Agrener 2008, Fortaleza
Luz para Todos ou Universalização do Atendimento: como
garantir a continuidade da inclusão social.
Fernando Selles Ribeiro
Professor Titular
Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
Unesp, Campus de Guaratinguetá
Coordenador estadual de São Paulo
Programa Luz para Todos
Furnas Centrais Elétricas S.A.
Av. Paulista, 460 2º andar, São Paulo
[email protected]
1. Introdução
Há quarenta ou cinqüenta anos, as pessoas que viviam nas cidades brasileiras tinham
energia elétrica em casa, mas, quando falavam da paisagem rural, falavam de casas sem
luz elétrica. Essa paisagem se modificou bastante. Por todo canto, a rede elétrica se
expandiu. Muita gente saiu do interior do Brasil para ir viver na cidade grande, muitas
dessas pessoas saídas de áreas rurais muito sofridas. Quando percebe um sotaque que
identifica esses interiores do Brasil mais profundo, o autor pede licença para perguntar
sobre a luz elétrica lá na terra de origem. A resposta é quase sempre a mesma: “na minha
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casa não tinha luz elétrica quando eu vivia lá... mas, hoje, tem!” Continuando, o
pesquisador ainda investiga sobre o entorno da casa paterna e sobre a região: “tem luz
em todo lugar... até onde eu nunca imaginaria que um dia chegasse luz lá”. E todos
conhecem o Programa Luz para Todos. Não é à-toa que, nas últimas eleições
presidenciais, e pela primeira vez, a eletrificação rural fazia parte da lista de boas
intenções de todos os candidatos.
Dentre os cidadãos brasileiros que vivenciaram essa transformação que ocorreu na área
rural está o próprio Presidente da República. E como foi que esse Brasil mais lascado
mudou tanto?
O autor faz parte da equipe do Programa Luz para Todos, no âmbito do Ministério de
Minas e Energia - MME – desde 2003, atuando em área específica. Vai procurar analisar
aspectos da eletrificação rural do passado até chegar ao conjunto de leis e regulamentos
que permitiram a implementação do Programa, vai tratar do está vendo acontecer hoje, e
vai lançar daqui um olhar para o futuro. Não lhe compete estar falando do Programa
como um todo, assunto que outros expositores já trataram com brilhantismo.
Por outro lado, algumas regiões do Brasil, como a área coberta pela Floresta Amazônica,
mas também outras com características de isolamento ou dificuldade de acesso, compõem
um mercado dos mais promissores para energias renováveis e estão abertos às novas
tecnologias. Os estudiosos sempre reforçam suas preocupações de que esse atendimento
tem que ser acompanhado de cuidados especiais com a sustentabilidade dos projetos. O
MME organizou um grupo para estudar esses problemas, dentro do âmbito do Programa
Luz para Todos, e esse grupo vem produzindo resultados importantes. Sendo assim, não
compete a este autor tratar desse tema, pelos mesmos motivos já expostos.
2. Dos grandes programas de eletrificação rural ao desinteresse geral
De modo geral, as concessionárias foram incorporando os mercados rurais que lhes
interessavam e ligando cargas próximas a essas redes, atendendo fazendeiros, os centros
de produção e seus vizinhos. Nos anos sessenta e setenta, quando era possível contar com
investimentos dos organismos multilaterais, principalmente o Banco Interamericano de
Desenvolvimento e o Banco Mundial, houve grandes programas regionais de
eletrificação rural dentro de algumas concessionárias estaduais, com destaque para o da
Copel e o da Cemig, no Paraná e em Minas Gerais. No Rio Grande do Sul e em
Pernambuco, houve forte atuação de cooperativas de eletrificação rural. Nessa época, em
decorrência dos contratos de financiamento, a Eletrobrás tratava desse projeto em alto
nível, reunindo especialistas de fina sensibilidade social e consultores internacionais
importantes, tais como seus engenheiros José Hisbello Campos e Nelson Rosa e o
cingalês Mohan Munasinghe. Munasinghe era do Banco Mundial, ficou no Brasil por
bom tempo em apoio às ações de eletrificação rural, e depois, em 1987, escreveu o livro
que é fundamental, intitulado “Rural electrification for development: policy analysis
and applications”. E vale citar que Munasinghe foi um dos vencedores do Premio Nobel
da Paz de 2007, como vice-presidente do Painel Intergovernamental de Mudanças
Climáticas - IPCC – sendo o vice-presidente Al Gore o outro laureado. Poucos sabem,
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talvez o próprio autor ignore, o quanto há de coisa inovadora em políticas de eletrificação
rural que apareceu escrita nesse livro que agora se tornou parte dos princípios do
Programa Luz para Todos. Todavia, porque os bancos internacionais fecharam suas
torneiras e, principalmente, porque poucos do setor elétrico se interessavam pelo tema,
quase nada aconteceu nos anos oitenta. Interromperam-se os estudos, deixou de haver o
grupo de eletrificação rural na Eletrobrás, e, nessa década, o atendimento médio anual
ficou abaixo de 2 % da demanda reprimida.
