O CORPO QUE HABITO: um rascunho sobre corporeidades na escola Graciela Pellegrino1 RESUMO Este artigo percorre caminhos conceituais que fazem interlocução com os construtos teóricos sobre o corpo e diversas áreas do conhecimento como a Antropologia, Filosofia, História, Ciências da saúde objetivando entender como chegamos ao entendimento desse corpo no espaço específico da escola. No ambiente escolar temos corpos que abrigam diversas etnias, sexualidades, relação com o racismo e com necessidades especiais. Há ambivalências sociais e culturais construídas acerca das diferenças e cabe perfeitamente a pergunta: o que se faz com o corpo na sala de aula e o que esse corpo faz, partindo da premissa que não há uma homogeneidade nesses sujeitos. Usamos como referenciais teóricos Foucault discutindo as relações de poder que envolvem as possibilidades de docilização dos corpos e o controle político da corporeidade, Le Breton (2006) em uma análise sociológica, situando a existência corporal no contexto social e cultural, caminho pelo qual as relações sociais são elaboradas e vivenciadas e a dimensão política, social e cultural, na diferença entre as classes sociais e de gênero, Messeder (2008) e a performatividade de corpos, Louro (2000) corpo gênero e educação e bell hooks ( 2013) educação Palavras chave: Subjetividades Corpóreas. Educação. Gênero. Professor/a Este artigo ancora-se em fundamentos de uma pesquisa sobre o corpo, especificamente o de alunas/os do ensino fundamental II, de escolas públicas do Municipio de Salvador, que dará origem à tese de doutorado, objetivando, ao discorrer sobre práticas e desdobramento que permeiam as subjetividades corpóreas ali existentes, desvelar o saber sobre esse corpo e, como a escola, e, especificamente, as ações em sala de aula, e, em espaços recreativos, contribuem para o enlace do corporal com o cognitivo empoderando esse corpo para voos mais livres na aquisição do conhecimento. 1 Graciela Nieves Pellegrino Fernandez- Doutoranda do Doutorado Multi-institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento (UFBA/UNEB) Orientadora Prof ª Dra Suely Aldir Messeder (UNEB) Pesquisadora do Grupo Enlace. [email protected] Buscando referencias em outras pesquisas pouco encontramos que pudesse subsidiar a pesquisa em questão, reforçando a hipótese que ainda são insuficientes trabalhos que se ocupem do corpo na escola, como desejamos vê-lo tratado. As subjetividades referidas por si só não se mostram para fazer jus ao termo. O que não é objetivo, claro, mas como algo que, embora à primeira vista imperceptível, tem potência para realizar transformações na vida desse sujeito/aluno. A existência é corporal (Le Breton) e através do corpo perpassam muitas sensações facilitadas pelos órgãos dos sentidos. Somos olhos, nariz, boca, ouvidos pele e muito mais. Apesar disso ele não define o gênero, não há característica física que se incumba de determinar uma linha de continuidade entre gênero sexo e desejo. O que a priori imaginava-se um campo seguro de afirmações claramente identificado pelos órgãos sexuais, agora cai por terra, porque não há garantia de nada. Porque a anatomia não dá conta de absorver tão simplesmente essa nova forma de viver a sexualidade e de ser um sujeito situado, um corpo encarnado, prenhe de desejos, atravessando as fronteiras do estabelecido e desnudando-se literalmente para a sua particular forma de ser um ser sexuado no mundo. O conhecimento do corpo leva-nos a pensar o que desejamos saber sobre esse corpo e o que ele pode dizer sobre quem o habita. Falo de corpos culturalmente construídos ocupando diversos espaços, transitando em territórios de diversidade de gênero, étnica, geracional, das necessidades especiais e de orientação sexual (as diversas sexualidades). Não simplesmente transitam, o que poderia dar a conotação de algo que não se fixa, melhor dizendo seria em trânsito, fazendo deslocamento espacial e de identidades. Se nos reportarmos a historicizar esse corpo que desejamos pesquisar, constatamos que todo um processo de higienização e controle teve sua origem nas ultimas décadas do século XIX, no Rio de Janeiro onde se encontravam estabelecimentos que se ocupavam desde a instrução primaria ate o ensino superior. Nesse âmbito a classe medica introduziu ideias higienistas no interior da escola, que intervieram no dia a dia, na organização e na educação do corpo. A que educação refere-se o texto? A um corpo asséptico e contido, mas saudável. À época, o corpo era notado com vistas à promoção da saúde em todas as suas vertentes, utilizando para isso a Educação Física que se estendeu a uma educação moral, intelectual e sexual justificada pelo alto índice de mortalidade infantil e das condições preocupantes