A História da criança no Brasil
ainda está para ser contada∗
Sabemos muito pouco sobre a tragédia ocorrida com os indígenas
brasileiros e suas crianças. Só conhecemos a história contada pelos colonizadores
e pela Igreja. Os próprios indígenas não têm história escrita ou gravada, não têm
sua versão da história. O pouco que ficamos sabemos é pela história contada pela
Igreja, ou sob o ponto de vista dos colonizadores.
O primeiro registro que se tem da história da criança no Brasil é de 1550,
através do catequista português padre Manoel da Nóbrega. Quando veio para o
Brasil, ele trouxe consigo sete órfãos vindos de orfanatos de Lisboa. Eram
crianças que viviam nas ruas ou não, mas que estavam em instituições de
recolhimento de crianças de Lisboa. Esses órfãos chegaram aqui para ajudar na
catequização das crianças indígenas e eram utilizados pelos catequistas para se
fazer a aproximação do homem branco com os curumins.
Mas, em Salvador, já por volta de 1552, tem-se a notícia do primeiro colégio
para as crianças indígenas no Brasil. A Igreja tinha na catequização três objetivos
centrais: combater o paganismo, a antropofagia e a poligamia. No que dizia
respeito às crianças, ali só interessava o paganismo.
Para os jesuítas, o paganismo tinha que ser vencido pelo batismo, uma vez
que com ele as crianças estariam salvas. Hoje, como o BrasiI é um Estado multi
étnico, que voltou a reconhecer o direito coletivo e a respeitar a forma como os
indígenas nascem, crescem e morrem, vamos ter dificuldade de entender o que
aconteceu naquele momento. Mas, naquela época, catequizar e vencer o
paganismo significava fazer as crianças abandonarem suas crenças, mitos,
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MIRANDA, Nilmário: Por que Direitos Humanos. – Belo Horizonte: Autêntica, 2006. 200p
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costumes e tradições. Era fazer com que elas abandonassem o seu espírito de
família, de coletividade, a relação que tinham com a água, com a mata, com a
terra, com os bichos e com eles próprios.
É por isso que, apesar de ter o intuito de uma pretensa proteção, os
jesuítas não vinham para promover o extermínio, a catequização e a salvação
ajudavam o extermínio na medida em que eles, por exemplo, provocavam o
desaldeiamento de centenas de tribos. Há notícias, nas primeiras décadas da
colonização, de mais de 300 tribos que foram desaldeiadas e juntadas em outros
locais, contribuindo assim para o extermínio e para a dominação.
É preciso ressaltar que, para fazer com que os índios abandonassem as
suas crenças, mitos, costumes e tradições, eles eram tratados como seres sem
alma. Para o diferir do homem branco, os colonizadores chamavam o indígena de
selvagem, ou silvícola, como pessoas em estado de pecado.
Quando, nos dias atuais, aqueles cinco jovens, em Brasília, incendeiam o
índio Galdino Pataxó, no fundo é a reprodução dessa cultura que considera o índio
"um nada", uma pessoa sem valor, ou até mesmo uma não pessoa. As crianças
indígenas do Brasil Colônia, portanto, eram até objeto da prioridade dos
colonizadores, na medida em que abandonavam as crenças, os mitos,seus
costumes e tradições e isso contribuía com mais facilidade para a dominação a
longo prazo.
No século XVI, vieram os escravos da África. Esse foi o maior comércio do
mundo, por muitos séculos. Era o chamado ciclo econômico perfeito. Os navios
saíam da Europa carregados com armas, pólvora e determinados objetos. Na
África eles eram carregados com escravos. Das colônias, eram retiradas as
mercadorias - açúcar, especiaria, madeira. Ou seja, não havia ociosidade, era
produtividade plena. E isso perdurou séculos.
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Não há estatísticas definitivas sobre o comércio de escravos por três
séculos. Alguns falam em 15 milhões de pessoas. Mas se forem 5 miIhões,
estimativa conservadora,a gente pode ter a noção do tamanho desse comércio.
Ou seja, diariamente navios negreiros aportavam no Brasil, em Santos, em
Salvador, no Rio de Janeiro ou em Recife.
Os
escravos
não
eram
considerados
humanos
completos.
Eram
mercadorias. Para ser objeto de compra e venda, tinham que ser destituídos da
sua humanidade. E eram considerados objetos de trabalho, assim como o gado.
A travessia podia resultarem mortandade, nas calmarias, sobretudo de
homens, mulheres e crianças. Vinham nos porões escuros, sujos, convivendo
coma subnutrição. Muitas vezes, as crianças eram separadas dos pais antes do
embarque. Mas, na maioria dos casos, eram capturadas as famílias inteiras.
No Brasil, eles eram vendidos ou comprados junto com os pais. Os homens
eram destinados ao trabalho pesado – lavoura, mineração-, e as mulheres para o
trabalho doméstico. As crianças negras eram batizadas em rituais dos brancos, do
mesmo modo que com os indígenas, para salvar as almas dos pagãos. Pagão
eram os filhos legítimos naturais. Recebiam nomes cristãos e sobrenome dos seus
senhores. Era comum receberem nomes de santos, porque se espalhou a crença
entre os escravos de que, se permanecessem como pagãos, virariam lobisomem.
O ritual do batismo significava uma apropriação daquela consciência, da mente
das pessoas.
Até os 8 anos, as crianças transitavam entre a senzala e a casa grande,
livremente. A partir dessa idade, os meninos iam ser pajens, moleques de recado,
cuidavam dos cavalos, lavávamos pés dos donos e dos visitantes, serviam a
mesa, espantavam mosquito e balançavam a rede. As meninas faziam rendas,
serviam de mucamas e babás e ajudavam na cozinha.
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Escola era proibida para filhos de escravos. A educação era obrigatória
para os brancos. Durante séculos havia pouquíssimas escolas. Grassava o
analfabetismo, mesmo entre os brancos. Não havia necessidade da educação, a
não ser para quem se encarregasse dos negócios da Colônia, do fisco, da
arrecadação, dos cartórios, da coletaria de impostos.
A tecnologia empregada era muito rudimentar no País. Por exemplo, a
tecnologia da cana-de-açúcar, dos engenhos, foi a mesma durante séculos. E a
relação trabalho-escravo tornava desnecessários os ganhos de produtividade,
posto que lucros enormes advinham com a apropriação integral do fruto do
trabalho escravo pelos seus senhores. A produtividade não era uma exigência,
tampouco uma demanda. Portanto coexistia com o analfabetismo, mesmo entre os
brancos.
Só na segunda metade do século XIX é que há aumento do número de
escolas no Brasil. Nos 322 anos de Colônia, o menino branco era considerado um
pequeno adulto. Aos 13 anos os meninos aprendiam a ter autoridade com os
escravos. Eram estimulados a castigar os negros desobedientes e a seduzir as
negras. Os filhos da elite estudavam na Europa e nos colégios internos religiosos.
Aos 15 anos começavam as carreiras - Medicina e Direito, principalmente. As
meninas iam para os colégios das irmãs aos 7 anos. Não era importante
desenvolver inteligência e cultura, e sim que fossem submissas e do lar.
Os escravos adolescentes viviam sob o controle dos senhores nas
senzalas, seja no campo, seja na cidade. Um negro forte, com 14 anos, era
considerado uma mercadoria valiosa para a lavoura e para a mineração. Já as
adolescentes escravas iam para o trabalho doméstico e para os serviços sexuais.
Os filhos nascidos dessas relações podiam receber atenção especial ou serem
abandonados em instituições.
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Nas cidades, os adolescentes aprendiam ofícios para sustentar os senhores
ou as senhoras. Mulheres sozinhas, solteiras, viúvas, adquiriam escravos para
servir de escravos de ganho. Vários historiadores relatam que nas ruas do Rio de
Janeiro, de Recife e de Salvador, era um burburinho de escravos vendendo algo
para seus donos. Tinham que andar descalços, já que isso os distinguia dos
demais.
Com a Lei do Ventre Livre, os filhos dos escravos eram sustentados pelos
senhores até os 8 anos. Ao contrário do que se pensa, quem nasceu a partir da
Lei de 1850 não era automaticamente livre. Na verdade ficava até os 8 anos sob a
responsabilidade dos senhores,que eram seus provedores. Dos 8 aos 21, eles
tinham de trabalhar para indenizar o dono. Só aos 21 anos que de fato eles eram
livres. Então, mesmo com a Lei do Ventre Livre, na prática as crianças
adolescentes permaneceram escravas. O senhor podia entregar a criança ao
governo mediante indenização, para ser internados em orfanatos. Mas eram
poucos os casos.
"Um negro forte, com 14 anos, era considerado uma mercadoria valiosa para
a lavoura e para a mineração. Já as adolescentes escravas iam para o
trabalho doméstico e para os serviços sexuais."
Com a Abolição da Escravatura,em 1888, o Brasil tinha 13 milhões de
habitantes, entre os quais oito milhões eram negros e pardos. Entre os demais 5
milhões restantes estavam os brancos, os indígenas e os outros - analfabetos,
sem-terra, brancos pobres.A partir da Abolição, muitos permaneceram no campo,
mas a maioria veio para as cidades, com a decadência da cultura tradicional da
cana. E houve um deslocamento dos centros econômicos do Nordeste para o
Centro-Sul do País.
