contradição.
(LIPOVETSKY, 2004: p. 9).
Será que nos podemos pensar que a nossa personagem teria colocado um
limite ao gozo, frente à morte do seu namorado, a perda de seu bebê e a publicação
de seu livro?
Para abordar os sintomas da contemporaneidade – especificamente as
toxicomanias, parto do campo do gozo e da teoria dos discursos de Lacan. O que
será problematizado neste estudo será a questão das estruturas discursivas do
sujeito toxicômano e a sua forma de gozo, não é mais as estruturas clínicas a que
esse sujeito pertence que nos interessa e sim o seu modo de gozo. O sintoma, como
sabemos, é um modo de gozo; o sintoma é um investimento libidinal da articulação
significante no corpo, por essa razão é um modo de gozar do saber do inconsciente
da articulação significante.
Freud define o prazer como o nível mais baixo de tensão. Lacan inicialmente
define, o princípio do prazer de Freud como Lustprinzip.
“O universo, é uma flor de retórica. Este eco literário poderia talvez ajudar a
compreender que o eu pode ser também flor de retórica, que brota do vaso do
princípio do prazer, que Fred chama Lustprinzip, e que eu defino como o que se
satisfaz com o blá-blá-blá”. (LACAN, 1972-73: p. 77)
Lacan diz que é a fantasia que regula o prazer própria do desejo, o que faz a
mediação entre prazer e desejo é a própria fantasia. A fantasia captura o prazer que
96
processegue na via do desejo, sob a forma de dor, porém é uma dor que de certo
modo produz prazer. A fantasia é o que faz a medição entre prazer e desejo.
Essa dor é uma dor pensada da qual se pode gozar, ponto em que se
inscreve a função mediadora da fantasia, entre prazer e seu além.
No Seminário 7, a posição entre gozo e o mais de gozar: O termo mais de
gozar foi criado por Lacan a partir da categoria marxista de mais-valia. Ela reflete
que em um certo nível, há uma troca de igual para igual: eu vendo o meu trabalho,
eu compro o seu.
Há um suplemento que eu ponho no bolso quando eu compro, há contudo
mais valia. Esse suplemento é de algum modo, a essência o próprio regime que se
chama capitalismo. No Seminário 20 (1972-73) introduz, o gozo por toda parte. É a
perspectiva que Lacan desvalorizado como o reino do principio do prazer
(Lustprinzip) e nessa perspectiva é revalorizado com a outra satisfação – a
satisfação que se satisfaz com o blá-blá-blá, não é outra coisa senão o que
anteriormente, era desvalorizado com a aliança entre prazer e o simbólico em
relação aos extremos do gozo. Trata-se da satisfação que sustenta a linguagem. A
partir do Seminário 20, Lacan chamará de satisfação de gozo. “O inconsciente é que
o ser ao falar, goze”. (1972-73). Lacan começa nesta época a se referir ao falasser,
do ser falante, que se opõe, termo a termo, à falta-a-ser. Pode-se dizer que o
falasser introduzida por Lacan para substituir a categoria do sujeito. No nível da fala
há uma relação significante, no nível sexual não há relação significante. Porém o
identificar-se com o sintoma não é igual ao identificar-se com um significante. Ele
está mais próximo de um: “eu sou como eu gozo”. O toxicômano goza desse estado
extremo de tensão elevado até a dor e o sofrimento no momento de abstinência da
droga, e no confronto com seus estados de encontro com a droga que o leva ao
prazer extremo ao nível mais baixo de tensão, quase estado de Nirvana, do desejo
de nada. As toxicomanias é um sintoma social. Mas pode-se falar do sintoma social
a partir do momento em que a toxicomania são articulada no discurso dominante de
uma sociedade em uma dada época. (MELMAN, 1992: p. 66)
A civilização traz um mal estar já sublinhado por Freud e enunciado neste
trabalho, às tentativas de remediar esse mal-estar inclusive com a constituição da
neurose no sujeito.
97
A teoria do gozo é o fundamento inconfesso da transferência, que é
ao mesmo tempo resistência e motor do tratamento, ímã que atrai a
libido e abismo insondável do qual terá de se livrar para que um final
de análise seja possível. Em suma, a teoria da libido é a teoria do
gozo. (BRAUNSTEIN, 2007: p. 41).
Melman chama a atenção para a eminência da relação transferencial dos
pacientes toxicômanos no tratamento psicanalítico, por denunciar o que assim nele
se encontrou abalado, fustigado pelo uso, pela adoção desta solução que é a droga.
Entretanto, pelo que podemos verificar em nossa práxis que o toxicômano na
transferência, articulamos com a teoria e lamentavelmente obtivemos uma
experiência contrária a essa afirmação. O paciente toxicômano apresenta maior
dificuldade em sustentar uma relação transferencial analítica dentro da visão
lacaniana, a medida que verificamos a dimensão transferencial lacaniana apreende
duas visões diferenciadas nesse processo: uma decorrente da dimensão imaginária
e a outra da dimensão simbólica. As concepções freudianas da transferência como
“falsas concepções”, “isca de falsidade” ; ou mesmo as concepções lacanianas
sobre a transferência como “engodo”, ou como “semblante” do analista; não são
falsas e indicam com precisão a parte desse fenômeno que se refere à vida
amorosa, porém limitam-se à coordenadas imaginárias da transferência; deixando
escapar a dimensão simbólica da transferência que é justamente a dimensão que
nos leva a discordar do ponto de vista do Melnam. Vejamos porque:
Na dimensão simbólica, a transferência como manifestação do falasser, não
pode desconhecer que no dispositivo analítico não há dois sujeitos, que o analista
não opera na condição de sujeito, mas antes na condição de objeto ou seja, de
objeto causa do desejo, como objeto a, que ocupa um lugar – o lugar da fala – que
oferece ao analisando, a fim de que ele possa situar nele o objeto de sua fantasia e
reconhecer seu desejo, mas é justamente essa a dificuldade do toxicômano, o objeto
de sua fantasia está ao seu alcance por outra via, pela via da droga. A transferência
engloba o paciente e o analista; ela não é uma situação interpessoal, mas uma
situação intersubjetiva. (VIVÈS, 2006: p. 121) A transferência não é nada de real no
sujeito a ao ser o aparecimento, em um momento de estagnação da dialética, dos
modos permanentes pelos quais ele constitui seus objetos. Na experiência analítica,
evidencia-se o caráter fundamental e estruturante, na relação de sujeito a sujeito,
quando qualifica, ele mesmo, o que ele opera, de dialética da intersubjetividade.
98
(LACAN, 1951: p. 215). Intervenção sobre a transferência. Essa intersubjetividade é,
evidentemente, corrigida pela dessimetria que Lacan introduz, progressivamente, na
relação de sujeito a sujeito. Os dois sujeitos em função não são equivalentes, já que
o analista-sujeito, por sua vez, escuta essencialmente, pontua, interpreta e, por isso,
decide o sentido. Daí, a introdução, na comunicação, da instância do Outro
maiúsculo, e mesmo do Outro absoluto, posição com propriedades distintas
daquelas do sujeito que não encontra, aí, seu correlato idêntico. O que é então
interpretar a transferência? Nada além de preencher com um engodo o vazio desse
ponto morto. Mas esse engodo é útil, pois, mesmo enganador, reativa o processo
(LACAN, 1951: p. 224-5). Quando a transferência de Freud à Lacan nos possibilita
refletir sobre os passes e os impasses na direção do tratamento:
A palavra Übertragung - Transferência - foi utilizada por Freud pela primeira
vez em Estudos sobre a Histeria (1893-1895), quando no sentido da clínica quis
designar que o paciente transfere para a figura do médico algo vivido na infância, ou
tempo passado, que estava fora de seu conhecimento atual. Em alemão, o termo
possui uma plasticidade e reversibilidade: aquilo que se busca, traz e deposita pode
ser levado de novo embora para outro lugar e outro tempo. A composição do termo,
ürb indica movimento em direção a algo; ação de cobrir algo e o deslocamento de
um local para outro. Além disso, pode indicar uma ação excessiva, bem como a
repetição/ revisão da ação anterior. (HANNS, 1996: p. 412). Significa, portanto, em
psicanálise, o processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre
determinados objetos, no quadro da relação analítica.
Esse fato clínico foi inicialmente tratado por Freud como uma interferência
no andamento do tratamento psicanalítico, como perturbador da relação médicopaciente e prejudicial ao desenvolvimento do trabalho, isto é essencial para marcar o
paradoxo que se exprime muito comumente nesse tema e que pretendemos
desenvolver nesse trabalho, a partir do estudo de alguns casos clínicos clássicos de
Freud fazendo um paralelo com a teoria lacaniana que marca uma diferença neste
aspecto.
A palavra Übertragunswiderstand – foi utilizada por Lacan que diz o seguinte:
“O que Freud nos indica, desde o primeiro tempo, a transferência é
essencialmente resistente, Übertragungswiderstand. A transferência
é o meio pelo qual se interrompe a comunicação do inconsciente,
pelo qual o inconsciente torna a se fechar. Longe de ser a passagem
99
de poderes ao inconsciente, a transferência é, ao contrário, seu
fechamento”. (LACAN, 1964: p. 125).
No caso clinico de Anna O. (1880 a 1882) - Breuer desinteressou-se pelo que
ele próprio havia descoberto, pois, por obscuras razões, nada disso se sabia na
época, sentira grande culpa face às súbitas manifestações transferências de sua
paciente e abandonara a "chave" da questão. Freud discorre largamente sobre a
incapacidade de Breuer para enfrentar a transferência sexual e revela o lastimável
evento que encerrou a análise de Anna O, .FREUD, (1893-1895) P.32.
“Se há um mérito em ter dado ao mundo a Psicanálise, ele não me
pertence... Eu era ainda estudante... no momento em que um médico vienense o
Doutor Breuer, pela primeira fez uso desse método com uma jovem histérica”.
(FREUD, 1893-1895: p. 35).
A transferência é classicamente conhecida como o terreno em que se joga
a problemática de um tratamento psicanalítico, pois são a sua instalação, as suas
modalidades, a sua interpretação e a sua resolução que o caracterizam. Os Estudos
sobre a Histeria costumam ser considerados como o ponto de partida da psicanálise,
em que surgiram os fatos mais importantes das realizações de Freud ,além da
invenção do primeiro instrumento para o exame científico da mente humana e da
existência de uma mente inconsciente, também demonstram e superam uma série
de obstáculos, como -"a resistência "dos pacientes ao tratamento, sua relutância em
cooperarem na própria cura, abandonar a técnica da sugestão deliberadas e confiar
no fluxo das "associações livres", confiar no novo recurso técnico da "Interpretação";
todas essas questões que ainda estavam por desenvolver-se, permanecem em
aberto. No entanto, quanto à "transferência”, Freud já havia vislumbrado sua
impressionante natureza e talvez Já tivesse começado a reconhecer que ela se ira
revelar não só um obstáculo como também mais um instrumento fundamental da
técnica psicanalítica.
"É medico quem se sente médico e a quem os enfermos consideram como
médico, e é analista quem se sente conhecedor de resistência e da transferência e
com quem as pessoas vem fazer análise e tratar suas resistências e suas
transferências”. Groddeck, G.
Em 1895, Freud faz uma primeira associação entre resistência e
transferência: a transferência para o médico se dá por meio de uma falsa ligação.
(FREUD, 1893-1895: p. 292). Essa é a primeira vez que aparece a palavra
100
"transferência" no sentido psicanalítico e nesse momento Freud inaugura o sentido
enigmático que acompanharão seu pensamento, apontando para a questão do
“engano" e nesse momento faz menção a primeira associação entre resistência e
transferência. A questão toma-se, desde já, como enfrentar a resistência, tomando o
“obstáculo consciente para o paciente”. A transferência era considerada o pior
obstáculo que poderia ser encontrado em qualquer análise relativamente séria.
(FREUD, 1893-1895: p. 291).
O amor transferencial em face da resistência é a condição de possibilidade
para estruturar-se a situação analítica e é também o efeito da transferência em sua
face de repetição da repetição do já vivido, repetição criadora em busca de nova
solução, repetição do motor pulsional em ação. Pela via do amor, o eixo da
compulsão à repetição e o excesso pulsional se fazem presentes. Aquilo que surge
no efeito da transferência se opõe à revelação. Freud reconheceu desde cedo, que
os fenômenos transferências eram ambivalentes por natureza. Empregou os termos
"transferência positiva" para designar os afetos e atuações amorosas do paciente
em relação ao médico (ligadas ao conceito de pulsão de vida) e transferência
negativa. (ligadas a pulsão de morte) para classificar as reações transferências de
hostilidade erógena , formadas e vividas no âmbito do processo analítico. É
importante ressaltar que os conceitos derivados da transferência só podem ser
situados em Psicanálise a partir da conceituação mais ampla e especifica do
conceito de Inconsciente.
Podemos dizer que transferência em Psicanálise é um modus operandi, a
mola mestra que conduz ao Inconsciente e que na sua conceituação sofre
transformações desde Freud até Lacan. No período que vai da interrupção da
análise de Dora 31.12.1900 até a publicação do caso (1905), Freud junto a Fliess,
elabora a questão da transferência como fenômeno clínico. Chega à descoberta da
transferência como elemento essencial e inevitável ao cenário analítico, produzido
pela neurose do paciente. A transferência passa a constituir o principal condutor à
rememorização e é a atualização de "algo" que teria sido recalcado na história do
paciente. Aqui, Freud ainda se encontrava no lugar do analista que lê e trata, o
sintoma transferencial como um elemento que interfere e prejudica o tratamento,
embora já o reconheça como a própria essência do tratamento em direção à cura...
A partir de 1910 e até 1915, principalmente nos trabalhos sobre a técnica e nos
escritos metapsicológicos, Freud já não menciona mais transferência isoladamente.
101
Ficando cada vez mais presente à dialética da relação transferencial. Freud afirma
que, o que se repetirá em análise, é algo que ele nomeou de cliché. É a maneira de
ser do sujeito, naquilo que ele tem de próprio de inconsciente. Aqui, temos a primeira
tentativa de uma explicação sistematizada do conceito de transferência.Quando
Freud compreende que a transferência que deve ser encarada como veiculo de cura
e condição de sucesso do tratamento, está sendo o maior obstáculo, ele descobre o
mecanismo da transferência como efeito e expressão da resistência, a maior arma
da resistência (a intensidade e a persistência da transferência dependem da
resistência). E, isso ocorre porque a libido entrou num curso regressivo e resolveu as
imagos infantis do individuo.
“O tratamento analítico procura rastrear a libido retirada em seu
esconderijo, torná-la acessível à consciência e, enfim útil à realidade.
Sendo que esse momento está fadado a irromper um combate; todas
as forças que fizeram a libido regredir erguer-se-ão como resistência
ao trabalho de análise, a fim de conservar o novo estado de coisas”.
(FREUD, 1912: p. 137).
Freud mostra que a capacidade de amar e odiar de cada indivíduo
caracteriza-se por uma repetição constante ao longo de toda a vida que lhe é
inconsciente. Hoje, diríamos seu fantasma, segundo a concepção lacaniana.
O fator de resistência tornou-se uma das pedras angulares da sua teoria.
Com as modificações que Freud introduz em sua técnica, iniciada com o método
catártico, renuncia à sugestão, abandona a hipnose e encontra um substituto
satisfatório nas associações do pacientes. E, na coleta desse material, surgem
lacunas na memória do paciente, amnésias que são resultados de um processo que
denominou repressão, cujo motivo encontra um sentimento de desprazer. As forças
psíquicas que ocasionaram essa repressão podem ser detectadas de acordo com
ele na resistência que se opera contra a recuperação das lembranças perdidas.
