FALA DE ABERTURA
BOA TARDE A TODOS E A TODAS!!!!
HISTORICIZANDO O ENLAÇANDO
Em 2009, realizamos nas dependências da Universidade do Estado da Bahia , a primeira edição
do Enlaçando Sexualidades. Nesta segunda edição, em 2011, crescemos, alargamos nossos
horizontes na busca incessante da multi-institucionalidade, e, então, o Centro de Convenções
da Bahia, surge como local propício para abrigar tantos parceiros, fruto da articulação com a
Secretaria da Justiça, Cidadania e Diretos Humanos e a Secretaria de Turismo do Estado da
Bahia.
Bem, como todo começo requer um mito de origem, com o Seminário Enlaçando Sexualidades
não seria diferente. Talvez o mais complicado seja ver o mito como o movimento, o fluir de
sentidos, por isso, Enlaçar:
“Enlaçar não tem como propósito a defesa dos
semelhantes e sim o que se constitui no ato do enlace. É
o desejo de se tecer com experimento e, em cada fio do
laço, traçar o que se difere frente às percepções de
cores e dos choques do fiar quando o movimento ocorre
no plano avesso de enunciados fixos. Ao revelar o
sentido de sexualidades por esse tom, as marcas que
revestem o indivíduo são relocadas no processo de
desconstituição de sua essência, o que denota a
disseminação de cortes e de entrefeches diante do
poder de desafiar o dado, o disciplinar, reprogramando
lugares comuns como práticas de leituras que pouco ou
nada desafiam o plano das ordens e de únicas vias
interpretativas”
(SEMINÁRIO
ENLAÇANDO
SEXUALIDADE, 2009, p. 8)
Primeiramente, buscou-se construir a proposta na possibilidade de articular as sexualidades,
ora com as categorias de análise mais debatidas na contemporaneidade (classe, raça e gênero)
ora com as outras áreas do conhecimento. E foi assim, que chegamos em 2009 a seis enlaces, e
hoje ampliamos para 14.
Diante dos enlaces, queremos demonstrar a sexualidade como um campo que requer uma
metodologia refinada e meticulosa, com uma linguagem que efetivamente construía-se além
do pecado cristão, ou mesmo da medicina e psiquiatria que se construíram com este viés. A
sexualidade não pode ser ignorada, uma vez que ela é constituinte e constituída nas três
dimensões da vida humana: poder, desejo e trabalho.
O segundo desafio consistia em articular as instituições e pessoas que poderiam se enlaçar
nesse projeto ambicioso e, ao mesmo tempo, inocente. Projeto que abriga o reino da
sexualidade em sua própria política interna, em sua própria desigualdade e em sua própria
forma de opressão específica, como em qualquer outro aspecto da conduta humana.
O terceiro momento se constitui nos resultados refletidos pela qualidade e quantidade de
trabalhos recebidos quer seja dos/as investigadores/as, quer seja dos/as educadores/as, quer
seja dos/as membros dos movimentos sociais.
Depois desta breve apresentação, passamos a identificar os produtos engendrados na primeira
e segunda edição do evento:
1. A logomarca
2. O Site www: ses.uneb.br
3. O Curso e Treinamento dos/as educadores/as em parceria com o IAT e Secretaria da
Educação e Cultura do município de Salvador. Nesta edição o Curso de Sexualidades e Direitos
Humanos em parceria com Superintendência da Educação Básica no Estado da Bahia.
4. Os relatos de experiências dos/as educadores/as e dos membros dos movimentos sociais
5.Parceria mais consolidada com os movimentos sociais, sobretudo com o Fórum Baiano LGBT
6. 02 Cadernos de resumo impressos
7. Anais Eletrônicos publicados no site da primeira, em breve o da segunda edição.
8. 02 Volumes intitulados Coleção Enlaçando Sexualidades dos textos oriundos das palestras e
dos enlaces.
8. Artigo publicado na coleção: Gênero está para corpos masculinos e femininos, assim como
sexualidades está para homossexualidade e abjeções: uma breve reflexão a partir das
representações das sexualidades elaboradas pelos(as) professores(as) da rede metropolitana
de Salvador.