Em 1990, o Governo Federal constatou que apenas 27 % das propriedades rurais estavam
eletrificadas. Havia mais de quatro milhões de propriedades rurais às escuras, esquecidas
nas sombras das longas e monumentais linhas de transmissão em extra e ultra alta tensão
de um dos mais portentosos sistemas de potência do mundo, linhas essas que transportam
energia de fontes renováveis, geradas nas maiores usinas hídricas do planeta.
Já se percebia que não havia luz nas casas pobres, quem tinha um pouco de dinheiro já
havia dado um jeito para sua família ter energia elétrica em casa. Não havia um órgão de
estado para tratar desse assunto e ele acabava por ficar nas mãos de cada concessionária,
com grande disparidade de comportamento. Ainda em 1990, esperava-se que uma ligação
rural podia custar, em média, mil dólares no Rio Grande do Sul e vinte mil dólares no
leste do interior de São Paulo. Justamente nesse mesmo ano de 90, o órgão regulador
baixou a Portaria DNAEE nº 5, que resultou em limitar a participação obrigatória das
concessionárias nos investimentos necessários para a instalação de energia elétrica nas
propriedades rurais em 257 reais. O resto ficava for conta do freguês. Era pegar ou largar,
isto é, pagar tudo menos 257 reais, ou ficar no escuro.
3. O BNDES e a eletrificação rural com objetivo de aprimorar a cidadania
Entendendo que a energização das pequenas propriedades agrícolas poderia propulsionar
desenvolvimento econômico e se converter em vetor de aplainamento das desigualdades
sociais, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social resolveu interferir
nesse processo. Chamou como parceira a Escola Politécnica da Universidade de São
Paulo, com o objetivo de entender e corrigir o fato de que os pobres rurais historicamente
ficavam à margem do efetivo público-alvo das políticas de eletrificação. Planejou um
modelo de programa explicitamente voltado para a inclusão do pequeno proprietário rural
e o testou no Rio Grande do Sul. Como a concessionária não tinha vocação para
abandonar sua visão empresarial e dedicar-se à questão social, esse modelo procurava
tirar da concessionária as funções de planejamento e de definição do perfil de mercado a
atender, e deixava à distribuidora justamente aquilo que é um papel natural dela: a
engenharia de distribuição de energia elétrica. Conforme uma das propostas de
Munasinghe, além do planejamento, também a gestão do programa ficou fora da
concessionária, tendo sido montado um arranjo institucional em que esses papéis foram
atribuídos a uma agência centralizadora, capaz de atuar com visão de desenvolvimento
social e econômico, ao invés do objetivo de retorno econômico normal da visão de
mercado da concessionária. Foi dada preferência por circuitos de distribuição
simplificados e os custos sofreram controle muito rígido. Há que se lembrar que os
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interessados haveriam de pagar pelas obras de instalação e esse valor era determinante do
êxito, já que o programa era focado nos proprietários de baixa renda, visando 6.000
interessados de algumas regiões do interior gaúcho. O custo médio foi de 735 dólares por
ligação. A empreitada logrou êxito e, cinco anos depois, o modelo foi adaptado para a
situação mais complexa do estado de São Paulo, onde havia três grandes distribuidoras
estatais, cada uma com uma origem empresarial diferente, com cultura técnica própria e
com mercados distintos. O governador Mário Covas publicou o Decreto n° 47.906, em 25
de setembro de 1996, criando o Programa Luz da Terra lastreado em financiamento do
BNDES, e também instituindo uma agência central de gestão na forma de uma comissão
vinculada a várias secretarias. Tal decreto quebrou um paradigma: tornou obrigatório o
atendimento de todo cidadão rural ainda sem luz elétrica, sem permitir exclusão por conta
da pobreza, da distância ou por qualquer outro motivo, e isso era imposto de cima para
baixo às três concessionárias públicas. Era um ato político que encontrou toda forma de
resistência nas corporações. Esse decreto foi o primeiro instrumento legal que impõe a
obrigação de atender os mais pobres, contrariando dogmas do setor elétrico quanto ao
conceito de mercado rural a atender. A força política do Governador representada pelo
Secretário de Energia deu respaldo à consecução de um programa com objetivo de
aprimorar a qualidade de vida social no campo, visando a noção de cidadania e a inclusão
dos mais pobres. Foi ainda instituído um grupo de pesquisa acadêmica para acompanhar
esse programa.