Nas cidades, eles viviam em cortiços, junto com brancos pobres. O mais
famoso cortiço da época era o chamado Cabeça de Porco, com mais de 2 mil
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pessoas, no Rio de Janeiro. Quando Barata Ribeiro tornou-se prefeito, uma das
suas primeiras obras foi destruir o cortiço, que era considerado uma ameaça, um
gueto urbano.
As favelas surgiram com a Abolição. No lugar dos cortiços nasceram as
favelas, e a maioria delas - Botafogo, Catete - em regiões próximas do centro
urbano principal. Como Ihes fora negada a educação, essas pessoas pobres não
tinham habilidades para as novas exigências da economia urbana. Prestavam
pequenos serviços familiares, pessoais e todos que não exigissem qualificação.
Em Belo Horizonte também favelas nasceram praticamente ao mesmo
tempo que a cidade, dentro da Avenida do Contorno, como a dos Marmiteiros, as
favelas da Serra, que serviam a cidade formal.
Com o crescimento urbano pós-Abolição, aparece o fenômeno da
delinqüência juvenil, junto com o desemprego e o desamparo; bandos de jovens
se dedicavam à venda de loteria, à venda de roupas, à prostituição. Na música,
proliferaram os batuques, o samba.
E, na esteira, a repressão. A polícia se adaptou, já que, antes treinada para
a busca de escravos, passou a dar conta da vadiagem, do mau comportamento
social. E surgiram também as idéias do cordão sanitário em relação às "classes
perigosas". Em Belo Horizonte, a Avenida do Contorno era o cordão sanitário. Era
o limite da cidade para os cidadãos. A reforma urbana do Rio de Janeiro, no fim do
século, também separou as "classes perigosas".
Nos
séculos
XVI
e
XVII,
crianças,
bebês
eram
freqüentemente
abandonados em lugares públicos, onde circulavam porcos, cães, burros, ratos.
Por causa disso, em 1726, a Igreja conseguiu que as Santas Casas
tivessem a chamada Roda dos Expostos, que era um armário giratório com
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abertura para a rua. O bebê era recebido dentro, sem que a mãe ou parente fosse
identificada. O abandono ocorria por morte da mãe no parto, doença da mãe ou
falta de leite materno, suprido nas Santas Casas pelas amas-de-Ieite, ou ainda por
subnutrição, por miséria absoluta, ou também por serem filhos de mãe solteira,
filhos ilegítimos ou filhos do sacrilégio, porque filhos dos padres ou das freiras.
As elites, preocupadas com o crescimento da delinqüência, da infância
pobre e marginalizada, começaram a traçar novas teorias educacionais e de
controle educacional. Aí surgiu, no início do século XX, a salvação das crianças
pela educação, pela disciplina e pelo controle.
Havia um pensamento corrente, freqüente na literatura da época, que os
filhos da elite, nascidos da boa família, tinham uma tendência natural para a
virtude. E os filhos dos pobres dos cortiços, das favelas recém-nascidas, das
classes perigosas, do batuque, do samba, da promiscuidade, tinham uma
tendência natural para a vagabundagem, para o crime, para o alcoolismo. Daí
nasceu o chamado higienismo, que é a teoria de que as crianças já nascem com a
tendência a reproduzir o comportamento dos pais. Como complemento dessa
teoria, veio a exaltação do "pobre, porém digno", ou do "negro de alma branca",
contraposto ao pobre vagabundo, submisso, cujos filhos deveriam trabalhar bem
cedo, dentro da linha do controle e da submissão.
Os higienistas apareceram como modernos. Eram médicos, juristas e
políticos. Eles combatiam os castigos corporais mais rigorosos, escandalizavamse com a Roda dos Expostos e defendiam, pela primeira vez no Brasil, um código
de menores, que só saiu em 1927. Até o séc. 18, os castigos corporais e o
infanticídio foram tolerados. No séc. 19, começou o confinamento dos
abandonados em colônias agrícolas ou internatos.
Aí iniciou-se uma história de juízes para fiscalizar os pais negligentes ou
incapazes, que podiam perder com sentenças, sem, muitas vezes, direito de
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defesa, o pátrio poder. O higienismo propiciou grandes humanistas, como Osvaldo
Cruz, que se tornou referência para a Medicina e para a saúde pública, e o célebre
doutor Moncorvo Filho, que foi precursor dos centros de defesa das crianças.
"Daí nasceu o chamado higienismo, que é a teoria de que as crianças já
nascem com a tendência a reproduzir o comportamento dos pais."
Havia os autoritários. Uma verdadeira revolta eclodiu no Rio de Janeiro
contra a vacina da febre amarela, porque, ante a epidemia da doença, eles
entravam nas casas para vacinar as pessoas à força.
Surgem grandes figuras, como Miguel Couto, que defendeu a escola
pública e sua expansão. A escola era basicamente privada no País. Com isso,
essa massa de ex-escravos e seus descendentes ficava excluída e se perpetuava
à marginalização.
A mortalidade, em especial a infantil, era altíssima nos guetos. Era alta a
incidência de coqueluche, tuberculose, difteria, varíola, doenças gastrointestinais e
do aparelho respiratório. E esse pessoal falava muito em educação. Na verdade,
os orçamentos eram baixos.
A "Escola Nova" surgiu na segunda década do século XX com a proposta
de preparar os alunos para o trabalho, desenvolvendo o raciocínio, a capacidade
de julgar, observar, ter iniciativa. Contrapondo a escola da simples retórica, do
diletantismo, a "Nova Escola" refletiu a realidade urbana, a industrialização, as
novas profissões urbanas.
Em Minas, por exemplo, Francisco Campos, entre 1928 e 1930, aboliu os
castigos físicos. E, num período curto, 3.555 escolas foram construídas no Estado.
Na época foi um modelo para o País.
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E chegou ao Brasil, junto com a migração operária, a influência anarquista,
com idéias libertárias, privilegiando muito a educação para o trabalho dignificado.
O Código Sanitário de 1894, ligado aos higienistas, limitou o emprego fabriI
para menores de 12 anos. Era descumprido, não havia fiscalização, mas já havia
um código sanitário que negava ou proibia o emprego infantil para menores de 12
anos. E o regulamento do serviço sanitário de 1911 proibiu o trabalho noturno para
menores de 18 anos, que também era descumprido.
O movimento operário anarquista, socialista, e depois comunista, denunciou
fortemente o trabalho infantil fabril. Não só porque concorria com o trabalho adulto
e servia para avassalar e precarizar mais ainda o trabalho fabril, mas também
porque já tinha uma ideologia de defesa de direitos. Os jornais - a Plebe, a
Fagulha, a Terra Livre – já traziam essa denúncia.
Mas a ideologia predominante era que o trabalho precoce ajudava a criança
a tornar-se útil à sociedade. Aquela velha idéia: "pobre, porém digno", para
separar da vagabundagem e como oposição à delinqüência. As jornadas longas
seriam necessárias para retirar o menino da rua e formar o seu caráter. Quanto
mais tempo no trabalho, menos tempo na rua, "se perdendo".
Essas novas idéias tinham conteúdo progressista se comparadas com o
paradigma anterior, no entanto, mantém matiz discriminatória.
A partir de 1937, com o Estado Novo, houve um retrocesso. Uma política
dura com os abandonados.
Até 1937, o Serviço de Assistência aos Menores (SAM) cuidava dos
abandonados, internando-os. Nasceram as fazendas agrícolas, as colônias
agrícolas, a Cidade dos Meninos. Pessoas mais antigas sentem saudade disso,
acham que isso funcionava. Mas, no Estado Novo, nesse período de retrocesso,
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os abandonados foram internados junto com delinqüentes juvenis em colônias
agrícolas e correcionais.
Na constituição do SAM havia uma disciplina militar para os "transviados" e
para os "desvalidos". Aceitavam-se, ali, os castigos físicos, as palmatórias para os
desobedientes e o isolamento em celas de castigo. Em contra partida, não havia
esforço pela educação, pelo lazer, tampouco pelo esporte. Sem controle social,
sem participação da sociedade, a corrupção entre os funcionários, com as
exceções de praxe, virou uma marca do SAM.
As meninas eram encaminhadas para o trabalho infantil doméstico, como
semi-escravas, sem remuneração, ou para internatos, reformatórios e colônias, e
muitas eram sexualmente exploradas. Os meninos iam para os internatos, os
reformatórios e as colônias. O código de menores de 1927 durou até 1979. Aí, ele
sofreu uma modificação para pior, durante o período da ditadura, com a "doutrina
dos menores em situação irregular".
Antes mesmo do fim da ditadura, como todos os regimes autoritários, ao
longo da História, e no mundo inteiro, veio uma explosão libertária. Como
apresentei no capítulo anterior, as mulheres se organizaram rapidamente e
começaram a lutar pela igualdade jurídica, por políticas públicas. Assim como
surgiram
movimentos
anti-racistas,
antimanicomiais,
pelas
pessoas
com
deficiência, do novo sindicalismo, também surgiu um movimento libertário infantojuvenil, de ruptura mesmo.
O fato é que só agora, nas últimas duas décadas, é que estamos nos
libertando do pesadelo que foi a história da infância no Brasil.
A imagem que se veicula sobre ser criança não valia para a maioria das
crianças, para as crianças do nosso povo.
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Eca: uma ruptura
Década de 1980. Enfraquecimento da ditadura, convocação da Constituinte.
