ELETRIFICAÇÃO RURAL DIREITO À ENERGIA ELÉTRICA: A EXPERIÊNCIA DO
PROGRAMA LUZ PARA TODOS E O FUTURO QUE SE APRESENTA
Ednaldo José Silva de Camargo – Instituto de Eletrotécnica e Energia da
Universidade de São Paulo 11 9135-6745 - e-mail: [email protected]
Fernando Selles Ribeiro – Escola Politécnica da Universidade de São Paulo – FEG UNESP 11 9940-8178 – e-mail: [email protected]
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo analisar os mecanismos utilizados para viabilizar
o “Programa Luz para Todos”, pelo Governo Federal, a partir de novembro de 2003,
garantindo a modicidade tarifária e a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro
dos contratos vigentes entre o Poder Concedente e os Agentes Concessionários,
Permissionários e Autorizados no serviço público de distribuição de energia elétrica.
Demonstra como a aplicação de uma legislação com característica inclusiva pode
estender o atendimento em energia elétrica para mais de 11 milhões de moradores
das áreas rurais, tradicionalmente excluídos desse serviço público e essencial.
Pretende também demonstrar que a legislação brasileira, a partir da Constituição
Federal até a legislação infraconstitucional, já tinha os mecanismos necessários para
que não se exigisse dos solicitantes de energia elétrica qualquer espécie de
contrapartida financeira deste. Pretende afirmar e demonstrar a inexistência, na
Constituição Federal e na legislação infraconstitucional do setor elétrico brasileiro
previsão de participação financeira de parte do consumidor para a sua inclusão ao
serviço público de distribuição de energia elétrica, informando que a exigência de tais
contrapartidas eram decorrentes da leitura equivocada da legislação e da indevida
inversão de comando legal, quando a regulação se sobrepunha à Lei e à Constituição.
Somente por meio da gratuidade da conexão se pode atender de forma mais extensiva
às comunidades rurais, em sua grande maioria formada por cidadãos pobres, com
baixa renda familiar. Conforme pesquisa encomendada pelo Ministério de Minas e
Energia, no ano de 2009, 61,04% das famílias atendidas pelo Programa, viviam com
renda familiar de até um salário mínimo. Por fim, o artigo questiona qual será o
procedimento a daqui por diante, em face da prorrogação do Programa Luz para
Todos, tendo sido determinado que a ANEEL é quem elaborará os novos critérios de
atendimento em todo o país.
ABSTRACT
This study aims to examine the mechanisms used to facilitate the "Programa Luz para
Todos" by the Federal Government, as of November 2003, ensuring affordable tariffs
and maintenance of economic and financial balance of the existing contracts between
the Authority and Agents Dealers and authorized on publicly owned electricity
distribution. Demonstrates how the application of laws with characteristic inclusive can
extend the service into electrical energy for more than 11 million people in rural areas
traditionally excluded from public service and essential. It also aims to demonstrate that
the Brazilian legislation, the Federal Constitution to the infra-constitutional legislation,
has had the mechanisms necessary for the applicants not requiring electric power of
any kind of financial compensation. Seeks to affirm and demonstrate the absence, in
the Federal Constitution and laws of the Brazilian electrical infra prediction of financial
input from the consumer for their inclusion to the public distribution of electricity, stating
that the requirement of such counterparts were due reading misguided legislation and
the improper reversal of legal command, when the setting overlapped the Law and the
Constitution. Only through the generosity of the connection if you can answer more
widely to rural communities, mostly composed of poor citizens with low income.
According to a survey commissioned by the Ministry of Mines and Energy, in 2009,
61.04% of families served by the program, living with family income below the poverty
level. Finally, the paper questions what is the procedure going forward, given the
extension of the Luz para Todos, and was determined that ANEEL is the producer of
the new standards of care across the country.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 e a legislação infraconstitucional
subseqüente não exigem qualquer forma de contrapartida ou de participação
financeira de parte do solicitante de nova ligação de energia elétrica. Ainda hoje,
porém, é mantida a prática de limitar a despesa da concessionária até o limite da
propriedade com a via pública. Da década de 1990 até o ano de 2002, o limite de
investimento autorizado para a concessionária estava limitado pela quantidade de
tarifas fiscais, sendo que o valor em reais era de pouco mais de R$ 257,92 em
ligações urbanas e R$ 368,88 para ligações rurais, os custos excedentes a estes
valores seriam suportados pelo consumidor que solicitasse ligação nova de energia
elétrica. A Resolução Normativa 456, de 1990, da ANEEL, prevê como limite de
responsabilidade do fornecedor do serviço de distribuição o denominado “Ponto de
Entrega”, estabelecido no artigo 9º desta Resolução como o “limite da via pública com
“ponto de entrega de energia elétrica deverá situar-se no limite da via pública com o
imóvel em que se localizar a unidade consumidora(...)”