4. A reestruturação do setor elétrico e o Luz no Campo
A reforma do setor elétrico, dentro de um espectro de reformas econômicas liberais, a
privatização das distribuidoras estaduais, além da própria criação da Agência Nacional de
Energia Elétrica - Aneel -, modificaram bastante o cenário da distribuição de energia. Em
Recife, em outubro de 1999, o Ministro Rodolpho Tourinho lançou o Programa Luz no
Campo. Explicitou que era um programa de contrapartidas sociais que faziam parte da
pauta do liberalismo. Muitos dos elementos do Programa Luz da Terra estavam no
modelo do Luz no Campo, sendo a Eletrobrás a agência externa a planejar e gerir o
programa. Uma contribuição muito importante foi a introdução do conceito de atender a
domicílio rural, ao invés de propriedade rural (Pazzini, 2001). O Cepel foi chamado como
grupo de pesquisa e acompanhamento e fez os mais interessantes estudos sobre
eletrificação rural já feitos no país. Estava planejado que o Programa Luz no Campo
deveria alcançar a universalização do atendimento em alguns estados, novo jargão para
exprimir o atendimento obrigatório a todos interessados que foi introduzido em São Paulo
pelo BNDES. No final de suas operações o programa alcançou a marca muito
significativa de 700.000 ligações. Esse programa reintroduziu a eletrificação rural na
Eletrobrás, capacitando uma equipe técnica do mais alto gabarito, criando uma
engenharia de programa de eletrificação rural com objetivos sociais dentro dessa estatal.
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5. A Universalização do Atendimento
Em 2001, houve o risco de apagão e veio o racionamento. Empresas que assinaram
contratos de concessão com o compromisso do equilíbrio econômico-financeiro foram
convocadas a momentaneamente deixar de vender energia. Em 2003, o Congresso
Nacional foi chamado para discutir a recomposição do setor e resolver situações
excepcionais de quebra de contrato de concessão por ocasião daquela crise de oferta de
energia. No rastro dos ajustes legais que deram origem ao grande acordo que o setor
elétrico e o Governo Federal selaram com o objetivo de recompor o ambiente do mercado
de energia, as concessionárias concordaram em aceitar a Universalização do
Atendimento. Grupos internos da Aneel já vinham trabalhado com o conceito da
Universalização do Atendimento, sendo que escolheram justamente o fórum oferecido
pelo Agrener 2002, reunido na Unicamp, para divulgar suas posições. Então, o Congresso
Nacional aprovou o substitutivo do Deputado José Carlos Aleluia, também professor de
engenharia de distribuição e ex-diretor de concessionária, dando forma à Lei 10.438,
sancionada pelo Presidente Fernando Henrique em 26 de abril de 2003.
