SISTEMA DE ENSINO, SISTEMA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, REDE DE ENSINO, REGIME DE COLABORAÇÃO: UMA DISCUSSÃO NECESSÁRIA Walber Moura Gomes PET Pedagogia/Campus de Palmas/Pedagogia/UFT/Capes [email protected] Rosilene Lagares PET Pedagogia/Campus de Palmas/Mestrado em Educação/Pedagogia/UFT/Capes [email protected] Introdução Neste trabalho, apresentamos resultados parciais de pesquisa desenvolvida na atividade Projeto de Estudo Individual Orientado (PEIO) do Programa de Educação Tutorial do Curso de Pedagogia do Campus de Palmas da Universidade Federal do Tocantins (PET PedPalmas/UFT), que inova do ponto de vista da formação docente ao estimular e exigir que os acadêmicos realizem pesquisas, cumprindo todas as etapas, não lineares, da produção do conhecimento científico, do planejamento a publicização. Esta pesquisa também está vinculada aos trabalhos do Subgrupo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Educação Municipal da UFT, que tem como intenção desenvolver estudos, pesquisa e extensão em educação municipal, organizada em redes de ensino ou sistemas de educação, abordando as relações históricas entre Estado e Sociedade e o processo de gestão, legislação, políticas públicas curriculares e educativas, história e memória em âmbito nacional e dos Municípios. Nosso estudo tem por objetivo analisar como se configuram as relações entre os elementos constitutivos do Sistema Municipal de Educação de Palmas, especificamente, entre a Secretaria Municipal de Educação, o Conselho Municipal de Educação e os Conselhos Escolares, se hierarquizadas ou de forma colaborativa e cooperada. Neste texto, apresentamos os resultados da investigação correspondentes ao início da nossa fundamentação teórica e do estudo documental preliminar a respeito das temáticas ‘sistema de ensino, sistema municipal de educação/rede de ensino e interação/regime de colaboração entre os elementos constitutivos de um sistema de educação’. A separação e o trabalho com cada um dos objetivos na pesquisa é uma opção metodológica, o que não elimina a visão sistêmica em relação ao problema em estudo. Na construção da pesquisa, temos como intenção uma pesquisa analítica, com abordagem qualitativa e informações colhidas por meio de pesquisa bibliográfica, análise documental e observação assistemática e não participante em eventos relacionados ao objeto em estudo. Posteriormente, também, serão obtidos dados com trabalho de campo no Sistema Municipal de Educação de Palmas-Tocantins. Sistema de ensino, sistema municipal de educação, rede de ensino: uma relação necessária Do estudo bibliográfico e documental, apreendemos como ideia chave que um sistema educacional é a unidade de diversos elementos que se unem sem perder suas funcionalidades, formando, assim, um conjunto coeso e produtivo, visando alcançar uma finalidade comum (SAVIANI, 1999). Considerando essa unificação sem perda de especificidade, compreendemos que para a consolidação de um sistema é necessário todo um aparato de elementos e da articulação entre eles, por isso, tornando-se indispensável o diálogo e a cooperação das partes desse todo organizado. Tratando especificamente dos Municípios, a partir de 1996, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei nº 9.394 (BRASIL, 1996), além do sistema próprio de educação, com o aparato de elementos constitutivos e necessários, estas esferas passaram a poder optar por outros dois tipos de organização para cumprir suas atribuições no campo da educação, sendo a de se manterem como redes de ensino do sistema estadual ou comporem com o Estado um sistema único. Como redes de ensino, os Municípios perdem a autonomia de definição de suas políticas educacionais e da normatização de sua educação, ficando sob as determinações do sistema estadual de ensino, sobretudo da secretaria e do conselho estadual de educação. Aqui, nos parece certa continuidade com o modelo anterior a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), da impossibilidade da institucionalização de sistemas municipais. Em se tratando da composição de um sistema único de educação com o Estado, esta não é uma prática comum no país. Como exemplo, no Tocantins há uma clara separação do que seja o sistema estadual de ensino e os sistemas ou redes municipais (TOCANTINS, 2009), inclusive permitindo pensar que há Municípios totalmente desvinculados das políticas educacionais estaduais, nos casos da não opção por um sistema próprio e da ausência de convênios com a esfera estadual, mesmo que apenas para a emissão de atos legalizadores das instituições de educação: Art. 2º Integram o Sistema Estadual de Ensino: I - a Secretaria da Educação e Cultura; II - a Secretaria da Ciência e Tecnologia; III - o Conselho Estadual de Educação; IV - os órgãos Estaduais de Cultura; V - as instituições de ensino, em