ELETRIFICAÇÃO RURAL DIREITO À ENERGIA ELÉTRICA: A EXPERIÊNCIA DO PROGRAMA LUZ PARA TODOS E O FUTURO QUE SE APRESENTA Ednaldo José Silva de Camargo – Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo 11 9135-6745 - e-mail: [email protected] Fernando Selles Ribeiro – Escola Politécnica da Universidade de São Paulo – FEG UNESP 11 9940-8178 – e-mail: [email protected] RESUMO O presente trabalho tem por objetivo analisar os mecanismos utilizados para viabilizar o “Programa Luz para Todos”, pelo Governo Federal, a partir de novembro de 2003, garantindo a modicidade tarifária e a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos vigentes entre o Poder Concedente e os Agentes Concessionários, Permissionários e Autorizados no serviço público de distribuição de energia elétrica. Demonstra como a aplicação de uma legislação com característica inclusiva pode estender o atendimento em energia elétrica para mais de 11 milhões de moradores das áreas rurais, tradicionalmente excluídos desse serviço público e essencial. Pretende também demonstrar que a legislação brasileira, a partir da Constituição Federal até a legislação infraconstitucional, já tinha os mecanismos necessários para que não se exigisse dos solicitantes de energia elétrica qualquer espécie de contrapartida financeira deste. Pretende afirmar e demonstrar a inexistência, na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional do setor elétrico brasileiro previsão de participação financeira de parte do consumidor para a sua inclusão ao serviço público de distribuição de energia elétrica, informando que a exigência de tais contrapartidas eram decorrentes da leitura equivocada da legislação e da indevida inversão de comando legal, quando a regulação se sobrepunha à Lei e à Constituição. Somente por meio da gratuidade da conexão se pode atender de forma mais extensiva às comunidades rurais, em sua grande maioria formada por cidadãos pobres, com baixa renda familiar. Conforme pesquisa encomendada pelo Ministério de Minas e Energia, no ano de 2009, 61,04% das famílias atendidas pelo Programa, viviam com renda familiar de até um salário mínimo. Por fim, o artigo questiona qual será o procedimento a daqui por diante, em face da prorrogação do Programa Luz para Todos, tendo sido determinado que a ANEEL é quem elaborará os novos critérios de atendimento em todo o país. ABSTRACT This study aims to examine the mechanisms used to facilitate the "Programa Luz para Todos" by the Federal Government, as of November 2003, ensuring affordable tariffs and maintenance of economic and financial balance of the existing contracts between the Authority and Agents Dealers and authorized on publicly owned electricity distribution. Demonstrates how the application of laws with characteristic inclusive can extend the service into electrical energy for more than 11 million people in rural areas traditionally excluded from public service and essential. It also aims to demonstrate that the Brazilian legislation, the Federal Constitution to the infra-constitutional legislation, has had the mechanisms necessary for the applicants not requiring electric power of any kind of financial compensation. Seeks to affirm and demonstrate the absence, in the Federal Constitution and laws of the Brazilian electrical infra prediction of financial input from the consumer for their inclusion to the public distribution of electricity, stating that the requirement of such counterparts were due reading misguided legislation and the improper reversal of legal command, when the setting overlapped the Law and the Constitution. Only through the generosity of the connection if you can answer more widely to rural communities, mostly composed of poor citizens with low income. According to a survey commissioned by the Ministry of Mines and Energy, in 2009, 61.04% of families served by the program, living with family income below the poverty level. Finally, the paper questions what is the procedure going forward, given the extension of the Luz para Todos, and was determined that ANEEL is the producer of the new standards of care across the country. INTRODUÇÃO A Constituição Federal de 1988 e a legislação infraconstitucional subseqüente não exigem qualquer forma de contrapartida ou de participação financeira de parte do solicitante de nova ligação de energia