A Lei 10.438 quebrou o maior dos paradigmas da eletrificação rural. Tornou obrigatório
o atendimento do serviço de eletricidade sem ônus para o interessado, atribuindo todas as
despesas com as obras necessárias para o acesso ao serviço público de energia à
concessionária ou à permissionária da região, com prazos e metas de atendimento que
seriam definidos pela Aneel em um ano. Também, criou e viabilizou fundos setoriais para
dar suporte financeiro à concessionária ou permissionária e estabeleceu sanções para a
eventualidade do não cumprimento dos objetivos da lei. Ao longo de 2003, o Conselho
Nacional de Política Energética, órgão de assessoramento da Presidência da República,
instalou o Grupo de Trabalho nº 7 – Universalização do Serviço de Energia – que discutiu
o tema com diferentes representantes da sociedade, inclusive as universidades. As
concessionárias, que haviam concordado com as linhas que deram forma à Lei 10.438,
empenharam-se em jogar as metas de atendimento às calendas, tentando ganhar 25 anos
para cumprir sua parte nesse acordo. Foram desenvolvidos estudos que mostravam que o
cobertor dos fundos setoriais era curto, e as tendências apontavam que a universalização
só seria possível em 2012, talvez em 2010. O mais significativo dos fundos era a Conta
de Desenvolvimento Econômico - CDE - o qual foi criado pela Lei 10.438, através de
contribuições obrigatórias dos comercializadores de energia, para ser dividido para cobrir
várias funções, que poderiam atender a vários grupos de interesse. Ainda haveria de
acontecer uma batalha dos interessados pelos recursos que brotariam dessa lei na forma
da CDE.
Em abril de 2004, já sob a égide do novo governo e após concorrida audiência pública, a
Aneel publicou a Resolução nº 233, que estabelece as regras da Universalização do
Atendimento, dando a regulamentação da Lei 10.438 . Assim, cada município ganhou
uma data para que a conclusão das obras, chamada de meta, cada concessionária também
ganhou uma data para sua meta, e ficou estabelecido o ano de 2015 como prazo final para
a Universalização. Foi revogada a Portaria nº 5, de 1990, do DNAEE - desobrigando
formalmente o interessado de qualquer responsabilidade por pagamento das obras de
conexão ao sistema de energia -, foi criada a figura do solicitante de energia elétrica e
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foram tomadas muitas outras providências. Ficou estabelecido que o atendimento seria
feito segundo as regras dispostas na Resolução Aneel nº 456, de 29 de novembro de
2000, que dá as formas das Condições Gerais de Fornecimento de Energia Elétrica. Há
um prazo de quinze dias para uma resposta ao solicitante e outro de um mês para executar
o atendimento. O valor do investimento será lançado na composição da próxima tarifa da
distribuidora e nada pode ser cobrado do solicitante. A Resolução 456 já existia. Por ela,
o órgão regulador obriga a distribuidora a levar a linha de distribuição até a propriedade
do consumidor, definindo que a entrega da energia se dará no limite entre essa
propriedade e a via pública. A Lei 10.438, da maneira como foi regulamentada em 2004
pela Resolução 233, na prática acrescenta a esse fenômeno o fundamental fato de que o
solicitante não põe a mão no bolso. Antes, a concessionária era paga pelo interessado,
conforme a Portaria DNAEE nº 5. Agora, a concessionária lança em sua tarifa o valor do
investimento que precisa fazer.
5. O Programa Luz para Todos
O Programa Luz para Todos é o resultado de uma formidável engenharia regulatória. No
mesmo dia em que foi lançado, o Presidente da República sancionou a Lei 10.762 e o
Decreto nº 4873 consolidando a política que desejava imprimir. O Decreto no 4.873, de
11 de novembro de 2003, instituiu o Programa Luz para Todos. De acordo com art. 3º do
Decreto, o Programa deverá ser coordenado pelo Ministério de Minas e Energia, e
operacionalizado com a participação das Centrais Elétricas Brasileiras S.A. – Eletrobrás e das empresas que compõem o Sistema Eletrobrás. Ainda nos termos do art. 7º do
Decreto, fica atribuído ao MME editar o Manual de Operacionalização do Programa e
demais normas pertinentes à sua execução. Em outras palavras, o Decreto Presidencial é
um instrumento legal do Poder Concedente que dá ao MME o poder de fazer regulação
sobre as atividades do Programa Luz para Todos. É mais forte que os instrumentos
regulatórios convencionais emitidos pela Agência Reguladora. Assim, nos itens que
interessam à política pública que criou o Programa Luz para Todos, o Manual de
Operacionalização impõe as suas próprias normas, obrigando os agentes participantes,
principalmente as concessionárias e cooperativas de eletrificação rural, chamados de
Agentes Executores, a ignorar normas da Aneel.