As idéias afastadas por toda espécie de escusas são manifestações psíquicas
reprimidas. Esta luta entre o médico e o paciente, entre o intelecto e a vida instintual,
entre a compreensão e a porta de ação, é travada, quase exclusivamente, nos
fenômenos da transferência. É nesse campo que a vitória tem de ser conquistada vitória cuja expressão é a cura permanente da neurose. (FREUD, 1912: p. 143).
Em 1913, no artigo “Sobre o Inicio do Tratamento" Freud menciona a
necessidade de um tratamento de ensaio, alegando razões diagnósticas e em
102
defesa da própria credibilidade do método, e, mais tarde, Lacan vai chamar de
entrevistas preliminares, porta de entrada para o sujeito que busca análise. Nessas
entrevistas, existe uma função transferencial que pertence ao analisando e que deve
ser identificada pelo analista para que possa determinar ou não o ato de colocar
aquele paciente em análise.
Em 1914-1915.Freud chama a atenção para as questões com o manejo da
transferência e ressalta serem essas as únicas dificuldades realmente sérias que
psicanalista tem que enfrentar. De acordo com A. Quinet, a transferência não é do
analista, mas o do analisado. A função do analista é saber utilizá-la. (QUINET,
1991).
No caminho pelo qual o psicanalista deve seguir, cujo modelo não existe na
vida real, é tão desastrosa a satisfação dos seus anseios amorosos, quanto a sua
supressão total e desagradável. A questão da técnica, não se apresenta tanto como
decorrência de uma dada teoria, mas antes como resultado da formação dos
psicanalistas e dos problemas institucionais da didatização dessa formação. O
analista, sem ignorar que é a ele que o paciente se dirige, responde de um outro
lugar, mantendo sua, posição de metáfora, que garante a dessimetria da situação
analítica. Se evocarmos esse amor, ao instituir o tratamento analítico a fim de curar
a neurose, é evidente que não devemos tirar qualquer vantagem pessoal, disto. A
disposição da paciente não faz diferença; simplesmente lança toda responsabilidade
sobre o próprio analista. Um psicanalista não deve atender a demanda de amor de
sua paciente, se não de forma estritamente profissional, por mais que possa prezar
esse amor, tem que prezar ainda mais a oportunidade de ajudar sua paciente a
passar por um estágio decisivo em sua vida.
Tratamento psicanalítico baseia-se na sinceridade, e deverá ser levado a
cabo na abstinência, permitindo-se apenas persistirem os anseios que possam
efetuar mudanças, pois até que suas repressões sejam removidas, o paciente é
incapaz de alcançar satisfação real.
Vemos no texto de 1914 - Recordar, Repetir e Elaborar. que ele estende a
questão da transferência ao seu máximo, até fazê-la recobrir toda a dimensão da
cura analítica.
A ênfase, aqui, é na inevitável repetição dos elementos neuróticos, dentro do
processo analítico. Neste artigo, Freud ressalta: O que nos interessa, acima de tudo,
103
é, naturalmente, a relação dessa compulsão à repetição com a transferência e com a
resistência. (FREUD, 1914: p. 193).
É, nesse novo cenário que se vai travar a batalha decisiva na direção da cura.
O analisando, além de recordar vai traduzir em atos transferências inconscientes as
suas experiências internas. A cena analítica é dominada por uma repetição
permanente, na qual o analista é um dos pólos para o qual o discurso e os atos do
paciente convergem. A transferência é entendida como resistência, mas ao mesmo
tempo como condição sine qua nom para que a análise aconteça. Sem dúvida se
coloca aqui um dos paradoxos mais inquietantes da clínica psicanalítica. A forte
catexização e centralização da figura do analista apenas como objeto erótico
transferencial do Inconsciente do analisando substitui tanto o recordar, quanto o
repetir, como impede o elaborar. Fica o paradoxo de que é justo no plano da
transferência (como produção da relação analista-analisando) que se encontra o
caminho em aberto à rememorização, à repetição e a simbolização.
No texto de 1920, Mais Além do Principio do Prazer, Freud ao introduzir a
mudança da teoria pulsional e da postulação da compulsão à repetição (pulsão de
morte) recoloca a teoria de transferência como conseqüência pulsional, apresentada
também como expressão máxima da resistência à cura.
Podemos ver que nessa
época ele percebe que a neurose deixa de ser apenas algo fixado no passado
histórico do sujeito, que precisa ser rememorado e passa a ser aquilo que invade o
espaço analítico pela vivência transferencial, por meio do estabelecimento de uma
nova neurose, que ele denomina de neurose transferencial. A expressão neurose
transferencial designa mais do que uma atualização da neurose infantil. Também por
definição, o termo abrange a concepção de que o paciente revive em novas edições
e com novas variações sua neurose original. Entendida dessa forma, a transferência
age fortemente como resistência à produção de um campo analítico, e o lugar do
analista fica como se fosse a do objeto transferencial desejado ou recusado. A
impressão que dão é de serem perseguidas por um destino maligno ou possuídas
por algum poder demoníaco. O amor transferencial faz sentido e deixa de ter sentido
na relação analítica, trata-se de uma situação paradoxal. Em relação ao amor
transferencial, Freud afirma que não devemos satisfazê-lo e nem dizer que há
equívoco. Trata-se de um amor autêntico, embora se apóie num erro quanto à
pessoa, o que é próprio do amor. Assim, a cura psicanalítica vai realizar-se no
campo da transferência. Experiência difícil de ser vivida tanto pelo analisando
104
quanto pelo analista, devido tanto ao fascínio amoroso e à sedução quanto pela
hostilidade gerada pelo não atendimento à demanda de amor.
Assim a transferência não resulta de nenhuma propriedade misteriosa da
afetividade, e mesmo quando se trai sob uma aparência emoção, esta só adquire
sentido em função do momento dialético em que ela se produz. (LACAN, 1998: p.
224).
Lacan ao tratar da transferência divide a tarefa entre o analista e o analisando,
e diz: A arte de escutar equivale quase à de bem dizer. (LACAN, 1964: p. 119). Com
isso acentua a questão de que o analista deve esperar a transferência para começar
a dar interpretação, e aponta essa linha como divisória da boa e da má maneira de
conceber a transferência.
Lacan aponta para uma tese que subverte o de que se trata na transferência,
isto é, a presentificação da esquize do sujeito realizada aqui, efetivamente, na
presença.
“Apelar para uma parte sã do sujeito, que estaria lá no real, apta a
julgar com o analista o que se passa na transferência é desconhecer
que é justamente essa tal parte que está interessada na
transferência, que é ela que fecha a porta, ou a janela, ou o postiço,
como quiserem – e que a bela com quem queremos falar está lá
detrás, que só pede para reabri-los, os postigos. É por isso mesmo
que é neste momento que a interpretação se torna decisiva, pois é à
bela que temos que nos dirigir”. (LACAN, 1964: p. 126).
Lacan diz que o inconsciente é o discurso do Outro. Ora, o discurso do Outro,
que se trata de realizar, o do inconsciente, ele não está do lado de lá do fechamento,
ele está do lado de fora. É ele que, pela boca do analista, apela à reabertura do
postigo.
A crise conceitual da transferência que existe na análise concerne à maneira
como convém conceber sua função como um nó que nos incita a dar conta dele.
E essa transferência é admitida imediatamente como manejável pela
interpretação e portanto, se quiserem, permeável à ação da fala. (LACAN, 19601961: p. 175). O fenômeno de transferência é ele próprio colocado em posição de
sustentáculo da ação da fala.
Se, por outro lado, a transferência é a repetição de uma necessidade, de uma
necessidade que pode se manifestar, em certo momento, como transferência, e num
outro como necessidade, é claro que chegamos a um impasse, já que, aliás,
105
estamos o tempo todo dizendo que essa é uma sombra de necessidade, uma
necessidade já há muito superada, e que é por esta razão que seu desaparecimento
é possível. Na transferência, o sujeito fabrica, constrói alguma coisa. (LACAN, 19601961: p. 176).
“O amor, certamente, faz signo, e ele é sempre recíproco” (LACAN, 19721973: p. 12).
Hoje, se ainda existe especial dificuldade em propor definições de
transferência e de técnicas para seu manejo, é pela incompreensão da noção de
manejo da transferência trazida por Freud em muitas passagens de sua obra, como
a relação que implica em manejar, em ter nas mãos, man-ter uma relação balizada
entre verdade e poesia, que não decorre de um simples saber-fazer explícito e já
existente tecnicamente.
“Para Aristóteles, a tekhne, por excelência, é a poesia, permitindonos compreender a idéia lacaniana segundo a qual o inconsciente é
a poesia com a qual se faz história. O psicanalista, como o poeta,
deve, na difícil questão da transferência, situar-se entre Hefaístos, o
deus dos hábeis artesãos em duplicar, e Apolo, que preside as artes
e a literatura, autoriza a surpresa e permite a emergência do inaudito
e do inédito”.24 (VIVÈS, J-M. p. 128).
Os casos clínicos citados nesse trabalho de pesquisa ilustram a questão
transferencial, apresentando uma incidência maior de transferência interrompida ou
desviada e suas funestas conseqüências que nos fornecem modelos teóricos que
merecem profunda reflexão e certamente ajudarão a nos interrogar sobre a
importância do papel que desempenhamos como profissionais, admitindo que o
paciente toxicômano comparece com esse objeto droga, com um a mais no
tratamento, o que dificulta para ambos, tanto para o paciente quanto o psicanalista
estão no mesmo barco que não pode naufragar, pois necessitam estar vivos ao
terminar essa viagem, para que haja reconhecimento. Não é por acaso que os erros
cometidos foram sempre a propósito da transferência e da resistência, e que se fala
sempre em campo de combate, travar a batalha decisiva, terreno pantanoso, etc..
Para pensarmos sobre a transferência na relação analítica não podemos nos
esquecer de que se permitir ser esmagado pelo amor transferencial representa
muitas vezes uma resistência contra o processo de desenvolvimento. Lacan diz:
24
VIVÈS, Jean-Michel. Forma e Figura da Transferência. p. 128.
106
“A transferência não é nada de real no sujeito a não ser o
aparecimento, em um momento de estagnação da dialética analítica,
dos modos permanentes pelos quais ele constitui seus objetos. O
que é, então, interpretar a transferência? Nada além de preencher
com um engodo o vazio desse ponto morto. Mas esse engodo é útil,
pois, mesmo enganador, reativa o processo”. (LACAN, 1998: p. 224225).
À luz do trabalho desenvolvido, sobre a transferência, verificamos que duas
visões podem ser apreendidas, uma decorre da dimensão imaginária e a outra da
dimensão simbólica.
As concepções freudianas da transferência como “falsa
conexão”, “uma isca de falsidade fisgou uma carpa de verdade”. (FREUD, 1937: p.
296), ou as concepções lacanianas da transferência como um “engodo”, ou como
“semblante” do analista; não são falsas e indicam com precisão a parte desse
fenômeno que se referem à vida amorosa, porém limitam-se às coordenadas
imaginárias, deixando escapar a transferência como manifestação do falasser em
sua dimensão simbólica. Portanto, dar ênfase ao sujeito do analista é desconhecer
que a transferência não é uma relação entre dois sujeitos, que o analista não opera
na condição de sujeito, mas antes como “lugar da fala”, que ele oferece ao
analisando, a fim de que ele possa situar nele o objeto de sua fantasia e reconhecer
seu desejo. O sujeito do analista, no dispositivo analítico é o sujeito-suposto-saber. A
transferência engloba o paciente e o analista; ela não é uma situação interpessoal,
mas uma situação intersubjetiva. (VIVÈS, 2006: p. 125).
Os primeiros passos do paciente em transferência são no sentido de
constituir-se como objeto para o psicanalista, tenta balizar onde se situa o gozo do
analista para se tornar seu provedor.È justamente a desconsideração dessa
demandas decorrentes das relações imaginárias de engodo, de semblante que
operará no paciente um deslocamento manifesto pelo surgimento do “Che vuoi?”,
introduzindo-se assim a questão da causa do desejo.
Em síntese, o encontro analítico tanto é uma oportunidade como um grande
desafio, e o modo como analista e analisando lidam com suas interações
intersubjetivas. Todo o tratamento psicanalítico é uma tentativa de libertação do
amor reprimido que encontrou uma saída, muito escassa, no acomodamento de um
sintoma, o resultado terapêutico está na total dependência da transferência analítica.
A estrutura da demanda de amor na relação analítica baseia-se nesse engano
fundamental, ao convencer o outro de que ele tem o que pode nos completar, nós
107
nos garantimos de poder continuar a desconhecer, precisamente aquilo que nos
falta.
Podemos nos perguntar até que ponto o objeto droga dificulta essa passagem
da dimensão imaginária para a simbólica no tratamento analítico e torna-se um
passe ou um impasse em direção à cura, sabemos que é na clínica, que se dá essa
a aparição da verdade do sujeito. Falar dos impasses, numa situação em que o
estatuto da ambivalência, da duplicidade e das imprecisões prevalece, parece
coerente é bastante inerente à condição da prática clinica. E, quando podemos falar
de um passe? Passe no sentido de licença, permissão, de passagem, tal qual define
o dicionário Aurélio. O sentido do neologismo sobre o passe lacaniano, que inclui
normas de desconformidade, como uma nova forma de ver e de dizer o seu
processo de análise, tem tudo haver com o passe aqui empregado no sentido oposto
ao impasse, no título desse trabalho, pois trata-se do sentido de ter encontrado uma
saída nova, uma nova relação com a repetição ao se dar conta dela e ao elaborá-la;
o que não deixa de ser uma das condições básicas para o passante lacaniano,
propriamente dito, no final de análise.Uma tentativa de resposta poderá ocorrer
quando o paciente e o analista, cada um com suas discriminadas funções e seus
desempenhos nessa relação, tornarem possível a passagem pelas contradições e
pelas fantasias que o encontro da clinica suscita do desejo. O analista, prestando-se
a esse lugar do Outro para o sujeito, faz com que, através da associação livre, o
inconsciente se presentifique e possa ser decifrado pelo próprio sujeito. O sujeito em
associação livre, é um sujeito dirigindo-se ao analista cuja presença nas sessões é
condição sine qua non para fazer o inconsciente existir, quando se presentifica na
poltrona do analista. O inconsciente vai se situar nesse lugar (A) ocupado pelo
analista. Sua função é fazer existir o inconsciente, para que o próprio sujeito possa
encontrar as cifras do seu destino, seus significantes-mestres (S1). (QUINET, 2000:
p. 46).
A intervenção do psicanalista se origina nessa possibilidade de espanto.
“Se a experiência analítica está comprometida por ter obtido seus
títulos de nobreza do mito edipiano, é importante que ela preserve o
gume da enunciação do oráculo. E diria mais: nela, a interpretação
permanece sempre no mesmo nível, só continua sendo verdadeira
em função do que ela se segue, exatamente como oráculo. A
interpretação não é a colocação à prova de uma verdade que
decidiria por um sim ou por um não; ela desencadeia a verdade
como tal”. (LACAN, 1970/1971: Aula 31.01.71).
108
A interpretação, a partir disso, visa mais indicar, como faz o oráculo, a face de
não-senso sobre o qual o sentido singular se funda, do que desvelar a significação
de seus sintomas, de suas ações, de seus lapsos, de seus sonhos, de sua relação
com o analista.