elétrica. Ainda hoje, porém, é mantida a prática de limitar a despesa da concessionária até o limite da propriedade com a via pública. Da década de 1990 até o ano de 2002, o limite de investimento autorizado para a concessionária estava limitado pela quantidade de tarifas fiscais, sendo que o valor em reais era de pouco mais de R$ 257,92 em ligações urbanas e R$ 368,88 para ligações rurais, os custos excedentes a estes valores seriam suportados pelo consumidor que solicitasse ligação nova de energia elétrica. A Resolução Normativa 456, de 1990, da ANEEL, prevê como limite de responsabilidade do fornecedor do serviço de distribuição o denominado “Ponto de Entrega”, estabelecido no artigo 9º desta Resolução como o “limite da via pública com “ponto de entrega de energia elétrica deverá situar-se no limite da via pública com o imóvel em que se localizar a unidade consumidora(...)” A partir de 11 de novembro de 2003, quando foi promulgada a Lei 10.762, que instituiu o Programa Luz para Todos, a exigência de contrapartida financeira e o limite ao atendimento tiveram sua eficácia suspensa, pela vigência do Manual de Operacionalização do Programa Luz para Todos, exarado pelo Ministério de Minas e Energia, em conformidade com o Decreto 4.873, de 11 de novembro de 2003. O atendimento se dá até o interior do domicílio, sem qualquer cobrança de participação financeira de parte do solicitante. Para viabilizar este tipo de atendimento, um arranjo financeiro foi elaborado, de maneira a se manter a modicidade tarifária e o respeito ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. Anteriormente ao Programa Luz para Todos, se exigia, de forma direta ou indireta, essa participação, cuja responsabilidade cabia integralmente ao Poder Concedente e aos agentes Concessionários ou Permissionários. O Programa Luz para Todos teve seu prazo ampliado, porém com alterações que podem vir a restringir novamente o acesso a esse serviço essencial, pode-se afirmara que suas normas deixarão de ter vigência. É de salientar que o arranjo financeiro que viabilizou o Programa Luz para Todos, na verdade, serviu apenas para garantir o que a legislação infraconstitucional e a Constituição Federal já determinavam, bem como para destacar a inadequação do sistema regulatório existente, de cunho excludente e conflitante com a Lei maior. É de se questionar qual será a postura da Agência Reguladora e do Estado brasileiro no tocante ao estabelecimento de novas regras para a continuidade do Programa, de modo a evitar um retrocesso ao dia 10 de novembro de 2003 e avançar na superação das desigualdades, garantindo o ingresso no século XXI daqueles que ainda vivem no século XIX, sem acesso à energia elétrica. ENERGIA ELÉTRICA, SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL Ainda que não conste expressamente na Constituição Federal que a distribuição de energia elétrica é um serviço essencial, o artigo 1º estabelece, nos incisos II e III, respectivamente, a cidadania e a dignidade da pessoa humana como fundamentos da República do Brasil, não sendo possível se falar em cidadania e dignidade da pessoa humana havendo qualquer tipo de exclusão no acesso aos serviços públicos essenciais, tal como a energia elétrica. A Lei 7783, de 28 de junho de 1989, chamada Lei de Greve, veio regulamentar o artigo 9º da Constituição Federal de 1988. O referido artigo assim expressava: “É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que por meio dele defender.” O parágrafo primeiro do seu artigo primeiro, assim estabeleceu: “A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.” O artigo 10º da Lei de Greve definiu: “São considerados serviços ou atividades essenciais: I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis.” É deste modo que, pela via da infraconstitucionalidade, o serviço de distribuição de energia elétrica se configura em nossa estrutura normativa como serviço ou atividade essencial, necessidade inadiável da comunidade. (CAMARGO, 2007) UMA OPORTUNIDADE PERDIDA Após mais de 10 anos no Congresso Nacional, o Projeto de Lei nº 1.921 de 1.999 foi sancionado como a Lei nº 12.212, de 20 de janeiro de 2010, chamada de Lei da Tarifa Social, cujo objetivo é estabelecer os critérios e os percentuais de desconto para os consumidores de baixa renda. O texto aprovado, não sem resistência do setor de