Serviço Público Federal
Justiça Federal de Santa Catarina
INQUÉRITO POLICIAL Nº 2009.72.00.012255-3/SC
INDICIADO: EURIDES LUIZ MESCOLOTTO E OUTROS
Despacho/Decisão
O presente inquérito policial teve origem em representações apresentadas ao
Ministério Público do Estado de Santa Catarina por advogados e membros da ASBAN
- Associação de Advogados do BESC (fls. 84/104 e 335/344 do apenso I), noticiando a
prática, em tese, dos delitos de apropriação indébita ou exercício arbitrário das
próprias razões e violação de sigilo bancário por parte da diretoria da Instituição
Financeira antes referida.
Fatos.
Firmou-se um acordo entre o BESC e a ASBAN - Associação de Advogados do BESC,
no qual ficou determinado que o corpo jurídico do banco receberia os honorários de
sucumbência decorrentes das ações favoráveis à Instituição Financeira em questão.
Contudo, alegam o diretor, o superintendente, o presidente do BESC à época dos
fatos bem como outros advogados do BESC que não eram associados à ASBAN, que
o acordo acima mencionado foi descumprido, tendo em vista que os advogados
estariam recebendo não só os honorários de sucumbência, mas também todos os
decorrentes dos inúmeros acordos (transações) firmados pelo banco, o que
caracterizaria infração disciplinar e improbidade administrativa, na medida em que era
o BESC quem arcava com os pagamentos desses valores recebidos indevidamente.
Em virtude dessas suspeitas, em 2005 foi instaurado procedimento administrativo
disciplinar, bem como auditoria para a apuração das supostas irregularidades, tendo
sido determinado também que os valores devidos aos advogados do BESC não
fossem mais depositados na conta da ASBAN, e sim, provisoriamente, em conta
diversa (fls. 125/126, 224 e 235/256 do apenso I), sendo que este último fato, segundo
os representantes, caracterizaria o crime de apropriação indébita, posteriormente
"desclassificado" para exercício arbitrário das próprias razões. Para investigar os fatos
e determinar a natureza dos valores recebidos pelos advogados empregados do
Sistema Financeiro do BESC - SFBESC, os auditores acessaram as contas desses
profissionais (fls. 105/110 e do apenso I), o que originou a notícia-crime sobre a
violação ao sigilo bancário.
Pedidos.
O Ministério Público Federal requereu o arquivamento do presente inquérito, alegando
que "inexiste na conduta investigada qualquer indicativo de 'dolo' de quebra de sigilo
bancário, na modalidade 'divulgar', posto que a comunicação de fatos e entrega de
documentos à Justiça e ao MPF não é um ato de 'divulgação', tendo em vista que tais
órgãos estatais sempre recebem informações sigilosas (dados bancários, fiscais,
telefônicos) com o conseqüente dever de guarda e sigilo, imposto funcionalmente,
usualmente observados nos processos e procedimentos." Além disso, entendeu que a
conduta dos investigados está albergada na previsão do artigo 1º, § 3o inciso IV:
Não constitui violação do dever de sigilo:
IV - a comunicação, às autoridades competentes, da prática de ilícitos penais ou
administrativos, abrangendo o fornecimento de informações sobre operações que
envolvam recursos provenientes de qualquer prática criminosa. (fls. 1174/1180).
Entretanto, Rubens Victor da Silva Filho, autor das notícias crimes, bem como as
demais pessoas indicadas na petição das fls. 1353/1357, por se considerarem vítimas
do crime previsto no artigo 10 da LC 105/2001, requereram que seja indeferido o
pedido de arquivamento, por existir prova da existência do crime e indícios suficientes
de seus autores e co-autores, oportunizando-se o oferecimento de queixa subsidiária,
ante ao decurso do prazo legal de 30 dias para o Ministério Público Federal oferecer a
denúncia.
1ª acusação - Exercício arbitrário das próprias razões. A imputação inicial do crime de
apropriação indébita foi posteriormente alterada pelos representantes pelo delito de
exercício arbitrário das próprias razões (fls. 1009/1029). Rubens Victor da Silva Filho
alegou que este crime teria ocorrido porque a diretoria do BESC não teria mais
depositado os valores recebidos pelos membros da ASBAN na conta indicada para
tanto, mas em conta diversa.
Ocorre que o tipo penal em questão (artigo 345 do Código Penal) enseja somente
ação penal privada. Consequentemente, mesmo que existissem indícios da ocorrência
do crime em questão, a punibilidade dos agentes já estaria extinta, pelo transcurso do
prazo decadencial para a apresentação da queixa-crime (CPP, artigo 38), conforme
inclusive foi alegado pelos representantes às fls. 1009/1029.
Remanesce, pois, a questão da violação do sigilo bancário das pessoas elencadas à
fl. 1353, a qual será a seguir apreciada.
2ª acusação - Violação de sigilo bancário por instituição financeira.
Dispõe o mencionado dispositivo legal:
Art. 10. A quebra de sigilo, fora das hipóteses autorizadas nesta Lei Complementar,
constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de um a quatro anos, e
multa, aplicando-se, no que couber, o Código Penal, sem prejuízo de outras sanções
cabíveis.