Para Lacan o manejo da transferência é uma questão da análise. O analista
não precisa dizer a verdade, não tem que ser o outro do Outro. É de sua
responsabilidade assegurar as condições de possibilidade de retificação subjetiva
sobre a verdade do sujeito. O analista não deve analisar a transferência, o paciente
o fará. Ao analisar a transferência, o paciente vai desenvolver diferentes maneiras,
tentativas de se apropriar do Outro, por fim do saber do psicanalista, com o intuito de
reduzi-lo a um parceiro.
Quando se introduz a idéia de um contrato analítico, apresenta-se uma
encenação de uma fantasia. A fantasia reduz as outras pessoas a seus
semelhantes. Conforme esse paradigma o paciente acaba por descobrir, no final da
análise, como o semblante não é artifício, uma simulação e sim uma relação
particular, específica que torna possível o acolhimento do outro, dentro do que é
possível. Trata-se aqui de uma castração, antes do analista. O analista concernido
pela castração vem barrar o gozo do analisando e também redistribuí-los. A analise
assim apreendida se revela, então, como um saber fazer com a castração, um novo
agenciamento do inconsciente, de um desejo inédito. A partir daí, a psicanálise deixa
de visar à cura e passa a se constituir em um modo e uma via de reconhecimento da
verdade do inconsciente, inclusive no que ela comporta de insuportável e
perturbador.
Para Lacan a transferência trata-se da relação de amor, que eu lhes disse ser
construída pelo fato de que o sujeito da essencialmente o que não tem. (LACAN
(livro 5): p. 264).
O psicanalista, tal como o poeta, deve situar-se na difícil questão da
transferência situar-se como nos ilumina a poetisa Clarice Lispector, em Felicidade
Clandestina: na questão paradoxal do amor:
“Amor é quando é concebido participar um pouco mais. Poucos
querem o amor, porque amor é a grande desilusão de tudo o mais. E
poucos suportam perder todas as outras ilusões. Há os que se
109
voluntariam para o amor, pensando que o amor enriquecerá a vida
pessoal. É o contrário: o amor é finalmente a pobreza. Amor é não
ter. Inclusive amor é a desilusão do que se pensava que era amor. E
não é prêmio, por isso não envaidece, amor não é prêmio, é uma
condição concedida exclusivamente para aqueles que, sem ele,
corromperiam o ovo com a dor pessoal”. (LISPECTOR, C. ( ) : p.
55/56)
3.5
O PARADOXO DO GOZO
Feito esse percurso, sobre o conceito do gozo, podemos apontar para a
questão que queremos ressaltar sobre o paradoxo do gozo do toxicômano, partindo
do conceito de paradoxo do dicionário Aurélio da língua portuguesa: paradoxo :
conceito que é ou parece contrário ao comum, contra senso, absurdo, disparate,
contradição pelo mesmo aparência.
Qual seria, então, o contra senso, o absurdo, o disparate desse encontro do
objeto a com o objeto droga, no tratamento psicanalítico com o toxicômano? O que
elucidará esta questão é justamente, retomar o trabalho sobre o paradoxo do desejo,
na sua referência a um objeto impossível das Ding, a Coisa, ao objeto droga. A
dimensão paradoxal do desejo, vinculada a uma falta real do objeto, as formulações
freudianas sobre o “complexo do próximo” – apresentado no Projeto de 1895- de
onde Lacan pinça o terno das Ding, a Coisa fundamentarão o que desejamos
ressaltar nesse capitulo que é a relação do desejo e do gozo. O gozo, por um lado,
não é outra coisa que o desejo, é, ao mesmo tempo, desejo morto. Lacan inscreve o
gozo, a saber, o fantasma que concentra tudo que o gozo comporta de vida. Esse
fantasma comporta a vida, o corpo vivo, pela inserção do pequeno a como imagem
incluída em uma estrutura significante, imagem de gozo captada no simbólico.
Veremos que Freud trabalha para designar o desejo, dois ternos Wunsch que
significa voto ou desejo e Lust, que se traduz como apetite e prazer. Lacan aproveita
o Wunsch de Freud e baseia-se no Begierde (significa apetite, tendência ou
concupiscência25), cuja significação é extraída da Fenomelogia do Espírito, de
Hegel, que comporta a noção chave de reconhecimento: “Eu me reconheço a partir
de um outro, que serve de suporte para o meu desejo; isso quer dizer que eu o tomo
como objeto do meu desejo, negando como consciência”. (KOJÈVE, 1971).
25
Dicionário Aurélio da língua portuguesa, básico. Editora nova fronteira, (1988) P.167:
concupiscência: 1 desejo intenso de bens ou gozos materiais. 2 apetite sexual.
110
Num
primeiro
momento
Lacan
define
o
desejo
como
desejo
de
reconhecimento, ou seja, faz se reconhecer pelo outro na palavra que lhe é dirigida.
O desejo aqui é reconhecido pelo desejo do outro é submetido às leis da palavra
(dom, reconhecimento, troca, pacto e aliança). Reconhecendo as leis da palavra que
legitima o seu desejo, o sujeito pode obter a sua realização no encontro com o
objeto escolhido. Essa é a tese desenvolvida em Função e campo da fala e da
linguagem, em 1953, que inaugura o ensino público de Lacan. A partir de 1958 com
a “A instância da letra no inconsciente”, as definições do sujeito e desejo se
modificam radicalmente. Primeiramente, o sujeito era tomado no sentido em que se
podia encontrar a completude de seu ser na palavra plena, reconciliando-se com o
seu desejo reconhecido. Depois, com a nova concepção de sujeito definido como
dividido pelo significante, que o representa para com outro significante, o sujeito se
distinguirá radicalmente da pessoa. Daí se resulta que o desejo desse sujeito
dividido pelo significante é submetido às leis da linguagem, regidos essencialmente
pelo jogo da metáfora e da metonímia. A Lei do desejo, isto é, a interdição do
incesto, é consubstancial a essas leis da linguagem. (VALLAS, 2001: p. 16). O
desejo, aqui não é mais do outro, mais do Outro do significante. O desejo, se aloja
na metonímia da cadeia significante, de modo que ele é impossível de dizer. O
sujeito não pode mais reconhecê-lo, é preciso interpretá-lo para que ele possa
nomeá-lo. É por meio da palavra que o desejo é levado à existência, a partir de suas
representações
lingüísticas.
O
sujeito,
detectando
os
significantes
que
o
determinam, pode mudar o curso da sua história.
O Paradoxo do Gozo, no Seminário 7, Lacan cita a Bíblia onde São Paulo faz
um discurso sobre as relações da lei com o pecado, na Epístola aos Romanos,
capítulo 7, parágrafo 7, substituindo a palavra pecado pelo termo Coisa, afirma que
nada poderia mostrar com mais exatidão a relação entre a Coisa e a Lei, ressalta o
“nó estreito do desejo com a Lei”. (LACAN, 1959-60: p. 217). Veremos que sob a
face do proibido surge o impossível por meio de que se presentifica o Real. E, de
que leis estão falando? Da Lei da fala, onde se dá o advento do sujeito. A Lei
constitutiva do desejo é portanto a Lei da castração, inscrita na fala. Nas palavras de
Lacan: “Acrescento das Ding , como o próprio correlato da lei da fala em sua mais
primitiva origem, nesse sentido que esse das Ding estava lá no início, que é a
primeira coisa que pode separar-se de tudo o que o sujeito começou a nomear e a
articular, que a própria cobiça em questão se dirige, não a uma coisa qualquer que
111
eu deseje, mas a uma coisa na medida em que é a Coisa de meu próximo.” (195960: p. 105-106). Quando Lacan discorre sobre das Ding, a Coisa quer dizer que a
satisfação, a verdadeira, a pulsional, não se encontra nem no imaginário, nem no
simbólico, que ela está fora do que é simbolizado, que ela é da ordem do real. Lacan
no Seminário 7 destaca figuras heróicas como modelo de transgressões.
Destacamos aqui Antígona que aparece franqueando a barreira da cidade, a lei, o
belo, para avançar em direção a zona do horror que comporta o gozo, caminha para
a morte sem temor, nem piedade e confirma o seu desejo, desafiando e
desobedecendo o rei, interrogando-o a respeito de uma lei que ele fez, tentando
superar uma lei divina a qual ela estava totalmente fixada. Esse desejo é o “desejo
puro” que move Lacan a ressaltar esta tragédia, é o que o fascina, é o que
encaminha a sua interpretação ao conclui a operação que sutura o desejo como
desejo de morte. Aí, não há uma nítida distinção entre desejo e gozo.
Se o que caracteriza a dimensão do gozo no Seminário 7, é a transgressão,
pela qual só se tem acesso ao “fruto proibido”, por sua dimensão do gozo mortífero
que está vinculado ao desejo inatingível por causa da lei, o gozo como impossível,
ou seja como Real.
Essa repetição a compulsão do toxicômano é condicionada e incentivada pela
defasagem que há entre a falta e o objeto a, ou seja, entre a falta e o seu
suplemento. Trata-se do princípio do mais...ainda, da repetição como forma
fundamental do significante.
O fim da análise do toxicômano, numa visão lacaniana, concerne sempre à
relação do sujeito com o gozo e à modificação que pode ser feita nisso. E essa
relação pode ser pensada de formas diferentes para Lacan: pensar essa relação sob
a forma do fantasma ou pensá-la sob a forma da repetição. Pensar a relação com o
gozo sob a forma do fantasma, é pensar o obstáculo sob a forma de uma tela da
fantasia que se trata de atravessar. E, certamente, pensar o gozo do toxicômano sob
a forma da travessia, da fantasia, implica em localizar as variantes das
transgressões talhadas em análise, convocando-o a ir mais além, na direção do
vazio, da destituição do sujeito toxicômano, e na queda do sujeito suposto saber. O
efeito esperado possui assim, a forma e a estrutura de um efeito de verdade. Quem
poderá definir o lugar que o sujeito ocupa como objeto no fantasma do Outro, em
especial o Outro materno? - Quem poderá saber o que ele mesmo representa no
desejo do Outro? O nosso aparelho psíquico não está governado por um princípio
112
soberano, o do prazer-desprazer, mas por dois princípios contrapostos. Se por um
lado temos o princípio do prazer, regulador homeostático, de outro temos o gozo; o
gozo do corpo que orienta um retorno incessante de excitações irreprimíveis, uma
força constante que desequilibra, sexualiza, torna o sujeito desejante e não máquina
reflexa.
“A carne do infans é desde o princípio um objeto de gozo para o desejo e
para o fantasma do Outro”. (BRAUNSTEIN, 2007: p. 23).
Lacan chegou a dizer que esse gozo, núcleo do nosso ser, “é a única ôntica
admissível para nós”. Apesar de essa ser a substancia da análise, o gozo só pode
ser abordado a partir da perda, da erosão do gozo produzida no corpo pelo que vem
desde o Outro e que deixa nele suas marcas. O Outro não corresponde a nenhuma
subjetividade, mas sim às cicatrizes deixadas na pele e nas mucosas, pelos orifícios,
mágoa e dor, penetração e castração. Sabemos que o trauma freudiano explica as
psiconeuroses de defesa; pode-se dizer que essa defesa é uma defesa frente a uma
elevação no gozo, que a defesa é neutralização de uma lembrança vivida de modo
prazeroso ou desprazeroso.
Se a experiência foi de prazer, as defesas e os controles deveram erigir-se no
próprio sujeito e a configuração sintomática, será de neurose obsessiva, de alguém
que se distancia de seu próprio gozo e consegue manter o desejo impossível. Se a
experiência foi desprazerosa segundo Freud, o perigo será representado como vindo
do Outro sedutor. As defesas serão as da aversão e da conversão somática, própria
da histeria, que mantém um gozo suposto no Outro e o desejo sempre insatisfeito. O
sujeito se desvia do gozo/desejo que é deslocado e realçado no próprio corpo como
sintoma.
A fórmula consagrada e reiterada por Freud para definir o sintoma é
“satisfação sexual substitutiva”. A teoria do tratamento psicanalítico está fundada,
desde o princípio, na possibilidade de habilitar o caminho da palavra a esse gozo
sexual, encapsulado e não disponível ao sujeito. Segundo Braunstein essa posição
do sintoma como gozo encapsulado é paradigmática e vale para todas as formações
do inconsciente. (2007: p. 25)
Pensar a relação com o gozo sob a forma da repetição, é pensar a relação
sob a forma de sintoma, ou seja, a repetição é aquilo que chamamos de sintoma. O
sintoma tal como é visto na última parte do ensino de Lacan, “comporta em si o
gozo”, sendo diferente de uma transgressão que se efetiva como gozo, como vimos
113
no Seminário 7. O gozo como forma de saber do sintoma, implica que o fim pode ser
pensado em análise visando um basta na repetição ou um novo uso dessa
repetição. Cabe ao psicanalista decidir qual o caminho percorrer para apontar com
sua intervenção na direção do tratamento do toxicômano: pela via do sentido que se
cifra e decifra-se o sintoma, o significante, as palavras ou pela via do gozo que
revela o ser que está além do sentido, que emana do sujeito ou do outro, decifra-se
pela tela da fantasia, pelo atravessamento da fantasia que implica numa
transgressão do gozo, que precisa ser moldada em análise, com apontamento para
ir além, na direção do vazio, na destituição do sujeito toxicômano, na queda do
sujeito-suposto-saber e na assunção de um sujeito do desejo. O gozo da Coisa está
perdido, o gozo somente será possível atravessando o campo das palavras.
No fantasma o gozo é assubjetivo, manifesta-se em sintomas, em
repressões histéricas, em formações reativas obsessivas, em
distanciamentos e precauções fóbicas, em invasões irrefreáveis que
determinam a ruptura psicótica com a realidade exterior, em
coagulações que se encenam na perversão. E a teoria do tratamento
também se impregna com esta errância da libido sobre os objetos
externos: é assim que se confere um privilégio seletivo à figura do
psicanalista. (BRAUNSTEIN, 2007: p. 41).
3.6
CASO CLÍNICO - UMA EXPRESSÃO DE GOZO
"O eu nunca é senão metade do sujeito"
(Lacan, 1953/1998, p. 348).
Um paciente adolescente de 17 anos apresenta-se: "Eu sou um toxicômano".
A partir de um trabalho com esses significantes que o tratamento começou.
Sabemos que não há significante que dê conta da representação de um sujeito. E
que o sujeito é o que um significante representa para outro significante. O sujeito é o
que se articula entre os significantes:
$
SI____________ S2
Lacan na Função e Campo da fala e da linguagem, vai dizer que o sujeito não
é igual ao Eu (ego) uma identificação narcísica obrigatória. Quando as identificações
caem o sujeito se confronta com algo que não o representa. E, mais importante do
114
que ele diz é para quem ele diz. O objetivo da análise é a destituição subjetiva do
sujeito, ou seja, cai o Eu sou... E vem a pergunta: - Quem sou? O objetivo da análise
está aí onde o sujeito não é, onde falta ser.
Trata-se de um paciente que procura encontrar seu lugar no desejo do Outro
filho único de uma mãe solteira com um pai que não assumiu sua paternidade.
Lacan nos lembra na conferência de Genebra sobre o sintoma em 1975 "que mesmo
que mais tarde essa criança não desejada possa ser mais bem acolhida, isto não
impede que algo conserve a marca do fato de que o desejo não existia antes de
certa data". O sujeito, para o Outro, não é só significante. Lacan define: "O
significante é o que representa um sujeito para outro significante". O sujeito é isso
que se divide a partir dessa operação de alienação ao Outro. "Certamente nem tudo
é significante, mas estrutura". Lacan observa sobre o relatório de Daniel Laguache.