produção e distribuição de energia elétrica, ainda que traga avanços significativos no que tange ao uso continuo do serviço público, pelo estabelecimento de faixas de desconto relacionados às faixas de renda, participação em programas sociais de complementação de renda etc., não conseguiu avançar no aspecto da inclusão de novos consumidores, conforme se verá adiante, com forte impacto na população pobre do meio rural. Entre o Projeto de Lei e a Lei aprovada dois artigos essenciais e transformadores foram suprimidos. Tratam-se dos artigos 13 e 14, como segue: “Art. 13. Os custos de instalação dos padrões de entrada de novos consumidores beneficiados pela Tarifa Social correrão por conta das concessionárias e permissionárias de distribuição de energia elétrica. Art. 14. As concessionárias e permissionárias de distribuição de energia elétrica deverão responsabilizar-se pelos custos de aquisição e instalação dos equipamentos, associados ao processo de medição e faturamento da energia vendida aos consumidores que, atendidos em baixa tensão, exerçam atividades de irrigação e de aqüicultura, desde que estejam enquadrados na classificação de agricultura familiar, nos termos da Lei no 11.326, de 24 de julho de 2006.” A retirada dos dois artigos reproduzidos decorreu da adesão por parte da comissão especial da Câmara Federal a argumento da ANEEL. Em 13 de outubro de 2009 a referida comissão apresentou parecer no qual expressou: “Concordamos, também, com a supressão do art. 13 do Substitutivo aprovado inicialmente na Câmara dos Deputados, dado que a ANEEL argumentou que os custos da instalação de medidores por conta das concessionárias de distribuição de energia elétrica levaria a uma quebra do equilíbrio econômicofinanceiro dos contratos, demandando significativa elevação de tarifas. Pelas mesmas razões do item anterior, também concordamos com a supressão do art. 14 da proposição aprovada inicialmente na Câmara dos Deputados”. O parecer da agência reguladora, que resultou na manutenção de uma regulação excludente, como se verá, decorre de uma visão equivocada da legislação aplicável ao serviço público de distribuição de energia elétrica. A correta aplicação da legislação levaria inexoravelmente à manutenção dos artigos 13 e 14 na Lei, sua manutenção depende de vontade política, espécie da “palavra mágica”, norteadora da aplicação das regras que viabilizaram o Programa Luz para Todos, permitindo a inclusão, em período de pouco mais de seis anos, de mais de dois milhões e cem mil famílias das áreas rurais brasileiras, quebrando paradigmas da Eletrificação Rural. O fundamento do parecer da agência demonstra que, mesmo após a aplicação de mecanismos financeiros e regulatórios de natureza inclusiva, remanescem na cultura dos operadores diretos do serviço público de distribuição de energia elétrica paradigmas superados, contrários à lei, como se a racionalidade desse serviço essencial devesse ser exclusão, e o breve período de ações inclusivas, verificadas durante o Programa Luz para Todos, seja visto apenas como uma aragem que alivia momentaneamente a aridez de um sistema que coloca acima dos preceitos constitucionais de cidadania e superação da pobreza mecanismos de manutenção de uma situação cômoda perante cidadãos de pouco poder de influência econômica e política. O mesmo se pode dizer da Resolução 414/2010, da ANEEL, que estabelece as condições gerais de fornecimento de energia elétrica. Esta Resolução, resultante de um processo de audiências públicas e recebimento de contribuições da sociedade, veio substituir a anterior Resolução 456/2000, cujo objeto era também o estabelecimento de condições gerais para o fornecimento de energia elétrica. A Resolução 456/2000 possuía dois aspectos limitadores da inclusão de novos consumidores, sobretudo os moradores mais pobres do meio rural. Tais aspectos diziam respeitos ao seu artigo 3º, que previa diversas formas de participação financeira do solicitante/consumidor do serviço público de energia elétrica e ao artigo 9º, que estabelecia o “Ponto de Entrega”, como sendo aquele situado “no limite da via pública com o imóvel em que se localizar a unidade consumidora...” Essa definição de “Ponto de Entrega”, na prática, significava que toda e qualquer despesa decorrente da conexão ao sistema elétrico, a partir desse ponto seria de