de saúde dos adultos. Silva apud Armonde (2009) refere-se à ginástica como obrigatória em todas as escolas (masculinas e femininas) e em todos os níveis por determinação do Estado. Passariam essas atividades também pela dança e a natação além de atividade com bola, peteca, malha e outros jogos considerando o fortalecimento dos músculos e exercícios para a visão. Segundo Silva, “o corpo (homem) considerado neste discurso parece mais um material a ser manipulado, a ser desempenado e modelado pela Educação Física nas escolas, prescrita e supervisionada pela medicina” (2009, p. 138). Um breve relato, suficiente ao que se propõe, favorece o entendimento de que falamos de um corpo situado, de um sujeito encarnado, e de desejos, invisibilizado nas atividades ditas obrigatórias, com clara distinção de gênero. Lembrando que falamos das ultimas décadas do século XIX. Na atualidade ainda há obrigatoriedade da educação física, dispensada apenas com apresentação de atestado médico que justifique a impossibilidade de praticá-la. Meu objeto de pesquisa é o corpo, um corpo situado, de alunas/os de uma escola pública, do Ensino Fundamental II. Estar atento a esse corpo é uma forma de conhecimento, porque há uma dialética importante nesse encontro passível de enriquecimento cognitivo e das humanidades, tão escasso na contemporaneidade. Nada tão transdisciplinar quanto o corpo ao nos possibilitar pesquisas em áreas diversas nos estudos da Sociologia, Antropologia, Ciências da Saúde, Demografia, Biologia, Psicologia, Filosofia. Que essa transdisciplinaridade possa ser aplicada no espaço da escola possibilitando a visibilidade e mobilidade do corpo rompendo fronteiras ao trabalhar com outros sistemas não reconhecidos e com conhecimentos não convencionais. Busco aprofundar os conhecimentos sobre o corpo em interlocução com as praticas educativas e o fazer pedagógico como formas de propulsão a um saber diferenciado que enlace o cognitivo e o corporal, facultando a aquisição de um saber diferenciado que promova a aquisição de saberes outros de forma abrangente. Logo desejo saber como seus corpos se mostram nos diversos espaços da escola e quais são os momentos de interacão lúdica e de que forma a ludicidade aparece nas atividades diárias que envolvem as diversas disciplinas. Para Foucault (1997) houve durante a época clássica uma descoberta do corpo como objeto e alvo de poder, pois “em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior de poderes muito apertados, que lhe impõem limitações proibições ou obrigações.” (Foucault, 1997, p.118). Refere-se a uma “maquinaria de poder” que se relaciona a uma “mecânica do poder”, definindo como se pode ter domínio sobre os corpos dos outros. Ressalta ainda que em todas as sociedades e culturas o corpo é submetido a um poder que lhe é imposto, que proíbe ou obriga. No entanto no desenvolvimento da economia capitalista nasce uma modalidade específica de poder disciplinado. O poder não consegue agir mais sobre o corpo de forma geral, mas trabalha de tal forma que submete cada corpo individualmente. Surgem as políticas de coerção, com a manipulação desses corpos para torná-los submissos, “dóceis”. A escola ainda busca resgatar esse corpo dócil, conformado e silencioso. O corpo e suas representações permeiam o espaço da escola e é convidado a mostrar-se de uma forma que se adeque à aquele espaço, seguramente distinto da sua base primária. Podemos então pensar o que pode ser adequar E o que é adequado? Adequado é adequar, perfilar, docilizar, moldar, engessar, criticar, julgar, rotular, discriminar, ignorar, retaliar, anular? Com a riqueza da língua portuguesa e mais algum esforço, teria uma lista interminável destas significações. Segundo Louro a linguagem nos constitui, “não apenas expressa relações, poderes, lugares, ela os institui; ela não apenas veicula, mas produz e pretende fixar diferenças” (LOURO, 1997, p 65), logo, na escola estabelecemos os espaços dos gêneros, ora sonegando o feminino, ou através do uso de expressões e categorias gramaticais que se incumbem de dar supremacia ao masculino. Este artigo convida à reflexão da representatividade do corpo em diversas instâncias, dando credibilidade ao tema dada a sua importância no desenvolvimento de estudos que possam aprofundar os conhecimentos necessários para entendermos e nos instrumentalizarmos buscando uma forma humana de convivência escola e especificamente em sala da aula. REFERENCIAS BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: pluralidade cultural, orientação sexual. Secretaria de Educação Fundamental – Brasília: MEC/SEF, 1997. FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I – a vontade de saber. 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