A estrutura para Lacan implica os significantes, S1 e S2, o $ - sujeito barrado, e o
objeto a, algo fora do significante.
Antes do nascimento de um filho, as circunstâncias que presidem ao encontro
de seu pai e sua mãe, são organizadas pelas palavras que se situam no mesmo
quadro das "leis da linguagem", formam uma constelação que antecedem a sua
concepção e o inscreve em sua própria história. Portanto, os caminhos por onde o
sujeito pode vir traçar a sua história provêm do Outro, dos significantes fornecidos
pelo outro, aos quais, o sujeito escolhe, forçadamente para se alienar.
O processo pelo qual o sujeito subjetiva a sua história se define na própria
palavra, mais exatamente no que a sua própria mensagem lhe revém sobre forma
invertida. O sujeito é justamente o que falta a ser. O sujeito é um efeito desse
encontro com o Outro.
Durante um longo período de tratamento o adolescente
permaneceu em LA.(Liberdade Assistida) - Medida Jurídica com liberdade para
permanecer em sua residência sendo atendido pelo programa de tratamento. Quatro
meses depois, reincidiu infracionando, foi preso e internado, com regressão de
medida para escolas fechadas e com indicação para continuar o tratamento.
Alguns meses depois, o paciente dizia: "Eu sou um ladrão". E a analista
trabalhando: Assim como você era toxicômano há seis meses atrás? E com a
equivalência dos significantes o tratamento caminha, ainda que, lentamente.
A mãe investe toda uma perspectiva de mudança em sua vida com essa
gravidez, acreditando mesmo conseguir fortalecer o vínculo com o homem que
deseja, mas que estava e casamento marcado com outra mulher nesta mesma
115
ocasião. Essa criança não ocupou o lugar de "sua majestade" nem para sua mãe,
que desejava obter o amor do pai, nem para o pai que não desejava ter um filho com
essa mulher. Com o nascimento do filho, o pai vai a maternidade buscar a mãe e o
filho, leva para a casa dos avós matemos e nunca mais retoma. É desse lugar de
filho de uma mãe solteira rejeitada pelo seu parceiro, que esse nascimento marca o
afastamento definitivo da presença do próprio pai em sua história.
O laço social do grupo familiar indica fragilidade e falta de consistência. O avô
e a avó brigam e se agridem fisicamente perto das três filhas. A mãe solteira do
adolescente antes mesmo de engravidar pedia a Deus para o próprio pai morrer,
essa seria sua salvação! Quando engravidou sofreu muito para manter seu lugar
nesta casa, via a mãe apanhar do pai com a justificativa de não ter sabido educar
suas
filhas,
que
eram
ofendidas
e
humilhadas
constantemente
(piranhas/vagabundas/putas) eram os significantes que o avô usava.
Na 1ª infância "mamou lágrimas" a mãe não conseguiu amamentá-lo diante
de tanta angústia e sofrimento, apresentava dificuldades nítidas que o prejudicaram
em seu desenvolvimento, e que se refletiram na amamentação, no sono e depois na
alimentação.
O menino desenvolveu mecanismos de medo, pesadelos noturnos e terrores,
enurese noturna, doenças que foram reais principalmente para a mente da mãe, que
se sentia sobrecarregada pela responsabilidade com a educação do filho mediante a
resistência da própria família em assumir o neto. O pai que não assumiu a
paternidade, não registrou o filho e não ajudou financeiramente. Lacan ressalta que
a função central do pai simbólico é lançar o sujeito à lei enquanto sujeito do desejo.
LACAN, (1998 p. 556). O pai vem ocupar a vertente do Outro do desejo. O avô
materno acaba por abandonar o lar. O adolescente foi criado por três mulheres malamadas: - a avó que era espancada, a mãe que foi rejeitada pelo pai e a tia que é
solteira e não encontra seu par. Na equação freudiana pênis/falo/filho será que o
adolescente pode ocupar um lugar fálico na relação com a mãe? O binômio mãe x
filho ficou nitidamente prejudicado, nem a mãe consegue obter o falo através do filho
nem o filho pode desfalicizar a mãe que não foi interditado pela função paterna, que
não operou dentro dos moldes psicanalíticos. A existência do pai continua sendo
algo da ordem fantasmática para o filho. Por isso não podemos dizer que a função
paterna fracassou. A metáfora paterna, ou seja, a suposição de que o Nome-do-Pai
116
pode barrar o Desejo-da-mãe, hipótese de castração ideal, que jamais acontece,
pois o pai sempre fracassa na sua função.(LACAN, 1998 P. 563).
É nesse contexto familiar, que vai ser mergulhado o sujeito que terá de
subjetivar, isto é, construir a sua história para se reencontrar. Para Freud o Édipo
tem uma finalidade precisa e ética: - introduzir o sujeito na castração. O pai é o
agente dessa introdução. A história infantil do sujeito o pai pode ser qualquer
pessoa, ou seja, um significante qualquer, como nos acrescenta Lacan no Sem. 17.
O adolescente quando está drogado, pichando ou assaltando liga dos telefones das
ruas, para a mãe de madrugada, para dizer o que está fazendo e desliga. A mãe
acolhe aquela informação com desespero e dor sem saber o que fazer, diz que não
quer atacá-lo e para não perdê-lo, suporta todas as suas atuações mantendo em
sigilo absoluto. Eles não brigam, mas também não conversam, não há diálogo
possível, nada é falado ou trabalhado entre eles, eles não são felizes e não estão se
inserindo no âmbito do laço social, seu filho está à margem... Ele endereça todos
seus atos transgressores à mãe que ocupa um lugar de mãe permissiva e
assujeitada às transgressões da lei, aceitando tudo sem barrar, sem apontar a Lei. A
mãe nunca procurou um tratamento, busca alívio de sua dor de existir na religião
para reencontrar a paz e continua sofrendo até hoje. Os "furtos de compensação" e
os assaltos aos condomínios de classe média alta, onde ele poderá eventualmente
encontrar-se com esse pai revela um saber inconsciente que busca de alguma
forma, através de atuações encontrar esse pai. Essa cena ilustra a posição que esse
sujeito adolescente ocupa na lógica de sua fantasia. O adolescente faz um
endereçamento à mãe, que sustenta o desejo de conquistar o pai, e dirige suas
perguntas a ela. Ao pai morto não cabe esperar resposta alguma. O pai morto é a
marca de uma falta, de uma falta do Outro, especialmente de uma falta de saber.
Por isso, o pai é tão freqüentemente imaginado com os traços do educador ou do
iniciador. A única resposta que retoma ao sujeito quando interroga ao pai morto é a
castração, isto é, uma falta de gozo. O adolescente neurótico constrói seu fantasma
sobre essa não-resposta da mãe, produzindo uma figura do pai propícia a seu
desejo.
O filho deseja a "morte do pai" como um sentimento de vingança, desejava
encontrar-se com o pai para vingar-se do sofrimento da mãe e conseqüentemente
dele próprio. Os significantes que permeiam sua história são resignificados no
117
processo analítico através da fala de seu inconsciente: - fuga/assalto/ladrão/polícia/
safado/ lei/juiz/tratamento.
Lacan coloca que a transferência não resulta de nenhuma propriedade
misteriosa da afetividade e, mesmo se ela se trai sob um aspecto de emoção, esta
faz sentido apenas em função do momento dialético em que se produz. Lacan se
opõe a uma psicologização da transferência como resultante da afetividade e
restitui-lhe a verdadeira dimensão de movimento do tratamento analítico. Aplicando
esta definição lacaniana ao fragmento do caso podemos dizer que o analista é um
pouco como o resto diurno onde o desejo se transfere.
O paciente imprimiu em seu corpo uma tatuagem que era a imagem de uma
mulher morena, cabelos longos, com uma arma em uma das mãos e na outra uma
rosa. Com uma frase impressa: “Pray for me”. Falar dos seus actings out, das fugas,
reincidências, inscrições no corpo de tatuagens, pichação, uso de drogas, era a
principal via de expressão do adolescente. O que é uma atuação, um acting out ou
uma passagem ao ato quando se fala de clínica do adolescente? Qual é seu pedido
e a quem está endereçada essa fala impressa no seu corpo? Será que podemos
falar da divisão subjetiva do sujeito do desejo?
ESOUEMA
(desejo inconsciente)
sexual
Parricídio
(desejo de matar o pai)
Incesto
(desejo de amar a mãe)
"Pray for me"
Estamos referidos ao gozo fálico. Encontramos a fórmula da metáfora
paterna, ou seja, a suposição de que o Nome-do-Pai pode barrar o Desejo-da-Mãe,
o que seria uma hipótese de castração ideal que jamais acontece, o Pai esta sempre
aquém de sua função e exemplifica com os casos de Freud. GERBASE (2008 P.
37).
Observamos que o adolescente está referido ao Complexo de Édipo e
investido no jogo fálico , com (J O). A partir do que ocorre entre o Real e o Simbólico
118
busca a significação fálica do sintoma.
Em que vai consistir esse ato, nesse caso clínico? Onde a tatuagem no
próprio corpo imprime um pedido intransitivo do sujeito endereçado à analista
através do verbo "pray" que traduzido é orar /rogar/ pedir/ suplicar/ implorar/
requerer.
O adolescente mesmo antes de advir como sujeito do desejo se inscreve em
uma realidade discursiva preexistente a partir dos significantes do campo do Outro.
É somente por meio da linguagem que o sujeito falante tem acesso ao mundo, seu
encontro como o outro deverá ser mediatizado pela linguagem.
Os adolescentes endereçam seus pedidos de ajuda a todos nós, sempre
através do ato – numa linguagem selvagem que é essa reveladora da verdade
primordial do sujeito. Será essa uma via possível para fazer advir um sujeito
desejante e que interpretação serão possíveis diante dessa linguagem escrita no
corpo, impressa em seu peito e tão difícil de ser falada, de ser posta em palavras?
Lacan em seu artigo inaugural da cisão da escola lacaniana "Função e Campo da
Palavra e da Linguagem em Psicanálise" ele nos adverte sobre a função e o campo
da fala e da linguagem. "A Psicanálise só tem um meio: a fala do paciente. A
evidência deste fato não justifica que se negligencie". O que se preserva do método
freudiano na clínica psicanalítica atual do lado do analisando continua sendo a fala
talking cure, Lacan no discurso de Roma vai pontuar a experiência analítica dentro
de seu campo e com sua função, voltada para seu objeto de estudo que é o
inconsciente estruturado como uma linguagem.
A questão que trazemos é a
semelhança existente na posição do sujeito que quer saber sobre o seu ser, - chez
vuoi? , independente da classe social a que pertence,da idade, da posição
sociocultural, do nível socioeconômico do sujeito quando sofre e endereça o seu
sofrimento a um analista em busca de alívio e de um sentido para os seus atos, para
fazer advir um sujeito do desejo, imprimir a verdade sobre seu desejo e escrever a
sua história.
O endereçamento que o adolescente faz com esse ato - de imprimir uma
mulher dividida em seu corpo, com a arma em uma mão e a rosa em outra, é uma
pontuação otimista que dá seu sentido ao discurso do sujeito. O psicanalista opera,
portanto, sobre o único intermediário da verdade, no discurso do paciente em
análise, examinando esse último em seu aspecto estrutural. A linguagem como
mediadora entre o Eu e o Outro do sujeito ou inconsciente. A linguagem que fala e
119
acredita dizer a verdade na sua essência da realidade inconsciente que o
fundamenta em sua verdade.Percebemos então que a transferência, por ser fato
limitado e localizável, é, sobretudo processo produtor de toda a análise, no sentido
em que engloba seus produtos no tempo e, por seu movimento, a cada vez os
transcende.
Nessa dialética prosseguir-se-á até que se obtenha a "subjetivação do sujeito
na morte", isto é, o reconhecimento de que seu ego não é mais obra de seu
imaginário. É, enquanto morto que o analista provocará essa regressão, isto é, pelo
silêncio e pela
frustração de toda resposta ou gratificação.
Esse caso ilustra o que de fato o adolescente que envolve-se com o mundo
do tráfico percebendo o seu iminente perigo de morte, deseja revelar algo sobre sua
verdade, seu gozo e seu desejo. Com essa marca da dimensão subjetiva de sua
história o adolescente faz a tatuagem de uma mulher impressa no seu corpo, com
um arma na mão e na outra com uma flor a frase “Pray for me”.
O que são histórias senão uma imensa ficção? O que pode garantir uma
relação do sujeito com esse universo das significações senão que em algum lugar
haja um gozo? Isso, ele só pode garantir por meio de um significante e esse
significante falta forçosamente. LACAN (1962-1963). Seminário da Angústia na lição
de 05 de dezembro de 1962.
4 CONTEMPORANEIDADE E FORMAS DE MODERNIDADE
4.1
SINTOMAS NA CONTEMPORANEIDADE
Refletir sobre a inserção do sintoma na contemporaneidade é examinar a
subjetividade humana, contextualizando-a no espaço e tempo que lhe são próprios,
à luz da psicanálise. Acreditamos que a época, o contexto cultural, social e político
ao qual o homem está inserido, determinam sua subjetividade que se expressa em
sua produtividade e em sua posição frente ao mundo.
Pretendemos, nesse capítulo percorrer a visão de alguns autores para
encontrarmos seus pontos de convergências e divergências a respeito das
manifestações da angústia de dos nossos tempos e o que caracteriza os sintomas
contemporâneos.
Lacan entende a sociedade atual como resultado da incidência do capitalismo
no discurso do mestre. Além do mais, atribui a Marx a descoberta do sintoma. O
que faz conceber a cultura como reguladora dos modos de gozo do sujeito. È
justamente essa regulação que submete o sujeito aos discursos dominantes que já
discorremos no capítulo anterior.
Para o psicanalista que segue a orientação lacaniana, todas as manifestações
que os sintomas apresentam são entendidas como modo de gozo de um sujeito.
Para Freud a determinação dos sintomas é quase que exclusivamente subjetiva.
Para Lacan, o sintoma também uma maneira singular de gozo, que não vai de
encontro ao ser social.
121
A cultura, a civilização é o ser social, que oferece padrões e modelos de
satisfação das pulsões, o perfil de formas de gozos aceitos e toleráveis socialmente.
A leitura que Lacan fez de Marx tornou possível uma reflexão sobre a noção
de sintoma social em psicanálise. Isto porque, como discorremos à cima, para
Lacan, dentro de uma perspectiva marxista, o sintoma seria o sinal de um
disfuncionamento e de uma doença do corpo social, para Marx o sintoma seria a
metáfora da verdade.
“Por outro lado entre a política e a psicanálise existe um sistema de “práticas
discursivas”[...] ressaltando a importância de levar em conta o saber de uma época”.
(ASKOFARÉ, S., 2000: p.96).
Ao propor uma articulação da psicanálise com a modernidade, devemos
desenvolver uma relação do sujeito com a história, nos reportar ao pensamento
filosófico medieval e na passagem para a modernidade com Descartes. A partir do
advento do sujeito da psicanálise, com a subversão de Freud no Cogito cartesiano a
psicanálise tomou um novo rumo.
Situar o sujeito moderno como decorrente da operação cartesiana, é
centralizá-lo no universo psicanalítico. Para Freud o lugar do “eu penso” é
independente do lugar do “eu sou”. A ciência moderna, portanto, só começa depois
que Descarte deu o passo inicial: “Penso, logo sou”. Freud ao subverter as bases do
cogito cartesiano para “Sou a onde não penso” , faz nascer o sujeito do
inconsciente.
