1 Orientação e Mobilidade e Sistema Braille na Reabilitação do Instituto Benjamin Constant: Caminhando Juntos para a Inclusão Andréa Cristina Cabral (IBC) Lindiane Faria do Nascimento (IBC) Este trabalho tem por objetivos definir e situar alguns dos procedimentos utilizados no contexto da reabilitação de pessoas com deficiência visual, no Instituto Benjamin Constant (IBC), com vistas a retratar como se dá a aprendizagem e a utilização das técnicas de Orientação e Mobilidade (OM) e o ensino do Sistema Braille com seus procedimentos e estratégias adotadas, para contribuir na inclusão social de pessoas com deficiência visual. Diferentes áreas de conhecimento do Instituto Benjamim Constant, se uniram vislumbrando contribuir para melhoria da qualidade de vida das pessoas. O homem é possuidor de necessidades internas e primárias que propiciam a sua sobrevivência, perpassando por diferentes contextos e situações em seu cotidiano, que são desempenhadas basicamente por informações visuais, e quando o canal perceptivo da visão está restrito, perdem-se os direitos de ir e vir, de liberdade e segurança; e fica a crua realidade de uma ausência e de como conviver com ela. Na reabilitação e para melhor inserção no mundo, juntos caminham a Orientação e Mobilidade e o Sistema Braille e o aprendiz, para amenizar a perda e na prática fazer possível viver de forma global com sua singularidade. O Instituto Benjamin Constant O atendimento especializado à pessoa com deficiência visual no Brasil iniciou-se em 12 de setembro de 1854 por D. Pedro II, através do Decreto Imperial nº. 1.428 com a fundação do Imperial Instituto dos Meninos Cegos, inaugurado em 17 de setembro de 1854, hoje o Instituto Benjamin Constant (IBC). Inicialmente, com a finalidade de ministrar aulas de instrução primária, atualmente o referido Instituto capacita profissionais, assessora outras escolas e instituições, realiza consultas oftalmológicas à população, habilita e reabilita, promove edições em braille, publicações científicas e produção de livros em áudio. 2 A Divisão de Atendimento em Reabilitação e Preparação para o Trabalho (DRT), responsável pela reabilitação no IBC, foi criada em 1994 pela portaria/IBC nº. 048. Esta Divisão será proferida em nossa pesquisa por nortear a inclusão destes sujeitos através das atividades nela oferecidas. A reabilitação atende a pessoa que adquiriu a deficiência visual na fase adulta ou mesmo aquela que perdeu a visão ainda na infância e não teve atendimento especializado, com o objetivo de dotar os mesmos de recursos para retomar uma vida independente e de autoconfiança através de um programa especializado. Para Bueno (2010), as ações a serem desenvolvidas na Reabilitação, têm como objetivo a construção de um contexto inclusivo de trabalho, envolvem a implantação de serviços de apoio à pessoa com deficiência e ações dirigidas à sociedade, destinadas a eliminar barreiras sociais e físicas no ambiente e no local de trabalho. O Reabilitando Entende-se por reabilitando o sujeito que utiliza do processo de reabilitação. Os serviços oferecidos na reabilitação inicialmente ocorrem com atendimento psicológico, seguidos de um conjunto de técnicas e informações necessárias à sua orientação e mobilidade, à execução das atividades da vida diária e ao processo de leitura e escrita no Sistema Braille, assim como cursos para sua profissionalização e atividades culturais. Segundo Carroll (1968) o processo de reabilitação compõe-se de quatro fases principais: estimulação dos sentidos remanescentes; treinamento da habilidade e uso de equipamentos; a recuperação da segurança psicológica e a influência da sociedade. Orientação e Mobilidade A Orientação e Mobilidade é uma área muito ampla e fundamental no atendimento do deficiente visual. De acordo com Carrol (1968), a perda da mobilidade decorrente da perda da visão apresenta importância fundamental, porque significa mais do que andar, significa a liberdade de ir e vir de um lugar para outro, mediante todos os meios possíveis, seja no pequeno espaço de uma sala ou de uma casa, seja em áreas geográficas próximas ou distantes. É composta por técnicas específicas de proteção e exploração, no intuito de que o indivíduo se locomova com segurança e independência. 