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem omitir, retardar injustificadamente
ou prestar falsamente as informações requeridas nos termos desta Lei Complementar.
Quanto ao segundo fato investigado, constata-se que efetivamente houve quebra do
sigilo bancário dos advogados e membros da ASBAN por determinação da auditoria
realizada no BESC (relatórios de auditoria das fls. 235/256 e 288/291 - apenso I;
extratos bancários das fls. 257/287 - apenso I, bem como outros documentos
bancários juntados nos apensos).
Há discussão doutrinária e jurisprudencial sobre se o direito ao sigilo bancário inserese na previsão do artigo 5º, inciso X da Constituição Federal, que assim preceitua:
"são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente da sua
violação" ou se enquadra-se na previsão do inciso XII da CF. Prepondera o
entendimento de que ele emana do direito à vida privada das pessoas, sendo uma
decorrência, portanto, do inciso X do artigo 5º da Constituição Federal (TRF4.
Incidente de argüição de inconstitucionalidade na AMS nº 2005.72.01.000181-9/SC).
Como todo direito fundamental, não é absoluto, admitindo exceções, as quais deverão
ser analisadas em cada caso, à luz dos princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade, sopesando-se os critérios para a relativização desse direito em
relação a outros. Quem deve analisar o conflito entre os valores constitucionais e
aplicar o princípio da proporcionalidade é o Poder Judiciário, sendo vedado, portanto,
o acesso direto às informações pela autoridade administrativa (TRF4. Incidente de
argüição de inconstitucionalidade na AMS nº 2005.72.01.000181-9/SC).
As exceções à necessidade de autorização judicial estão previstas na própria
Constituição Federal ou em lei, conforme passo a fundamentar:
- Comissões Parlamentares de Inquérito. Uma das exceções para a violação do sigilo
bancário está constitucionalmente prevista, e diz respeito às CPIs, que têm poderes de
investigação próprios das autoridades judiciais (CF, artigo 58, § 3º), exigindo-se,
contudo, a necessária fundamentação para a efetivação da medida, conforme prevê o
artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, aplicável também às CPIs (MS nº 23.668DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 17/04/2000).
- Administração Tributária. A LC 105/2001 prevê a possibilidade de instituições
financeiras prestarem informações sobre dados bancários diretamente à administração
tributária, conforme o disposto nos artigos 5º e 6º da LC 105/2001. Esta lei tratou de
cercar a quebra do sigilo bancário de uma série de garantias, de modo a preservar a
privacidade do cidadão, ou mesmo das empresas, submetidas à ação fiscal (TRF4.
Incidente de argüição de inconstitucionalidade na AMS nº 2005.72.01.000181-9/SC).
- Ministério Público Federal. Há precedente admitindo a requisição de informações
bancárias a instituições financeiras diretamente pelo Ministério Público, no caso de se
tratar de investigação que apure desvio de dinheiro público. Essa possibilidade
fundamenta-se nas próprias atribuições funcionais do Ministério Público, atribuídas
pela LC 75/1993. Nesse sentido:
"EMENTA: - Mandado de Segurança. Sigilo bancário. Instituição financeira executora
de política creditícia e financeira do Governo Federal. Legitimidade do Ministério
Público para requisitar informações e documentos destinados a instruir procedimentos
administrativos de sua competência. 2. Solicitação de informações, pelo Ministério
Público Federal ao Banco do Brasil S/A, sobre concessão de empréstimos,
subsidiados pelo Tesouro Nacional, com base em plano de governo, a empresas do
setor sucroalcooleiro. 3. Alegação do Banco impetrante de não poder informar os
beneficiários dos aludidos empréstimos, por estarem protegidos pelo sigilo bancário,
previsto no art. 38 da Lei nº 4.595/1964, e, ainda, ao entendimento de que dirigente do
Banco do Brasil S/A não é autoridade, para efeito do art. 8º, da LC nº 75/1993. 4. O
poder de investigação do Estado é dirigido a coibir atividades afrontosas à ordem
jurídica e a garantia do sigilo bancário não se estende às atividades ilícitas. A ordem
jurídica confere explicitamente poderes amplos de investigação ao Ministério Público art. 129, incisos VI, VIII, da Constituição Federal, e art. 8º, incisos II e IV, e § 2º, da Lei
Complementar nº 75/1993. 5. Não cabe ao Banco do Brasil negar, ao Ministério
Público, informações sobre nomes de beneficiários de empréstimos concedidos pela
instituição, com recursos subsidiados pelo erário federal, sob invocação do sigilo
bancário, em se tratando de requisição de informações e documentos para instruir
procedimento administrativo instaurado em defesa do patrimônio público. Princípio da
publicidade, ut art. 37 da Constituição. 6. No caso concreto, os empréstimos
concedidos eram verdadeiros financiamentos públicos, porquanto o Banco do Brasil os
realizou na condição de executor da política creditícia e financeira do Governo
Federal, que deliberou sobre sua concessão e ainda se comprometeu a proceder à
equalização da taxa de juros, sob a forma de subvenção econômica ao setor
produtivo, de acordo com a Lei nº 8.427/1992. 7. Mandado de segurança indeferido."