Se por um lado, é válido conceber que a subversão do cogito cartesiano foi
um marco na história do pensamento humano, com o advento do sujeito moderno,
por outro lado, cabe-nos perguntar, que sujeito marca o nossa época e caracteriza
os nosso tempo de excesso de gozo com a globalização? Qual a subversão que
teremos que fazer para marcar a nossa história atual? Nossos paradigmas hoje,
estariam mais próximos dos pilares do pensamentos de Kant, Sade ou Lacan? Já
que Lacan fez essa junção, Aproveitando essa passagem, que é absolutamente
indispensável para uma formulação da ética da psicanálise, que é a via da ética do
desejo, vimos retomar o saber sobre essas máximas: A ética kantiana é a ética da
renúncia ao prazer, a favor da boa vontade que se fundamenta na razão pura: “age
122
de tal modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo
como o princípio de uma lei universal”. 26 (KANT, 1974: p. 209).
Segundo Lacan, podemos anunciar a lei moral ou o imperativo sadiano da
seguinte forma: “Tenho direito de gozar do meu corpo, pode-me dizer qualquer um, e
esse direito eu o exercerei sem que nenhum limite me detenha no cachicho das
extorsões que me dê gosto de nele saciar”. (LACAN, J., Escritos, p. 780).
Enunciemos a máxima lacaniana em relação à ética da psicanálise: “Agiste
em conformidade com seu desejo”. (LACAN, 1959-60: p. 373).
A partir de Kant com Sade, Lacan aborda a ética da psicanálise. Uma ética
que se fundamenta na ex-sistência do desejo, tendo em conta as dimensões
Simbólica, Imaginária e Real do sujeito. A causa do desejo, segundo Lacan, é o
resto: aquilo que sobra da inscrição de um sujeito no coração da cultura. Mantido
fora de cena, debaixo do tapete do recalque, ele anima a dança das vontades e
demandas que mobilizam o sujeito contemporâneo. A tese lacaniana para a
modernidade é de que esse resto deixa de manter-se oculto e passa a funcionar a
céu aberto. Examinamos nessa pesquisa três casos de sujeitos toxicômanos e suas
as conseqüências e manifestações na clínica e na cultura contemporânea.
Em vários campos do saber, discutem-se hoje o fim da modernidade e a
queda de seus paradigmas. Há vários autores que acreditam na pós-modernidade,
ou seja do fim de uma época chamada modernidade e o que vem depois dela. Ao
passo que outros, mais otimistas, crêem na hipermodernidade, termo que busca
definir o paradoxo da sociedade contemporânea dividida entre cultura do excesso e
o elogio da moderação. Nesse contexto, o perfil do indivíduo hipercontemporâneo se
caracteriza pela autonomia e por uma excessiva fragilidade, uma vez que as
obrigações e as exigências que o definem são mais vastas e pesadas do que nunca.
A passagem do mundo industrial, ou modernidade, para a era da
globalização,
ou
da
pós-modernidade,
é
a
maior
responsável
por
essa
desorientação. Como sabemos, pensar o homem de hoje e sua subjetividade sem
contextualizarmos no espaço e no tempo que lhe são próprios é tarefa inútil e
imprópria. Lacan diz: “Que antes renuncie a isso, portanto, quem não conseguir
alcançar em seu horizonte a subjetividade de sua época”. (LACAN, 1998: p. 322).
Cada época deve ser pensada pelas características de seu laço social.
26
KANT, E. Os pensadores. A fundamentação da Metafísica dos costumes. p. 209.
123
O século XX foi cenário de enormes mudanças determinadas pelo avanço
tecnológico
e
científico,
especialmente
nas
telecomunicações,
gerando
conseqüências na inserção do sujeito na cultura e em sua posição frente ao mundo,
que tanto se ampliou ao transpor os obstáculos das distâncias entre os continentes,
tornando-se acessível o contato direto e imediato, através da linguagem globalizada
eletrônica, a qualquer parte do mundo. As barreiras de espaço e tempo foram
demolidas, o mundo se unificou, essa padronização implicou em resultados também
funestos: se por um lado possibilita uma comunicação sem barreira por outro,
esvazia o discurso, eliminando a riqueza dos regionalismos se dissolveram as
diferenças e os contrastes, inibindo a dialética.
Na modernidade, as identidades eram organizadas verticalmente: a família, a
empresa e a política, ou seja detinham um ponto superior ideal. Havia uma direção a
seguir, um ideal de eu, um dia ser como meu pai, chegar à diretoria tal, representar
meu país. Com a globalização, o laço social se horizontaliza, os ideais se
pulverizam. Se antes o problema era como vou chegar lá, hoje passou a ser para
“onde devo ir?” , o que ou quem aponta o caminho diante de tantos possíveis?
O fenômeno da globalização determinou uma homogeneização que exclui as
diferenças individuais, criando uma cultura que exalta a uniformização de valores e a
alienação do sujeito. A internet proporciona a abertura de um espaço virtual que
transforma não só o conceito de tempo e espaço, como também funciona como
promessa de satisfação imediata e acessibilidade ao novo num ritmo acelerado
incompatível com o ritmo próprio do sujeito, sem barreiras, sem limites, sem dia e
noites, no ritmo das compulsões. Quantas ilusões são oferecidas aos usuários que
procuram uma forma de acabar com a solidão obtendo, na verdade o reforço de seu
isolamento. O uso desmedido pelos objetos de satisfação obtidos pela internet, a
começar pelas salas de bate papos, sites de relacionamentos sexuais e de trocas de
experiências, levam o sujeito ávido em busca de satisfação e liberdade a um
aprisionamento mecanicista e a um isolamento psíquico cada vez maior.
A
impossibilidade das relações do sujeito com o outro, constitui a principal
característica da sintomatologia de nossos tempos.
A relação com este objeto é da ordem do consumo imediato, dos objetos de
brilhos efêmeros, os “gadjets” contemporâneos é da mesma ordem do alcoolismo,
da toxicomania, dos distúrbios alimentares, entre eles a bulimia e a anorexia, da
compulsão ao jogo, ao tabagismo, aos vícios e excesso em geral. Dessa forma, os
124
gadjet dos nossos tempos, revelam a própria estrutura da globalização e do discurso
capitalista. Trata-se de produzir objetos que sustentem uma utopia uniformizante que
realizem o impossível para o sujeito frente ao outro e conseqüentemente dissolvem
a divisão subjetiva, resolvendo com o acesso ao gozo imediato à todos igualmente.
No sistema capitalista, encontramo-nos cada vez mais preteridos dos meios
de produção e submetidos ao produto final. A economia e a produção de excedentes
inverteram a relação entre oferta e procura, o sujeito é deslocado em relação ao seu
objeto de desejo, passou a ser determinado e produzido pela mídia enquanto
necessidade e demanda. Vivemos, portanto, num sistema apoiado de tal forma na
transformação dos sujeitos em indivíduos submetidos à ditadura dos bens de
consumo, que não percebe a manipulação indireta do sistema sob a sua economia
doméstica e libidinal.
Fazendo uma incursão sobre os estudos que abordam as mudanças das
relações sociais sacudindo nossas reflexões e os nossos padrões e valores,
encontramos Lipovetsky, filósofo, um dos principais pensadores da sociedade
moderna e suas teorias causam polêmica em todo o mundo há mais de vinte anos.
Reflete sobre os “tempos hipermodernos”, fruto do receio de um homem angustiado
frente à liberdade de escolha que a pós-modernidade produziu. Quando se
imaginavam livres dos padrões de comportamento no amor, na profissão, o que se
viu foi o medo de arriscar o seu desejo.
Em 1983 Lipovetsky escreveu “A era do vasio”, estabelecendo os marcos do
paradigma individualista, que se impunham na França nessa ocasião, desde então,
não parou de explorar detalhadamente as múltiplas facetas do indivíduo
contemporâneo: o reinado da moda, as metamorfoses da ética, a nova economia
dos sexos, a exploração do luxo e as mutações da sociedade de consumo. Discorre
exaustivamente sobre o Modernismo como uma espécie de autodestruição criadora
e a Posmodernidade dedicada ao culto e a liberdade individual, a aproximidade e a
diversidade para adequar uma sociedade móvel e aberta, rechaçando a rigidez
burocrática, à maneira de uma socialdemocracia.
Em “Os tempos hipermodernos”, (LIPOVETSKY, 2004), se aproxima do
modelo “otimista” vendo o indivíduo hipercontemporâneo, mais autônomo, embora
também mais frágil que nunca, na medida em que as obrigações e as exigências
que o definem são mais vastas e mais pesadas. A liberdade, o conforto, a qualidade
e a expectativa de vida não eliminam o trágico da existência; pelo contrário, tornam
125
mais cruel a contradição. Descreve os traços mais característicos daquilo que a
“hipermodernidade” nos reserva para melhor ou para pior.
Embora o termo “pos-modernidade” seja problemático porque parece
indicar uma grande ruptura na história do individualismo
moderno, o fato é que ele é adequado para marcar uma
mudança de perspectiva nada negligenciável nessa mesma
história. De início, pensa-se a modernidade segundo dois valores essenciais (a saber! a liberdade e a igualdade) e numa
figura inédita (o indivíduo autônomo, em ruptura com o mundo
da tradição). Só que, na era clássica, o surgimento do
individualismo ocorreu concomitantemente com a ampliação do
poder estatal, o que fez que essa autonomização dos
indivíduos permanecesse mais teórica que real. A pósmodernidade representa momento histórico preciso em que
todos os freios institucionais que se opunham à emancipação
individual se esboroam e desaparecem, dando lugar à
manifestação dos desejos subjeivos, da realização individual,
do amor-próprio. (LIPOVETSKY, 2004: p. )
Com o surgimento métodos comerciais que caracterizam o capitalismo
moderno ou seja os marketing, as grandes lojas, as marcas, o desenvolvimento da
publicidade, a lógica da moda começa então a permear de modo íntimo e
permanente o mundo da produção e do consumo de massa e a impor-se
perceptívelmente mesmo que só a partir dos anos 60 vá contaminar de fato o
conjunto da sociedade. Nessa primeira fase do capitalismo moderno, o consumo
ainda se limita à classe burguesa. A segunda fase do consumo, que surge por volta
de 1950, designa o momento em que produção e consumo de massa não mais
estão reservados unicamente a uma classe de privilegiados,
começam a surgir
sinais de que estamos na era do hiper que se caracteriza pelo hiperconsumo, surge
então a terceira fase da modernidade, caracterizada pela hipermodernidade, que se
segue à pós-modernidade e o hipernarcisismo. Segundo Lipovetsky:
“Hipermodernidade que se caracteriza por uma sociedade liberal,
movimentada, fluida, com flexibilidade; indiferente como nunca
antes se foi aos grandes princípios estruturantes da
modernidade, que precisaram adaptar-se ao ritmo hipermoderno
para não desaparecer faz surgir, segundo Lipovetsky um novo
perfil de narcisismo, ou seja um hipernarcisismo: época de um
Narciso que toma ares de maduro, responsável, organizado,
eficiente e flexível e que, dessa maneira, rompe com o Narciso
dos anos pós-modernos, hedonista e libertário”.
126
Os paradoxos da hipermodernidade se caracterizam pelos tipos
narcisicos. Vamos encontrar facilmente o narciso maduro, o estilo “garotão”
que nega assumir sua idade adulta, o “narciso responsável” tem declarações
de intenção que nunca se concretizam, o “narciso eficiente” tem que
apresentar uma performance quase perfeita em seus desempenhos. Os
indivíduos hipermodermos são ao mesmo tempo mais informados mais
desestruturados, mais adultos e mais instáveis, menos ideológicos e mais
tributários das modas, mais abertos e mais influenciáveis, mais críticos e mais
superficiais, mais céticos e menos profundos. (LIPOVETSKY, 2004: p. 27)
No artigo sobre Leonardo da Vinci, Freud faz referência ao narcisismo,
falando sobre o homossexualismo masculino, relembra o mito, extraído da lenda
grega, segundo a qual Narciso se apaixona por sua própria imagem refletida num
lago, fixando-se a ela. (FREUD, 1910). Nesse contexto Freud usa a expressão
narcisismo, explicando sua origem:"... Narciso, segundo a lenda grega, era um
jovem a quem agradava tanto sua imagem refletida ao espelho que, assim, foi
transformado na bela flor do mesmo nome". A parte principal deste estudo consiste
na construção detalhada da vida emocional de Leonardo Da Vinci, desde os
primeiros anos, na descrição do conflito entre seus impulsos artísticos e científicos,
na analise profunda da sua historia psicossexual, onde surge um esboço da gênese
de um tipo especial de homossexualidade e a primeira aparição do conceito de
narcisismo como vimos acima.
Portanto o que mudou principalmente foi o ambiente social e a relação
com o presente. A desagregação do mundo da tradição é vivida não mais sob
o regime da emancipação, e sim sob o da tensão nervosa. Para Lipovetsky o
medo se impõe ao gozo, e a angústia, à libertação. Em resumo, a profissão de
fé não é mais ”Goze sem entraves", e sim “Tenha medo em qualquer idade". Um
dos pontos de convergência do pensamento de Lipovetsky com o do sociólogo
polonês Zygmunt Bauman é justamente essa questão relacionada ao conceito de
medo que assola o homem da contemporaneidade. Traçamos um paralelo entre os
dois pensadores:
“Para Lipovetsky o que domina a lógica da globalização que se
exerce independentemente dos indivíduos; de uma competição
liberal exacerbada; de um desenvolvimento desenfreado das
tecnologias da informação; de uma precarização do emprego; e de
127
uma estagnação inquietante do desemprego num nível elevado é o
medo o que importa e o que domina em face de um futuro incerto; de
uma lógica própria dessa época”.
Para Bauman o medo é o mais assustador, difuso, disperso, indistinto,
desvinculado, desancorado e flutuante que nos assombra nesses nossos tempos e
que damos o nome de a nossa incerteza, referindo-se a nossa
ignorância da
ameaça e do deve ser feito – do que pode e do não pode – para fazê-la parar ou
enfrentá-la, se cessá-la estiver além do nosso alcance.
Chegamos ao momento em que a comercialização dos modos de vida não
mais encontra resistências e em que as esferas da vida social e individual se
reorganizam em função da lógica do consumo.
“Que a lógica da moda e do consumo permeou espaços cada vez
mais amplos da vida pública e privada é evidente. Parece igualmente
óbvio que os indivíduos, desapossados de qualquer sentido
transcendente, possuem opiniões cada vez menos firmes e cada vez
mais volúveis.
A hipermodernidade funciona mesmo segundo a lógica da
reciclagem permanente do passado, e nada parece escapar a seu
domínio”. (LIPOVETSKY, 2004: p. 33)
Lipovetsky destaca o domínio do amor como sendo a riqueza da nossa vida
privada, o que escapa à esfera do lucro no mundo do hiperconsumo:
“O "amor" — eis outro domínio que escapa à esfera do lucro, do
ganho, assim como, de modo mais geral, todos os valores
relacionais que, em grande parte, constituem a riqueza de nossa
vida privada.O reino do dinheiro não é coveiro da afetividade; ao
contrário, é ele que dá a essa última toda a sua legitimidade, como
se sentíssemos ser necessário recuperar alguma inocência num
mundo cada vez mais regido pela eficiência e pela racionalidade.
Nada mais falso, portanto, do que acreditar que o consumo reine
sem restrições. Será que a hipermodernidade, caracterizada por um
consumo emocional e por indivíduos preocupados antes de tudo com
a própria saúde e segurança, é o sinal da ascendência da barbárie
sobre nossas sociedades?” (LIPOVETSKY, 2004: p. 37).