6. O Manual de Operacionalização do Luz para Todos como instrumento de
regulação
O Manual de Operacionalização vem desempenhando um formidável papel na garantia
da inclusão social. Alguns conceitos advindos dos estudos dos grupos de pesquisa que, há
mais de dez anos atrás, acompanhavam o BNDES em São Paulo e no Rio Grande do Sul,
tiveram acolhida no Manual de Operacionalização e fazem parte do conjunto de medidas
que facilitam o atendimento de todos os demandantes. Entre essas medidas, há três
tópicos que merecem destaque: o atendimento obrigatório dos domicílios rurais, o
atendimento obrigatório dos domicílios de trabalhadores rurais dentro das propriedades
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dos patrões, a obrigação de chegar com a rede de baixa tensão até perto da casa do
cidadão.
A obrigação de atender o domicílio é medida muito forte. A Aneel e as distribuidoras têm
a propriedade rural como o objeto a ser atendido, conforme a Resolução Aneel nº 456, de
2000. Por essa resolução, se a casa for construída longe do limite da via pública, a
responsabilidade é toda do consumidor. O ponto de entrega, na divisa do terreno, é o
limite da responsabilidade da concessionária. Todo o custo de instalação do ramal que vai
do ponto de baixa tensão à casa, fica por conta do solicitante. Os custos podem chegar a
dois, quatro mil reais, muito além das disponibilidades da maioria do público-alvo. Pelo
Luz para Todos, o interessado nada tem a pagar. Pela Universalização do Atendimento,
não vale mais o Manual e sim, a Resolução da Aneel. Só é feita a ligação se o
consumidor tiver o dinheiro na mão e pagar. Uma instituição que se esforça para colocar
seus atendidos no Luz para Todos é o INCRA. Seus assistidos, muitas vezes, não podem
receber a luz elétrica pela Universalização do Atendimento por falta desse dinheiro.
Outra medida importante é exigir que as casas dos colonos sejam atendidas pelas
concessionárias. O setor elétrico tem a ideologia de atender a Casa-grande e ignorar a
Senzala, no dizer de um pesquisador que mediu em campo, nas casas de colonos de uma
amostra de fazendas de gado de leite, tensões de até 70 volts, em sistema de 127 volts
nominais (Fernandes Jr., 1998). Cada vez que alguém tomava banho, por exemplo, a
tensão oscilava e a qualidade da energia ficava horrorosa. O pesquisador identificou um
problema social de grandes proporções, por causa da pressão que as mulheres e os filhos
dos colonos faziam para que eles abandonassem a roça e fossem morar na cidade. Afinal,
tinham comprado televisão que não funcionava, a geladeira vivia queimando, e havia
outras dificuldades com os eletrodomésticos. O pesquisador viu isso em toda a sua
amostra e informou-se que era uma prática generalizada no país, envolvendo uma
multidão de trabalhadores rurais: condutores de péssima qualidade e inadequados eram
ligados na Casa-grande, ou no centro de produção da fazenda, e iam se encompridando
em gambiarras pelo campo (Fernandes Jr.,1998). Tanto os domicílios ligados dessa forma
– ou os domicílios que “emprestam” a energia e ainda não são regularizados, não têm a
conta de luz -, como os ainda sem luz elétrica, são tratados como consumidores normais
pelos Agentes Executores do Luz para Todos. Às vezes isso causa reclamações de
jornalistas: como é que um programa que se diz social vai pondo poste e fio em fazenda
de gente rica? Isso é fazer bom uso do dinheiro público? Sim, é legal e justo, e é uma
opção do Poder Concedente. Já a Resolução 456, a Aneel, e a distribuidora são
completamente contrárias a esse procedimento.
Quando começou o Luz para Todos, o primeiro Manual de Operacionalização exigia que
o transformador e o padrão ficassem a menos de 30 metros da residência atendida. Na
versão atual, o Manual exige que o Agente Executor instale o kit interno: circuito interno
com ponto de luz em cada cômodo e duas tomadas. O transformador pode agora ficar
longe, assim como a medição. Foi criada a figura do ramal de conexão, que vai do padrão
até um disjuntor obrigatório na sala do beneficiado. Há casos em que não se exige a
instalação do kit interno, e então, a obra termina nesse disjuntor. A fiscalização da
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Eletrobrás, que é muito rígida, sempre constata se há tensão nesse disjuntor antes de dar a
obra de instalação como executada.
