1 COMPORTAMENTOS PROBLEMAS NO CONTEXTO ESCOLAR: UMA PERSPECTIVA SISTÊMICA. Simone Medeiros Simões do Nascimento1 RESUMO: O presente artigo propõe-se a tecer considerações sobre o pensamento sistêmico direcionado ao contexto escolar. Enfatizando que, as condutas inadequadas são resultados de padrões de interação também inadequados no sistema formado em sala de aula, buscando viabilizar soluções destas condutas nos grupos ou nos indivíduos, propõe também, criar uma proposta para desenvolver competências de resolução destas questões neste contexto. Palavras-chave: Contexto escolar; Condutas inadequadas; Pensamento sistêmico; Padrões de interação; Desenvolvimento de competências. INTRODUÇÃO A experiência mostra que professores da rede escolar do ensino fundamental no Brasil, diante de dificuldades com seus alunos, tendem a utilizar-se de bom-senso, solucionando temporariamente pequenos “entraves” no processo ensino/aprendizagem. Alguns destes problemas acabam ficando sem solução, podendo agravar - se com o passar do tempo. Estas questões referem-se principalmente àquelas que o professor acredita estar fora de sua competência, que exige a intervenção de um “especialista” como as condutas inadequadas (agressividade, hiperatividade, inatividade, apatia, entre outros). É comum encontrar a agressividade no contexto escolar sendo atribuída a desajustes familiares, carência afetiva, etc. Esta explicação casuísta deixa subtendido que muito pouco pode ser feito, que o problema reside na família. 1 Psicóloga atuando na formação de pedagogos, educação especial e clínica sistêmica. 2 Por outro lado, a figura do psicólogo escolar dentro do quadro de funcionários da escola é quase inexistente nos pequenos municípios. Mesmo quando existe este serviço, é grande a demanda de problemas. O trabalho terapêutico individual ou familiar acaba se tornando ineficaz levando em consideração a demanda. Além disso, os pais e a família desta realidade, na maioria das vezes não tem um nível de comprometimento que favoreça um trabalho familiar. Geralmente delegam a escola todo o compromisso de escolarização da criança. Eles próprios não tiveram escolaridade suficiente para compreenderem a necessidade de um trabalho conjunto, possuem outras prioridades (a do sustento de sua prole), acabam não passando aos filhos o compromisso e a importância da escolarização. O papel do psicólogo escolar geralmente se resume em ser conselheiro dos professores e orientadores, avaliador de nível intelectual dos alunos, elaborando relatórios que pouco acrescentam ao professor em termos de resultados efetivos . O trabalho é grande, não há tempo a perder e a realidade é esta. A questão é: como auxiliar o professor a desempenhar seu papel de educador com mais eficácia com os alunos com “comportamentos - problemas”? Como a Psicologia pode auxiliar o professor a ter mais autonomia e esperança de encontrar a solução? Muitos são os pressupostos teóricos da Psicologia e todos visam o mesmo objetivo: a saúde mental do ser humano. O enfoque sistêmico estuda as interações entre os indivíduos e suas formas características de que comunicação. podem O envolver pensamento sistêmico o na professor busca tem de competências. A procura da solução destas questões passa a ser um trabalho, segundo esta visão , que envolve não só o psicólogo, mas também o professor. Faz refletir sobre as várias influências na manutenção das condutas inadequadas dos alunos, reforça a posição do professor como conhecedor deste contexto (sala de aula) e seus alunos, sem lhes tirar a capacidade de reagir e depositando nos “especialistas”, esta tarefa. 3 Não se trata de fazer psicoterapia. Trata-se de um trabalho de esclarecimento de mais uma maneira de “saber, ver e de fazer” na sala de aula e escola. Por ser uma visão mais próxima do psicólogo do que do educador, sua aplicação requer um esclarecimento prévio quanto a esta abordagem. O pensamento sistêmico leva a “(...) perceber a classe como um todo realmente e compreender a teia de comunicações, a transmissão de conteúdo fica mais significativa. Ele (o professor) passa a compreender melhor o porque (e como) algumas crianças têm mais dificuldades que as outras; porque (e como) algumas crianças apresentam problemas de disciplina, porque (e como) existem crianças apáticas, etc”. (GASPARIAN et al. 1998, p. 61) Este trabalho supõe contribuir com mais uma alternativa de favorecer e compreender a relação aluno-professor, contribuir com uma visão de um compromisso interacional. DESENVOLVIMENTO Por se tratar de um artigo, não cabe aqui uma descrição pormenorizada de toda a teoria sistêmica, porém alguns conceitos serão descritos e fundamentados dentro da interação escolar. “Quando o professor chama o psicólogo para intervir, é sinal de uma disfunção na interação do sistema – classe”.