9. Texto apresentado no 2º Congresso Nordestino de Extensão Universitária – II CNEU e
publicado nos anais NOS BASTIDORES DO ENLAÇANDO SEXUALIDADES: a articulação entre
universidade, educação básica e movimentos sociais.
O QUE NOS MOTIVA
Na década de 80, Gayle Rubin (1984), feminista acadêmica, lésbica e ativista, advoga que a
sexualidade é um tema que quando julgado sob uma perspectiva comparativa entre a questão
racial, a questão da pobreza e a questão ambientalista aparentemente enfrenta uma
desigualdade de importância social. A suposta desigualdade de importância, segundo ela, deve
ser superada quando se observa que é justamente nos momentos de crise aguda no mundo
global ou local que a sexualidade é perscrutada em todas as dimensões da existência humana
via os caminhos da política estatal, das discussões provenientes da mídia, da política partidária
e dos canais educativos.
No Brasil, mais recentemente, na Campanha Eleitoral dos dois candidatos/as à presidência da
república, fomos brindados com um espetáculo na arena do poder quando no debate sobre os
temas aborto, identidades homossexuais e lésbicas, casamento gay etc, tais temas provocaram
uma discussão que colocou sob perigo ou ameaça a conquista do Estado Laico. Ao longo dos
anos, a Bahia tem sido considerada a terra da sexualidade mais corporal, mais picante, na qual
a identidade baiana chega mesmo a ser encarada, quase sempre, pelo viés da sexualidade.
Muitas vezes, esta identidade serviu como peça publicitária estatal para divulgar o turismo na
terra da magia, do sorriso encantador, da sua gente hospitaleira. Os dois fatos supracitados
nos revelam que o Estado ou a política partidária sempre lançam mão do conhecimento sobre
a sexualidade para angariar novos sujeitos políticos, eleitores, dividendos. Mas tais
conhecimentos são alicerçados sob uma matriz que se revela capitalista sem ética, como nos
diria Weber, com acréscimo da racialidade e da heterossexualidade compulsória.
O Evento intitulado Enlaçando Sexualidades conseguiu mais uma vez o apoio da Fundação de
Amparo e Pesquisa do Estado da Bahia por entender que o evento possui genuinamente a
forma de ser da identidade baiana, sobretudo, quando se esforça no intercruzamento das
sexualidades com as relações interraciais. Além do mais, o Enlaçando Sexualidades tem como
promessa o giro da sexualidade baiana meramente na linguagem ordinária e religiosa para a
linguagem científica, tornando a Bahia mais um centro de debate da temática na região norte
e nordeste, e, sobretudo, deslocando a discussão do eixo sul e sudeste do país.
Cabe-nos relatar que os principais objetos de enlaces que são as temáticas das Relações
Etnorraciais, Educação, Trabalho, Fecundidade, Diversidade Sexual, Direitos Humanos,
Comunicação e Cultura serão devidamente retratados nas mesas e conferências. O evento já
se justificaria pela tentativa de articular cada temática desta com as sexualidades. A
imaginação de articular estas temáticas com as sexualidades nos convida a ter um exercício do
reino das sexualidades indissociável do comprometimento político, ético e acadêmico.
O evento, quando nos convida a refletir sobre a temática da fecundidade põe em evidência o
debate dos direitos reprodutivos, sem necessariamente, livrar-se dos direitos sexuais. A ideia
da fecundidade no interior das práticas sexuais nos permite qualificar os dados meramente
demográficos. Por outro lado, ao debruçarmos no mundo do trabalho estaremos pondo em
evidência os marcadores clássicos ou mais contundentemente discutidos, tais como: a divisão
sexual do trabalho, a divisão de classe, a divisão de gênero e a divisão racial. Ao tempo em
que, sugerimos que estes marcadores devem ser acrescentados a partir da perspectiva que
questiona esta matriz meritocrática e essencialista. Daí encararmos que os corpos esperados
para o mercado de trabalho também são articulados como corpos inteligíveis e corpos abjetos,
a exemplo do que se pode verificar na linguagem ordinária ao falarmos do gay das classes
média e alta, observando um velho ditado do mundo do trabalho: o arquiteto não é bicha
suficiente para fazer belas artes, tampouco é homem suficiente para fazer engenharia.