3 A Orientação e Mobilidade (OM) é de importância vital para o deficiente visual, devido aos benefícios psicológicos, físicos e sociais e, principalmente, por dar a pessoa o direito de ir e vir como cidadão comum, fatores estes que colaboram muito com a melhoria da auto confiança, auto estima e melhor qualidade de vida. No programa de OM, inicialmente a locomoção se dá em ambientes internos, usando seus braços e suas mãos para se proteger, para depois aprender a ser conduzido por um guia vidente, além de adquirir informações táteis, audíveis e cinestésicas (percepção dos seus movimentos) para um aprendizado seguro e eficiente. Em seguida, é passado ao aluno o uso da bengala longa, que lhe dará uma maior segurança. Segundo Castro: O Antigo Testamento contém referências relativas à O.M. dos cegos e em particular a Isaac, que deve ter sido o primeiro caso registrado de cegueira que, ao perder a visão, utilizou um cajado de pastor como auxiliar para se deslocar (1998, p.4). Nas áreas externas, o aluno deverá seguir as mesmas regras das áreas internas, com habilidades de planejar e alternar traçados, bem como experimentar novas situações como atravessar ruas, calçadas, subir e descer escadas rolantes, passar por portas giratórias, além de considerar a presença de pedestres para conseguir ajuda quando se fizer necessário. Objetivo Geral Dar condições para que a pessoa portadora de deficiência visual possa desenvolver sua capacidade de se orientar e se movimentar com segurança, independência, utilizando para isso as técnicas adquiridas através da aprendizagem, favorecendo a sua integração na sociedade. Objetivos Específicos ● De ensino: - Refletir sobre o papel do professor e sua responsabilidade perante o aluno; - Planejar as aulas de OM de forma que esteja inserida dentro do contexto histórico e social do aluno; - Criar condições para que o aluno utilize da melhor forma os sentidos remanescentes e desenvolva sua memória de transferência. ● De aprendizagem: 4 - Ser capaz de conhecer, sentir, perceber e se relacionar com o seu corpo; - Perceber e se relacionar eficientemente com o espaço, objetos, sons, odores, através dos sentidos remanescentes; - Utilizar adequadamente as técnicas de guia vidente, auto proteção, bengala longa; - Usar de forma adequada e segura a capacidade funcional de sua visão residual (baixa visão). Procedimentos É realizada uma entrevista com o reabilitando. A seguir, observamos o mesmo, realizando uma avaliação funcional de sua visão, seus sentidos. Elaboramos um programa de atendimento individualizado, de acordo com os objetivos a serem alcançados. Aplicamos, observamos e registramos sistematicamente as interações e evolução do reabilitando com o programa individualizado direcionado ao seu atendimento. E, finalmente, ao observarmos que o aluno alcançou os seus objetivos específicos de aprendizagem é cessado o atendimento de OM. Previsão de Conclusão do Curso A previsão é de sete meses, porém estamos atentos às características individuais do nosso aluno. Esse tempo estimado se divide da seguinte forma: - entrevista inicial e desenvolvimento da orientação: 01 mês - técnicas de auto proteção: 01 mês - técnicas de guia vidente: 01 mês - técnicas com bengala longa: 04 meses As Técnicas Técnicas com guia vidente: São técnicas utilizadas com o deficiente visual para o mesmo andar com segurança, quando estiver acompanhado. Observa-se a postura correta de segurá-lo, e dentre outras: posicionamento para contato, postura indicadoras de direção, posicionamento para sentar-se e para locomoção, passagens por portas, passagens estreitas, mudança de lado, locomoção em escadas, recusa de ajuda indesejável. 