Com toda aquela explosão libertária, são rediscutidos os paradigmas da criança e
do adolescente. Em forma de rede, sem lideranças conhecidas, nomes ou
estrelas, milhares e milhares de militantes anônimos, ONGs, pastorais, creches,
especialistas, acadêmicos, humanistas por meio de duas emendas populares,
reuniram milhões de assinaturas. Essas foram as que mais reuniram assinaturas
de eleitores para a Constituinte.
Os setores mais identificados com a democracia verdadeira, autêntica,
queriam uma Constituinte autônoma, exclusiva, para só depois haver a eleição do
Congresso. Na verdade, como houve uma transição combinada entre os militares
e as elites conservadoras, tivemos uma Constituinte congressual.
Mas eles fizeram algumas concessões. Uma delas foi admitir as emendas
populares. Já foi uma ruptura falar de criança e adolescente. Não era mais a
emenda popular dos menores, era a das crianças e dos adolescentes. A ruptura já
foi sendo feita ao tratar de prioridade absoluta, afirmar que crianças são sujeitos
de direitos, em condições peculiares de desenvolvimento.
Ao estabelecer a criança como prioridade absoluta, e a doutrina de
proteção integral, os artigos 204 e 227 da Constituição Federal anteciparam a
própria Convenção Internacional dos Direitos da Criança, que só foi ratificada em
1988. E, como decorrência dessa mobilização, o Fórum dos Direitos da Criança e
Adolescente (DCA) trabalhou velozmente para a regulamentação dos dois artigos.
E redundou no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a mais completa
tradução dos artigos 204 e 227 da Constituição federal.
O que foi o ECA? O abandono da visão repressiva e assistencialista que
são complementares, duas faces da mesma moeda. O ingresso na visão da
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inclusão e da prevenção. Não por acaso, ele foi antecedido de debates na mídia e
em audiências públicas no Congresso, em reuniões, e mobilização no Brasil
inteiro. E ele revolucionou a visão do direito infanto-juvenil. Rompeu com a
dogmática responsabilidade penal do código de menores. Inaugurou a doutrina da
proteção integral. Estabelece o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação,
ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, à Iiberdade, à convivência
familiar e comunitária. E mandou colocar a criança a salvo da negligência, da
discriminação, da exploração, da violência, da crueldade e da opressão.
Como disse o poeta, os lírios não nascem das leis. Mas quem viveu sob
ditadura, “democraduras", “ditabrandas", sabe a importância de ter os direitos
assegurados em leis, sobretudo na Constituição. Isso permite a exigibilidade.
Com 15 anos, o ECA precisa ser aperfeiçoado, valorizando os profissionais
e melhorando os salários dos operadores. Mas muitas mudanças já foram
operadas a partir daí.
Entre 1990 e 2005, nesses 15 anos de ECA, o trabalho infantil entre 5 e 15
anos caiu 50%. Já foram criados Conselhos Municipais de Direito da Criança e do
Adolescente em quase 5 mil municípios e Conselhos Tutelares em número um
pouco menor. E, com o lançamento do programa pela Secretaria Especial de
Direitos Humanos, com vários parceiros dos Pró-Conselhos Brasil, vamos chegar
praticamente à totalidade dos municípios, com conselhos de direitos. Praticamente
80% deles - cerca de quatro mil e quinhentos - já têm Conselhos Tutelares.
Como ministro dos Direitos Humanos, entre 2003 e 2005 coordenei um
programa chamado "Presidente Amigo da Criança" – compromisso assumido
pelos candidatos à Presidência, inclusive Lula, em setembro de 2002. Um
compromisso de definir orçamentos em saúde, educação, esporte, cultura,
assistência, etc. para avançar nos cumprimentos das Metas do Milênio - ou do
Pacto pela Paz ou os desafios do Conanda - com quatro eixos: promover vidas
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saudáveis; melhorar a qualidade da educação; combater a violência e a
exploração; prevenir HIV-Aids. São 56 bilhões de reais em investimentos em
quatro anos.
Esses índices fizeram do Brasil uma referência internacional, no caso, por
exemplo, do trabalho infantil. Em que pese a extraordinária desigualdade que
persiste, alcançamos resultados importantes,como a queda da mortalidade infantil.
Entre 2002 e 2004, queda de 8,7% - de 25,1/1000 para 23,1/1000 (crianças de até
1 ano); mortalidade neonatal com queda de 7,3% - 16,5/1 000 para 15,3/1000. A
Unicef, em 2006, cita o Brasil como exemplo pela queda da desnutrição.
Os avanços são muito desiguais. Há variação por região. Existem lugares
onde despencou a mortalidade infantil, e outros em que ela é escandalosa, é
indecente. O avanço varia também por gênero, cor e etnia, e temos importantes
diferenças entre a área urbana e a rural, e, na urbana, entre o centro e a periferia.
Como o Estatuto e a própria Constituição são descentralizadoras e
democratizantes, transfere-se para os Estados e os municípios a maior parte das
tarefas. Isso é correto, mas os governos estaduais e municipais vão da mais
completa dedicação até a negligência mais desavergonhada.
Esses 388 anos de escravidão deixaram marcas profundas. Depois dela, e
também ligada a ela, houve extraordinária concentração da renda, da riqueza, do
poder e do conhecimento, o que foi a marca comum de toda a nossa História. O
ECA é um passo enorme, desde que traduzido em políticas públicas e orçamentos
compatíveis em cada Município, Estado e União.
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"Esses índices fizeram do Brasil uma referência internacional, no caso, por
exemplo, do trabalho infantil. Em que pese a extraordinária desigualdade
que persiste, alcançamos resultados importantes, como a queda da
mortalidade infantil."
O Estatuto prevê engajamento da União, dos estados e dos municípios. Daí
a importância dos conselhos de direito para disputar orçamentos e políticas
públicas. Senão houver essa disputa, eles nunca vão traduzir prioridade absoluta
em possibilidades reais de combate à desigualdade.
O Estatuto é sábio quando prevê que a proteção integral é responsabilidade
do Estado, considerados aqui os Poderes Executivo, judiciário e Legislativo, e
considerados os três níveis de poder - União, estados e municípios, como também
de responsabilidade da sociedade e da família. Estabelece direitos e deveres, e
estes têm de ser compartilhados. Uma novidade aqui é não considerar que o
Estado deve fazer tudo, que a família é até penalmente responsável.
As mudanças são mais avançadas ou mais lentas segundo os órgãos do
Estado. Tanto a Câmara dos Deputados quanto o Congresso Nacional foram
muito permeáveis. O Ministério Público, que é uma instituição mais nova, também
foi muito permeável à mudança. Já no judiciário, a mudança é mais lenta, visto a
máquina ser mais pesada.
É importante investir em Defensorias Públicas. Um dos pontos mais
problemáticos da implantação é o tratamento dos atos infracionais dos
adolescentes. As defensorias públicas, que só agora estão sendo criadas/são um
pressuposto de justiça e de garantia do devido processo legal do direito amplo à
defesa. Eu mesmo vi situações de privação de liberdade de adolescentes
internados em centros de internação, que não tiveram medidas sócio educativas.
Ou seja, não havia ato infracional. E, se eles chegam a ser internados sem haver
ato infracional é porque não há nenhuma proteção jurídica. Daí a necessidade de
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defensorias públicas, que são responsáveis pela orientação jurídica, pela
representação judicial e pela defesa gratuita nos Estados da União.
Nos crimes praticados contra as crianças, cabe à Defensoria Pública
representar as famílias, como também assegurar aos adolescentes infratores,
normalmente filhos de famílias carentes, o direito de defesa. E a pessoa em
condição especial, singular, peculiar de desenvolvimento, requer especialização
dos defensores públicos.
A doutrina de proteção integral traz novos paradigmas para a Justiça e
supera a doutrina da situação irregular e segregacionista. Supera aquela
obsessão do rompimento do pátrio poder, de intervir em famílias.
E as varas especializadas em julgar crimes contra as crianças também são
uma necessidade, assim como promotorias e delegacias especializadas. É
fundamental criar delegacias especializadas para a proteção das crianças e dos
adolescentes, com estruturas diferenciadas de atendimento qualitativo e multi
profissional para atendê-Ios e fiscalizar preventivamente lugares de diversão, e
apurar a violência intrafamiliar. E é fundamental lutar contra a impunidade dos
crimes contra as crianças, papel que é do governo dos Estados.
É muito importante destacar, além do papel dos conselhos, o do Sistema
Informativo de Proteção da Infância e da Adolescência (SIPIAs). É preciso
capacitar os conselhos tutelares para cumprir sua função, já que são
insubstituíveis.
Cabe ao Conselho Tutelar identificar crianças em situação de negligência,
miséria, abandono, exploração, violência, em qualquer lugar, inclusive no
ambiente doméstico e conduzi-Ia à rede de proteção dos direitos. E cabe aos
Conselhos. Municipais de Direitos, traduzir em políticas os direitos assistenciais
assegurados pelo ECA, segundo a realidade de cada local.
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Os abrigos - completamente em crise no Brasil - deveriam ser instituições
para a guarda temporária de pessoas. Eram instituições destinadas a quase uma
excepcional idade e passaram a ser instituições destinadas ao abrigo de uma
permanência muito mais longa de pessoas que têm famílias, por exemplo. Deixam
pessoas no abrigo apenas por causa da pobreza. É preciso resgatar o papel dos
abrigos, da sua temporalidade, da sua excepcional idade, da sua provisoriedade.
