O MAL-ESTAR E O TRABALHO DOCENTE Elaine Cristina Schmitt Ragnini No campo da Saúde e da Psicologia do Trabalho muito se tem abordado acerca daquilo que faz adoecer ou que impossibilita uma pessoa ao trabalho. Além do esforço de tecer uma série de análises e considerações sobre as mudanças ocorridas no mundo do trabalho, busca-se identificar e classificar novas sintomatologias e novas doenças que são específicas e provenientes do ambiente laboral. Neste trabalho objetiva-se desenvolver algumas reflexões sobre a relação do homem com seu trabalho, especialmente enfatizando o trabalho docente na atualidade, e a proposta de uma delimitação disso que evoca o sofrimento e por vezes o adoecimento – o mal-estar. Para tal, apresenta-se a seguir o desenvolvimento das seguintes temáticas – o mal-estar na atualidade, as condições de trabalho e a construção do diagnóstico para identificação das doenças ditas ocupacionais e considerações sobre a psicanálise neste contexto. O mal-estar é tratado na obra freudiana como aquilo que resta insatisfeito na relação do homem com a cultura, ou seja, representa os efeitos do antagonismo entre as exigências do instinto – da animalidade do homem – e as restrições da civilização. Deste modo, compreende-se que o mal-estar é constitutivo do humano e da psicanálise (BIRMAN, 2006). Segundo Freud (1930/1988, pgs. 84-85), “nossas possibilidades de felicidade sempre são restringidas por nossa própria constituição. Já a infelicidade é muito menos difícil de experimentar. O sofrimento nos ameaça a partir de três direções: de nosso próprio corpo, condenado à decadência e à dissolução, e que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e ansiedade como sinais de advertência; do mundo externo, que pode voltar-se contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e, finalmente, de nossos relacionamentos com os outros homens”. Abordar o mal-estar na atualidade implica considerar os aspectos históricos e sociais que se relacionam com a constituição do humano e com os processos de subjetivação. Freud, ao elaborar sua teoria sobre o malestar não o fez sem considerar uma crítica à modernidade - fundamentada na razão científica e tecnológica. Em nome do progresso e do processo civilizatório, o próprio homem desenvolve um sistema de vida que lhe gera incomensuráveis insatisfações. “Estaria aqui, então, o modelo mais paradoxal do moderno modelo de civilização, que, em nome da interdição do erotismo, de promover o progresso social e a suposta moral, engendrou monstruosidades, pelas rivalidades narcísicas que produziu entre os homens. Assim, o supereu interditou certamente o erotismo, mas o custo disso para os indivíduos foi a violência e a crueldade bestiais, decorrentes da severidade do supereu” (BIRMAN, 2006, p. 96). A violência é uma marca nas relações atuais, que se expressa tanto nas relações mais íntimas, quanto nas relações de trabalho e nas amplamente sociais. Cabe aqui uma alusão as formas de violência na sociedade, especialmente ao que se denomina violência psicológica no trabalho. No campo das teorias sociológicas e da economia política o trabalho tem sido uma categoria amplamente discutida. Busca-se uma análise do processo do trabalho no atual estágio de desenvolvimento do sistema de produção social capitalista e sua relação com a constituição das subjetividades. Neste sentido, compreende-se que o trabalho e as relações por ele estabelecidas são, ao mesmo tempo, fonte de prazer e de desprazer para os sujeitos. Se por um lado o trabalho pode ser fonte de realização, por outro, pode ser o produtor de uma insatisfação significativa. Nos análises sobre a materialidade do trabalho, foca-se a discussão sobre a fragmentação do trabalho, a busca por resultados e produtividade, os sistemas de avaliação de desempenho e o alto nível de competição nos ambientes de trabalho e no mercado como um todo. Essas características do trabalho estão presentes por toda a cadeia produtiva e são reflexo do modo de produção em um ambiente globalizado e da mundialização do capital. Os estudos críticos sobre o trabalho e o capital apontam o atual sistema de produção social como produtor de adoecimento, já que inviabilizam a realização e ao reconhecimento dos indivíduos no e pelo trabalho. Com relação ao trabalho do professor universitário..... a vivência do mal-estar para o professor universitário. Desta feita, compreende-se, à luz da teoria marxista, que o trabalho docente é um trabalho capitalista e, portanto, alienado. Inserido nas relações de produção, o trabalho docente, mesmo preservando suas peculiares características, é regido pela lógica do capital e padece de todos os males inerentes às relações de produção sob a égide do capital. Faz-se necessário, então, compreender as formas pelas quais o trabalho docente se apresenta e se faz hoje, buscando analisar as características e nuances do trabalho do professor na universidade pública federal. No imaginário social, sabe-se que o trabalho deste docente é visto como privilegiado e gerador de prazer por excelência. Se o trabalho, na sua forma concreta e material reserva essas peculiaridades, como entender a relação subjetiva travada com esse trabalho? O que o sujeito realiza por este e neste trabalho? Parte-se aqui da compreensão de que o trabalho e as relações por ele empreendidas são produtores de subjetividades. Como então, o docente da universidade pública federal vivencia seu trabalho? Que efeitos esse trabalho produz no sujeito? Como compreender o malestar vivenciado na relação do docente com seu trabalho? É preciso retomar o percurso da psicopatologia para compreender que as depressões, as toxicomanias e as síndromes do pânico são manifestações do mal-estar na atualidade. Referências Bibliográficas: BIRMAN, Joel. Arquivos do mal-estar e da resistência. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. FREUD, S. (1930/29). Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago, 1988. 21v.