reforma agrária Há duzentos e vinte anos, na França L atifúndios ocupam cerca de 50% das terras, controlados por uma pequena quantidade de proprietários. 2,8% das propriedades rurais são latifúndios e ocupam 56,7% da extensão territorial agriculturável do país. A primeira dessas afirmações refere-se à situação fundiária da França antes da Revolução Francesa. A outra ao Brasil atual. Não é possível, a priori, estabelecer a exata correspondência histórica das frases. Elas dizem a mesma coisa. Em geral há dois obstáculos históricos importantes ao progresso social. Um, obviamente, é constituído por interesses contrariados. Outro, a desinformação. A parte da população que não teria absolutamente nenhum interesse contrariado por políticas públicas que proporcionassem uma racional distribuição da propriedade fundiária no país – pelo contrário, somente se beneficiaria dela - é deseducada e desinformada incessantemente pela grande imprensa. Os movimentos políticos e sociais que lutam pela reorganização fundiária como um objetivo estratégico para a sociedade brasileira são criminalizados, associados à idéia de “caos” e de “desordem social” e mostrados como insensatos inimigos da propriedade. Esta é a pedra de toque do atraso, da deseducação e da ignorância: a salvaguarda do direito de propriedade. Comparar a situação fundiária do Brasil à da existente na França antes da Revolução permite colocar um mínimo ingrediente de racionalidade na questão. A herança da Revolução Francesa, na ordem histórica, foi exatamente a de proporcionar a democratização da propriedade, controlada em grande parte pelo clero e pela nobreza, classes ociosas que não somavam 3% da população francesa. A reforma agrária feita na Revolução Francesa confiscou terras 12 da nobreza e do clero, que foram divididas e vendidas para camponeses que tiveram 10 anos para pagar. Alguém, em sã consciência, pode supor que sem essa reforma fundiária a França seria o que é hoje? Alguém, em sã consciência, poderia associar uma política social dessa natureza à idéia de criminalidade, de baderna social e de violação da propriedade? Alguém, em sã consciência, poderia supor que se tratava de uma revolução socialista que eliminou o direito de propriedade? de ofensivo ao direito de propriedade. Pelo contrário, fortalece, nesta quadra histórica e social, o direito à propriedade. Está em curso há algum tempo (e haverá um plebiscito a respeito) a Campanha pelo Limite da Propriedade da Terra: em defesa da reforma agrária e da soberania territorial e alimentar. A proposta consiste em introduzir na Constituição Federal dispositivo que limite as propriedades rurais em 35 módulos fiscais. Módulo fiscal é uma medida utilizada pelo INCRA, correspondente ao necessário para o sustento de uma família de trabalhadores e trabalhadores rurais. O que estivesse acima disto seria incorporado ao patrimônio público1. Lembre-se que 70% do alimentos consumidos pelos brasileiros origina-se da agricultura camponesa. O grande negócio agrário destina-se basicamente à exportação.2 Isto é suficiente para demonstrar a importância da proposta. Benefícios para a sociedade brasileira, justiça social, incorporação de camponeses sem terra ao mercado capitalista, libertação de milhões de brasileiros da iniqüidade das bolsas-famílias, desgraçadamente necessárias ainda, que não fazem de brasileiros cidadãos Grito de los excluidos/as, Pavel Éguez produtivos providos de dignidade, mas meros beneficiários do paternalismo estatal. O truque insidioso que obscurece Admito a razoabilidade de se debater a questão consiste em operar com detalhes desta proposta. Pode não ser uma sutil confusão de idéias: colocar a ideal, pode ser aperfeiçoada, pode e no mesmo plano o direito de propriedeve ser debatida. Só o que não se pode dade, em si mesmo, como conceito mais é deixar de admitir a razoabilidade jurídico e fato social, com o direito de se fazer agora, no Brasil do século de alguns proprietários. Justamente XXI, o que a França fez há 220 anos. O aqueles que usam o seu direito de resto é iniqüidade social, ignorância e propriedade indiferentes à finalidade desinformação. social da terra. Assim como confiscar Marcio Sotelo Felippe, terras de proprietários que as utilizam Procurador Geral do Estado para, digamos, produzir drogas que de SP 1995/2000 lesam uma parte da população não ofende o direito em si à propriedade, 1 Cf. http://www.limitedaterra.org.br (acesso em equilibrar a distribuição de terras no 13 de setembro de 2010) 2 Id.,ib. Brasil não tem absolutamente nada Ano 13 - nº 50 - Junho - Agosto - 2010