Um avanço importante está ocorrendo na questão da adoção. A
consciência de que a adoção deve ser uma medida extrema está se
generalizando. É fundamental sempre resgatar as crianças para o lar, para a
família natural, para a família biológica. A família acolhedora, substituta, só deve
ser considerada quando esgotada a possibilidade com a família biológica. E, a
adoção- principalmente a internacional- é a medida mais extrema. É preciso
resgatar todas as medidas protetivas.
Outra questão ainda muito atrasada no Brasil, a qual a Secretaria Especial
de Direitos Humanos procura dar atenção especial, mas ainda muito precária, é
em relação às crianças desaparecidas. Há um número extraordinário delas nessa
situação. Hoje já se sabe que cerca de 70% dessas crianças acabam voltando.
Elas fogem da violência doméstica, do abuso, da violência sexual, da violência
física.
Em vez de esperar um tempo para caracterizar o desaparecimento, deve-se
possibilitar a busca imediata. Houve avanço, até com a inclusão na internet de
sites de crianças desaparecidas. O governo Lula desenvolveu muitas parcerias,
como com a Caixa Econômica Federal, por exemplo, e com outras instituições. Há
projetos de lei no Congresso Nacional e na Assembléia Legislativa de Minas (dep.
André Quintão) legalizando esse programa.
Outra iniciativa valiosa foi a da proteção dos adolescentes ameaçados de
morte, com base em um trabalho realizado em Belo Horizonte, com liberdade
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assistida. Constatou-se um número grande de garotos que eram, primeiro,
ameaçados, que relatavam a ameaça e depois eram assassinados por gangues
rivais ou traficantes, pelo próprio grupo de extermínio e até por policiais corruptos.
Esses adolescentes morriam, e continuam morrendo, em grande escara. Eles
tinham ido para programas de recuperação, de reinserção. Em 2002, iniciou-se
timidamente um programa de proteção, que hoje está afirmado como essencial
para proteger adolescentes que não sejam réus colaboradores nem testemunhas
de crime violento. Atualmente são cerca de 350 adolescentes atendidos. Já existe
o Provita, que é o Programa de Proteção às Vítimas e Testemunhas. Ele protege
pessoas que estão colaborando com a Justiça, como réus colaboradores, ou são
testemunhas de crimes violentos que vão colaborar com a Justiça. Essas pessoas
são levadas para locais guardados, sigilosos. É também um programa de
reinserção, quando a vítima ou testemunha é envolvida direta ou indiretamente
com a criminalidade e com a delinqüência. Para os adolescentes ameaçados de
morte, não é necessário estar em nenhum procedimento de ordem policial ou
jurídica para ser protegido. Basta ser ameaçado de morte.
Lamentavelmente, os governos estaduais estão longe de entender a
Importância disso. É um programa caro, porque é para proteger a família inteira. E
não basta esconder a criança ou o adolescente ameaçado. Até por exigência do
ECA, deve ser um programa de reinserção, com prioridade absoluta. Todos os
direitos devem ser assegurados nesse programa.
O Trabalho Infantil Será Erradicado
O Brasil é um dos países que mais avança no enfrentamento do trabalho
infantil. E como chegamos a isso? Foram constituídos fóruns em todos os 26
Estados e o Distrito Federal. Esses convergem para o Fórum Nacional de
Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, e contam com o apoio da OIT e da
Unicef. Reúnem órgãos governamentais das esferas federal, estaduais e
17
municipais, ONGs, movimentos populares e o Ministério Público da União e dos
Estados.
Esses fóruns mobilizam multidões, organizam marchas, dão entrevistas,
palestras, constroem redes em prol da defesa e garantia do direito da criança. Isso
tudo resultou num decréscimo significativo, seja pela legislação, pela Constituição
federal, pelo ECA, pelas Convenções 132 e 181 da OIT, seja pelos programas
governamentais como PETI - Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (que
concede uma bolsa à família, por criança para que saia do trabalho infantil e
freqüente a escola, o Bolsa-Família, o Sentinela e outros.
No início da década de 1990 havia muitas acusações internacionais de
violação dos Direitos Humanos vinculados ao trabalho infantil. Chegaram a surgir
sanções econômicas pela exploração do trabalho infantil em lavouras de laranja e
até a revelação de que crianças perdiam as impressões digitais no trato dessa
fruta. Na cadeia produtiva do calçado e na produção de cana-de-açúcar surgiram
denúncias, e o boicote a calçados brasileiros e à cana-de-açúcar, pelo uso do
trabalho infantil. Denúncias de violação de Direitos Humanos, no sisal, nas
pedreiras; morte de crianças em indústrias de fogos de artifício. Tudo isso colocou
a questão do trabalho infantil, pela primeira vez, como um tema realmente
nacional, em contrapartida ao paradigma vigente de que o trabalho infantil era
educativo e disciplinador.
Hoje, a OIT coloca o Brasil no limiar da extinção do trabalho infantil. Na
medida em que a bolsa-família inclua o trabalho infantil na condicional idade do
recebimento pela família, e que o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
(PETI) se volte inteiramente para a jornada ampliada, teremos a possibilidade
realmente da extinção, da erradicação do trabalho infantil. Assim como da
universalização da escolarização das crianças que já atingiu 98% das crianças. O
PETI hoje atinge um milhão de pessoas.
18
O Fundeb, aprovado pelo Congresso, tem uma previsão de quase 5 bilhões
de reais nos próximos quatro anos. Ele vai atender crianças já nas creches, na
escola infantil, de 3 a 6 anos, depois de 6 aos 18 anos. Assim como o
enfrentamento da exploração sexual de criança, da exploração sexual comercial
de criança e adolescente e do trabalho infantil doméstico, tudo isso vai convergir
para a eliminação do trabalho infantil.
O Brasil precisava dar esse passo, essencial ao combate da desigualdade,
que é a criação desse fundo que responde aos maiores desafios da educação
básica em seu conjunto. Enfrentando a educação indígena, a educação no campo,
a educação profissional, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) e a educação
especial.
É uma ilusão neoliberal acreditar que haverá um futuro de maior igualdade
e eqüidade sem um significativo investimento em educação pública para todos.
Tomamos o exemplo do Grupo Executivo Para Erradicação do Trabalho
Infantil em Minas (Gectiba) criado há 12 anos, que se reúne mensalmente na
Delegacia Regional do Trabalho (DRT). Esse grupo participou da Marcha Global,
de todos os aniversários do Estatuto da Criança e do Adolescente, de centenas de
seminários, palestras e apoiou a criação de movimentos e redes. Além disso,
elaborou a recomendação sobre estágios para adolescentes, para evitar
exploração, fez resoluções para subsidiar Conselhos Tutelares e Conselhos
Municipais de Direito de Criança e Adolescente, divulgou a legislação protetiva,
participou da recente caravana nacional que foi até o governador de Minas, assim
como em todos os Estados,e foi o responsável por um termo de erradicação do
trabalho infantil em cada Estado, que culminou na assinatura de um pacto no
Palácio do Planalto. Ademais, o Gectiba fez termos de compromisso com diversos
segmentos produtivos, diversas cadeias produtivas, e projetos-piloto, como o do
Bank Boston, em Ribeirão das Neves, ou o Circo de Todo Mundo, com a jornada
ampliada e o enfrentamento do trabalho infantil doméstico, e ainda participa de
19
vários conselhos, frentes, planos, programas, ações. Assim como em Minas
Gerais, em todos os Estados tivemos a sociedade civil sempre à frente.
"É uma ilusão neoliberal acreditar que haverá um futuro de maior igualdade
e eqüidade sem um significativo investimento em educação pública para
todos."
A Convenção 138 foi a que estabeleceu a idade mínima para o trabalho. A
Constituição Federal, desde 98, só permite o trabalho a partir dos 16 anos, exceto
para o aprendiz, que pode ser desde os 14. Mesmo assim, dos 16 aos 18 anos
incompletos, ele não pode ter um trabalho penoso, nem perigoso, tampouco
insalubre.
A Convenção 182, de fevereiro de 2000, estabelece que todo trabalho
infantil é indesejável, mas alguns são absolutamente intoleráveis. Devem ter
prioridade na progressividade da erradicação. Por exemplo, crianças em situação
de escravidão, de prostituição. O emprego de criança e adolescente em conflitos
ou grupos armados, seja do tráfico, do crime organizado, seja em guerras civis. E
em atividades ligadas à pornografia e atividades ilícitas de qualquer natureza.
Por que erradicar o trabalho infantil? Porque ele compromete o
desenvolvimento físico, tem muitas deformações que são causadas pelo peso
excessivo ou pela permanência em posições inadequadas, provoca infreqüência
em escola ou o baixo rendimento escolar, e priva o direito de brincar, jogar, do
lazer, do entretenimento, de namorar, de participar de turmas.
O trabalho infantiI só será erradicado com ampla participação e com
mudanças culturais. A primeira delas, a mais importante de todas, no meu juízo, é
não associar criança pobre com trabalho. Toda vez que a gente fala em pobreza,
associada à criança, a gente fala em trabalho como meio de ressocializar, ou de
integrar, ou de salvar, seja lá o que for.
20
A criança pobre, no BrasiI, sempre foi sinônimo de potencialmente perigosa
ou em perigo de o ser. Quer dizer, a ideologia higienista continua, ao associar
sujeira com criança pobre, baderna com criança pobre. E ainda hoje muita gente
sonha em seguir internando crianças problema em colônias agrícolas ou
internatos.