Com esse autor vimos que o relativismo é apenas uma faceta possível da
hipermodernidade, que os direitos humanos jamais foram vivenciados de maneira
tão consensual quanto hoje; e que os valores de respeito e de tolerância ao outro
nunca se manifestaram tão intensamente quanto em nossa época, ocasionando uma
128
repulsa generalizada ao emprego gratuito da violência. A hipermodernidade se
constrói em paralelo a um imperativo ético cada vez mais pronunciado, com a
proposta
de
uma
interpretação
otimista,
racionalista
e
pragmática
da
hipermodernidade, calcando seu futuro democrático na tomada de responsabilidade
individual e coletiva.
“Está certo, a necessidade ética não é mais vivida como no passado,
segundo a lógica do dever sacrificial, e deve ser considerada na
forma de uma moral indolor, opcional, que funciona mais pela
emoção que pela obrigação ou sanção e que está adaptada aos
novos valores de autonomia individualista. Mas essa fase pósmoralista que hoje caracteriza nossas sociedades não acarreta o
desaparecimento de todos os valores éticos”. (LIPOVETSKY, 2004:
p. 38).
Há uma convergência do pensamento de Bauman em 2008 com o de
Freud em 1895, apesar dos mais de cem anos decorridos. Freud, utiliza o termo em
alemão – Hilflosigkeit – para designar a ação específica do bebê que na sua
relação com o mundo quando se encontra em estado de desamparo infantil. Esse
estado, resulta do acréscimo da tensão do aparelho psíquico, de total dependência
da criança ao outro materno, caracterizando a impotência do recém-nascido, pois
este sozinho é incapaz de uma ação coordenada e eficaz. O termo em alemão que
Bauman utiliza – Unsicherheit , palavra que condensa experiência de incerteza,
insegurança e falta de garantias para caracterizar a impotência do ser humano na
sociedade contemporânea, é correlativo ao estado de desamparo e de tensão em
que estamos emersos socialmente. O termo alemão – Unsicherheit, revela o
sentimento de impotência, cujo impacto mais assustador é o medo nas suas várias
vertentes. Segundo Bauman “Os vínculos da era líquida moderna se tornam tênues,
a vida vira um ensaio diário de morte e da vida após a morte” BAUMAN (2006) P.65.
O autor comenta que a fragilidade dos vínculos humanos é um atributo proveniente
e talvez definidor da vida líquido-moderna.
Segundo Zygmunt Bauman , o que caracteriza a existência humana são
vínculos e a freqüência interrompida. Esse autor, descrito como “o profeta da pósmodernidade” traz em seu último livro de 2008, intitulado Medo Líquido, um
inventário dos medos presentes na modernidade líquida. O significante que o autor
destaca é “liquefação” (ato de tornar-se líquido, que se liquefaz) dos veículos dos
129
indivíduos entre si nos mais variados âmbitos da vida social. Laços humanos
marcados pela precariedade desmantelados, vínculos esgarçados.
Bauman discorre sobre o “mundo líquido” marcado pelo desengajamento nas
relações entre os seres humanos comenta que os processos e sintomas da
liquefação são variados e amplos. A “Modernidade líquida” – por mover-se à
velocidade do sinal eletrônico, rápido demais, comenta que o ritmo das mudanças
sociais e o acaso (queda, ruiva, decadência) da política fazem do medo o sentimento
central do nosso tempo. Precariedade, vulnerabilidade, instabilidade e incerteza
cercam a confiança humana nesse estágio da modernidade avançada. A
insegurança segundo o autor, é um ar que se respira versa era de desengajamento.
Bauman desenha as origens comuns da ansiedade contemporânea, analisando os
fundamentos do medo na era líquida moderna.
“Medo é o nome que damos a nossa incerteza: nossa ignorância da
ameaça e do que deve ser feito – do que pode e do que não pode –
para fazê-la parar ou enfrentá-la, se cessa-la estiver além do nosso
alcance. [...] A modernidade seria o grande salto à frente: - a estufa
dos temores”. (BAUMAN, 2006: p. 8).
Portanto as certezas da modernidade sólida se foram e se contrapõe às da
modernidade líquida onde tudo se liquefaz, a marca é a exclusão. O
desengajamento que se vê revela que as principais técnicas do poder são a fuga, a
astúcia o desvio e a evitação.
O autor nos fala da falta de garantias referindo-se à posição de títulos e
sobrevivência. Na economia, os que não tem mais lugar na divisão social do
trabalho, tornam-se descartáveis, cartas fora do trabalho.Sobre as relações
amorosas, comenta que “há uma tendência de se consumir” o outro ao invés do
laborioso trabalho de enfrentar frustrações e renovações. Bauman propõe discutir os
dispositivos e mecanismos que resultam no esfriamento das relações humanas por
toda parte. Afirma, que de um modo geral, as relações humanas não são mais
espaços de certeza, tranqüilidade e conforto espiritual. Em vez disso, tornam-se
fontes de ansiedade. Nos tempos líquido-moderno não há espaço para vínculos
sólidos e fidedignos. Formam-se “redes” mais amplas de amigos e amizades. Redes
de proteção que na verdade, nada protegem, pelo contrário, desproteção e
desamparo são a sua marca. Os habitantes do mundo líquido-moderno tendem a
fugir dos problemas ao enfrentá-lo. Para o autor, ocupamos o tempo buscando
130
calcular, controlar, minimizando o risco de cairmos vítimas dos perigos. Com isso,
procuramos ocupar o tempo com alvos substitutos para descarregar o medo
existencial excedente, porém o que na verdade encontramos, são alvos paliativos.
Os medos podem ser difusos, sem foco, indefinidos... O chamado mundo líquidomoderno, trás em seu bojo o novo individualismo, esgarçamento dos vínculos
humanos e o definhamento da solidariedade estão gravados em um dos lados da
moeda que no outro lado está à efígie da globalização. Segundo Bauman, a
globalização é um processo parasitário, predatório que se alimenta de energia.
Segundo os filósofos, o que mudou, foi apenas o escopo do desperdício e da
injustiça, ambos adquiriram agora dimensões planetárias.
Ressaltamos os pontos de convergência e divergência que encontramos nos
termos em alemão usado por Freud e por Bauman fazemos um contra ponto do
significado dos termos em alemão, para pensar o homem e sua subjetividade sem
contextualizarmos no espaço e tempo que lhe são próprios, é tarefa improdutiva e
inoperante. Constatamos que a desproteção, a insegurança e desamparo fazem
parte da condição humana, acoplada ou não à desgraça irredutível do ser humano
na sociedade moderna.
No inicio do século XXI , o conceito de um medo generalizado está de volta
forma avassaladora sob a forma de catástrofes naturais, a violência nas cidades, o
terrorismo na vida política e social, o desemprego acentuado desestabilizando a
condição social das classes sociais menos abastadas, a rejeição amorosa. Vivemos
sob ansiedade constantes e a ameaça de perigos que podem se tornar realidade a
qualquer momento, em qualquer lugar do mundo! Para dimensionar melhor as
repercussões na esfera da subjetividade humana que na verdade nomeiam
e
delimitam o estado da cultura contemporânea, selecionamos outros autores, entre
eles destacamos Debord, filósofo, agitador social, diretor de cinema, pensador racial,
se definia como “doutor em nada” e publicou a mais importante obra teórica dos
situacionistas: A sociedade do Espetáculo, uma obra precursora de toda análise
crítica da moderna sociedade de consumo. Segundo Jean Jacques Pauvert, “ ele
não antecipou 1968, antecipou o século XXI”. Debord defendeu a idéia de que
nunca a tirania das imagens e a submissão alienante ao império da mídia foram tão
fortes como agora. O que o leitor capta ao ler a obra é que trata-se da mais aguda
crítica à sociedade que se organiza em torno dessa falsificação geral da vida
comum.
131
“Toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas
condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação
de espetáculo. Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma
representação”. (DEBORD, 1997).
O espetáculo em geral, é o movimento autônomo do não-vivo, uma inversão
da vida. Trata-se de uma visão do mundo que se materializou, é uma
Weltanschauung do mundo considerado em sua totalidade de produções existentes.
O espetáculo domina os homens vivo quando a economia já os dominou totalmente.
Ele nada mais é que a economia desenvolvendo-se por si mesma. É o reflexo fiel da
produção das coisas, e a objetivação infiel dos produtores.
Uma evidente
degradação do ser para o ter. O espetáculo é o capital em tal grau de acumulação
que se torna imagem.
A mercadoria como espetáculo. O mundo presente e ausente que o
espetáculo faz ver é o mundo da mercadoria dominando tudo o que é vivido. A
ambudância das mercadorias, isto é, da relação mercantil, já não pode ser senão a
sobrevivência ampliada. O espetácilo é o momento em que a mercadoria ocupou
totalmente a vida social. O mundo que se vê é o mundo da produção econômica
moderna, extensa e intensa
que se configura em sua plena ditadura. Segundo
Debord, nessa fase primitiva da acumulação capitalista, “a economia política só vê
no proletário o operário”, que deve receber o mínimo indispensável para conservar
sua força no trabalho; jamais o considera “em seus lazeres e em sua humanidade”.
Assim, a “negação total do homem”assumiu a totalidade da existência humana.
Segundo este autor, as condições econômicas em que hoje vivemos sob o regime
capitalista mostram-se muito diferentes do seu início. No primeiro momento, as
condições de sobrevivência e de ampliação desta constituíam-se a base econômica
de todos os empreendimentos. A produção de mercadorias, neste contexto inicial,
permaneceu, por muito tempo, artesanal, contida. Com a revolução industrial, a
expansão do comércio e a acumulação do capital, a mercadoria assumiu o domínio
total da economia chegando a uma ditadura. Nas palavras de Debord (1997), "o
espetáculo é o momento em que a mercadoria ocupou totalmente a vida social. Não
apenas a relação com a mercadoria é visível, mas não se consegue ver nada além
dela: o mundo que se vê é o seu mundo". (DEBORD, 1997: p. 30).
132
Calcando-se em Marx (1818-1883), nas concepções de acumulação de
capital e de fetichismo da mercadoria, o autor vai propor a tese de que o espetáculo
é uma conseqüência da moderna sociedade de consumo, da dominação do
mercado e da abundância:
“Toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas
condições de produção se apresenta como uma intensa acumulação
de espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma
representação”. (DEBORD, 1997: p. 13).
A noção de espetáculo, construída pelo autor, diz respeito, diretamente, às
formas de relação social mediadas pela imagem apontando para um contexto de
inflação da dimensão imaginária que estaríamos vivendo hoje.
Se, com a evolução do capitalismo, fomos abandonando a cultura do ser na
direção de uma cultura do ter, para o autor, “a fase atual em que a vida social está
totalmente tomada pêlos resultados acumulados da economia, leva a um
deslizamento generalizado do ter para o parecer do qual todo ter efetivo deve extrair
seu prestígio imediato e sua função última...” (DEBORD, 1997: p. 18).
A sociedade do espetáculo corresponde, portanto, à fabricação de um sujeito
imaginário alienante, petrificado a significantes que não correspondem à sua
realidade psíquica.
“O imaginário do espelho esconde e o quadro da fantasia mostra a
estrutura subjetiva. A imagem narcísica vela o sujeito do desejo, ao
passo que o quadro da fantasia o mostra. Mas ambos são
enganadores pois escondem o furo no Outro e sustentam, portanto,
sua consistência imaginária e sua existência suposta como garantia
do sujeito”. (QUINET, 2002: p. 12).
Nossa sociedade é uma sociedade de espetáculo, (...) Mas nunca se articulou
esse caráter com a subjetividade, somente com os meios de produção capitalista,
como o fez Guy Debord. Quinet articula essa sociedade escópica como produtora do
mais-de-olhar que, entra no discurso capitalista como um gadget visual, como objeto
comparável que causa o desejo do sujeito. (QUINET, 2002: p. 14). Nas palavras de
Debord., “a alienação do espectador em favor do objeto contemplado (...) se
expressa assim: quanto mais ele contempla, menos vive, quanto mais aceita
133
reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos compreende sua
própria existência, e seu próprio desejo”. (DEBORD, 1997: p. 24). O recuo do
sujeito da responsabilidade ética sobre seu desejo implica a própria queda do
sujeito, aquilo que entendemos como o gozo dos covardes, segundo Quinet quando
afirma: que a clínica psicanalítica mostra , a partir de Freud, que tristeza tem uma
história: esta se inicia com uma perda, se constitui como covardia moral e rejeição
do saber e termina a partir de sua transmutação em gaio saber e desejo de existir.
(QUINET, 1999: p. 94).
Destacamos com esses autores a redução da subjetividade à dimensão do
imaginário predominando sobre o simbólico, o que implica na captura do “parecer
ser” como primordial na sociedade. O próprio dinamismo especular do eu e o outro
que antecede a constituição do sujeito vai marcar uma cultura que predomina as
formações imaginárias que irão enfraquecer os laços sociais. Freud empenha-se em
ressaltar modalidades de escolha objetal nas quais existe confusão entre o eu e o
outro, deixando claro que o investimento amoroso na própria imagem acompanhará
o sujeito ao longo de sua vida. Mas, algo precisa ser acrescentado ao auto-erotismo,
uma nova ação psíquica, para que o eu se constitua num primeiro esboço de
unificação, a imagem do corpo despedaçada, inspirada na imagem do outro.
Se fizermos uma analogia do que acontece com a sociedade do espetáculo,
calcada no imaginário, nessa fase de constituição do sujeito do corpo despedaçado,
veremos facilmente o que ocorre com a nossa sociedade sem consistência, dentro
dessa visão do espetáculo de Debord. Podemos dizer que a passagem do autoerotismo ao narcisismo se efetua através da formação do eu e que este eu, formado
através da imagem, é o eu-ideal, ou seja, a imagem que dá ao corpo sua unidade.
No texto O estágio do Espelho (LACAN, 1949) vai nos dizer que esse momento é um
momento de júbilo. O eu jubilatório é o eu pleno, triunfante, que vive um momento
fugaz de poder mas esse momento, mesmo fugaz, captura o sujeito por vir. “O eu
nunca é senão metade do sujeito”. (LACAN, 1953: p. 348).
“Mas o segredo da jubilação é o encobrimento da falta, constitutiva do sujeito
pela imagem – imagem que, por definição é sempre completa, inteira, uma vez que a
falta não tem imagem, e não há imagem alguma possível daquilo que falta”.
(QUINET, 2002: p. 133). Lacan fez uso do modelo ótico do buquê invertido para
situar a clivagem do imaginário e as relações entre eu ideal e ideal do eu. Lacan
pretende mostrar que a imagem refletida tem um valor de imagem real. LACAN
134
(1953/ 1954.) P. 94/ 95. Lacan fez uso do modelo ótico do buquê invertido para
situar a clivagem do imaginário e as relações entre eu ideal e ideal do eu. Lacan
pretende mostrar que a imagem refletida tem um valor de imagem real. LACAN
(1953/ 1954.) P. 94/ 95.
Para a psicanálise o saber formulado sobre sua ética do bem dizer é tributário
da orientação do inconsciente, e orientar-se no inconsciente, significa saber quais
são as cadeias significantes e os significantes primordiais que determinam suas
ações, fantasias e sintomas.
Nesse sentido, decifrar seu sintoma corresponde ao
ganho de um saber adquirido e elaborado em uma análise, sobre o objeto causa de
desejo, cujo topo se encontra fora do inconsciente e é da ordem de um real
impossível de dizer.
