DESPACHO SEJUR Nº 065/2013
(Aprovado em Reunião de Diretoria em 27/02/2013)
Ref.: CFM nº 1301/2013
Origem: COMUNICAÇÃO INTERNA – Câmara Técnica de Urgência e Emergência
Assunto: Avaliação jurídica de minuta de resolução que dispõe sobre a normatização do
funcionamento dos prontos-socorros.
Trata-se de Comunicação Interna encaminhada a este SEJUR pela Câmara
técnica de Urgência e Emergência solicitando avaliação jurídica dos arts. 2º e 10 da minuta
de resolução que dispõe sobre a normatização do funcionamento dos prontos-socorros,
assim como do dimensionamento da equipe médica e do sistema de trabalho.
Esse é o relatório. Passa-se a fundamentar.
A – ANÁLISE DO ART. 2º - DA CRIANÇÃO DO CARGO DE GERENTE DE FLUXO EM
PRONTO SOCORRO
Iniciando a análise jurídica, transcrevemos o art. 2º da minuta de Resolução em
análise, a saber:
Art. 2º - Tornar obrigatória a presença do médico Gerente de Fluxo no prontosocorro Porte III, cujas funções estão normatizadas no anexo desta resolução.
Diante disso, verifica-se que a resolução tem por objetivo criar a função de
Gerente de Fluxo, estabelecendo que suas atribuições sejam normatizadas no anexo da
resolução.
Nesse diapasão, anota-se que a conceituação do que se vem chamando de
médico Gerente de Fluxo contida na minuta de resolução estabelece que o ocupante de tal
cargo exercerá efetivamente a função de “chefe” ou “gestor” dos serviços médicos no
âmbito do pronto-socorro.
Portanto, o CFM, em realidade, estará normatizando as atividades técnicas do
médico no desempenho do seu mister em prontos-socorros, determinando, assim, que as
pessoas jurídicas que prestam serviços de saúde em regime de pronto-socorro deverão
criar no âmbito do seu organograma funcional o cargo de médico Gerente de Fluxo,
estabelecendo que um profissional da medicina seja o responsável pela gestão médica do
pronto-socorro, o que, como se vê, encontra-se no âmbito de competência regulamentar
deste Conselho Federal.
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Ressalte-se, todavia, que o estabelecimento deste cargo poderá criar custos
financeiros efetivos aos hospitais que possuem tais serviços, pois os profissionais médicos
deverão ser remunerados em razão do maior número de atribuições e responsabilidades
que passarão a desempenhar, pois efetivamente estarão coordenando os serviços do
pronto socorro, de modo que tal situação pode acarretar questionamentos jurídicos quanto
aos termos da Resolução a ser editada.
B – ANÁLISE DO ART. 2º - DO CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES ENTRE A DIREÇÃO
CLÍNICA E O GERENTE DE FLUXO
Inicialmente tem-se que diretor clínico é o médico representante e coordenador do
corpo clínico no mister administrativo do hospital e por esta razão deve ser eleito de forma
direta pelos médicos da instituição. É o elo entre o Corpo Clínico e a Direção Técnica e/ou
Direção Geral da instituição. A legislação sobre o assunto diz:
Lei 3.999 de 15 de dezembro de 1961:
"(...)
Art. 15 - Os cargos ou funções de chefias de serviços médicos, somente poderão
ser exercidos por médicos, devidamente habilitados na forma da Lei.
(...)."
Resolução CFM No. 1.342/91, de 08 de agosto de 1991, resolve:
"Art. 1o. - Determinar que a prestação da assistência médica nas instituições
públicas ou privadas é de responsabilidade do diretor técnico e do diretor clínico,
os quais, no âmbito de suas respectivas atribuições, responderão perante o
Conselho Regional de Medicina pelos descumprimentos dos princípios éticos, ou
por deixar de assegurar condições técnicas de atendimento, sem prejuízo da
apuração penal ou civil.
Assim, verifica-se que, em tese, os cargos de diretor clínico e gestor de fluxo não
conflitam. Sabe-se que o primeiro corresponde ao profissional médico que será o
coordenador de todo o corpo clínico da pessoa jurídica prestadora de serviço de saúde,
enquanto que o gestor de fluxo exercerá função de gerência no âmbito do pronto-socorro,
o que, em última análise, lhe põe em posição de subordinação em relação ao diretor
clínico da instituição, já que os médicos do pronto-socorro também fazem parte do corpo
clínico da pessoa jurídica.
C – ANÁLISE DO ART. 10 – FIXAÇÃO DE JORNADA DE TRABALHO DO MÉDICO EM
PRONTO-SOCORRO
Já quanto ao art. 10 da minuta de resolução, iniciamos sua análise novamente
colacionando o texto no presente Despacho, a saber:
Art. 10 – O médico de plantão no pronto-socorro não poderá cumprir jornada de
trabalho superior a 12 h por dia.
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Inicialmente destaca-se o conceito de jornada de trabalho que é o espaço de
tempo durante o qual o empregado deverá prestar serviço ou permanecer à disposição do
empregador, com habitualidade, excetuadas as horas extras.
Já no que se refere à definição da jornada de trabalho do médico há que se
tecerem maiores comentários, pois se trata de questão que por muito tempo gerou
polêmica na doutrina e na jurisprudência.
Assim, inicia-se a análise pelo art. 8º da Lei nº 3.999/1961, o qual estabelece a
duração normal do trabalho dos médicos, salvo acordo escrito, que será de, no mínimo, 2
horas, e, no máximo, 4 horas diárias. Aos médicos e auxiliares que contratarem com mais
de um empregador, não é permitido o trabalho além de 6 horas diárias (Lei nº 3.999/1961,
arts. 2º , 8º e art. 22).