(STF, Pleno, MS 21729/DF, Relator: Ministro Néri da Silveira, data do julgamento:
05/10/1995)
As três hipóteses para a quebra do sigilo bancário sem autorização judicial não se
enquadram no caso dos autos. Os dados não foram obtidos nem por requisição de
CPI, nem de autoridade fazendária ou por requisição do Ministério Público.
O artigo 1º da LC 105/2001 dispõe que: "As instituições financeiras conservarão sigilo
em suas operações ativas e passivas e serviços prestados." É certo que é inerente à
própria atividade financeira o acesso aos dados de contas individuais, mas somente a
pessoas autorizadas, designadas pelas instituições financeiras para o
acompanhamento e a fiscalização das movimentações bancárias, exercendo funções,
portanto, específicas. Se assim não o fosse, estar-se-ia impossibilitando essas
instituições de exercerem sua atividade-fim. O que não se pode admitir é que elas não
conservem o sigilo desses dados, a não ser que isso lhes seja expressamente
autorizado pelo Poder Judiciário ou nos casos em que a lei autoriza. Vejamos:
"SIGILO DE DADOS - ATUAÇÃO FISCALIZADORA DO BANCO CENTRAL AFASTAMENTO - INVIABILIDADE. A atuação fiscalizadora do Banco Central do Brasil
não encerra a possibilidade de, no campo administrativo, alcançar dados bancários de
correntistas, afastando o sigilo previsto no inciso XII do artigo 5º da Constituição
Federal." (STF, 1ª Turma, RE 461366/DF, Relator Ministro Marco Aurélio, Julgamento
em 03/08/2007).
No caso dos autos, o acesso às contas bancárias foi em tese determinada por uma
auditoria que estaria investigando a possível ocorrência de crime de improbidade
administrativa. A questão que mais deixa dúvidas não é se houve ilegalidade na
divulgação dos dados bancários para a 2ª Vara da Justiça do Trabalho (fls. 829/834),
para a 2ª Vara Criminal de Florianópolis (fls. 319/321 do apenso I) ou mesmo para o
Ministério Público do Estado de Santa Catarina (fls. 295/313 do apenso I). A
materialidade do crime previsto na mencionada lei complementar configura ilicitude
que, em tese, ocorreu em momento anterior a essas divulgações, havendo
contaminação na origem do procedimento realizado pela auditoria no Banco do Estado
de Santa Catarina.
Ainda que possa ter ocorrido crime contra a administração pública, mediante o
pagamento indevido pelo BESC de honorários a advogados associados, o que poderia
até ensejar a mitigação do direito ao sigilo bancário em virtude do interesse público e
social, há indícios de que o dever de sigilo dos dados bancários foi quebrado sem a
observância do procedimento legal, ou seja, sem autorização judicial e fora das
hipóteses legais previstas (divulgação por requisição de CPIs, da administração
tributária ou do Ministério Público Federal). Nesse sentido:
"EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MATÉRIA
INFRACONSTITUCIONAL. SIGILO BANCÁRIO. QUEBRA. PROCEDIMENTO LEGAL.
OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. Controvérsia decidida à luz de
normas infraconstitucionais. Ofensa indireta à Constituição do Brasil. 2. O sigilo
bancário, espécie de direito à privacidade protegido pela Constituição de 1988, não é
absoluto, pois deve ceder diante dos interesses público, social e da Justiça. Assim,
deve ceder também na forma e com observância de procedimento legal e com
respeito ao princípio da razoabilidade. Precedentes. 3. Agravo regimental a que se
nega provimento." (STF, 2º Turma, AI 655298/SP, Relator Ministro Eros Grau, Data do
julgamento: 04/09/2007, grifei)
Ante o exposto, havendo indícios da ocorrência do crime previsto no artigo 10 da LC
105/2001, DEIXO DE ACOLHER o pedido de arquivamento formulado pelo Ministério
Público Federal (fls. 1174/1180), e determino a remessa dos autos ao Procurador
Geral da República, em cumprimento ao disposto no artigo 28 do Código de Processo
Penal.
Por fim, entendo inaplicável ao presente caso o disposto no artigo 29 do Código de
Processo Penal, como requerido às fls. 1353/1357, uma vez que não houve inércia do
órgão ministerial, pois o membro do parquet não ofereceu denúncia, mas formulou
pedido expresso de arquivamento do presente inquérito policial.
Comunique-se o conteúdo desta decisão ao Ministério Público Federal e ao
procurador de Rubens Victor da Silva Filho, ora representante.
Façam-se as devidas anotações e, após, remetam-se os autos à Procuradoria Geral
da República.
Florianópolis, SC, 04 de março de 2010.
ANA CRISTINA KRÄMER
Juíza Federal Substituta
Documento eletrônico assinado digitalmente por ANA CRISTINA KRÄMER, Juíza
Federal Substituta, conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, e a Resolução nº 61/2007,
publicada no Diário Eletrônico da 4a Região nº 295 de 24/12/2007. A conferência da
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