A partir de 11 de novembro de 2003, quando foi promulgada a Lei
10.762, que instituiu o Programa Luz para Todos, a exigência de contrapartida
financeira e o limite ao atendimento tiveram sua eficácia suspensa, pela vigência do
Manual de Operacionalização do Programa Luz para Todos, exarado pelo Ministério
de Minas e Energia, em conformidade com o Decreto 4.873, de 11 de novembro de
2003. O atendimento se dá até o interior do domicílio, sem qualquer cobrança de
participação financeira de parte do solicitante.
Para viabilizar este tipo de atendimento, um arranjo financeiro foi
elaborado, de maneira a se manter a modicidade tarifária e o respeito ao equilíbrio
econômico-financeiro dos contratos. Anteriormente ao Programa Luz para Todos, se
exigia, de forma direta ou indireta, essa participação, cuja responsabilidade cabia
integralmente ao Poder Concedente e aos agentes Concessionários ou
Permissionários.
O Programa Luz para Todos teve seu prazo ampliado, porém com
alterações que podem vir a restringir novamente o acesso a esse serviço essencial,
pode-se afirmara que suas normas deixarão de ter vigência. É de salientar que o
arranjo financeiro que viabilizou o Programa Luz para Todos, na verdade, serviu
apenas para garantir o que a legislação infraconstitucional e a Constituição Federal já
determinavam, bem como para destacar a inadequação do sistema regulatório
existente, de cunho excludente e conflitante com a Lei maior. É de se questionar qual
será a postura da Agência Reguladora e do Estado brasileiro no tocante ao
estabelecimento de novas regras para a continuidade do Programa, de modo a evitar
um retrocesso ao dia 10 de novembro de 2003 e avançar na superação das
desigualdades, garantindo o ingresso no século XXI daqueles que ainda vivem no
século XIX, sem acesso à energia elétrica.
ENERGIA ELÉTRICA, SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL
Ainda que não conste expressamente na Constituição Federal que a
distribuição de energia elétrica é um serviço essencial, o artigo 1º estabelece, nos
incisos II e III, respectivamente, a cidadania e a dignidade da pessoa humana como
fundamentos da República do Brasil, não sendo possível se falar em cidadania e
dignidade da pessoa humana havendo qualquer tipo de exclusão no acesso aos
serviços públicos essenciais, tal como a energia elétrica. A Lei 7783, de 28 de junho
de 1989, chamada Lei de Greve, veio regulamentar o artigo 9º da Constituição Federal
de 1988. O referido artigo assim expressava: “É assegurado o direito de greve,
competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os
interesses que por meio dele defender.” O parágrafo primeiro do seu artigo primeiro,
assim estabeleceu: “A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre
o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.”
O artigo 10º da Lei de Greve definiu: “São considerados serviços ou
atividades essenciais: I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição
de energia elétrica, gás e combustíveis.” É deste modo que, pela via da
infraconstitucionalidade, o serviço de distribuição de energia elétrica se configura em
nossa estrutura normativa como serviço ou atividade essencial, necessidade inadiável
da comunidade. (CAMARGO, 2007)
UMA OPORTUNIDADE PERDIDA
Após mais de 10 anos no Congresso Nacional, o Projeto de Lei nº 1.921
de 1.999 foi sancionado como a Lei nº 12.212, de 20 de janeiro de 2010, chamada de
Lei da Tarifa Social, cujo objetivo é estabelecer os critérios e os percentuais de
desconto para os consumidores de baixa renda. O texto aprovado, não sem
resistência do setor de produção e distribuição de energia elétrica, ainda que traga
avanços significativos no que tange ao uso continuo do serviço público, pelo
estabelecimento de faixas de desconto relacionados às faixas de renda, participação
em programas sociais de complementação de renda etc., não conseguiu avançar no
aspecto da inclusão de novos consumidores, conforme se verá adiante, com forte
impacto na população pobre do meio rural.