Ao longo do século XX, os juízes tinham o poder de intervir em famílias
pobres segregadas, ou que eles julgassem que assim fossem. Era e ainda é
comum ouvir a idéia de pobreza da criança associada a expressões como
miscigenação, imoralidade, pobreza, negros e pardos, preguiça, vagabundagem.
O Código de Menores falava em abandonados, pervertidos, delinqüentes,
anormais. E, para cada um desses grupos, havia um tipo de instituição. Para os
"nossos", propomos escola. Para os pobres serem transformados em cidadãos
úteis e produtivos propõe-se muita disciplina e inserção precoce no trabalho.
Portanto, a mudança cultural é fundamental.
O trabalho infantil sempre existiu em nossa sociedade no âmbito familiar.
Crianças ajudam em casa em atividades laborais de sustento. Até aí, tudo bem.
Realmente isso faz parte da educação e da formação dos laços de solidariedade
familiar. O problema é quando há exploração, quando há risco à saúde, quando há
ausência da escola, quando há baixo rendimento escolar, quando há alimentação
inadequada, quando há privação do lazer, da cultura, da dignidade, do respeito.
Há um fenômeno novo sobre trabalho infantil, para o trabalho infantil em geral.
Nas grandes cidades, crianças que já saíram do trabalho infantil e já estão na
escola estão voltando ao trabalho, vendendo bala, fazendo malabarismo, limpando
pára-brisas, ficando em vulnerabilidade, expostas a perigos. Já se encontram na
escola, recebem bolsa-família ou bolsa-escola, mas ainda assim saem para
complementar a renda.
21
“A criança pobre, no Brasil, sempre foi sinônimo de potencialmente perigosa
ou em perigo de ser”. Quer dizer, a ideologia higienista continua, ao associar
sujeira com criança pobre, baderna com criança pobre."
No caso de Belo Horizonte, 80 mil famílias são atendidas pelo BolsaFamília, e 11mil pela Bolsa-Escola.Com o PETI está funcionando inclusão em
creche, jornada ampliada, ainda assim 1.100 crianças trabalham nas ruas. Uma
pesquisa mostra que 98% têm escola e têm família. Portanto um perfil já diferente
das crianças do começo da erradicação do trabalho infantil, mesmo levando em
conta que metade dessas crianças vêm de outros municípios.
Trabalho Infantil Doméstico: Exploração em Família
Não há uma estatística definitiva, mas o PNAD estima em meio milhão de
meninas (há poucos meninos), de 10 a 16 anos no trabalho infantil doméstico,
perfazendo um total de 10% das trabalhadoras domésticas, e 80% dessas
meninas estão nas cidades. É um desafio enorme, por se tratar de uma forma de
exploração oculta e invisível.
O primeiro desafio é retirá-Ias da obscuridade. Essas crianças começam a
trabalhar em casa, cuidam dos irmãos mais novos, ajudando nas tarefas
domésticas, e, muitas vezes, no trabalho familiar, como na agricultura,
principalmente, mas também em artesanato, em pequeno comércio, inclusive
urbano. Daí são levadas para trabalharem casa de terceiros.
Via de regra, o contrato do trabalho infantil doméstico é informal. Ou seja, o
contrato é o não-contrato. A família biológica quer colocar a filha para estudar e
trabalhar, e espera um futuro melhor. A família que "contrata" prefere essas
meninas, porque elas desconhecem direitos, e são presas fáceis de exploração,
mesmo quando a intenção é boa. As famílias biológicas são pobres, têm prole
22
numerosa, e às vezes a mãe é a única provedora e doméstica. O limite que eles
têm de aspiração é o trabalho doméstico.
A família que recebe se vale da cultura, que relaciona trabalho como
solução para evitar que crianças pobres vivam nas ruas. É melhor um trabalho
mesmo degradante, sem paga, ou com remuneração irrisória numa casa de
família, do que a criança se prostituindo, drogando-se e se matando. Como se
essas fossem as únicas alternativas.
Mesmo quando estão explorando, crêem estar fazendo o bem. É como na
canção FadoTropical (Chico Buarque e Ruy Guerra):"Sabe,no fundo, eu sou um
sentimental.Todos nós herdamos, no sangue lusitano, uma boa dose de
lirismo.Mesmo quando minhas mãos estão ocupadas em torturar e esganar,
trucidar, meu coração fecha os olhos e sinceramente chora." É associar educação
a sofrimento e dor.
Exploram pensando que fazem o bem. Muitas vezes a criança não recebe
salário. Ganha comida, assistência, roupa, material escolar. É comum não ter
quarto próprio.
Como não é reconhecido como trabalho, não tem direitos. É sempre
envolvida numa atmosfera de não-trabalho. E envolve uma teia complexa de
pobreza, raça, idade, escolaridade, relações de gênero, discriminação às
mulheres no mercado de trabalho.
No entanto, é um trabalho infantil penoso e perverso, com jornadas longas,
sem descanso semanal, pois as crianças não têm para onde ir. Às vezes, elas
perdem o laço imediato com a família de origem, quando mudam de
Estado,quando vêm do interior para a capital ou mesmo da periferia para o centro.
Esta situação humilha e expõe crianças e adolescentes ao abuso sexual. Provoca
23
um problema muito sério de defasagem escolar entre a série e a idade da criança.
É muito comum a baixa auto-estima e a perda de vínculos familiares.
Muitas vezes, a menina, vítima do abuso, pensa que o abuso faz parte do
trabalho, que é direito do patrão abusar dela. Muitas vezes ela nem tem
consciência de que é vítima de violência. Até porque já convivia com o abuso
sexual e com a violência física consigo mesmo ou com as irmãs. E,quando o
abusador se vale da sedução e não da força, ela própria quer o silêncio, faz um
pacto.
O que a criança perde? Perde o direito ao lazer, a toda a oportunidade para
a criatividade, à escola. E a escola como um direito legítimo da criança naquela
idade.
O educador Paulo Freire falava sempre que a pior opressão é quando o
oprimido introjeta o esquema do opressor. No trabalho infantil doméstico isso
ocorre.
Por isso não é fácil convencer as famílias biológicas da perversidade do
trabalho infantil doméstico. Elas sempre acham que ajudaram a criança. Tirou de
casa, da miséria, da necessidade, jogou numa família rica que vai propiciar uma
vida melhor. E ela tem sérias resistências para enfrentar isso. Até porque, se a
criança voltar para o lar de origem, significa um retrocesso para a criança e para a
família.
Muitas não querem voltar à família de origem. O enfrentamento bemsucedido quanto o trabalho infantil doméstico tem de ser baseado no
protagonismo juvenil, na auto-estima, no convencimento da família biológica e da
criança. Enquanto a menina não quiser, não tem como enfrentar. Por um lado, há
a subalternidade, a solidão, o abandono de uma criança à própria sorte. E, por
24
outro, há ganhos em relação ao passado, como as roupas, a qualidade da
moradia, a televisão, a convivência com pessoas de outra classe social.
É importante tensionar as pessoas, levá-Ias a pensar o novo, nos fatores
que envolvem essa situação. É como diz Guimarães Rosa: "É de fenômenos sutis
que estamos tratando". Eles são tão sutis e tão perversos na sua origem porque
tiram o vínculo e a relação de identificação com os pais biológicos. Coloca-se
outro no lugar, passa a ser quase filho da família.
Participei de alguns encontros no Brasil e no exterior, e as meninas falam
da demora da tomada de consciência, porque, na família de origem, conviviam
com o excesso de trabalho, a má qualidade da moradia e a promiscuidade. A
margem de tolerância para a exploração é muito maior. A referência é de onde
elas saíram, não o que estão tendo, ou o que poderiam ser. É por isso que a saída
implica o protagonismo, a auto-estima, o convencimento também da família
biológica, para ela entender que aquilo não é um ponto de chegada.
"É de fenômenos sutis que estamos tratando."
E se saem do trabalho infantil doméstico, não são muitas as alternativas,
porque são pessoas que não têm as habilidades exigidas por outras funções.
O trabalho infantil doméstico urbano predomina nessa forma de exploração,
representando 80%. No conjunto do trabalho infantil, 52% referem-se a trabalho
rural. A linha divisória entre o trabalho que não implica dano à saúde, à educação,
ao lazer, ao entretenimento, o respeito às fases e o trabalho danoso nem sempre
é fácil de perceber. Há tentativas sérias para dissociar o labor infantil da
exploração. É o caso da Escola Família-Agrícola uma escola avançada, trabalha
com pedagogia da alternância, com ciclos. No período da colheita ou do plantio,
ficam mais na roça. No período de entressafra, eles ficam mais na escola. Passam
períodos na escola, e outros em casa. A família participa da educação quando ela
25
está em casa. Cria a oportunidade para a criança e o adolescente participar da
agricultura familiar sem perder seus direitos e suas fases.
É preciso também respeitar a cultura laboral dos indígenas que não envolve
a exploração ou a participação das crianças em atividades laborais coletivas nos
remanescentes de quilombos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a guarda por uma família
acolhedora, mas, às vezes, a relação não é de guarda. Guardar é proteger, não é
explorar. Enquanto a guarda estiver associada ao trabalho, deixa de ser guarda.
Muitas pessoas que militam na rede de proteção social da criança e do
adolescente mantêm trabalhadores infantis domésticos. Militantes de esquerda,
militantes de partidos políticos, sindicatos de ONGs. Por isso que o debate é
interessante.