Todavia, caso haja acordo escrito, ou por motivo de força maior, poderá ser o
horário normal acrescido de horas suplementares em número não excedente de duas. A
doutrina é divergente quanto à expressão "salvo acordo escrito". Alguns defendem que a
jornada de 4 horas poderá ser estendida até 6 horas, já compreendidas as 2 horas
extraordinárias permitidas por lei. Outra parcela doutrinária entende que o limite é de 6
horas, podendo haver o acréscimo de 2 horas extraordinárias, perfazendo, portanto, o
máximo de 8 horas.
O Tribunal Superior do Trabalho, finalizando a análise da questão, interpretou que
a Lei nº 3.999/1961 não estipula jornada reduzida para o médico, mas apenas estabelece
o salário-mínimo para essa categoria. Após decisões reiteradas nesse sentido, editou a
Súmula TST nº 370, conforme disposto a seguir:
"Nº 370 Médico e engenheiro. Jornada de trabalho. Leis nº 3.999/1961 e
4.950/1966. (Conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 39 e 53 da SDI-1)
Tendo em vista que as Leis nº 3.999/1961 e 4.950/1966 não estipulam a jornada
reduzida, mas apenas estabelecem o salário mínimo da categoria para uma
jornada de 4 horas para os médicos e de 6 horas para os engenheiros, não há
que se falar em horas extras, salvo as excedentes à oitava, desde que seja
respeitado o salário mínimo/horário das categorias. (ex-OJs nºs 39 e 53 Inseridas respectivamente em 07.11.1994 e 29.04.1994)"
Portanto, ao se analisar a supracitada Súmula, conclui-se que o médico possui
jornada de trabalho constitucionalmente prevista, com duração normal não superior a 8
horas diárias e 44 semanais, facultada a compensação de horários e a redução da
jornada, mediante acordo e convenção coletiva de trabalho.
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A par disso, no caso sob exame, tem-se que não há lei específica que regulamenta
a jornada máxima de trabalho do médico no regime de pronto-socorro, mas que a definição
de tal regulamentação é matéria estritamente relacionada ao direito laboral.
Dessa forma, verifica-se que a redação do dispositivo conflita, em tese, com o
disposto no art. 22, inciso I, da Constituição Federal de 1988, que dispõe ser de
competência privativa da União legislar sobre direito do trabalho, verbis:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo,
aeronáutico, espacial e do trabalho; (g.n)
Por oportuno, é preciso esclarecer que quando a CF/88 dispõe sobre as
competências legislativas da União está, em realidade, atribuindo competência ao
Congresso Nacional, por suas Casas, para legislar sobre a matéria, não podendo ser feita
analogia em relação ao CFM por ser Autarquia Federal, haja vista que as atribuições
regulamentares que este Conselho Federal possui estão jungidas ao aspecto técnico e
moral da medicina, conforme se depreende da leitura da Lei nº 3268/57, não possuindo,
portanto, atribuição para regulamentar regime de jornada de trabalho, como é o caso da
carga horária máxima dos profissionais médicos.
Nesse sentido, estabelecendo a competência privativa da União para legislar sobre
direito do trabalho, cumpre trazer a tona o entendimento do STF sobre a questão:
“Competência legislativa. Direito do trabalho. Profissão de motoboy.
Regulamentação. Inadmissibilidade. (...) Competências exclusivas da União. (...)
É inconstitucional a lei distrital ou estadual que disponha sobre condições do
exercício ou criação de profissão, sobretudo quando esta diga à segurança de
trânsito.” (ADI 3.610, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 1º-8-2011, Plenário, DJE de
22-9-2011.) Vide: ADI 3.679, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 18-6-2007,
Plenário, DJ de 3-8-2007 (g.n)
À vista disso, em que pese a salutar preocupação do Conselho Federal de
Medicina em face da ausência de normatização determinando o tempo máximo de
plantões contínuos que um médico plantonista de emergências pode cumprir, bem como a
consideração de que o profissional da medicina deve possuir plenas condições físicas e
mentais para exercer suas atividades com eficácia e zelo e em beneficio do paciente,
constata-se, todavia, que o texto do art. 10 da minuta de Resolução, ao menos em
tese, busca normatizar matéria trabalhista, circunstância que pode gerar
questionamentos quanto à atuação do CFM no que se refere à fixação de jornada de
trabalho máxima do médico que trabalha em pronto-socorro.
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Portanto, entende-se por conveniente que o texto do art. 10 da minuta de
Resolução seja alterado para constar RECOMENDAÇÃO de que a jornada de
trabalho do médico em regime de plantão em pronto-socorro não ultrapasse 12
horas contínuas, juntamente com o período de descanso razoável, já que o respeito
a tal previsão permitirá que o exercício da medicina possa ser desempenhado com
máxima eficácia, pois o profissional ostentará condições físicas e mentais
condizentes com a complexidade inerente aos serviços médicos em regime de
pronto-socorro, fazendo com que os termos da Resolução CFM estejam
integralmente incluídos em sua atribuição para normatizar o viés técnico, moral e
ético da medicina brasileira, tudo em benefício do paciente que contará com
profissional em plenas condições de lhe atender.
IV – DA CONCLUSÃO
Face o exposto, este Sejur OPINA pela legalidade da minuta de resolução nos
termos em que nos foi apresentada, SUGERINDO, porém, a observância do que restou
analisado nos itens “A”, “B” e “C”.
É o que nos parece, s.m.j.
Brasília, 15 de fevereiro de 2013.
Rafael Leandro Arantes Ribeiro
Assessor Jurídico
De acordo:
José Alejandro Bullón
Chefe do SEJUR
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