Entre o Projeto de Lei e a Lei aprovada dois artigos essenciais e
transformadores foram suprimidos. Tratam-se dos artigos 13 e 14, como segue:
“Art. 13. Os custos de instalação dos padrões de entrada de
novos consumidores beneficiados pela Tarifa Social correrão
por conta das concessionárias e permissionárias de
distribuição de energia elétrica.
Art. 14. As concessionárias e permissionárias de distribuição
de energia elétrica deverão responsabilizar-se pelos custos de
aquisição e instalação dos equipamentos, associados ao
processo de medição e faturamento da energia vendida aos
consumidores que, atendidos em baixa tensão, exerçam
atividades de irrigação e de aqüicultura, desde que estejam
enquadrados na classificação de agricultura familiar, nos
termos da Lei no 11.326, de 24 de julho de 2006.”
A retirada dos dois artigos reproduzidos decorreu da adesão por parte
da comissão especial da Câmara Federal a argumento da ANEEL. Em 13 de outubro
de 2009 a referida comissão apresentou parecer no qual expressou:
“Concordamos, também, com a supressão do art. 13 do
Substitutivo aprovado inicialmente na Câmara dos Deputados,
dado que a ANEEL argumentou que os custos da instalação de
medidores por conta das concessionárias de distribuição de
energia elétrica levaria a uma quebra do equilíbrio econômicofinanceiro dos contratos, demandando significativa elevação de
tarifas.
Pelas mesmas razões do item anterior, também concordamos
com a supressão do art. 14 da proposição aprovada
inicialmente na Câmara dos Deputados”.
O parecer da agência reguladora, que resultou na manutenção de uma
regulação excludente, como se verá, decorre de uma visão equivocada da legislação
aplicável ao serviço público de distribuição de energia elétrica. A correta aplicação da
legislação levaria inexoravelmente à manutenção dos artigos 13 e 14 na Lei, sua
manutenção depende de vontade política, espécie da “palavra mágica”, norteadora da
aplicação das regras que viabilizaram o Programa Luz para Todos, permitindo a
inclusão, em período de pouco mais de seis anos, de mais de dois milhões e cem mil
famílias das áreas rurais brasileiras, quebrando paradigmas da Eletrificação Rural.
O fundamento do parecer da agência demonstra que, mesmo após a
aplicação de mecanismos financeiros e regulatórios de natureza inclusiva,
remanescem na cultura dos operadores diretos do serviço público de distribuição de
energia elétrica paradigmas superados, contrários à lei, como se a racionalidade
desse serviço essencial devesse ser exclusão, e o breve período de ações inclusivas,
verificadas durante o Programa Luz para Todos, seja visto apenas como uma aragem
que alivia momentaneamente a aridez de um sistema que coloca acima dos preceitos
constitucionais de cidadania e superação da pobreza mecanismos de manutenção de
uma situação cômoda perante cidadãos de pouco poder de influência econômica e
política.
O mesmo se pode dizer da Resolução 414/2010, da ANEEL, que
estabelece as condições gerais de fornecimento de energia elétrica. Esta Resolução,
resultante de um processo de audiências públicas e recebimento de contribuições da
sociedade, veio substituir a anterior Resolução 456/2000, cujo objeto era também o
estabelecimento de condições gerais para o fornecimento de energia elétrica.
A Resolução 456/2000 possuía dois aspectos limitadores da inclusão de
novos consumidores, sobretudo os moradores mais pobres do meio rural. Tais
aspectos diziam respeitos ao seu artigo 3º, que previa diversas formas de participação
financeira do solicitante/consumidor do serviço público de energia elétrica e ao artigo
9º, que estabelecia o “Ponto de Entrega”, como sendo aquele situado “no limite da via
pública com o imóvel em que se localizar a unidade consumidora...”
Essa definição de “Ponto de Entrega”, na prática, significava que toda e
qualquer despesa decorrente da conexão ao sistema elétrico, a partir desse ponto
seria de responsabilidade do consumidor, o que, no meio rural, na maioria dos casos,
significava inviabilizar o acesso ao serviço público de energia elétrica, pela
impossibilidade financeira do consumidor em arcar com despesas que poderiam
facilmente superar a quatro vezes o valor do salário-mínimo (CAMARGO, 2010).