Para Zizek (1992), a identificação imaginária é a identificação com a imagem”
o que gostaríamos de ser” ao passo que a identificação simbólica se efetua em
relação ao próprio lugar de onde somos observados, de onde nós parecemos
amáveis a nós mesmos, merecedores de amor. Em 2002, ele lança a obra Bemvindo ao deserto do Real, situando as catástrofes de 11 de setembro de 2002 com a
invasão dos terroristas nos EUA e os estragues causadas a partir dela. E a pergunta
que pairou e ficou para todos nós foi: Por que essa catástrofe? Por não podemos ser
sempre felizes? Em psicanálise, a traição do desejo tem um nome precioso:
felicidade. Num sentido lacaniano estrito do termo, deveríamos então postular que a
felicidade se baseia na incapacidade, ou aversão, do sujeito de enfrentar
abertamente as conseqüências de seu desejo: o preço da felicidade é permanecer o
sujeito preso a inconstância do desejo. Na vida diária, quando fingimos desejar
coisas que na verdade não desejamos, e assim, ao final, o pior que pode acontecer
é conseguir o que “oficialmente” desejamos. A felicidade é intrinsecamente hipócrita:
é a felicidade de sonhar com coisas que na verdade não queremos. (ZIZEK, 1992:
p. 79).
Zizek pensador político, um dos interlocutores mais importantes nos debates
sobre o destino do pensamento político de esquerda, aprofundaram seus estudos no
sentido de buscar uma compreensão sobre aspectos psíquicos, ou melhor, o efeito
do regime social e político sobre o sujeito, o laço social e a cultura.
Apesar da diferença de registro entre os autores, que abordam o problema
em sua dimensão sociológica, e o nosso da psicanálise, achamos importante trazer
135
estas contribuições para contextualizar nossa discussão sobre os problemas da
contemporaneidade.
Para desenvolver a idéia de que modificações recentes estão na base do
crescimento da cultura na direção do avanço na contemporaneidade, apresentamos
as idéias de Lipovetsky, em 2004 e 2008, Bauman em 2008, o trabalho de Debord
(1997) que mencionamos por último e agora veremos Zizek (2003) que sabe como
poucos diagnosticar os sintomas da sociabilidade contemporânea e desvendar
articulações que nos causam efeitos e ultrapassam as análise circunstanciais de
fatos que nos levam ao cerne dos impasses do nosso tempo.
Um tempo em que o que está por trás das aparências, funciona como diz
Zizek “como o estratagema definitivo para evitar o confronto com o Real”. Segundo
esse autor nossa tarefa é criar um verdadeiro estado de emergência que
corresponda a essa verdade nesse momento.
Segundo este autor, as condições econômicas em que hoje vivemos sob o
regime capitalista mostram-se muito diferentes do seu início. No primeiro momento,
as condições de sobrevivência e de ampliação desta constituíam-se a base
econômica de todos os empreendimentos. A produção de mercadorias, neste
contexto inicial, permaneceu, por muito tempo, artesanal, contida. Com a revolução
industrial, a expansão do comércio e a acumulação do capital, a mercadoria assumiu
o domínio total da economia chegando a uma ditadura. Nas palavras de Debord
(1997), “o espetáculo é o momento em que a mercadoria ocupou totalmente a vida
social. Não apenas a relação com a mercadoria é visível, mas não se consegue ver
nada além dela: o mundo que se vê é o seu mundo” (p. 30).
Calcando-se em Marx (1818-1883), nas concepções de acumulação de
capital e de fetichismo da mercadoria, o autor vai propor a tese de que o espetáculo
é uma conseqüência da moderna sociedade de consumo, da dominação do
mercado e da abundância: "toda a vida das sociedades nas quais reinam as
modernas condições de produção se apresenta como uma intensa acumulação de
espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação"
(1997, op. cit. p. 13). A noção de espetáculo, construída pelo autor, diz respeito,
diretamente, às formas de relação social mediadas pela imagem apontando para um
contexto de inflação da dimensão imaginária que estaríamos vivendo hoje.
Se, com a evolução do capitalismo, fomos abandonando a cultura do ser na
direção de uma cultura do ter, para o autor, “a fase atual em que a vida social está
136
totalmente tomada pêlos resultados acumulados da economia, leva a um
deslizamento generalizado do ter para o parecer do qual todo ter efetivo deve extrair
seu prestígio imediato e sua função última...” (p. 18). O espetáculo corresponde,
assim, a nosso ver, à fabricação de mecanismos de alienação e de aprisionamento
do sujeito à dimensão da necessidade, dificultando extraordinariamente sua
assunção à condição de sujeito desejante. Nas palavras do autor, "a alienação do
espectador em favor do objeto contemplado (...) se expressa assim: quanto mais ele
contempla, menos vive, quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes
da necessidade, menos compreende sua própria existência, e seu próprio desejo".
(1997, p. 24). O recuo do sujeito da responsabilidade ética sobre seu desejo implica
a própria queda no que estamos nomeando o gozo dos covardes.
Apesar dos diferentes registros entre os autores, que abordam o problema em
sua dimensão sociológica dos sujeitos contemporâneos, como Debord (1997),
Lipovetsky (2004), Bauman (2008), Zizek (2002) percebemos um ponto em comum
entre eles, todos aprofundaram seus estudos no sentido de uma busca pela
compreensão sobre os aspectos psíquicos que preponderavam em cada cultura,
seus efeitos sobre o regime social e político do sujeito, assim como os laços sociais
que estabelecem entre si. Achamos importante, portanto, o destaque sobre os
aspecto psicológicos para trazermos como uma contribuição, para contextualizar e
enriquecer a nossa discussão, ainda que com a necessária reserva, pela nosso
conhecimento modesto e limitado nessa área de saber sociológica.
Podemos comentar, a partir da reflexão dos autores, a idéia de que o
capitalismo avançado criou imperativos que dão semblante a uma cultura na qual as
referências norteadoras, como vimos, encontram-se ausentes ou em vias de
extinção. Os semblantes, a publicidade e a mídia passam a funcionar como
referência fornecendo as regras do bem-viver, o cuidado com o corpo, a higiene,
tudo isso implicando o consumo de bens e de serviços altamente especializados. Os
ditames da cultura do parecer (Debord, 1997) impõem a aquisição quase compulsiva
de objetos de consumo e bens de serviço intermináveis.
Traçarmos um paralelo entre o pensamento de Debord (1997), e as recentes
contribuições de autores que situam a exibição de gozo proposta pela evolução do
capitalismo na direção da globalização. Destacamos a idéia proposta por Melman de
que deixamos de lado uma economia psíquica estruturada sobre o recalque para
constituirmos, hoje, outra modalidade fundada na exibição de gozo. A exibição é a
137
modalidade de gozo que impera na cultura contemporânea, voltada à apresentação,
ou na Sociedade do espetáculo como pregou Debord. Para Melman, "passamos de
um regime ao outro no qual, não apenas o desejo não é mais recalcado, como
também são as manifestações de gozo que dominam — que devem dominar"
(p.216). Poderíamos dizer que ao longo do século XX — se tomarmos como
referência o texto do Mal-estar na cultura (Freud, 1930) — substituímos o imperativo
de renúncia ao gozo ao seu extremo oposto, a exibição do gozo como tal.
Há uma diferença entre uma economia psíquica centrada no objeto perdido e
outra modalidade, a que estamos vivendo, que se organiza em torno da exibição de
um objeto doravante acessível para a realização total e completa do gozo. De
acordo ainda com Melman esta segunda modalidade corre em paralelo à economia
de mercado, é autônoma, não precisa de uma voz, de um autor, ela funciona como
um campo lógico segundo o qual praticamente não existe o impossível já que é
difícil, para o sujeito contemporâneo, distinguir o real do virtual. O laço social, assim,
não se estabelece pela partilha de uma renúncia coletiva mas por uma adesão a
uma espécie de festa permanente, que implica manter, a qualquer preço, o gozo em
andamento. A nosso ver essa exibição do gozo está no âmago da Sociedade do
espetáculo (DEBORD, 1997).
Em março de 2008, enquanto redigindo as páginas deste trabalho, vimos, na
televisão, a morte da menina Isabella Nardoni, de cinco anos de idade, que foi
arremessada pela janela de seu apartamento no interior de São Paulo, pelo próprio
pai com auxilio da sua madrasta. Foi um crime bárbaro que chocou o Brasil inteiro. A
nosso ver, essa exibição do crime exemplifica o que Debord chama de Sociedade do
espetáculo. Em busca da verdadeira versão, frente a omissão dos pais que se
eximiram da função paterna e materna, protetora dos filhos, delegando dessa forma
à Justiça e à sociedade esse encargo, cabendo à imprensa, noticiarem com todos os
detalhes, à todos os ouvintes de todo Brasil, durante um longo período de tempo,
todas as cenas do crime com seus mínimos detalhes tornando, dessa forma
a
sociedade em parte responsável, por essa função paterna que na verdade, nesse lar
não operou, ou melhor dizendo, operou ao avesso de sua função, paradoxalmente
no sentido oposto de sua função. Tomamos as palavras de Lipovetsky como
parâmetro, para contrapor de certa forma o pensamento de Debord quando critica a
cultura do parecer ser nessa modalidade de gozo contemporâneo, em torno do eu
imaginário como instância do espetáculo. A ética da psicanálise é baseada no “bem-
138
dizer”, cujos fundamentos não se referem a ideais, mas ao gozo específico do
sujeito, cujo desejo é correlato à lei da fala e da linguagem.
O futuro da hipermodernidade depende de sua capacidade de fazer a ética
da responsabilidade triunfar sobre os comportamentos irresponsáveis.
A tomada de responsabilidade deve ser coletiva e exercer-se em todos os
domínios do poder e do saber. Mas também deve ser individual, pois em último
recurso cabe a nós assumir essa autonomia que a modernidade nos legou.
(LIPOVETSKY, 2004: p. 47)
A ética do sujeito na psicanálise se refere ao desejo e ao real do gozo, na
relação com uma verdade que não é universal, mas específica a cada um: o sujeito
só pode “semi-dizê-la”, porque ela é “não-toda significante”. (VALAS, 2001: p. 32).
Este crime, praticamente cometido diante das câmeras e dos microfones
ilustra, a nosso ver, revela o crescimento da dimensão midiática, cujo efeito é o de
transformar a negação do papel preservado à família na proteção dos seus filhos,
em responsabilidade social e jurídica, cabendo à sociedade e à Justiça exercer a
verdadeira função paterna. Atualmente os aspectos, considerados "íntimos", são
capturados pela dimensão do espetáculo social que, no extremo desta condição,
levará o ser a aparecer diante de si mesmo cada vez mais. Destacamos, como uma
das conseqüências dessa condição, o perigo da redução da subjetividade à
dimensão da imagem, a predominância do registro do imaginário sobre o simbólico o
que implica, como sabemos, superdimensionar aquelas formações que se
organizam em torno do eu espetacular. É a própria cultura, portanto, que favorece a
predominância das formações imaginárias que irão enfraquecer , pelo dinamismo
especular o eu ou o outro no laço social. Nesse contexto é perfeitamente
compreensível que o gozo predominante de uma sociedade do espetáculo, sofra
uma metamorfose em relação ao desejo com suas conseqüências, nessa cultura
liberal através de seus instrumentos entre os quais a mídia. Valorizar a liberdade de
expressão, demonstra o quanto a democracia liberal é responsável por essa nossa
era, de transparência, de crítica, e mais autônomo diante do seu desejo.
CONCLUSÃO
“Amar é dar o que não se tem”
LACAN
Para concluir optamos por apresentar um paralelo sobre os três casos que
serviram de fio condutor para essa nossa pesquisa do sujeito toxicômano, suas
implicações com a droga, formas de gozo e envolvimento com a transferência no
tratamento
psicanalítico,
apresentando
os
impasses
sobre
o
sujeito
na
contemporaneidade. As modificações aceleradas da cultura com a globalização
promovem uma dispersão na direção e decisão que o sujeito precisa tomar ao
assumir seu desejo. O gozo constitui um operador conceitual fundamental para
pensar a clínica da psicanálise, assim como sua incidência na marcha do desejo.
Os casos apresentados sobre essas novas condições subjetivas para
distinguir diferentes tipos de gozo segundo o ensino de Lacan poderão elucidar as
estratégias dos pacientes toxicômanos que trazem em sua essência a marca desse
paradoxo no campo do gozo. O aprisionamento às dimensões narcísicas ou ao
isolamento, facilitam a eclosão de manifestações de violência, agressividade e ódio
que sustentam o recuo do sujeito frente ao enfrentamento das dificuldades da vida.
Distinguimos três tipos de gozo para discernir em que momento os casos
apresentados servem para caracterizar o que o ensino de Lacan denomina como
paradigmas do gozo: O gozo fálico [JΦ]. O gozo do sentido (JS) e o Mais-de-gozar
que é o que tem maior status, segundo GERBASE (2008: p. 67). Ficando para um
140
outro momento de estudo o gozo do Outro ( JA ) ou seja a impossibilidade da
Relação Sexual e o gozo do sintoma
(JΣ) - do Sigma, o sintoma do final de análise.
No caso apresentado do adolescente infrator que faz uso de drogas estamos
referidos ao gozo fálico. Observamos que o adolescente está tentando atravessar o
Complexo de Édipo e investido no jogo fálico. O gozo fálico é o que resulta de sua
codificação e assume uma significação fálica no Édipo. Se analisarmos o sintoma na
perspectiva do que acontece entre pai, mãe e filho (a) veremos que estamos
inseridos no paradigma do gozo fálico, situado topologicamente entre o registro do
Simbólico e do Real. A suposição de que o Nome-do-Pai possa barrar o Desejo-daMãe, constrói uma hipótese da castração ideal, o que jamais acontece; o pai está
sempre aquém de sua função.
Antes do nascimento desse filho, as circunstâncias que presidem ao encontro
de seu pai e sua mãe, são organizadas pelas palavras que se situam no mesmo
quadro das "leis da linguagem", formam uma constelação que antecedem a sua
concepção e o inscreve em sua própria história. Portanto, os caminhos por onde o
sujeito pode vir traçar a sua história provêm do Outro, dos significantes fornecidos
pelo outro, aos quais, o sujeito escolhe, forçadamente para se alienar. O processo
pelo qual o sujeito subjetiva a sua história se define na própria palavra, mais
exatamente no que a sua própria mensagem lhe revém sobre forma invertida. O
sujeito é justamente o que falta a ser. O sujeito é um efeito desse encontro com o
Outro. O adolescente envolvido com tráfico sobre o domínio do imperativo do gozo,
marcado com o significante impresso no corpo, endereça um pedido de ajuda a
analista, ao estabelecer o amor de transferência, algo sobre a sua divisão subjetiva,
aparece através de uma tatuagem de uma mulher com uma rosa na mão e uma
arma na outra, com a frase inscrita no corpo “Pray for me”, porém, teve sua vida
interrompida subitamente pela morte, onde ao permanecer no mundo do tráfico,
depois de um longo trabalho de análise, fez a sua escolha pela morte. Esse
adolescente infrator , vai representar o que nos referimos como gozo fálico. O
fragmento clínico está nas paginas 102 á 107 deste trabalho. No gozo fálico o que
está em jogo é a Metáfora Paterna, ou seja o Nome-do-Pai e o Desejo da Mãe, na
constituição do sujeito. LACAN (1957-1958) p. 180.