Eles argumentam: dei uma oportunidade para a criança estudar. Vivia numa
situação sem dignidade. Encaram como proteção, e não como trabalho. Mas seus
filhos não fazem o que faz a que diz proteger. Se fosse simplesmente proteção, a
criança iria para lá quase como um adotado, com igualdade de direitos.
O trabalhador infantil doméstico está numa situação muito melhor do que
estava de onde saiu, mas está trabalhando. Trabalhando antes do tempo,
trabalhando com jornadas longas, sem direitos. Como o trabalho infantil não é
reconhecido, já que ele não é permitido, esse tempo não vai ser contato para a
aposentadoria, não vai constar na carteira, a pessoa não vai ter férias, não vai ter
os direitos inerentes ao trabalho. Sempre vai ser uma exploração.
É importante incluir trabalho infantil doméstico como violação de direitos. E
capacitar conselhos tutelares e de direitos, gestores municipais, formadores de
opinião, professores, sindicatos de trabalhadores domésticos, como parceiros. E é
26
importantíssimo convencer os empresários a implementarem o trabalho do
aprendiz, permitindo por lei a partir dos 14 anos, como alternativa a trabalhadora
infantil doméstica.
E aqueles que querem ser trabalhadores domésticos devem ter a
oportunidade de se capacitarem como trabalhadores domésticos. Essa é uma
profissão nobre, uma profissão digna, hoje com direitos já conquistados com
novas conquistas a cada dia.
É uma questão muito recente. Basicamente foi em 1999 que a OIT, a
Unicef, ONGs, como a Save the Children, os Cedecas, a Abrinq e grupos
feministas passaram a se ocupar do trabalho infantil doméstico.
E na Secretaria Especial de Direitos Humanos procurei colocar isso em
todos os lugares, em todas as conferências municipais e estaduais de que
participei. Sempre incluo o tema também para reflexão. Sem fundamentalismo,
para não "meter os pés pelas mãos". Não podemos tirar essas crianças da
situação em que estão, sem apresentar-Ihes alternativa, sem construir saídas.
Uma boa referência sobre o tema é a obra que publicamos pela Cortez
Editora com o título Restavec - nome dos trabalhadores infantis domésticos,
meninos do Haiti. Um livro do Jean Robert Cadet, um haitiano, agora professor
universitário nos Estados Unidos.
Sempre lembro que adultos não podem nem devem decidir que crianças
devam ser privadas da infância. Mesmo a título de proteção, sob a pena de
perpetuar o ciclo de pobreza e de desigualdade.
27
Apanhar Só Ensina a Bater
Bater nas crianças para educá-Ias, dar uma lição para ensinar, está muito
enraizado na cultura e na tradição das famílias brasileiras. Está nos primórdios da
civilização branca européia no Brasil. É herança dos colonizadores portugueses.
Os índios não batem nos filhos nem nas mulheres. A literatura e os
registros históricos tratam das relações harmoniosas na relação doméstica dos
povos indígenas.
No Brasil colonial, crianças, jovens, mulheres, negros, indígenas, idosos,
empregados, doentes mentais eram submetidos a punições pesadas pelo chefe
da família, provedor e senhor absoluto dos seus domínios, incluindo a vida, a
liberdade e a dignidade das pessoas. Pais, padrastos, companheiros, madrastas,
irmãos mais velhos, tios, babás, avôs e avós se crêem possuidores de direitos e
legitimidade para aplicar castigos físicos nas crianças.
Os Conselhos Tutelares enfrentam a resistência irada dos "responsáveis"
pelas crianças. Eles se sentem violentados em sua vida privada pela ação do
Estado ou da esfera pública para garantir a dignidade das crianças, vítimas de
abusos físicos, e repetidos castigos em mulheres.
É preciso questionar sempre o poder - no BrasiI, é fundamental o poder
adulto cêntrico e parental. Crianças e adolescentes são 40% da população. Vinte
milhões vivem na pobreza e na miséria. Portanto é o segmento mais exposto à
violência e aos maus-tratos físicos. Até mesmo em instituições, como os abrigos,
há registros de castigos físicos.
No sistema patriarcal colonial, o poder absoluto do homem era
incontrastável. O Brasil inteiro se assustou e se comoveu com o caso de Letícia, a
garotinha, o bebê abandonado pela mãe para morrer na Lagoa da Pampulha, e
28
que foi salva, por milagre, por um jovem que passava. Imediatamente pipocaram
no País inteiro casos de extrema violência contra essas pessoas, esses seres
indefesos. Sempre pessoas pobres. As pessoas que as abandonam talvez já
tenham passado pela violência constante em suas famílias. De certa maneira,
reproduzem o que tiveram, às vezes, até antes de nascer.
Milhões dos nossos sofreram violência, humilhação, e transmitem essa
herança para cada geração. Crianças aterrorizadas, adultos inseguros, agressores
de mulheres e crianças. Maridos homicidas, mães impiedosas. É o rescaldo, a
herança, ao longo do século, da violência, da humilhação doméstica.
Os pais não podem e não devem ter a prerrogativa da palmadinha, da
chinelada. Muitas vezes é o primeiro passo apenas, para depois queimar a mão
do filho desobediente com ferro. Há um senso comum de que os pais têm o direito
de bater sem exagero para educar. Quem estabelece o limite?
Nosso país já não aceita mais como normal a violência sexual contra
crianças. A maioria já entende que o trabalho infantil aprofunda e dramatiza a
desigualdade. Agora é preciso entender que não podemos ficar indiferentes à
violação do direito à integridade física e psicológica das crianças. Um direito a
viver os anos preciosos da infância sem dor e sem medo.
A deputada Maria do Rosário (PT-RS) entrou com um Projeto de Lei
tipificando a violência física e psicológica contra crianças. Nós já tínhamos leis que
penalizam e criminalizam a violência contra a mulher, a violência contra os idosos,
a tortura e a lei de proteção aos animais. Porque não ter uma lei que proteja as
crianças da violência física e psicológica?
Prevenir e educar sempre é o melhor caminho. Mas responsabilizar
agressores também é preciso. Pesquisas mostram que, em 80% dos casos de
violência contra crianças de até 7 anos de idade, a autoria é dos pais. O
29
Laboratório de Escuta à Criança e Adolescente de Campinas (LACRE) apresentou
esse estudo e 200 mil assinaturas, pedindo que o Congresso tomasse providência
contra a violência física e psicológica contra a criança.
O Estatuto da Criança e do Adolescente repudia qualquer forma de
tratamento humilhante. É sinal de que o Brasil já repudia a violência física. Na
Suécia, as crianças são educadas para não aceitarem punições físicas na escola.
Já há leis, desde 1979; na Finlândia, desde 1984; na Dinamarca, desde 1986; na
Noruega, desde 1987 e na Áustria, desde 1989.
Em 1992 foi realizado um seminário mundial para discutir punição física a
crianças. Desde então, vários países vêm adotando legislações sobre essa
questão.
Sabemos que a questão não é só de lei. São necessárias campanhas pela
erradicação do castigo físico humilhante. Muito se fala da violência urbana, mas
pouco se discute sobre o peso da violência doméstica na violência urbana. A
violência contra crianças não causa só prejuízos físicos e psíquicos a elas.
Estabelece um padrão abusivo na relação social e pode ser causa importante da
violência.
Até hoje muitos acreditam que essa não é uma questão da esfera pública e,
sim, um problema particular das famílias. É claro que isso parte de problemas
reais. Toda criança precisa de limite, disciplina. Nenhum dos estudos realizados
até hoje no mundo inteiro, por décadas e décadas, provou que as punições físicas
são eficazes para estabelecer limites, disciplinar ou formar bom caráter.
O pacto de silêncio envolve, além dos pais agressores, cumplicidade de
vizinhos, parentes, profissionais da saúde que atendem crianças vítimas de
violência doméstica, e ainda educadores e operadores do direito que não notificam
30
os casos ou não tomam as providências. Não tomam conhecimento, porque, no
fundo, acreditam que é um problema privado, familiar, e não da esfera pública.
Discutir sob o ponto de vista moral é fundamental. É moralmente
insustentável que, para atingir um fim desejável a disciplina, a formação de caráter
deve-se usar um meio condenado, com imposição da dor. Moralmente, está na
hora de rediscutir isso.
Pelo ECA já é obrigatória a notificação de maus-tratos (art.13.245), por
profissionais da saúde. Mas, de modo geral, a maioria ainda não se comprometeu
com o novo paradigma do ECA, da Constituição e da Convenção. Crianças e
adolescentes são sujeitos de direito, e não seres passivos. Não são objeto de
tutela do adulto ou de quem quer que seja.
Jurandir de Meio Freire, em Violência e psicanálise (Graal, 1984), fala que
violência é aquela situação em que a pessoa é submetida à coerção e a um
desprazer, absolutamente desnecessário ao crescimento, ao desenvolvimento e à
manutenção do bem-estar, conquanto ser psíquico.
Isso amplia muito as possibilidades de combate à violência, restringindo a
violência no âmbito doméstico. Em todos os casos, está sempre presente o poder
do mais forte, o abuso desse contra o mais fraco. Ainda mais quando entendido
não só como violência física, mas como ato danoso à integridade física, mental,
emocional e social.
Violência inclui negligência, pressão psicológica, coação, punição cruel,
privação de liberdade, trabalho infantil, trabalho perigoso, penoso e insalubre,
abuso sexual, exploração sexual. Cada conduta deve ser objeto de um tratamento
próprio.