O DILEMA DA ELETRIFICAÇÃO RURAL E A VONTADE POLÍTICA
O dilema da eletrificação rural, consubstanciado no quase “hamletiano”
“fazer ou não fazer”, foi detectado por diversos pesquisadores do tema. FOWLEY,
(1992), identificou o custo da extensão das redes para atendimento rural em função da
dispersão geográfica, contrariamente ao meio urbano com maior concentração de
domicílio, aliado ao custo de manutenção dessas redes e ao baixo consumo dos
moradores das áreas rurais. Identificou ainda o pouco poder político e de influência
dos moradores dessas áreas para fazer valer suas reivindicações e direitos.
LESSA, (1988), vai apontar a resistência da engenharia de distribuição
em lançar mão de tecnologias de menor custo, visando ampliar o atendimento,
estabelecendo um dilema entre manter um serviço público de excelência em todas as
áreas ou admitir tecnologias consideradas ultrapassadas, ainda que eficientes e
seguras, para fornecer um serviço público extensivo, que chegue a todos os cidadãos,
mesmo àqueles que vivem no mais recôndito dos sertões do país.
RIBEIRO, (1993) vai demonstrar o dilema entre fazer ou não fazer a
eletrificação vinculado a um processo de negação da existência de um problema da
eletrificação rural por parte do Estado, da Concessionária e da Engenharia de
Distribuição. O mesmo autor afirma que:
“A lição mais importante é que a grande barreira a ser
vencida é o custo da instalação. Um povo empobrecido
não tem como pagá-lo. Porém, um governo que
realmente esteja empenhado em inserir em sua política
de desenvolvimento econômico os segmentos mais
carentes da nação deve e pode fazê-lo” (...) “a
eletrificação rural é uma questão política...” (...) “a
eletrificação rural é uma questão de soluções políticas”.
(RIBEIRO, 1993, pag. 61)
Afirmamos, em concordância com o pesquisador, que a solução do
dilema da eletrificação depende da “vontade política” para fazer cumprir a legislação.
A LEGISLAÇÃO QUE GARANTE O DIREITO
SOUZA, (2004), demonstra a inexistência de fundamento legal para a
exigência de contrapartida financeira de parte do consumidor/solicitante de conexão
ao serviço público de distribuição de energia elétrica. Desde a promulgação da
Constituição Federal de 1.988 e, principalmente, com a nova configuração do setor
elétrico brasileiro, com a concessão do serviço público de distribuição de energia
elétrica e a decorrente privatização do setor, nos anos 1990.
O artigo 175 da Constituição Federal, que trata da prestação de
serviços públicos, determina que a prestação dos serviços públicos é incumbência do
Poder Público, “na forma da lei”. A lei que regulamenta o artigo 175 da Constituição
Federal foi promulgada aos 13 de fevereiro de 1995, lei 8987. Esta Lei, ao tratar da
política tarifária, em nenhuma momento faz qualquer menção a eventual participação
financeira de parte do solicitante/consumidor do serviço público no que tange à
ampliação do serviço, sendo devido tão somente o pagamento da tarifa pelo serviço
prestado de distribuição de energia elétrica.
O artigo 23 da mesma lei, que trata do contrato de concessão, é mais
específico, estabelecendo como cláusulas essenciais do contrato aquelas relativas,
entre outras, “aos direitos, garantias e obrigações do poder concedente e da
concessionária, inclusive os relacionados às previsíveis necessidades de futura
alteração e expansão do serviço e conseqüente modernização, aperfeiçoamento e
ampliação dos equipamentos e das instalações” (inciso V).