Há outros pontos muito interessantes no Manual de Operacionalização. Todavia, os que
mais fazem falta são esses três e, também, os procedimentos acima relatados. Deixando
de viger o Manual de Operacionalização, essas medidas deixam de ser aplicadas porque
volta a ter validade a Resolução Aneel nº 456, de 2000: obra de ligação de energia de
graça, mas apenas até o limite da propriedade.
7. O planejamento das ações futuras
O objetivo declarado do Programa Luz para Todos é a antecipação das metas de
universalização para o final de 2008, com previsão inicial de dois milhões de famílias
nesse prazo. O programa é um sucesso de público e de crítica. No final de março de 2008
já tinha alcançado a marca de um milhão e quatrocentos mil atendimentos. No entanto, o
Governo Federal constatou que o mercado havia crescido 60 % em relação ao inicial e
resolveu prorrogar o Programa até 2010. Em muitos estados a meta inicial foi alcançada e
superada significativamente. Velhos militantes da eletrificação rural costumam dizer que,
quando se faz um projeto para atender uma área rural com 100 ligações, é bom esperar
que se vá sair de lá tendo atendido 150. O impacto positivo da energia faz surgir uma
grande demanda reprimida, muitas vezes não declarada ou ignorada. São pequenos postos
de comércio, novas residências, familiares que voltam para o bairro porque a energia está
chegando... Então, os números do Governo Federal estão consistentes com a prática da
eletrificação rural.
Hoje, o planejamento da eletrificação rural no Brasil está posto da seguinte maneira:
cada novo solicitante, ou vai ser ligado de graça pelo Programa Luz para Todos, ou vai
ser ligado também de graça pela Universalização do Atendimento. Pela perspectiva da
distribuidora de energia, se ela estiver operando normalmente o Programa Luz para
Todos, a solução a ser dada será dentro dos mecanismos do contrato que a empresa
assinou com a Eletrobrás ao se tornar Agente Executora do programa. Não havendo o
contrato, ou não podendo o solicitante nele ser enquadrado, a ligação terá de ser feita pelo
programa de Universalização do Atendimento, conforme o jargão do setor.
O problema é: como conseguir dar continuidade ao atendimento baseado no objetivo de
inclusão social – modernamente criou-se a idéia de inclusão elétrica, talvez tirada da
outra idéia de inclusão digital – e levar a energia elétrica a todas as casas que ainda não
têm acesso a ela?
Uma alternativa é dar continuidade ao Luz para Todos e à validade de seu Manual de
Operacionalização, fazendo a regulação do MME manter mais poder que a regulação da
Aneel. Para alguns, aqui se instala um dilema: ou se continua o Luz para Todos
confessando que não foi possível chegar a seu término no prazo estipulado, ou se
interrompe o atendimento com o final do Programa, até podendo acontecer que algumas
metas tenham sido superadas. Em ambas as alternativas o administrador fica em situação
ruim do ponto de vista político, já que nenhuma das duas soluções é boa.
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Para os velhos militantes da eletrificação rural não há dilema. Eles já confessaram lá atrás
que a prática lhes ensinou que nem se consegue acabar com a pobreza nem se consegue
terminar um programa de eletrificação rural. Carmo, 2005, demonstra as dificuldades de
identificar o conjunto completo de demandantes da eletrificação rural em área de
minifúndios pobres. Em campo, ele fez de tudo que a literatura lhe recomendava para
identificar seu mercado. Organizou as comunidades, organizou serviços municipais de
eletrificação rural, teve apoio presencial dos prefeitos e terminou sua tranche com o
dobro dos demandantes iniciais. Terminou sua segunda tranche quando começou o Luz
para Todos. Ao invés de ter sua área universalizada, conforme previa o Luz no Campo e
já tinha sido previsto pelo Luz da Terra, ainda havia o dobro de pedidos da segunda
etapa. Nas fases seguintes de Luz para Todos o mercado era o mesmo da primeira fase...
Há também certas comunidades que têm muito mais problema que se possa imaginar.
Problemas de licenciamento dos órgãos ambientais, problemas com promotores que
haviam se manifestado anteriormente, ou problemas sociais. Marques, 2005, aborda
problemas com comunidades quilombolas. Há também, problemas com a dificuldade de
se obter permissão de passagem para a construção da rede. Quando há problema muito
difícil, a tendência é a concessionária deixar tudo para depois de solucionar as
dificuldades, mesmo para cargas prioritárias. No horizonte do final do programa, sempre
vai haver algumas situações muito difíceis remanescentes.