quaisquer níveis ou modalidades, mantidas pelo Poder Público Estadual; VI - as instituições de educação básica, criadas e mantidas pela iniciativa privada; VII- as instituições de educação profissional técnica de nível médio, criadas e mantidas pela iniciativa privada; VIII - as instituições de educação superior, criadas e mantidas pelo Poder Público Municipal. §1º Os órgãos estaduais integrantes do Sistema Estadual de Ensino podem atender, subsidiariamente, mediante convênio, para emissão de atos legalizadores, as instituições de educação básica e de educação profissional técnica de nível médio mantidas pelo Poder Público Municipal, nos municípios que não disponham de sistema próprio [...] Contudo, em qualquer das opções de organização da educação, a gestão municipal não deixa de ter atribuições claras com a organização, a manutenção e o desenvolvimento da educação infantil e do ensino fundamental de nove anos, com as respectivas modalidades de ensino e educação (BRASIL, 1996). E, no caso da opção pelo sistema próprio, a gestão municipal deve estar fundamentada na democracia e na participação, implicando a relação e a cooperação entre os seus elementos constitutivos, bem como com o sistema estadual e a União. Interação e colaboração entre as esferas públicas e os elementos constitutivos de um sistema de educação O parágrafo único do artigo 23 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), com redação dada pela Emenda Constitucional nº 53/2006, mostra que “Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.” O regime de colaboração apresenta-se, também, como um princípio para a gestão da educação como explicitado no artigo 211 “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino [...]” e no artigo 214 “A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração [...]”. (BRASIL, 1988). Como os entes federados são constitucionalmente autônomos, este processo de organização se apresenta de forma horizontalizada, ou seja, eles se inter-relacionam para sistematizar a educação nacional, são interdependentes, mas, necessariamente, devem se articular com base nos limites que a autonomia lhes permite. Considerando que as responsabilidades educacionais atribuídas aos governos locais, regionais e central possui relação com a maneira em que o território brasileiro está organizado, este formato recebe o nome de federalismo cooperativo (ARAÚJO, 2005; OLIVEIRA; SANTANA, 2010). Para Abrucio e Franzese (2007 apud ABRUCIO, 2010, p. 39), o federalismo pode ser entendido como um “acordo capaz de estabelecer um compartilhamento da soberania territorial, fazendo com que coexistam, dentro de uma mesma nação, diferentes entes autônomos e cujas relações são mais contratuais do que hierárquicas”. Nesse formato, “O objetivo é compatibilizar o princípio de autonomia com o de interdependência entre as partes, resultando numa divisão de funções e poderes entre os níveis de governo”. Ainda, “defende a ideia de que é muito difícil entender o atual modelo educacional e buscar seu aperfeiçoamento sem compreender a dinâmica federativa, tanto a mais geral como a que atua especificamente no setor.” (ABRUCIO, 2010, p. 37). Na LDB nº 9.394/96(BRASIL, 1996), o regime de colaboração é explicitado no título IV, que trata da organização da educação nacional, agregando os artigos oitavo ao vigésimo: “Art. 8º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão, em regime de colaboração, os respectivos sistemas de ensino.” Neste regime, são definidas atribuições para todas as esferas públicas – União (artigo 9º), Estados (artigo 10) e Municípios (artigo 11); para os estabelecimentos de ensino (artigo 12); para os docentes (artigo 13); para todos os sistemas de ensino (artigos 14 a 18); e para as redes pública e privada de ensino (artigos 19 e 20). Como podemos ver, são vários os elementos envolvidos na gestão da educação e, necessariamente, devendo agir de forma cooperada. No nosso estudo, a interação e a colaboração analisada é especificamente entre a secretaria municipal de educação, o conselho municipal de educação e os conselhos escolares no Município de Palmas. Estes órgãos foram destacados para nosso estudo por consideramos que são elementos que podem fazer a ligação, ou seja, estabelecer a interação entre o poder público e a sociedade, por meio da democracia, de forma representativa ou direta, permitindo dizer que a esfera municipal tem um sistema próprio de educação, não desconsiderando as relações de força entre os distintos interesses de cada elemento. Para construir um posicionamento fundamentado a respeito destes três elementos constitutivos e suas respectivas relações, se faz necessário entendermos as suas contribuições no âmbito de um sistema municipal de educação. A secretaria municipal de educação é o órgão executivo do sistema, com a responsabilidade de