A lei 9074 de 7 de julho de 1995 vai reafirmar o que aqui se busca
demonstrar. Em seu artigo 3º, assim expressa:
“Na aplicação dos arts. 42,43 e 44 da Lei nº 8.987, de
1995, serão observadas pelo poder concedente as seguintes determinações:
(...),
IV – atendimento abrangente ao mercado sem exclusão
das populações de baixa renda e das áreas de baixa densidade populacional
inclusive as rurais;
A Lei 9427, de 26 de dezembro de 1996, que instituiu a ANEEL, no
capítulo III, que trata do regime econômico e financeiro das concessões de serviço
público de energia elétrica, artigo 14, assim dispõe:
“Art. 14. O regime econômico e financeiro da concessão
de serviço público de energia elétrica, conforme
estabelecido no respectivo contrato, compreende:
I – a contraprestação pela execução do serviço, paga
pelo consumidor final com tarifas baseadas no serviço
pelo preço, nos termos da Lei 8.987, de 13 de fevereiro
de 1995;
II – a responsabilidade da concessionária em realizar
investimentos em obras e instalações que reverterão à
União na extinção do contrato, garantida a indenização
nos casos e condições previstos na Lei 8.987, de 13 de
dezembro de 1995 nesta Lei, de modo a assegurar a
qualidade do serviço de energia elétrica;
III – a participação do consumidor no capital da
concessionária, mediante contribuição financeira para
execução de obras de interesse mútuo, conforme definido
em regulamento;
Claro fica que a obrigação do consumidor é pagar a tarifa resultante do
serviço pelo preço, sendo responsabilidade da concessionária e do Poder Concedente
os investimentos em obras e instalações, sendo possível a participação do consumidor
no capital da concessionária, desde que haja regulamento e interesse mútuo na obra,
ou seja, não se trata de arcar com parte do custo mas de participar do capital da co
contrato de concessionária.
Para que não reste dúvida, a Lei em comento ainda define, no artigo 15
o seja “serviço pelo preço”, ou seja; “o regime econômico-financeiro mediante o qual
as tarifas máximas do serviço de energia elétrica são fixadas”. Podendo ter origem no
contrato de concessão ou permissão, resultante de licitação pública, no contrato de
prorrogação do contrato ou no contrato de desestatização.
O ARRANJO FINANCEIRO DO PROGRAMA LUZ PARA TODOS
A fim de viabilizar o atendimento sem ônus ao solicitante, levando a
energia elétrica até o interior do domicílio, sem impactar a tarifa de modo demasiado,
garantindo sua modicidade e preservando o equilíbrio econômico e financeiro dos
contratos de concessão e permissão, foi estabelecido um arranjo que envolvia a
participação tripartite na composição do custo das obras. Deste modo, 75% do valor
da obra é oriundo de dois fundos setoriais – RGR e CDE, sob a responsabilidade do
Governo Federal, por meio da ELETROBRAS, sendo que a RGR entra na composição
na forma de financiamento e a CDE, na forma de subvenção; 15% são de
responsabilidade direta do agente concessionário ou permissionário e 10% cabem ao
Governo Estadual, havendo casos como o do Estado de São Paulo que não participou
do Programa. De maneira geral, o elemento variável dessa composição é a CDE que é
dosada de maneira a garantir a modicidade tarifária e o equilíbrio econômico e
financeiro dos contratos.
O Programa Luz para Todos levou energia elétrica para mais de dois
milhões e cem mil domicílios, em um período de pouco mais de seis anos. Não fosse a
gratuidade para o consumidor e o atendimento até o interior do domicílio esta marca
não teria sido alcançada, tendo em vista que a renda familiar da quase totalidade do
público atendido encontra-se na faixa de até três salários mínimos, sendo que 60,4%
possuem renda familiar de até um salário mínimo, conforme pesquisa Quantitativa
Domiciliar de Avaliação de Satisfação e de Impacto do Programa Luz para Todos,
publicada pelo Ministério de Minas e Energia, em 7 de outubro de 2009.
PRORROGAÇÃO DO PROGRAMA LUZ PARA TODOS
Aos 08 de julho de 2011, por meio do Decreto 7520, o Programa Luz
para Todos teve o seu prazo prorrogado até o mês de dezembro de 2014. Esta
prorrogação, no entanto não mantém as mesmas características do Programa,
delegando à ANEEL uma série de decisões cruciais do ponto de vista de maior
inclusão exclusão.
A definição dos critérios do impacto tarifário que servirão de parâmetro
para definir quem serão os beneficiários do Programa ficou por conta da ANEEL,
conforme o § 1º do artigo 1º do Decreto, bem como a regulação que viabilizará ou não
o atendimento universal, com instalação de “kit” interno, nos termos do artigo 3º do
mesmo Decreto.