31
Em 2000, o Conanda, com base em notificações e informes, concluiu que
6,5 milhões de crianças sofrem violência intrafamiliar no Brasil e que 18 mil são
diariamente espancadas. Há 300 mil vítimas de incestos no País. São dados
subestimados, e já superados. Isso mostra que os adultos abusam da força física,
para mostrar e impor limites àqueles que deles dependem e que lhe são
submissos.
"A violência contra crianças não causa só prejuízos físicos e psíquicos a
elas. Estabelece um padrão abusivo na relação social e pode ser uma causa
importante da violência."
É enorme o número de crianças espancadas, abandonadas, queimadas,
mutiladas e até assassinadas. Marcas de queimadura a ferro e por cigarro é
comum, assim como contusões advindas de uso de cintos, fivelas, marcas de
dentadas ou ferimentos típicos de quem foi amarrado.
Um dos livros que li sobre violência e punição física traz um relato, até bemhumorado de uma mãe, em Goiânia. "Eu passei o cinto na menina, foi a maior
sorte, foi Deus que ajudou, porque pegou no cachorrinho e o cachorrinho morreu.
Se fosse ela, ela tinha morrido". Então, o que é o limite? Se você admitir a
hipótese de que é do direito de dar palmadinha, depende de cada pessoa
estabelecer a força empregada.
E deixa marcas no comportamento. Desconfiança no contato com o adulto,
crianças temerosas, alternâncias bruscas de humor, crianças que ficam
apreensivas, angustiadas com o choro de outra criança, dificuldade de relacionar e
aprender. Os pais justificam a violência dizendo que a criança é má e
desobediente. O abuso do álcool ou da droga leva pessoas a culpar o filho por
problemas do lar. Já temos massa crítica, instrumentos para identificara violência
física e psíquica nas crianças.
32
O SEDH e o MEC publicaram um guia escolar contra o abuso e a violência
sexual. Várias cartilhas hoje trabalham com sinais para a escola procurar
identificar isso. É evidente que, quando a violência é doméstica, a escola ou as
Casas da Família que estão sendo organizadas pelo Brasil tornam-se lugares
privilegiados, o locus.
Abuso sexual:
Quando o inimigo mora em casa
A professora Eva Faleiros, da UNB, intelectual militante dos Direitos
Humanos, fez uma pesquisa, a pedido da Secretaria de Estado dos Direitos
Humanos, e sua divulgação deu-se quando eu estava à frente da Secretaria
Especial dos Direitos Humanos. Os jornalistas ficaram chocados com os dados
divulgados.
Ela analisou 55 casos de abuso sexual em Porto Alegre, Vitória, Recife e
Belém. As vítimas eram bebês de até 3 anos (6 casos), de 3 a 6 anos(9 vítimas) portanto 15 crianças na primeira infância. Ou seja, a maioria das vítimas era
criança e não adolescente, como seria de se supor. A cobiça sexual dos adultos
recai sobre seres indefesos. Os trabalhadores da imprensa ficaram visivelmente
indignados com os dados dos abusadores: 13 pais, seis padrastos, dois avôs, dois
irmãos, dois primos e outros conhecidos. Vale dizer que 60% dos abusos foram
incestuosos. A maior parte deles foi de longa duração; estendeu-se de um a dez
anos até ser denunciado. O dado positivo foi a solidariedade feminina: ¾ das
denúncias vieram das mães, das avós, das tias e da patroa da mãe.
A violência sexual contra crianças envolve relações complexas de poder.
Se assim não fosse, a repressão seria suficiente para erradicar tão grave violação
de Direitos Humanos. Evidenciam a dominação econômica, política, cultural e
simbólica do adulto branco sobre a criança, a mulher, o negro.
33
Abuso sexual é um ato delituoso praticado por homens adultos contra
meninas, no ambiente familiar. Preponderam os contra valores do machismo, do
patriarcalismo, da inferioridade das mulheres e da submissão das crianças aos
adultos. Numa sociedade com uma desigualdade tão acentuada, as pessoas
subalternizadas têm enorme dificuldade para reagir a situações e fazer valer
direitos legalmente instituídos. Os pobres e os despossuídos esbarram nas custas
judiciais, na dificuldade de enfrentar os recursos judiciais. Outra dificuldade de se
obter a inacessível justiça através da lei é que as ações da polícia, do Ministério
Público e do Poder Judiciário dependem de decisões das famílias das vítimas,
quando o chefe provedor é o agressor.
Fiquei feliz quando, na primeira reunião ministerial, em 8 de janeiro de
2003, o presidente Lula manifestou seu repúdio à violência e à exploração sexual
de crianças e adolescentes e pediu empenho na sua erradicação.
Trata-se de grave violação dos Direitos Humanos universais. De
transgressão, do uso delituoso, delinqüente, criminoso e inumano da sexual idade
da criança e do adolescente.
Convidei a educadora Beth Leitão para montar uma pequena equipe e
decidimos fazer dessa uma luta sem volta na sociedade.
Em maio de 2003, relançamos - a SEDH, o Ministério da Saúde e o
Ministério do Turismo - o Disque Denúncia 0800 99 05 00. O serviço já funcionava
com uma ONG pioneira nessa causa. Decidimos que era dever do Estado
encabeçar esse enfrentamento.
Desde 2000, em Natal, puxado pela sociedade civil, pela rede de ONGs,
entidades, especialistas, militantes do bem tinham foi lançado o Plano Nacional de
Enfrentamento da Violência Sexual lnfanto-Juvenil, com participação do DCA.
34
Agora era diferente, o presidente da República se pronunciou dizendo: "Isto
não pode, é intolerável, tem que acabar".
Há no Brasil belíssimo movimento civilizatório dos Direitos Humanos e da
cidadania. O projeto de cidadania e dos direitos se confronta com o projeto
repressivo e clientelista, que asila a impunidade e a troca de favores, com o
projeto neoliberal obcecado com a redução do Estado com o gerenciamento, a
fragmentação e com o favorecimento do mercado. E ainda choca de frente com o
projeto violento do crime organizado e do narcotráfico, que coopta crianças
desesperançadas e sem sonhos. É inadmissível a negação da cidadania às
crianças das classes populares e de todos. Não podemos aceitar que crianças
sejam pessoas sem valor, sem direitos.
Um pacto civilizatório deve considerar que os danos morais, psíquicos,
emocionais são tão profundos, e suas seqüelas afrontam de tal modo a dignidade
das crianças abusadas, comprometendo o resto de sua vida, e que, portanto, há
de prevenir, evitar, impedir.
"Romper o pacto de silêncio e de medo nas situações de abuso sexual é um
primeiro passo para 'desarmar a armadilha do perverso'."
Esse tipo de violência sexual é praticada por familiares que deveriam
proteger e por conhecidos é uma relação que envolve a imposição de seu poder
pela força, ocultada por segredos, silêncios, cumplicidades.
Romper o pacto de silêncio e de medo nas situações de abuso sexual é um
primeiro passo para "desarmar a armadilha do perverso".
Implica mudança de valores, educação sexual. Precisa da mídia, de uma
opinião pública. Somente trabalho em rede, na mídia, nas escolas, nas igrejas
com as ONGs, envolvendo o poder municipal, o Ministério Público, os Conselhos,
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os Conselhos Tutelares baseados na intersetorial idade, na transversal idade,
pode estabelecer que abuso sexual é crime e deve ser evitado, deve acabar.
Estimular a revelação, o grito, a denúncia. Há que notificar, defender,
proteger, atender, responsabilizar.
É possível identificar tudo, inclusive violência sexual. Violência sexual tem
indicadores físicos - dificuldade de caminhar, gravidez precoce, dor, inchaço,
lesão, sangramento nas partes genitais, presença de DST, infecções urinárias.
Indicadores comportamentais, como agitação noturna, pesadelo, medo do escuro,
vergonha excessiva, auto flagelação, comportamento sexual inadequado para a
idade, depressão, tendência suicida, fuga de casa.
É comum aparecer a figura dos pais agressores que acusam a criança de
sedução sexual. E, muitas vezes, o agressor já foi abusado. São muitos os casos,
estudos de casos de agressor que já foi agredido, já foi abusado.
O abuso nem sempre envolve violência física. O mais comum é a ameaça
e/ou conquista da confiança e do afeto. E, muitas vezes, não se limitam ao
estupro, mas à masturbação, ao sexo oral, à pornografia, ao exibicionismo. E a
família oculta a violência, porque ou depende do chefe, ou ela tem medo, ou
vergonha.
As pessoas orientam as crianças para ter cuidado com os tarados na rua.
Mas os casos de abuso de pessoas com pulsão sexual incontrolável são
pequenos. A maior parte são pais e padrastos.
É uma relação de poder assentado na superioridade do adulto: "a criança é
minha, faço dela o que quero. Ao surrar, ao abusar, eu mostro que sou mais forte
do que ela". Como diz Sarita Amaro: "Eu miniaturizo a sua importância e seu
poder".
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A violência contra a criança e o adolescente cresce em número, ou é mais
revelada. Esteve sempre cercada de silenciamentos familiares, institucionais e
sociais. Hoje, as redes de Direitos Humanos, em especial as que se dedicam ao
reconhecimento da dignidade das crianças, buscam dar visibilidade a essa
violência.