5 Técnicas de auto proteção: São técnicas utilizadas pelo aluno, onde o mesmo usa apenas seu corpo como recurso de proteção e segurança. Entre elas temos: proteção superior, proteção inferior, rastreamento com a mão, enquadramento, tomada de direção. Desenvolvimento da Orientação e Mobilidade Sabemos que a locomoção é uma atitude nata do individuo, isto é, se não apresentar distúrbios psicomotores e não for estimulado corretamente. Para o deficiente visual ter uma mobilidade segura é importante e necessária uma boa orientação, que é decorrente de alguns fatores, tais como: ponto de referência, pistas, sistema de numeração externa e interna, medição, pontos cardeais, auto familiarização com o ambiente. Técnicas com bengala longa: Dentre os recursos utilizados pelos deficientes visuais para locomoção, a bengala longa apresenta-se como um dos mais seguros, isto é, quando manipulado corretamente. Para esse manuseio correto da bengala é necessário destreza motora, boa percepção tátilcinestésico, vivências pré-bengala, conhecimento e manipulação com a bengala, para introduzir-se as técnicas, que são: varredura, técnica diagonal (utilizada somente em ambientes internos), detecção de objetos, passagem por portas, rastreamento com técnica diagonal, subir e descer escadas, técnicas de toque e de deslize, rastreamento com técnica de toque. Avaliação Durante o programa são realizados relatórios bimestrais sobre o desenvolvimento do aluno. Ao término do programa é apresentado um relatório final contendo a evolução do aluno. Essa avaliação final é muito importante, pois ficará arquivada, servindo de subsídio para outros profissionais que possam vir a trabalhar com o mesmo aluno. Será dado como concluído o programa aos alunos que alcançarem os objetivos gerais. 6 O Sistema Braille O Sistema Braille, sistema de leitura e escrita com pontos em alto relevo utilizado principalmente por pessoas cegas, foi inventado por Louis Braille, um jovem cego francês, em 1825. José Álvares de Azevedo, de nacionalidade brasileira e cego de nascença, trouxe ao Brasil, depois de seis anos vividos na França, o Sistema Braille, que foi plenamente aceito pelas pessoas cegas, hoje o sistema é utilizado mundialmente. No Instituto Benjamin Constant, o ensino do Sistema Braille é uma das atividades existentes no setor de reabilitação com o objetivo de obter a total integração da pessoa com deficiência visual com as palavras escritas através da percepção tátil. Segundo Lemos, citado por Omena (2009), o usuário do Sistema Braille tem a oportunidade de se comunicar com outros leitores de Braille. E dessa forma, esse sistema “abre-lhe os caminhos do conhecimento literário, científico e musical, permitindo-lhe, ainda, a possibilidade de manter uma correspondência pessoal e a ampliação de suas atividades profissionais”. O aprendizado do Sistema Braille permite à pessoa que perdeu a visão a recuperação da comunicação escrita, perdida com a cegueira. Esta perda é considerada a mais conhecida pelo fato que o ato de ler e escrever ser um dever e o cego que não possui uma comunicação escrita torna-se num certo sentido analfabeto. Os reabilitandos no Instituto Benjamin Constant frequentam duas aulas por semana com duração de cinquenta minutos cada, com exceção dos alunos que frequentam as aulas uma vez por semana, com duração de cinquenta minutos. Estima-se que o tempo necessário para a aquisição do Sistema Braille seja de um ano. Cada aluno possui um programa individualizado, respeitando as suas necessidades e cada classe é composta no máximo por três alunos, salvo as exceções. Cada indivíduo reabilitando, para Canejo (1996), deve ser conhecido separadamente, examinando os problemas, dificuldades e/ou limitações que o impedem de alcançar os objetivos desejáveis à sua reabilitação e inclusão social. Nas aulas de Sistema Braille na Reabilitação, as principais estratégias e procedimentos para o aprendizado são: 7 • Estimular a percepção tátil, através de materiais com texturas diferentes, juntamente com o auxílio da atividade de Habilidade Básica para que o reabilitando possa ter maior facilidade na leitura e escrita do Sistema Braille; • Criar movimento dos dedos e das mãos, através de exercícios de