O MECANISMO, A VONTADE POLÍTICA E A ANEEL versus ANEEL
Pode-se questionar se o mecanismo utilizado é o melhor ou o mais
adequado, o e que não se pode negar é que, ao lançar mão de um mecanismo que
viabiliza o atendimento mais includente, trazendo o serviço público de distribuição de
energia elétrica ao campo da legalidade, o Estado brasileiro demonstrou competência
para fazer valer a “vontade política”, deixando confirmado o que pesquisadores
afirmavam e reiteravam há mais de 20 anos, ou seja, que a questão da eletrificação
rural é uma questão política e que sua solução é política (RIBEIRO, 1993).
Assim, se não se considerar este o melhor arranjo para se resolver o
dilema da eletrificação rural, será necessário estabelecer outro ou outros, sendo certo
que a questão não é mais se é possível fazer ou não, mas sim de que forma se fará o
que é obrigação do poder concedente e da concessionária.
Como afirmaram os melhores estudos, a solução da escuridão no meio
rural virá por meio de ações políticas. São as ações políticas que podem encontrar as
soluções técnicas e financeiras necessária à viabilização do atendimento pleno do
serviço público de distribuição de energia elétrica, sobretudo às populações pobres do
meio rural brasileiro.
O parecer da ANEEL, que fez excluir da Lei 12.212, de 2010 os artigos
13 e 14, que garantiam a gratuidade de conexão às pessoas de baixa e renda e outros
beneficiados pelos descontos escalonados no valor da tarifa é demonstração
inequívoca de que a visão da agência não está pautada na obrigatoriedade do
atendimento universal do serviço público de distribuição de energia elétrica e sim em
paradigmas superados. Pressupôs a agência um impacto não avaliado, desprezou o
fato de a própria Lei estabelecer uma fonte de receita para viabilizar os benefícios
estabelecidos, ou seja, no mínimo 60% dos programas de eficiência energética.
Por outro lado, ao proferir seu parecer contrário, a ANEEL entrou em
conflito com a própria Lei 9427 de 26 de dezembro de 1996, que a instituiu, em
especial em seu artigo 14, já reproduzido neste trabalho. Em vista desta posição de
parte da ANEEL e considerando que a ela caberá estabelecer critérios importantes de
atendimento na prorrogação do programa Luz para todos, não haverá nenhuma
garantia de atendimento aos moradores da área rural que por qualquer eventualidade
não foram atendidos – eventualidades que podem ser inclusive de natureza
meramente temporal.
CONCLUSÃO
Resta nítido, por fim, que os mecanismos utilizados pelo Estado
brasileiro para viabilizar o atendimento mais extensivo do serviço público de
distribuição de energia elétrica às comunidades e moradores do meio rural teve o
condão de romper com antigos paradigmas e superar o maior dilema da eletrificação
rural, promovendo a inclusão elétrica de mais de 11 milhões de pessoas que viviam no
escuro.
A estrutura legal, desde a Constituição Federal às leis
infraconstitucionais, garante o direito dos solicitantes/consumidores do serviço público
de energia elétrica à conexão ao sistema, sem ônus inicial, sendo sua obrigação tão
somente o pagamento da tarifa pelo serviço recebido.
A obrigação pela extensão e ampliação da estrutura para atendimento é
responsabilidade do poder concedente e dos agentes concessionários e
permissionários.
A postura da ANEEL diante da possibilidade de tornar lei um
mecanismo de incremento da inclusão elétrica demonstrou a permanência de uma
cultura que não leva em consideração novas possibilidades de solução de problemas
sociais, preferindo agarrar-se a velhos conceitos e paradigmas já superados pela
vontade política.
Tendo a missão de estabelecer novos critérios de atendimento para o
Programa Luz para Todos, é lícito se imaginar que sua leitura poderser menos
inclusiva do que foi o Programa até dezembro de 2010, sendo preocupante, pois, esse
tipo de cultura só pode garantir a manutenção de um permanente estoque de
excluídos do serviço público de distribuição de energia elétrica para se resolver no
futuro, ou não.
Palavras-chave: Eletrificação rural. Energia elétrica. Programa Luz para Todos,
Inclusão Social.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem a toda a equipe do Programa Luz para Todos, em especial dos
agentes e ex agentes do Programa no Estado de São Paulo: Adriano, Alessandra,
Carlinhos, Canholi, Castro, Cláudio, Daline, Gabriel, Mari, Perez, Ronaldo e Shinji
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