No entanto, se a decisão for acabar com o Programa Luz para Todos em determinada
data, teoricamente já há uma solução delineada para os futuros atendimentos. Serão feito
pela Universalização, de graça. O que vai acontecer é muito claro: acaba o Manual do
Luz para Todos, o MME perde seu poder de regular acima da Aneel, e volta a valer a
Resolução nº 456, em fase até de revigoramento. A concessionária, mesmo que queira,
não poderá atender os domicílios no interior das propriedades. Não será um investimento
considerado prudente, e não poderá ser contabilizado para efeito de reajuste de tarifação.
Há duas experiências recentes a considerar. Duas concessionárias de São Paulo
terminaram uma campanha de divulgação que anunciava a data final para alguém se
cadastrar como solicitante do Luz para Todos. Muitos foram se cadastrar depois dessa
data. Quando foi explicado que seria pela Universalização e não pelo Luz para Todos, e
as conseqüências disso, uma das empresas ficou com apenas 25 % e a outra com 50 %
desse lote de cadastrados. Os outros não tinham condição para continuar e pagar a ligação
do ramal de entrada.
8. Conclusão
Encerrar o Programa Luz para Todos é expor-se a situações muito difíceis. Muitos
cidadãos pobres vão perceber-se sem poder concretizar um direito que já esteve à mão. É
um risco político considerável.
Uma alternativa para essa situação é modificar a regulação da Aneel. Se houver vontade
política para tanto, a Aneel pode incorporar os benefícios do Manual de
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Operacionalização, desde que se preserve o equilíbrio econômico-financeiro das
concessionárias e permissionárias. Não é impossível destinar fundo para financiar essas
obras. Pode acontecer do Governo Federal tomar essa iniciativa um dia. O mais provável
é que surja uma ação do Congresso Nacional no sentido de reparar injustiças, fazendo
valer para todos o direito que já foi de alguns.
Alguma coisa já está em discussão na Câmara dos Deputados. Um substitutivo do
deputado Carlos Zaratini, para reformular a subvenção para pagamento de contas de luz
de pessoas de baixa renda, já fala na obrigação de colocar poste e medidor ao lado das
casas, também na área rural.
9. Bibliografia
CARMO, J.R. , Planejamento e operação de políticas públicas de eletrificação rural no
estado de São Paulo, Dissertação de Mestrado, Programa Interunidades de Pós Graduação
em Energia, EP/FEA/IEE/IF da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.
FERNANDES JR., A.G.F. , Qualidade de energia na produção de leite, Dissertação de
Mestrado, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005
MARQUES, R. M. B. S., Universalização do Atendimento: o paradoxo da exclusão dos
inadimplentes dos programas de eletrificação rural anteriores, Dissertação de Mestrado,
Programa Interunidades de Pós Graduação em Energia, EP/FEA/IEE/IF da Universidade
de São Paulo, São Paulo, 2005.
PAZZINI, L.H. A. Eletrificação rural no novo cenário: o caso de São Paulo, Tese
(Doutorado em Engenharia Elétrica) - Escola Politécnica da Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2001.
PROGRAMA LUZ PARA TODOS. Manual de Operacionalização do Programa
Nacional de Universalização do Acesso e uso da Energia Elétrica. versão 5.0. Brasil:
Ministério de Minas e Energia, [s.d.].
RIBEIRO, F. S. ; SANTOS, J. F. M. . Políticas de eletrificação rural: superando dilemas
institucionais. Revista do Bndes, Rio de Janeiro, RJ, v. 2, p. 131-152, 1994.
RIBEIRO, F. S. . Distribuição de Energia. In: José Aquiles Baesso Grimoni; Luiz
Cláudio Ribeiro Galvão; Miguel Edgar Morales Udaeta. (Org.). Iniciação a Conceitos de
Sistemas Energéticos para o Desenvolvimento Limpo. São Paulo: EDUSP, 2004, v. V.I,
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RIBEIRO, F. S. . A eletrificação rural ao alcance de todos. In: CONBEA. (Org.).
Tecnologia e aplicação Racional de energia elétrica e de fontes renováveis na agricultura.
Campina Grande: , 1997, v. 1, p. 1-29.
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