responsabilidade do consumidor, o que, no meio rural, na maioria dos casos, significava inviabilizar o acesso ao serviço público de energia elétrica, pela impossibilidade financeira do consumidor em arcar com despesas que poderiam facilmente superar a quatro vezes o valor do salário-mínimo (CAMARGO, 2010). O DILEMA DA ELETRIFICAÇÃO RURAL E A VONTADE POLÍTICA O dilema da eletrificação rural, consubstanciado no quase “hamletiano” “fazer ou não fazer”, foi detectado por diversos pesquisadores do tema. FOWLEY, (1992), identificou o custo da extensão das redes para atendimento rural em função da dispersão geográfica, contrariamente ao meio urbano com maior concentração de domicílio, aliado ao custo de manutenção dessas redes e ao baixo consumo dos moradores das áreas rurais. Identificou ainda o pouco poder político e de influência dos moradores dessas áreas para fazer valer suas reivindicações e direitos. LESSA, (1988), vai apontar a resistência da engenharia de distribuição em lançar mão de tecnologias de menor custo, visando ampliar o atendimento, estabelecendo um dilema entre manter um serviço público de excelência em todas as áreas ou admitir tecnologias consideradas ultrapassadas, ainda que eficientes e seguras, para fornecer um serviço público extensivo, que chegue a todos os cidadãos, mesmo àqueles que vivem no mais recôndito dos sertões do país. RIBEIRO, (1993) vai demonstrar o dilema entre fazer ou não fazer a eletrificação vinculado a um processo de negação da existência de um problema da eletrificação rural por parte do Estado, da Concessionária e da Engenharia de Distribuição. O mesmo autor afirma que: “A lição mais importante é que a grande barreira a ser vencida é o custo da instalação. Um povo empobrecido não tem como pagá-lo. Porém, um governo que realmente esteja empenhado em inserir em sua política de desenvolvimento econômico os segmentos mais carentes da nação deve e pode fazê-lo” (...) “a eletrificação rural é uma questão política...” (...) “a eletrificação rural é uma questão de soluções políticas”. (RIBEIRO, 1993, pag. 61) Afirmamos, em concordância com o pesquisador, que a solução do dilema da eletrificação depende da “vontade política” para fazer cumprir a legislação. A LEGISLAÇÃO QUE GARANTE O DIREITO SOUZA, (2004), demonstra a inexistência de fundamento legal para a exigência de contrapartida financeira de parte do consumidor/solicitante de conexão ao serviço público de distribuição de energia elétrica. Desde a promulgação da Constituição Federal de 1.988 e, principalmente, com a nova configuração do setor elétrico brasileiro, com a concessão do serviço público de distribuição de energia elétrica e a decorrente privatização do setor, nos anos 1990. O artigo 175 da Constituição Federal, que trata da prestação de serviços públicos, determina que a prestação dos serviços públicos é incumbência do Poder Público, “na forma da lei”. A lei que regulamenta o artigo 175 da Constituição Federal foi promulgada aos 13 de fevereiro de 1995, lei 8987. Esta Lei, ao tratar da política tarifária, em nenhuma momento faz qualquer menção a eventual participação financeira de parte do solicitante/consumidor do serviço público no que tange à ampliação do serviço, sendo devido tão somente o pagamento da tarifa pelo serviço prestado de distribuição de energia elétrica. O artigo 23 da mesma lei, que trata do contrato de concessão, é mais específico, estabelecendo como cláusulas essenciais do contrato aquelas relativas, entre outras, “aos direitos, garantias e obrigações do poder concedente e da concessionária, inclusive os relacionados às previsíveis necessidades de futura alteração e expansão do serviço e conseqüente modernização, aperfeiçoamento e ampliação dos equipamentos e das instalações” (inciso V). A lei 9074 de 7 de julho de 1995 vai reafirmar o que aqui se busca demonstrar. Em seu artigo 3º, assim expressa: “Na aplicação dos arts. 42,43 e 44 da Lei nº 8.987, de 1995, serão observadas pelo poder concedente as seguintes determinações: (...), IV – atendimento abrangente ao mercado sem exclusão das populações de baixa renda e das áreas de baixa densidade populacional inclusive as rurais; A Lei 9427, de 26 de dezembro de 1996, que instituiu a ANEEL, no capítulo III, que trata do regime econômico e financeiro das concessões de serviço público de energia