A transferência como prática clínica e política1 Ondina Maria Rodrigues Machado Nestas XX Jornadas vamos falar da transferência como conceito clínico e demonstrá-la como prática política. A Escola de Lacan foi fundada na transferência negativa de Lacan com Freud: a princípio contra a IPA e depois questionando os conceitos freudianos para ir além de Freud. Lacan soube se servir do pai para ir além dele, tarefa difícil, não só pela genialidade de Freud, mas também porque implica sustentar uma posição subjetiva que não recua diante do pai. Foi a transferência negativa que possibilitou a Lacan fundar, não uma Associação, mas uma Escola. A Escola de Lacan foi estabelecida sobre as mesmas bases de uma análise: transferência, desejo, causa, crença no saber inconsciente. Uma escola de sinthomas, de singularidades que tentam a convivência, ainda que advertidas do gosto amargo do inconvivível. As análises são necessárias para que não se ceda à identificação imaginária, com a ideia de que somos todos irmãozinhos, mas também para que não nos isolemos como pobres solitários incompreendidos, Narcisos agarrados aos pequenos detalhes de nossas singularidades. Mas por que Escola, e não uma Associação? Primeiro, porque para Lacan a formação era permanente. Mas não só por isso, também porque Escola é um instrumento político à medida que supõe renovação, questionamento, forçamento de resistências. Enfim, uma Escola luta contra a estagnação, crítica que Lacan fez à IPA e que, hoje, temos que estar atentos para não cairmos no que parece ser um movimento natural e espontâneo das instituições em geral. Outro aspecto da transferência como política é o que nos orienta na integração ICP-EBP/Rio, que possibilita, e demonstra, as transferências analíticas e que, em alguns casos, é o primeiro passo na transferência com a Escola. 1 Este texto foi apresentado na mesa de abertura das XX Jornadas Clínicas da EBP-Rio e ICP-RJ, Um apego singular: a transferência e suas surpresas, em setembro de 2010. 1 Nestas Jornadas vamos ter ainda o passe, que mostra a transformação que a transferência sofre ao final de uma análise. Se durante a experiência analítica esta se dirige ao analista, ao final se dirige à Escola, o que nossa convidada Graciela Brodsky situou como uma “reidentificação para os desidentificados do discurso analítico”.2 Ser analista não é uma qualidade nem um título, apenas um modo de ser que se tem através da experiência como analisante. Poderíamos, então, deduzir que a análise produz, paradoxalmente, um analisante que, como tal, pode vir a ser colocado por alguém no lugar de analista. O analista-analisante é um fundamento da política lacaniana que, necessariamente, requer um posicionamento em relação à causa analítica. Essa causa faz com que topemos o trabalho tanto em nossas análises quanto na participação institucional. Ricardo Seldes apresentou um texto no IV Encontro Americano que me tocou particularmente. Nele, Seles relata como a participação na vida institucional permitiulhe um reposicionamento como sujeito em relação a uma forma de gozo e quanto isso contribuiu para a sua formação. Ele enfatizou que: a formação de um analista também passa por assumir posições na instituição. Comprometer-se com a instituição era também comprometer-se com a causa analítica. Sem este compromisso dificilmente se concebe o desejo do analista nos termos em que Lacan o formulou. A política lacaniana é uma política da insistência, a de fazer sair o desejo oculto atrás das boas razões e da boa intenção.3 Se a Escola de Lacan é feita de sinthomas, que, pelo menos, sejam eles produtos da redução promovida por uma análise. Só assim cada analista poderá contribuir com o que tem de mais singular, menos coletivizável, promovendo uma Escola Una por suas diferenças, em constante desafio à fixidez pulsional de cada um de nós e a tendência mortífera da estagnação institucional. 2 BRODSKY, Graciela. Dizer não. Em: Opção Lacaniana, n.56/57, julho de 2009. São Paulo: Edições Eolia. 3 SELDES, Ricardo. “A insistência na política lacaniana”. Em: Latusa Digital, n° 40/41, março e junho de 2010. Disponível em www.latusa.com.br. 2 Então, vamos ao trabalho. Convido todos a assistir aos interessantes e surpreendentes trabalhos das mesas simultâneas, cuja primeira rodada se inicia agora. Sejam bem-vindos! 3