Desta forma, o evento Enlaçando Sexualidades é um convite para articulação entre o local e o
global, entre as identidades fragmentadas e as identidades totalizadoras, entre a
disciplinaridade e interdisciplinaridade, entre as instituições e multi-institucionalidades, entre
os estigmas positivos e negativos da sexualidade, entre academia e o ensino fundamental e
médio, e, sobretudo a valorização de uma discussão que se estrutura no Estado da Bahia.
LISTA DE AGRADECIMENTOS
Já falei e escrevi o quão é confortável a existência de um espaço reservado para agradecer a
todos/as pela realização de “uma peça acadêmica” por inúmeras razões. A primeira razão é
que, se o termo agradecimento não existisse, teria que ser criado no mundo das palavras,
posto que o desejo de mostrar-se grato às diversas pessoas e instituições é muito forte e
desvenda o véu da subjetividade. A segunda razão é que o conhecimento não é solitário,
apesar de, no momento da sua gestação, a dor ser solitária. Torná-la comunicável ao mundo
significa expressar a dor mediante o compartilhar das palavras conhecidas ou, ainda pedir a
licença poética e usar metáforas vivas para a expressão da dor ou prazer. A terceira razão
envolve o desejo de expressar o quanto devemos investir na produção de um conhecimento
que se construa no diálogo entre a ética, a política e a ciência, e por isso, a produção de um
locus de diálogo entre Academia, Movimento Social e Estado, para que possamos encontrar a
alquimia para um conhecimento mais justo e feliz sobre sexualidades.
Então, começo a agradecer sem cerimônias as minhas duas ancestralidades: a africana e a
galega. Primeiramente, agradeço profundamente aquele que é o dono do meu ori (cabeça) –
Oxalufan que me dá um norte, a Oyá que me conduz com seus ventos e tempestades e a
Oxossi que abriu efetivamente o oceano e as matas. E, sobretudo, porque o Panteão dos
Orixás alertou-me que onde come um, todos devem comer, e assim estou plenamente segura
que todos os orixás alifiaram (abençoaram) o caminho do Enlaçando Sexualidades.
Estes seres são os encantados que pude entrar em contato no mundo simbólico da minha
ancestralidade, mas saindo do mundo mágico e pairando no mundo das instituições devo
agradecer à Universidade do Estado da Bahia. Plagiando o nosso compositor Gilberto Gil, foi
ela efetivamente que me ofereceu régua e compasso nesta longa caminhada acadêmica para
fortalecer os estudos sobre sexualidades no Estado da Bahia. Agradeço também à FAPESB
(Fundação de Amparo a Pesquisa) que soube se abrir ao acolher e financiar uma parte do
Seminário Enlaçando Sexualidades. Agradeço também às Secretarias de Educação, Turismo,
Justiça e Direitos Humanos. E agradeço ao apoio da Associação Brasileira de Estudos da
Homocultura (Abeh), da Comissão Especial de Diversidade Sexual do Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Associação de Familiares e Amigos da Gente Autista
(Afaga) e do Fórum Baiano LGBT.
É chegada a hora, possivelmente a mais complicada: a de agradecer a cada “gente” que
conhecia, conheci, reconheci, amei, deixei de amar, mas que nunca deixaram de existir no meu
desejo de criar um espaço em movimento que se intitula Enlaçando Sexualidades. Quero
agradecer à presidente da comissão científica, Mary Castro. A ela, por acreditar nesta utopia,
desde o seu estado mais embrionário. A Marco Martins, meu querido companheiro de
jornada, bem como a Amélia Maraux, ambos que têm no passado e no presente, a minha
admiração e também inspiração para entrar no mundo da antropologia. A nossa vice-reitora,
Adriana Marmori, que consegue sintetizar os nossos desejos mais ambiciosos para concretizar
e consolidar a excelência de uma Universidade jovem que se faz em nosso cotidiano, e, assim
com Adriana, a Uneb se constrói além do alcance e mostra a sua competência nos interstícios
de uma Educação que pretende se escancarar ao novo, aos corpos abjetos e torná-los
inteligíveis ao mundo. Ao nosso reitor Valentin – que quase sempre nos encontramos nos
corredores da Universidade, e a cada um desses encontros levantamos um brinde à
consolidação de uma Universidade Democrática. A Dante, por ser tão cavalheiro e ter acolhido
o projeto do Seminário Enlaçando Sexualidades no Doutorado Interdisciplinar e Multiinstitucional em Difusão de Conhecimento.