elétrica, artigo 14, assim dispõe: “Art. 14. O regime econômico e financeiro da concessão de serviço público de energia elétrica, conforme estabelecido no respectivo contrato, compreende: I – a contraprestação pela execução do serviço, paga pelo consumidor final com tarifas baseadas no serviço pelo preço, nos termos da Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; II – a responsabilidade da concessionária em realizar investimentos em obras e instalações que reverterão à União na extinção do contrato, garantida a indenização nos casos e condições previstos na Lei 8.987, de 13 de dezembro de 1995 nesta Lei, de modo a assegurar a qualidade do serviço de energia elétrica; III – a participação do consumidor no capital da concessionária, mediante contribuição financeira para execução de obras de interesse mútuo, conforme definido em regulamento; Claro fica que a obrigação do consumidor é pagar a tarifa resultante do serviço pelo preço, sendo responsabilidade da concessionária e do Poder Concedente os investimentos em obras e instalações, sendo possível a participação do consumidor no capital da concessionária, desde que haja regulamento e interesse mútuo na obra, ou seja, não se trata de arcar com parte do custo mas de participar do capital da co contrato de concessionária. Para que não reste dúvida, a Lei em comento ainda define, no artigo 15 o seja “serviço pelo preço”, ou seja; “o regime econômico-financeiro mediante o qual as tarifas máximas do serviço de energia elétrica são fixadas”. Podendo ter origem no contrato de concessão ou permissão, resultante de licitação pública, no contrato de prorrogação do contrato ou no contrato de desestatização. O ARRANJO FINANCEIRO DO PROGRAMA LUZ PARA TODOS A fim de viabilizar o atendimento sem ônus ao solicitante, levando a energia elétrica até o interior do domicílio, sem impactar a tarifa de modo demasiado, garantindo sua modicidade e preservando o equilíbrio econômico e financeiro dos contratos de concessão e permissão, foi estabelecido um arranjo que envolvia a participação tripartite na composição do custo das obras. Deste modo, 75% do valor da obra é oriundo de dois fundos setoriais – RGR e CDE, sob a responsabilidade do Governo Federal, por meio da ELETROBRAS, sendo que a RGR entra na composição na forma de financiamento e a CDE, na forma de subvenção; 15% são de responsabilidade direta do agente concessionário ou permissionário e 10% cabem ao Governo Estadual, havendo casos como o do Estado de São Paulo que não participou do Programa. De maneira geral, o elemento variável dessa composição é a CDE que é dosada de maneira a garantir a modicidade tarifária e o equilíbrio econômico e financeiro dos contratos. O Programa Luz para Todos levou energia elétrica para mais de dois milhões e cem mil domicílios, em um período de pouco mais de seis anos. Não fosse a gratuidade para o consumidor e o atendimento até o interior do domicílio esta marca não teria sido alcançada, tendo em vista que a renda familiar da quase totalidade do público atendido encontra-se na faixa de até três salários mínimos, sendo que 60,4% possuem renda familiar de até um salário mínimo, conforme pesquisa Quantitativa Domiciliar de Avaliação de Satisfação e de Impacto do Programa Luz para Todos, publicada pelo Ministério de Minas e Energia, em 7 de outubro de 2009. PRORROGAÇÃO DO PROGRAMA LUZ PARA TODOS Aos 08 de julho de 2011, por meio do Decreto 7520, o Programa Luz para Todos teve o seu prazo prorrogado até o mês de dezembro de 2014. Esta prorrogação, no entanto não mantém as mesmas características do Programa, delegando à ANEEL uma série de decisões cruciais do ponto de vista de maior inclusão exclusão. A definição dos critérios do impacto tarifário que servirão de parâmetro para definir quem serão os beneficiários do Programa ficou por conta da ANEEL, conforme o § 1º do artigo 1º do Decreto, bem como a regulação que viabilizará ou não o atendimento universal, com instalação de “kit” interno, nos termos do artigo 3º do mesmo Decreto. O MECANISMO, A VONTADE POLÍTICA E A ANEEL versus ANEEL Pode-se questionar se o mecanismo utilizado é o melhor ou o mais adequado, o e que não se pode negar é que, ao lançar mão de um mecanismo que viabiliza o atendimento mais includente, trazendo o serviço público de distribuição de energia elétrica ao campo da