(CHIARA e McCULLOCH, 1997, p.22) Esta visão sugere que o problema investigado deva ser trabalhado dentro do contexto no qual ele ocorre, na interação dos envolvidos. Buscar e investigar a origem do problema, a sua causa, apesar de ter a sua utilidade, não vai modificar a organização em torno do comportamento a ser estudado, aspecto relevante do estudo sistêmico. CAPRA (1982, p. 260) refere-se ao pensamento sistêmico, afirmando que: 4 A concepção sistêmica vê o mundo em termos de relações e integrações. Os sistemas são totalidades integradas, cujas propriedades não podem ser reduzidas a unidades menores. Em vez de se concentrar nos elementos e substâncias básicas, a abordagem sistêmica enfatiza princípios básicos de organização. (...), mas os sistemas não são limitados a organismos individuais e suas partes. Os mesmos aspectos de totalidade são exibidos por sistemas sociais (...) e por ecossistemas que consiste em uma variedade de organismos e matéria inanimada em interação mútua. (...) todos esses sistemas naturais são totalidades cujas estruturas específicas resultam das interações e interdependências de suas partes. De acordo com esta visão, a escola é um “sistema aberto” (vivo), que sofre, portanto, a influência do ambiente, interage com outros contextos, por exemplo: cada aluno e professor representa uma família, com seus hábitos, costumes sociais e religiosos diferentes, influenciando o convívio escolar e sofrendo influências do mesmo – numa interação dinâmica. Se for considerada somente a sala de aula, ela é parte de um todo maior (a escola) e como sistema, também tem suas partes – os seus subsistemas: o subsistema aluno, o subsistema professor. Quando o sistema sala se forma, passa a ser regido por uma “estabilidade dinâmica organizadora” (CAPRA, 1982, p. 265), ou seja, para se organizar, estabelece regras. Uma destas regras são as fronteiras, que funcionam para proteger e diferenciar, promover a coesão dos subsistemas da sala de aula. Todos sistemas têm fronteiras: o corpo humano (a pele), os órgãos internos (membranas), a escola (os muros), as salas (as paredes). Exemplificando, dentro das salas de aulas, pressupõe-se que deva existir fronteira definida quanto a papéis que cada um desempenha. O subsistema professor deverá reger o subsistema aluno dentro de uma hierarquia. Se ocorre uma disfunção na determinação desta hierarquia, as fronteiras se fazem abertas demais, os subsistemas podem disfuncionar resultando em condutas inadequadas (hiperatividade dos alunos e/ou uma inativação do professor). A mudança do subsistema professor (sua atitude de permissividade excessiva), muda a conduta do subsistema aluno (por exemplo, hiperatividade) e vice-versa. 5 Isto não inclui a idéia de causalidade linear e sim circular, a mudança em uma parte gera mudança em outra parte do sistema. Exemplificando de outra maneira, uma professora reclama que seu aluno levanta demais de sua carteira e o aluno diz que o professor não oferece atividades fora de sala de aula. Cada um faz uma leitura linear de seu comportamento, o que nenhum percebe, é que, o comportamento de um também contribui para o comportamento de outro. Não é só a professora que deixou de estabelecer fronteiras, é também, os alunos que ficam muito à vontade. Este padrão de conduta dos alunos não é resultado direto da conduta da professora ou viceversa, e sim, resultado do modo que ambos funcionam é está, portanto, favorecendo este padrão de conduta. "O papel do interventor consiste então, em interessar-se no 'como' destas interações disfuncionais (no interior do sistema ou entre os sistemas) e não mais o 'porque' de um comportamento classificado como previamente patológico”.(CHIARA E MCCULLOCH, 1997, p.22) A sala de aula como sistema aberto, tem como característica a causalidade circular, e não, como determina a antiga visão (mecanicista), como causalidade linear e como tal, buscando o “porque” dos comportamentos. Esta visão reducionista acredita que, um estímulo determine uma resposta específica (Behaviorismo) ou, de acordo com a visão psicanalítica, buscando a resposta no passado interferindo no comportamento atual. A pergunta nos dois modelos de pensamento é “porque” este fenômeno ou aquele fenômeno acontece, buscando a causalidade linear. “A descrição reducionista de organismos pode, portanto, ser útil, e em alguns casos, necessária. Ela só é perigosa quando interpretada como se fosse uma explicação completa.” (CAPRA, 1982, p. 261) Claro que existe a utilidade de se conhecer mais, e sempre mais a respeito do fenômeno. O que é limitador é se esta for a única explicação dos fenômenos a serem estudados “.... análise e síntese são enfoques complementares que, usados em equilíbrio adequado, nos ajudam a chegar a um conhecimento mais profundo da vida.” ( CAPRA, 1982, p. 261) 6 O modelo circular busca determinar todas as variáveis ou multifatores que participam do