O caso de Luisa, está referido ao gozo do sentido, situado topologicamente
na dimensão do sentido entre o Imaginário e o Simbólico. O saber de Luisa
141
apresentado nas páginas 40 e 41 deste trabalho, torna-se um saber, marcado pela
impotência de seu ser, um saber falido, distanciado do gaio saber, que reconhece o
Real como o impossível de saber. Segundo Lacan é na condição de gaio saber, que
o significante se reconcilia com o gozo; o gozo pelo deciframento de sua história,
para distinguir os significantes que a determinam e poder mudar o curso de sua
história. Lacan chama de sujeito petrificado pelo significante, um sujeito que não faz
qualquer pergunta sobre si mesmo. Exemplificamos com Luiza27 que apresenta-se
para um tratamento com ato suicida sem noção do perigo é levada a responder
sobre o seu desejo e implicar-se nos seus atos interrompendo o tratamento. Há um
gozo do sentido, ou, de outra maneira, gozamos do sentido. (GERBASE, 2008: p.
49).
Apontamos para a urgência do surgimento da falta de sentido, que poderia
levá-la ao enigma e a suportar deslizar na cadeia de significantes em seu tratamento
que a fez vacilar entre identificação e indeterminação frente aos sentidos dos
significantes que a petrificam, opera a cristalização do discurso impedindo o
deslocamento metonímico da cadeia dos seus significantes. Luisa aquela que não
se posiciona como sujeito do desejo, que hesita e deixa-se ficar à margem da vida,
amedrontada, desistente, caracteriza o que Lacan chama de “covardia moral”
LACAN.(1974)
Hell, vive o angustiante vazio do excesso de gozo, consumindo drogas,
álcool, sexo, roupas de grife e dos gadjets, sem encontrar prazer nessa compulsiva
busca de seus limites com as overdoses, confrontando-se com a morte. O relato
situado nas páginas 79 e 80 deste trabalho, ilustrará o que compreendemos por
estar referida ao paradigma do Mais-de-gozar, ou seja ao objeto a, como o resto de
gozo que escapa ao processo de significação. Hell mergulhada no Mais-de-gozar
ressalta como no regime capitalista avançado, garante as mesmas coisas que o
narcisismo exacerbado do desejo: glamour, chame, beleza, riqueza e popularidade
através do consumo de determinados bens e serviços. Hell ao responder os
imperativos de exibição de gozo da contemporaneidade com aquisição de bens e os
gadjets (objetos de brilhos efêmeros) de seu consumo, cumpre categoricamente o
que Lacan denuncia: “retira-se ao sujeito o seu desejo e, em troca, enviam-no ao
27
MARTINS, N. A. S. – Caso clínico apresentado In: Escolha da Neurose ou Insondável decisão
do ser – Impasses na Clínica do Sujeito. Associação dos Fóruns do Campo Lacaniano. Revista
Stylus. N. 12. 2006.
142
mercado, onde ele entra no leilão geral”. LACAN (1960-1961: p. 316).
Demonstramos com o caso Hell, como o movimento do desejo e a economia do
gozo, estão intrinsecamente ligados, sendo o desejo a principal defesa contra o
gozo. Lacan diz: A castração significa que é preciso que o gozo seja recusado, para
que possa ser atingido na escala invertida da lei do desejo. (LACAN, 1998: p. 841).
Como podemos nortear esta reflexão sobre toxicomania, sintomas e os
sintomas sociais contemporâneos? Iniciaremos com uma breve síntese sobre a
diferença na conceituação de sintoma em Psicanálise de Freud a Lacan,
estabelecendo a diferença em relação ao final de análise. Freud partia de uma
compreensão apoiada no modelo médico, em que o sintoma representava um
núcleo patogênico que envolvia uma mensagem. Acreditava na remissão sintomática
a partir da retomada pela consciência, do sentido inconsciente. Essa premissa fez
com que se deparasse, mais tarde, com o que chamou de “rochedo da castração”,
um rochedo instransponível.
Freud termina sua obra questionando até que ponto a análise teria o poder de
atualizar os conflitos, com a neurose de transferência estabelecida na relação
analítica, tornando-os acessíveis ao tratamento.
Lacan, porém, parte de Marx e das relações do sujeito com o capital e a
cultura, para aprofundar a discussão sobre o mal-estar na estrutura subjetiva. Tal
formulação levou-o a positivar o conceito de sintoma ao final de análise como uma
forma de gozo, própria do sujeito, seu estilo, sua verdade e o que enlaça os registros
real, simbólico e imaginário.
“Lacan diz que Marx inventa o sintoma, porque o postula como “retorno da
verdade como tal, na falha de um saber”, a partir desta referência marxista, Lacan
define o que é sintoma social: Só há um sintoma social: cada indivíduo é realmente
um proletário, quer dizer não tem nenhum discurso com o qual possa fazer laço
social(...) Cabe ressaltar que para Lacan, proletário é aquele que foi despojado de
sua função de saber.
O conceito de sintoma vem se modificando na obra de Lacan desde o texto
Função e Campo da Fala e da Linguagem (1953), quando é visto como um símbolo
de um conflito até 1974/1975, quando utiliza o termo sinthoma, tornando-o cada vez
mais próximo ao conceito de gozo. Em 1959-1960 apresenta o sintoma em sua
natureza de gozo. O sintoma se basta. No Seminário da angústia aponta que nem
todo gozo é sintomático. No Seminário Mais, ainda 1972-1973 - Lacan afirma que o
143
ser ao falar, goza: o sintoma é definido como um modo de gozo. Esse percurso
pelos conceitos de Freud e Lacan nos permitirá discutir a dimensão ética e social da
droga, situando a economia psíquica do toxicômano entre o desejo e o gozo. E,
abordando ainda, a teoria dos discursos em psicanálise favorecendo a leitura de
uma concepção singular para o toxicômano estabelecer seus laços sociais.
Cabe-nos ressaltar, entretanto, que tanto a toxicomania como o sintoma
social são termos que interrogam a teoria e a clínica da psicanálise, apresentando
uma relação sem embaraço com o seu objeto. O que caracteriza um sintoma como
sintoma social é justamente a manifestação do esgarçamento do laço como social
fundado na dimensão simbólica do sujeito submetido à delinqüência, à
clandestinidade e à violência. O sujeito toxicômano submetido ao discurso capitalista
do consumo de drogas ou fascinados pelos efeitos medicamentosos dos
psicofármacos, ao estabelecerem laços socais fracassam.
Além das dificuldades em estabelecer laços sociais permanentes – o
toxicômano tende a curto-circuitar seus laços sociais no encontro com o objeto droga
– sujeito fundido com o objeto droga, fundido com o objeto que se pode comprar.
O discurso sobre a toxicomania com ênfase no objeto droga ganha força nos
anos 1950 – junto com o nascimento da farmacologia, mas tem a sua consagração
nos anos 1970, relacionada, portanto, ao efervesce do discurso da ciência no
capitalismo.
Esse sintoma, ponto de emergência da verdade, diz respeito às relações
sociais entre coisas, um modo de funcionamento paradigmático do sistema
capitalista, que incita a produção do indivíduo, sujeito dividido e fundido com seu
objeto de gozo objeto de brilho efêmero, que se pode comprar. O discurso
decorrente privilegia não o sujeito e sim o indivíduo consumidor que, em sua
dimensão de consumidor, não encontra lugar no pathos, no sofrimento, pois
permanece retido na colagem do objeto da demanda e não no desejo, fixado na
demanda do objeto do consumo.
Quando o paciente toxicômano, investe no objeto a como objeto de consumo,
visa atender sua demanda e não busca encontrar seu lugar em seu próprio desejo,
ainda que para isso tenha que pagar com uma libra de carne pela realização de seu
desejo, pois se assim o fizesse, mesmo sofrendo, ele seria capaz de transformar sua
demanda de tratamento em uma demanda de análise e provavelmente se
encontraria com seu desejo.
144
Pode verdadeiramente a psicanálise, quando ela chega seu termo, pretende
produzir um sujeito inédito? Lacan não hesitou e mais de uma vez evocou esse
sujeito transformado pela análise com o termo, muito forte, de metamorfose.
Freud em seu texto “Análise terminável e interminável” (1937), revela-se um
pouco recuado em relação ao término do tratamento, interrogando o resultado
possível de uma análise, evoca a transformação que o sujeito deve sofrer para que
possa dizê-lo “analisado” no particípio passado. De Freud a Lacan os enunciados se
divergem bastante em relação ao termino de uma análise.
Se Freud fazia o tratamento da pulsão pelo recalque, apresentava a análise
com sua pretensão de curar neuróticos, assegurando a dominação sobre as
pulsões, tem sempre razão na teoria, mas nem sempre na prática. Assim Freud tão
freqüentemente acusado de operar como mestre, deixa todo seu lugar para uma
decisão renovada do sujeito. Lacan afirma que palavra final e a saída última caibam
aqui ao sujeito, ou antes, à “insondável decisão do ser”. (LACAN, 1998: p. 179).
A ética da psicanálise destaca uma oposição entre o serviço do bem e do
desejo, tendo a morte como parâmetro: o desejo deve permanecer em uma relação
fundamental com a morte, porque “é sempre por meio de um ultrapassamento do
limite [...] que o homem faz a experiência do desejo [...] Esta não é uma via que se
pode avançar sem nada pagar” (LACAN, 1960: p. 370).
Nessa concepção de funcionamento da subjetividade humana inserida no
contexto social reconhecem-se formas de laços sociais, discursos que determina o
sujeito, o sentido de seus atos e de seus ditos, sua forma de gozo e também sua
psicopatologia, seu sofrimento (pathos) e o transbordamento para além do sintoma,
do individual, do privado, do íntimo do sujeito.
Trata-se, portanto, de pensar o modo como os sintomas capturam o sujeito, e
aparecem nos discursos, indicando uma ordem social e apontando para uma direção
de tratamento.
Na contemporaneidade a droga alcançou status de mercadoria, um produto
oferecido pelo capital ao consumidor. O mundo das substâncias químicas também
está dividido em duas categorias: drogas ilícitas, aquelas drogas encontradas nas
ruas e que tornam o sujeito um toxicômano, moralmente inferiorizado aos olhos do
restante da sociedade e aos seus próprios olhos. E o outro grupo das drogas lícitas,
os psicofármacos, as drogas prescritas e que são utilizadas no campo clínico.
Apesar das especificidades que as distingue, ambas são formas de abordar o
145
sofrimento e, ambas fazem parte de um mercado que se desenvolve no capitalismo
contemporâneo. O capitalismo avançado nos levou a esta condição do consumo
exacerbado e compulsivo na qual o gozo é enaltecido e o desejo tem perdido cada
vez mais o seu lugar.
Em termos contemporâneos o discurso do mestre moderno corresponde ao
discurso capitalista ou quinto discurso, desdobramento do discurso inicial do mestre
que amplia a possibilidade de pensarmos uma modalidade discursiva que já se
distancia daquela do discurso do antigo mestre: a relação do capitalista e seu antigo
mestre. Este novo mestre aprendeu a gozar do objeto que o outro produz para ele.
Nas palavras de Lacan:
“Alguma coisa mudou no discurso do mestre a partir de certo
momento da história. [...] pois o importante é que, a partir de certo
dia, o, mais-de-gozar se conta, se contabiliza, se totaliza. Aí começa
o que se chama de acumulação de capital” (LACAN, 1969-1970.
Seminário livro 17, p. 169).
Lacan observa que [...] “não há capitalista que possa dizer que um
determinado número basta, que está tranqüilo e satisfeito, isso seria fazer uma
injúria ao jogo capitalista”. (LACAN, 1969-1970, Seminário livro 17, p. 113).
As discussões surgidas dessa realidade atingem uma questão ética e trata-se
do sofrimento humano, a psicanálise credita que a verdade que está do lado do
sujeito do inconsciente pode libertar o homem, as teorias psicofarmacológicas
organicistas nascidas ao amparo de novos fármacos salientam que a verdade e a
história não curam ninguém.
Para elaborar uma posição ética da psicanálise em relação à crença na
eficácia da química recorreremos a Lacan, que situa no discurso capitalista a
dominação mercantilista do desejo, ou seja, a sua domesticação. Num contexto de
extensão do consumo e de renúncia pulsional, ocorre o aumento da exigência do
gozo, que por sua vez, incrementa insatisfação, retornando às formas de consumo.
A dimensão subjetiva é esmagada em uma cosmética do corpo e do eu para que o
sujeito possa se adaptar à lógica do consumo, impondo-se uma obrigação de ser
feliz (A obrigação de ser feliz. SILVESTRE, D., 1999: p. 113).
Mas, se a palavra se apresenta como principal instrumento para o trabalho
psicanalítico, como abordar a questão do “discurso psicanalítico” com os
psicofármacos, que excluem o sujeito? A sociedade de consumo que cria e incentiva
146
essa demanda desemboca numa idéia de uma “psiquiatria cosmética”, conceito de
Raul Dresco. A psicofarmacologia não é uma panacéia. In: Pharmakon; ou seja, o
uso do psicofármaco, via de regra, impede mesmo a emergência do discurso do
sujeito.
Sabe-se que a ciência exclui o sujeito e se desentende em relação às
questões do gozo. Mas é o mercado, a sociedade de consumo que oferece
maciçamente estes objetos para prover satisfação, aplacar o mal-estar e instaurar o
reinado do prazer e da felicidade.
O discurso capitalista como prevalente à condição de exibição do gozo, o
sujeito na captura do mais-de-goza, como uma modalidade de gozo contemporâneo.
O que é o gozo? Aqui ele se reduz a ser apenas uma instância negativa. O
gozo é aquilo que não serve para nada. Lacan no Semanário 20 (1972-73).
Com suporte de autores que selecionamos e discutem as análises críticas da
moderna sociedade de consumo e com base nos diferentes estudos que
desenvolvemos sobre a subjetividade humana, tentamos concluir nesse estudo, a
posição do sujeito toxicômano, como um sujeito petrificado no discurso capitalista, o
único que segundo Lacan não faz laços sociais. Ousamos, portanto indagar sobre a
consistência dos laços sociais dos sujeitos toxicômanos com os casos apresentados,
e pretendemos discutir todas essas questões levantadas, para dar conta da
atmosfera revelada nos nossos tempo, no campo do gozo e os paradoxos, as
incertezas e as negociações que nele se desvelam, buscando uma saída, como
solução, ainda que esta, faça limite com a morte, desde que essa, não seja um
encontro com a morte.
Lipovetsky, filósofo francês, especialista em pós-modernidade, destaca o
domínio do amor como sendo a riqueza da nossa vida privada, o que escapa à
esfera do lucro no mundo do hiperconsumo:
O "amor" — eis outro domínio que escapa à esfera do lucro, do
ganho, assim como, de modo mais geral, todos os valores relacionais
que, em grande parte, constituem a riqueza de nossa vida privada. p.
36.
O reino do dinheiro não é coveiro da afetividade; ao contrário, é ele
que dá a essa última toda a sua legitimidade, como se sentíssemos
ser necessário recuperar alguma inocência num mundo cada vez
mais regido pela eficiência e pela racionalidade.
Nada mais falso, portanto, do que acreditar que o consumo reine
sem restrições. (LIPOVETSKY, 2004: p. 36)
147
“O amor, certamente, faz signo, e ele é sempre recíproco [...] O que faz
agüentar-se a imagem, é o resto. A análise demonstra que o amor, em sua essência,
é narcísico, e denuncia que a substância do pretenso objetal – papo furado- é de
fato o que , no desejo, é resto, isto é, sua causa, e esteio de sua insatisfação, se não
de sua impossibilidade”. (LACAN, Seminário 20, p. 12 e 14).
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SINTOMA NA CONTEMPORANEIDADE Paradoxo do gozo no