legalidade, o Estado brasileiro demonstrou competência para fazer valer a “vontade política”, deixando confirmado o que pesquisadores afirmavam e reiteravam há mais de 20 anos, ou seja, que a questão da eletrificação rural é uma questão política e que sua solução é política (RIBEIRO, 1993). Assim, se não se considerar este o melhor arranjo para se resolver o dilema da eletrificação rural, será necessário estabelecer outro ou outros, sendo certo que a questão não é mais se é possível fazer ou não, mas sim de que forma se fará o que é obrigação do poder concedente e da concessionária. Como afirmaram os melhores estudos, a solução da escuridão no meio rural virá por meio de ações políticas. São as ações políticas que podem encontrar as soluções técnicas e financeiras necessária à viabilização do atendimento pleno do serviço público de distribuição de energia elétrica, sobretudo às populações pobres do meio rural brasileiro. O parecer da ANEEL, que fez excluir da Lei 12.212, de 2010 os artigos 13 e 14, que garantiam a gratuidade de conexão às pessoas de baixa e renda e outros beneficiados pelos descontos escalonados no valor da tarifa é demonstração inequívoca de que a visão da agência não está pautada na obrigatoriedade do atendimento universal do serviço público de distribuição de energia elétrica e sim em paradigmas superados. Pressupôs a agência um impacto não avaliado, desprezou o fato de a própria Lei estabelecer uma fonte de receita para viabilizar os benefícios estabelecidos, ou seja, no mínimo 60% dos programas de eficiência energética. Por outro lado, ao proferir seu parecer contrário, a ANEEL entrou em conflito com a própria Lei 9427 de 26 de dezembro de 1996, que a instituiu, em especial em seu artigo 14, já reproduzido neste trabalho. Em vista desta posição de parte da ANEEL e considerando que a ela caberá estabelecer critérios importantes de atendimento na prorrogação do programa Luz para todos, não haverá nenhuma garantia de atendimento aos moradores da área rural que por qualquer eventualidade não foram atendidos – eventualidades que podem ser inclusive de natureza meramente temporal. CONCLUSÃO Resta nítido, por fim, que os mecanismos utilizados pelo Estado brasileiro para viabilizar o atendimento mais extensivo do serviço público de distribuição de energia elétrica às comunidades e moradores do meio rural teve o condão de romper com antigos paradigmas e superar o maior dilema da eletrificação rural, promovendo a inclusão elétrica de mais de 11 milhões de pessoas que viviam no escuro. A estrutura legal, desde a Constituição Federal às leis infraconstitucionais, garante o direito dos solicitantes/consumidores do serviço público de energia elétrica à conexão ao sistema, sem ônus inicial, sendo sua obrigação tão somente o pagamento da tarifa pelo serviço recebido. A obrigação pela extensão e ampliação da estrutura para atendimento é responsabilidade do poder concedente e dos agentes concessionários e permissionários. A postura da ANEEL diante da possibilidade de tornar lei um mecanismo de incremento da inclusão elétrica demonstrou a permanência de uma cultura que não leva em consideração novas possibilidades de solução de problemas sociais, preferindo agarrar-se a velhos conceitos e paradigmas já superados pela vontade política. Tendo a missão de estabelecer novos critérios de atendimento para o Programa Luz para Todos, é lícito se imaginar que sua leitura poderser menos inclusiva do que foi o Programa até dezembro de 2010, sendo preocupante, pois, esse tipo de cultura só pode garantir a manutenção de um permanente estoque de excluídos do serviço público de distribuição de energia elétrica para se resolver no futuro, ou não. Palavras-chave: Eletrificação rural. Energia elétrica. Programa Luz para Todos, Inclusão Social. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem a toda a equipe do Programa Luz para Todos, em especial dos agentes e ex agentes do Programa no Estado de São Paulo: Adriano, Alessandra, Carlinhos, Canholi, Castro, Cláudio, Daline, Gabriel, Mari, Perez, Ronaldo e Shinji REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA. Resolução 456, de 29 de novembro de 2.000 ______. Resolução 223, de 29 de abril de 2.003 BRASIL. Constituição Federal de 5 de outubro de 1.988 _______. 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