ITAMARATY:
UMA INSTITUIÇÃO EM TRANSFORMAÇÃO? - OS PROCESSOS DE REDEMOCRATIZAÇÃO E INTERNACIONALIZAÇÃO DO ESTADO E AS CONSEQUÊNCIAS NO CAMPO DA
POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA.
Fabio Pablo DE ALMEIDA SANTANA
Este projeto visou analisar de que maneira e em que medida os processos de redemocratização do Estado e a inserção do Brasil na globalização neoliberal, processos ocorridos
em meados da década de 1980 e início da década de 1990, foram cruciais para a “politização”, expansão e democratização, em nível qualitativo, da política externa brasileira,
incluindo seus atores e suas agendas. A análise recaiu especificamente sobre a relevância desses fenômenos e de suas consequências numa possível mudança de postura do
Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores do Brasil), órgão responsável pela condução da diplomacia do país, na relação com os demais atores sociais demandantes de participação nos processos de formulação/implementação da política externa do Brasil.
Nesse contexto, buscou-se analisar também os limites das teorias realistas de relações
internacionais no que tange à explicação dos fatos sociais da política internacional contemporânea...
Partimos do pressuposto que a redemocratização e internacionalização do Estado influenciaram de modo significativo no processo de “abertura” do Itamaraty (instituição classicamente hermética e insulada) à participação de novos atores na condução da política
externa do Brasil. No que tange especificamente ao processo de redemocratização do
Estado, analisamos em que medida a Constituição de 1988 trouxe implicações para a
política externa brasileira. Buscamos verificar - através da análise do processo constituinte, dos atores envolvidos, dos dispositivos originais da nova constituição, dos artigos
referentes às relações exteriores (em especial o artigo 4º da constituição), das demandas
da sociedade civil no âmbito da política externa, das emendas constitucionais e do resultado concreto deste processo - quais foram os impactos na política externa brasileira.
Ademais, analisamos também o processo de internacionalização do Estado brasileiro
com o advento da globalização e da nova ordem internacional pós Guerra Fria, buscamos
perceber como estes processos contribuíram, através da complexificação e ampliação
das agendas de política internacional, para a “politização” da política externa brasileira.
Através da elaboração deste macro contexto sócio-histórico, buscamos elaborar um
quadro teórico de análise capaz de abarcar as especificidades da política externa enquanto objeto de estudo acadêmico. Nesse sentido, analisamos o campo da política externa e seu desenvolvimento enquanto disciplina teórica dos estudos de política internacional e revisamos os conceitos clássicos de “política externa” nas diversas vertentes
teóricas dos estudos de relações internacionais com vistas a extrair um conceito “genérico” e determinar o fio condutor comum dessas definições. Verificamos, assim, que há um
predomínio da perspectiva realista que, dentre outras coisas, considera: o sistema internacional como anárquico e sem autoridade supranacional, o Estado como ator mais importante das relações internacionais e as organizações internacionais sem agência. Ademais, observamos também a recorrência da ideia de “interesse nacional” na quase
totalidade das concepções de política externa, independentemente da perspectiva teórica abordada. Com o desenvolvimento dos processos de democratização do Estado e da
globalização, e suas consequências diretas e indiretas (complexificação da agenda internacional, dissolução das barreiras entre o in e out, crescimento do ativismo político
transnacional, reforma do Estado, consolidação da democracia, interdependência econômica, “midiatização” da política internacional, etc.), verificamos que os conceitos clássicos não contemplam uma série de novos elementos constituintes da política externa.
Assim, utilizamos a ideia de expansão, renovação e fragmentação da política externa
numa perspectiva de ampliação e pluralização dos atores responsáveis pela condução da
diplomacia nacional como prisma teórico capaz de contemplar as novas dinâmicas no
âmbito da formulação/implementação da política externa. Concluímos que a política
externa, apesar de suas especificidades, não deve diferir, em essência, das outras políticas públicas do Estado, em termos analíticos, as quais se submetem às pressões de diversas instâncias da administração pública e da sociedade civil.
A partir da análise dos fenômenos sócio-históricos e da elaboração do quadro teórico de
análise, buscamos verificar os determinantes específicos do protagonismo quase exclusivo do Itamaraty enquanto instituição responsável pela implementação (e muitas vezes
pela formulação) da política externa do Brasil, e o processo de questionamento (e suas
consequências) desse “exclusivismo” por outros atores sociais. Analisamos em um primeiro momento o desenvolvimento histórico da diplomacia brasileira em suas diversas
fases, notadamente a partir da profissionalização da carreira diplomática no país com a
criação do Instituto Rio Branco. Analisamos também o desenho institucional do Itamaraty, tendo em vista sua centralidade na produção da política exterior do país, além dos
fatores que determinam seu caráter insulado e hermético. Ademais, buscamos compreender as influências do processo de socialização da “Casa de Rio Branco” na formação de
um ethos corporativo da diplomacia brasileira, determinante na consolidação do alto
nível de coesão característico da instituição. Por fim, analisamos o decurso de transformação do Itamaraty e o processo de abertura e “horizontalização” da política externa
brasileira, decorrente da fragmentação das atribuições de política externa e crescente
ativismo do Congresso brasileiro nas temáticas de política externa, crescimento da chamada diplomacia presidencial, internacionalização do Estado e complexificação da agenda internacional, ampliação do caráter conflitivo da atuação diplomática do país,
crescimento do interesse da sociedade civil pelos temas internacionais, etc., bem como
as reações do Itamaraty, frente a este processo, e seu empenho na coordenação de produção da política externa (no âmbito intragovernamental) e cooperação (no âmbito intergovernamental e intersetorial) em busca de legitimidade e de savoir-faire específico.
Concluímos, a nível geral, que houve uma inflexão na condução da política externa brasileira a partir dos processos de redemocratização do Estado e adensamento da globalização e de suas consequências; no sentido que esses fenômenos produziram uma série de
novas demandas no âmbito da política externa, tanto entre atores estatais, como entre
atores da sociedade civil. Essas demandas incidiram diretamente no modus operandi do
Ministério das Relações Exteriores que, em alguma medida, teve de abdicar de seu caráter insulado e abrir-se à participação de novos atores na condução da diplomacia nacional; seja para legitimar seu protagonismo neste âmbito ou pela necessidade de uma expertise que ultrapassa as capacidades do ministério e que pode ser encontrada em atores
sociais. Entretanto, essa abertura não significou a incorporação destes novos atores como co-responsáveis pela formulação/implementação da política externa do país. Esta
cooperação restringe-se prioritariamente ao âmbito consultivo (em temáticas da low
politics) e de accountability (através da utilização de novos meios de informação) do Itamaraty para com a sociedade.
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