A todos/as os/as pesquisadores/as, conferencistas, palestrantes, coordenadores/as de
enlaces... por sua generosidade ao desprender seu tempo na colaboração para construção
deste evento, o meu muito obrigada.
A Bárbara Alves, não somente uma militante, mas uma amizade feliz, construída ao longo das
duas edições do Enlaçando. A Nilton Luz, um lindo companheiro. A Danilo Bittencourt, meu
pequeno grande homem (ou queer?), que se apresenta como um grande maestro de uma
orquestra sinfônica em sua competência de fazer as politicas públicas no diálogo tenso,
transparente e harmônico com os mais desafinados dos movimentos sociais e da academia; e
lá estava eu como mais uma desafinada, propondo a parceria entre o Enlaçando Sexualidades
e a Secretaria de Direitos Humanos. Aos três; obrigadíssima por se fazerem presentes em meu
cotidiano. À Vereadora Marta Rodrigues, que com sua força e sensibilidade, tem contribuído e
muito na diminuição dos preconceitos.
À Thais e aos meus bolsistas e monitores/as, Amanda, Alane, Deise, Fagner e Revison,
acredito que eles e elas demonstraram muito fortemente que possuem um desejo que os
mobilizam para enfrentar todas as possíveis adversidades estruturantes que se interpõem em
suas vidas. Ressalto que o desejo revelado em seus olhares e em suas atitudes têm se
estruturado de forma ética. Assinalo a forma ética, não como aquela imaginada na ética do
desejo, mas sim, como um desejo ético. A primeira, a ética do desejo é constituída por
relações passageiras, onde as pessoas pouco interessam, a posição cômoda e confortável é
individualizada na dimensão do Eu, como se o mundo fosse apêndice das minhas decisões ou
estratégias, quer seja na resistência, quer seja nas estratégias das vitimizações dos marcadores
que me construíram enquanto sujeito. A segunda, o desejo da ética formula-se na mediação
do desejo individual e do desejo coletivo, interessa a minha posição cômoda, mas interessa
também a posição confortável para Outros ou outras.
E por fim chego ao meu ponto de partida e chegada, repleto de saídas, mas a minha âncora
imaginária e fluida entre o profissional e o pessoal. Vale à pena pensar no mundo
feminino/masculino no qual estou inserida: minha mãe, tias, irmã, irmãos, sobrinhas e
sobrinhos, primas(os), amigas(os)... A minha mulher, sem posses, agradeço pela sua
compreensão, e, pela nossa mútua dedicação, e, sobretudo, pela nossa vontade de deixar
fluir os nosso desejos individuais, sem comprometer o nosso desejo de amor e sexo em uma
união estável.
Na minha memória agradeço aos meus avôs, ambos nascidos no Velho Mundo, às minhas avós
brasileiríssimas. Ao meu pai, lindo, irônico e boêmio que muitas vezes me frustrou, mas ajudou
a compor o meu falo imaginário, pela dignidade sempre requerida. A minha Gayacu, Luiza que
soube me ensinar a lidar com os mundos dos encantados da minha ancestralidade africana.
E por fim, à minha mãe Eliete que soube preservar a minha individualidade, ao me oferecer
rosas, quando o mundo me oferecia seus espinhos.
Desculpem-me se, porventura esqueci de citar uma ou outra pessoa igualmente tão
importante na construção deste lindo evento, mas ainda assim os agradecimentos a estes são
mais que sinceros.
Obrigada e Axé!!!
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Fala de Abertura do II Seminário Enlaçando Sexualidades