E cresce a resistência das próprias crianças. O protagonismo infantojuvenil. Aí é o papel da escola, da mídia, da educação não formal. E já é notável o
protagonismo infanto-juvenil na questão do trabalho infantil, trabalho infantil
doméstico e da exploração sexual de crianças e adolescentes. Mas ainda é
pequeno em relação à violência doméstica, porque as próprias crianças
adolescentes ainda não têm estímulo cultural e político para reagir contra a
violência. Para fazer isso é importante desconstruir essas verdades dadas, as
teorias totalitárias que justificam a violência.
"Crianças e adolescentes buscam carinho e afeto. Se um adulto procura
manipular isso para o abuso e a violência sexual, não é culpa da criança."
A exploração sexual comercial de crianças e adolescentes
Muito relacionado com isso vem a exploração sexual. As pesquisas entre
prostitutas apontam que maioria passou por abusos sexuais na infância. Daí não
se pode concluir que toda criança abusada se prostitui – não tem nada a ver uma
coisa com a outra. Mas muitas prostitutas foram abusadas sexualmente. Quer
dizer, perderam a referência moral ou ética sobre o sexo, sobre sexualidade, por
abusos na infância.
Crianças e adolescentes nunca são responsáveis pelo abuso e pela
exploração sexual. Crianças e adolescentes buscam carinho e afeto. Se um adulto
procura manipular isso para o abuso e a violência sexual, não é culpa da criança.
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A idéia de a criança seduzir o adulto é uma idéia totalmente incorreta. Elas
buscam carinho e afeto, e recebem do abusador um afeto erotizado.
Quando o abuso ocorre no ambiente familiar, cabe à escola proteger a
criança. Criança com medo sem justificativa, com choros sem justificativa,
amadurecimento precoce, ausência na escola e no trabalho, baixo rendimento
escolar, desinteresse e abandono da escola, comportamento erotizado, são sinais
identificáveis.
É
importante
relacionar
exploração
sexual
com
negligência.
Pais
irresponsáveis falham em alimentar, vestir e vacinar. Às vezes, a falha nem
decorre de condições de vida além de seu controle. Por exemplo, quando um pai
deixa de vacinar uma criança, ninguém pode culpar a pobreza ou qualquer coisa,
já que a vacinação é gratuita. A culpa é do pai mesmo. Os pais devem ser
responsabilizados por determinadas coisas.
O ECA, nesse ponto, não é paternalista. Distribui a responsabilidade entre o
Estado, a sociedade e a família. Têm direitos e deveres. Os adultos são, em
quaisquer circunstâncias, responsáveis.
No caso da exploração sexual comercial, meninos e meninas são levados
ao submundo da exploração sexual por agenciadores ou agenciadoras, mediante
proposta de trabalho, em casa de família, ou como modelo.
Setenta por cento das fugas de crianças desaparecidas são crianças que
fogem da violência. A exploração sexual leva à perda da dignidade e da autoestima, da integridade física, mental e moral. Além de ser das piores formas de
trabalho infantil e deixar feridas dificílimas de ser curadas. Outras formas de
violência, outras formas de abuso às vezes são mais curáveis. A exploração
sexual é mais difíciI.
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Exploração sexual comercial de crianças e adolescentes
Uma adolescente relatou: "Hoje estou recuperada. Voltei para minha casa,
cuido dos meus dois filhos pequenos. Vocês que aqui estão não imaginam o que
tivemos de nos submeter nesta vida. Tenho um corpo de 18 anos, mas uma alma
velha. Minha alma jamais será completa" (Depoimento à Comissão Parlamentar
Mista de Inquérito que investigou a exploração sexual comercial de crianças e
adolescentes).
Quantas são as meninas exploradas sexualmente no Brasil? Não se sabe.
Há avaliações de que seriam 100 mil em 2002. O turismo sexual nas belas praias,
nas imediações dos hotéis, no turismo de negócio; nas estradas, nos garimpos,
nas fronteiras, associado à pobreza. Havia uma banalização, a naturalização da
maldade.
Na primeira reunião ministerial, em 8 de janeiro de 2003, o presidente Lula
manifestou sua indignação contra a situação dessas meninas e pediu ao ministro
da Justiça que articulasse uma atuação policial integrada para realizar ações
exemplares, com o fechamento de estabelecimentos onde houvesse exploração
sexual comercial de crianças e adolescentes.
O pronunciamento do presidente fortaleceu os setores governamentais e
não governamentais que reclamavam maior compromisso e mobilização do
Estado.
Desde o ano 2000, em Natal/RN, as mais importantes ONGs e instituições
de defesa dos direitos das crianças do País traçaram o I Plano Nacional de
Combate à Exploração Sexual de Meninas e Meninos. Faltava ao poder público
assumir o seu papel.
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Foi criado um Comitê Intersetorial que logo agregou os setores não
governamentais. Inicialmente Cláudia Chagas, secretária nacional de Justiça do
MS coordenou o grupo. No segundo momento, Elizabeth Leitão, da Secretaria
Especial de Direitos Humanos assumiu a liderança. Junto com o Ministério da
Saúde e do Turismo assumimos a gestão do Disque Denúncia (0800 990500).
Entre maio de 2003 e maio de 2005, o Disque Denúncia recebeu 120 mil ligações.
Destas, foram registradas 17.000 denúncias oriundas de 2.500 municípios nos 27
Estados da Federação, envolvendo 26 mil crianças e adolescentes que tiveram
direitos, corpos e infância violados. Desde 2004, o projeto conta com o
fundamental apoio da Petrobras e do Centro de Referência, Estudos e Ações
sobre Crianças e Adolescentes (Cecria), entidade responsável pelo suporte
técnico e metodológico do serviço.
Em outubro de 2004, chefes e integrantes de uma quadrilha internacional
de pedofilia, exploração sexual, tráfico de drogas e de pessoas foram presos em
Fortaleza, graças a uma denúncia através do Disque Denúncia. A denúncia foi
encaminhada à Polícia Federal que investiga crimes pela internet.
O 0800990500 propiciou o retorno de uma menina de 15 anos de Macapá
que estava em um garimpo do Suriname. Em março de 2005, recebeu uma
denúncia de que uma criança de um ano estaria sendo vendida por R$ 200 no
centro de Recife. Em uma hora, em ação articulada com o Conselho Tutelar, a
mãe foi presa. Ela já havia perdido o pátrio poder dos outros três filhos, e essa
criança se juntou aos irmãos.
Cada denúncia desencadeia um conjunto de outras ações. Mas, para que
haja denúncias, é preciso pessoas conscientes e indignadas. A repressão e a
devida punição são indispensáveis. A Polícia Federal, a Polícia Rodoviária, civis e
militares têm agido em estradas, aeroportos, fronteiras, zonas urbanas e sites,
desmantelando redes de exploração sexual, tráfico, prostituição, turismo sexual,
pornografia e pedofilia pela internet.
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Tão importante quanto a repressão, são a prevenção, as ações de defesa,
a aplicação da justiça, as políticas sociais.
Durante um ano (julho/2003 a julho/2004) a Comissão Parlamentar Mista de
Inquérito, dirigida pela senadora Patrícia Saboya (PSB/CE) e tendo como relatora
a deputada Maria do Rosário (PT/RS), realizou audiências, reuniões, diligências,
cruzou o País,encaminhou Projetos de Lei para aperfeiçoar a legislação.
A repulsa à exploração sexual de crianças e adolescentes ganhou espaço
no País, e a mídia nacional cobre o assunto. Fóruns e reuniões nacionais e
internacionais vão consolidando essa luta em todo o território nacional. Parcerias
como as da Secretaria Especial de Direitos Humanos com a Petrobras e a
Confederação Nacional do Transporte são feitas para engajar os caminhoneiros
como agentes para denunciar.
Maria Lúcia Leal e Maria de Fátima Leal coordenaram a Pesquisa sobre
Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes, identificando 241 rotas nacionais e
internacionais. Diagnóstico nacional realizado pela Secretaria Especial de Direitos
Humanos com a Violes e a Unicef encontrou denúncias em 932 municípios
brasileiros. Em todos os Estados brasileiros, crianças são tratadas como objetos
descartáveis, como mercadoria.
A luta pela erradicação da exploração sexual comercial de crianças e
adolescentes envolve os Ministérios do Desenvolvimento Social, da Saúde, do
Turismo, da Justiça, da Educação, do Esporte, da Integração Nacional e das
Comunicações. Envolve as Secretarias Especiais de Direitos Humanos, Mulheres,
Igualdade Racial, empresas nacionais como a Petrobras, os Correios, a Infraero,
Universidades e a extensa rede de ONGs que empurram o poder público.
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A Comissão Intersetorial elaborou uma matriz de enfrentamento para
subsidiar os que lutam em qualquer ponto deste país. Nunca se fez tanto para dar
uma resposta efetiva e ética a essa indignidade. Mas falta muito. Toda e qualquer
pessoa pode participar. Quando cruzar com essa realidade em nossas praias,
estradas, hotéis, avenidas e portos é só ligar para o 0800 990500 e denunciar.
O BrasiI tem de apostar nos conselho tutelares, nas delegacias de
proteção, no Ministério Público, nas varas especializadas, nos defensores
públicos, nos centros de defesa, nos Conselhos Municipais de Direitos, nas
mulheres e nos homens indignados, atuando de forma articulada e rápida para
proteger esses seres de corpos juvenis e almas velhas.
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A historia da crianca no Brasil ainda esta para ser contada