perfuração com papel e bastidor, para que não haja dificuldade na escrita; • Usar celas Braille de confecções variadas, para maior entendimento da formação das letras e do espaço. Iniciando com tamanho ampliado até o tamanho padrão. • Utilizar alfabeto tátil ampliado como os feitos de miçangas e madeira para os reabilitandos, em especial os diabéticos e idosos, que ainda não possuem a sensibilidade no tato para ser feita a leitura nos pontos em relevo em Braille; • Dinamizar as aulas com jogos adaptados, como baralho, dominó, jogo da memória... Sempre que possível; • Utilizar o Braille em fitas rotuladoras e/ou etiquetas, para que o reabilitando rotule variados materiais, criando sua autonomia para identificá-los; • Fazer uso de livros, revistas e textos atualizados em Braille, garantindo aos reabilitandos maior confiabilidade na leitura e acesso à informação. Acredita-se que com o aprendizado do Sistema Braille, o reabilitando tenha acesso à inclusão social, uma vez que o Braille é encontrado no dia-a-dia destas pessoas, em: identificação de embalagens, calendários, cardápios, catálogos e programas de apresentações artísticas, elevadores, urnas eletrônicas, que juntamente com fone de ouvido permite a pessoa cega a votar com autonomia. Além de, quando solicitado, podem receber contas e extratos bancários em Braille. Conclusão Sabemos que com o aprendizado da Orientação e Mobilidade e do Sistema Braille, o reabilitando já possui aparatos essenciais para estar incluído na sociedade, uma vez que possui o direito de ir e vir juntamente com a comunicação. Vale lembrar que o sujeito que perdeu a visão, quando utiliza o braille e a bengala branca, o mesmo já reconhece a sua nova condição 8 visual, estruturando assim seus aspectos psicológicos e favorecendo o aprendizado de outras atividades. O professor da reabilitação no processo de ensino e aprendizagem também deve possuir disponibilidade para ouvir e falar sobre a cegueira, sobre atitudes e defesas, medos e angústias que o aluno manifesta perante ela. Sendo assim, a reabilitação no Instituto Benjamin Constant não é um mero processo com tempo e horário marcados. É antes uma mudança de atitude face à vida, sem o sentido da visão. REFERÊNCIAS ABREU, Elza Maria, FELIPPE, Maria Cristina, SANTOS, Fernanda Christina, OLIVEIRA, Regina Fátima. Braille!? O que é isso? São Paulo: Fundação Dorina Nowill para Cegos, 2008. BUENO, Carmen Leite Ribeiro. A Reabilitação Profissional e a Inserção da Pessoa com Deficiência no Mercado de Trabalho. http://www.prt12.mpt.gov.br/prt/guia/textos/reabilita.pdf Acessado em 31/10/2010 CANEJO, Elizabeth. A reintegração dos portadores de cegueira adquirida na idade adulta - Uma abordagem psico-social. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 1996. CARROLL, Thomas J. Cegueira. São Paulo, dezembro de 1968. CASTRO, J. R. Moura. Orientação e mobilidade: alguns aspectos da evolução da autonomia de pessoa deficiente visual. 1998. CERQUEIRA, Jonir Bechara e LEMOS, Edison Ribeiro. O Sistema Braille no Brasil. http://www.ibc.gov.br/?itemid=99, acessado em 30/10/2010. FELIPPE, J. A. M & FELLIPPE, V. L. L. R. Orientação e Mobilidade. São Paulo: Gráfica e Editora Laramara, 1999. INSTITUTO BENJAMIN CONSTANT. 150 anos do Instituto Benjamin Constant. Rio de Janeiro: Fundação Cultural Monitor Mercantil, 2007. MAZZOTA, Marcos J. S. Educação Especial no Brasil: História e políticas públicas. São Paulo: Cortez 2005. MELLO, H. F. R, Deficiência Visual: Lições Práticas de Orientação e Mobilidade. Campinas: Editora Unicamp, 1991. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Apostila de Orientação e Mobilidade. Projeto Ir e Vir. Brasília, 2002. 9 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO: SECRETARIA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL. Orientação e Mobilidade: Conhecimentos Básicos para a Inclusão da Pessoa com Deficiência Visual. Brasília, 2003. OMENA, Fabrícia Barbosa. Comunicação e Linguagem: Estudo do Sistema Braille à luz da semiótica. Centro de Estudos Superiores de Maceió, 2009.