promover o acesso da comunidade à escola. Já o conselho municipal de educação, é o órgão normativo, que representa a voz da sociedade organizada e a relaciona com a voz do poder público nas discussões no âmbito educacional. Por fim, os conselhos escolares ou equivalentes são os órgãos que representam a comunidade escolar e a comunidade local nos espaços das unidades educacionais. Deste processo de construção da interação e colaboração vale destacar, também, que a participação da sociedade nas discussões acerca da realidade e das problemáticas educacionais é um grande desafio a ser superado. Isto, mesmo entendendo que a experiência de criar mecanismos de participação popular é uma discussão recente em nosso país, caracterizando a participação social como um processo ainda em desenvolvimento. Assim, a possibilidade da construção de mecanismos de participação social é um passo importante para se efetivar a gestão democrática, que no âmbito da educação pública não é uma opção das instituições, mas princípio constitucional. Para confirmar o caráter inovador e atual da participação social nas decisões de políticas públicas e o princípio da cooperação recíproca, destacamos a palavras de Cury (2005, p. 5): A Constituição fez escolha por um regime normativo e político, plural e descentralizado no qual se cruzam novos mecanismos de participação social com um modelo institucional cooperativo e recíproco que amplia o número de sujeitos políticos capazes de tomar decisões. Por isso mesmo, a cooperação exige entendimento mútuo entre os entes federativos e a participação supõe a abertura de arenas públicas de decisão. Cabe ressaltar que o posicionamento de Cury (2005) trata do planejamento cooperativo e participativo, posto na Constituição Federal de 1988, ao fim de uma ditadura militar realçando duas possibilidades democráticas para esse novo contexto, uma de forma representativa e outra de forma direta. Em se tratando da experiência da construção do Plano Nacional de Educação (PNE), deflagrada em 2009, por meio das Conferencias Municipais/Intermunicipais, Estaduais e Nacional de Educação (Conae), e retomada em 2013 com o tema ‘O PNE na Articulação do Sistema Nacional de Educação: Participação Popular, Cooperação Federativa e Regime de Colaboração’ (BRASIL, 2013), enfatizando o regime de colaboração, é possível enxergar esse processo ainda em fase de amadurecimento, tanto em âmbito nacional quanto no interior dos sistemas de ensino, devido, também, a condições políticas, históricas e culturais de nosso país. Conclusão Discutir aspectos relacionados às temáticas ‘sistema de ensino, sistema municipal de educação, rede de ensino, regime de colaboração’ é uma obrigação nacional, considerando que a educação é um direito de todos e um dever do Estado e, a educação infantil e o ensino fundamental, uma atribuição dos Municípios. Entes que, por vezes e por razões as mais variadas e distintas, têm se mostrado incapazes de garantirem este direito, do acesso à aprendizagem. Também, pela complexidade das relações de força estabelecidas entre os entes federados e, no interior dos sistemas, por seus elementos constitutivos, sobretudo considerando-se que seu órgão executivo – a secretaria municipal de educação – historicamente vem determinando como deve ser a gestão da educação. Por isto, é o que faremos continuando esta pesquisa, com intuito de contribuir com as discussões sobre o tema. Referências ABRUCIO, F. L. A dinâmica federativa da educação brasileira: diagnóstico e propostas de aperfeiçoamento. In OLIVEIRA, Romualdo P. SANTANA, Wagner. Educação e federalismo no Brasil: combater as desigualdades, garantir a diversidade. Brasília: UNESCO, 2010. p. 39-70. ARAUJO, G. C. de. Município, federação e educação: história das instituições e das ideias políticas no Brasil. 2005. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade de São Paulo. BRASIL. Senado Federal. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, DF. 1996. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 20 abr. 2013. ______. Ministério da Educação. Fórum Nacional de Educação. Documento-Referência: O PNE na Articulação do Sistema Nacional de Educação: Participação Popular, Cooperação Federativa e Regime de Colaboração. Brasília, DF, 2013. Disponível em: www.mec.gov.br. Acesso em: 20 abr. 2013. ______. Assembleia Nacional Constituinte. Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988. Brasília, DF, 1988. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 20 abr. 2013. CUR Y, C. R. J. A educação básica no Brasil. Revista Educação e Sociedade, Campinas, v. 3, n. 80, 2002. Disponível em: www.scielo.br. Acesso em: 9 fev. 2013. OLIVEIRA, R. P. de; SANTANA, W. (Orgs) Educação e Federalismo no Brasil: combater as desigualdades, garantir a diversidade. 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