comportamento (ou evento). Assim a visão passa do “porque” para o “como” o fenômeno ocorre. Todo sistema vivo é regido, segundo o pensamento sistêmico, por algumas propriedades e algumas características: totalidade ou globalidade; eqüifinalidade; causalidade circular e a homeostase. A globalidade é uma das propriedades. Explica que as mudanças dentro de um sistema não ocorrem em uma só direção, mudança em partes do sistema afeta a todas as outras partes. Uma professora que se encontra depressiva, repercute em todo o sistema da sala. Uma criança com dificuldade de permanecer atenta afeta a todo o grupo da sala. Os sistemas fechados são determinados pelas condições iniciais. Um relógio, por exemplo, quando acaba a pilha, altera o estado de funcionamento (deixa de funcionar). A condição inicial (final da pilha) determinou seu funcionamento. Em “(...) sistemas circulares e auto modificáveis, os resultados (no sentido de alteração no estado, após um período de tempo) não são determinados tanto pelas condições iniciais como pela natureza de seu processo ou os parâmetros do sistema”.(WATZLAWICK et al, 1967, p.115). A esta propriedade chama– se de eqüifinalidade. O comportamento eqüifinal dos sistemas abertos demonstra que as mesmas condições iniciais podem levar a respostas diferentes, assim como, diferentes condições iniciais, podem levar ao mesmo resultado. Ou seja, nem sempre condições iniciais como o divórcio na família, pode levar crianças a disfuncionarem dentro da escola. Em algumas crianças este sofrimento emocional pode levá-los a amadurecer e revelarem uma adequação funcional não existente antes do divórcio, em outros casos, ficam aliviadas e não passam por sofrimento algum, assim como podem, em outras ocasiões, ocorrer disfunções. Assim, uma criança com distúrbios emocionais pode desenvolver distúrbios escolares ou nenhum distúrbio, dependendo das condições do sistema (aluno, sala como um todo, família, etc.) para enfrentar esta 7 situação estressante. A eqüifinalidade chama a atenção para os processos interacionais que estão presentes em todos os sistemas. Outra característica do sistema aberto (vivo) é explicada pela interação entre os membros feita através do princípio de causalidade circular, já brevemente citada. “As máquinas funcionam de acordo com as cadeias lineares de causa e efeito, quando sofrem um avaria pode ser usualmente identificada uma causa única para tal defeito. Em contrapartida o funcionamento dos organismos é guiado por modelos cíclicos de fluxo de informação, conhecidos como laços de realimentação (feedback loop).” (CAPRA, 1982, p.262 ) O universo funciona como um todo, com variáveis diferentes interagindo e influenciando mutualmente e simultaneamente todos os elementos que o compõe. Em sala de aula, o universo deste trabalho, esta propriedade também se aplica. A criança aluno é também filho, sobrinho, neto, irmão e deste contexto ele sofre influências, porém, enquanto aluno sofre influência também do professor, de outros colegas, de sua própria visão de si e dos outros. Quando se determina que o comportamento problema provém somente de influência familiar, a visão é unilateral e linear, não condiz com a visão sistêmica do universo acima descrita. Requer então que o investigador (professor e especialista) passe a verificar as outras variáveis, entre elas: as reações das outras crianças diante da conduta inadequada do aluno; as reações das meninas e dos meninos de maneira diferenciada, levando em consideração que, se o aluno estiver na adolescência ou puberdade, esta variável será significativa no contexto estudado; a própria reação a ação do aluno por parte do professor estará influenciando e mantendo a conduta . Nos sistemas vivos há uma tendência autoreguladora para manter a estabilidade do funcionamento dentro do sistema. Existe um limite superior e inferior dentro do qual as variáveis do sistema podem alterar-se, elas flutuam dentro deste limite permitido. A isto se dá o nome 8 de homeostase, que é o equilíbrio entre as variáveis que se importa e exporta do meio. Por exemplo, em uma sala de aula, em um contexto que não se permite ou não está apto para atender diferenças religiosas, ocorre a vinda de uma criança de outra religiosidade que não a predominante. O sistema busca maneiras de excluir esta nova situação, para que permaneça o padrão usual de costume religioso, para manter a homeostase do sistema. Se a tolerância a mudança em sala de aula for limitada, poderá ocorrer imposição de costumes para que predomine os do contexto. A rigidez de regras pode afastar o aluno, estabelecer fronteiras fechadas entre ele e o grupo, dificultando o convívio. Esta pode ser uma explicação interacional de apatia ou agressividade contra o sistema desenvolvido pelo aluno. A este mecanismo que busca manter o padrão usual, o equilíbrio do sistema – classe, dá-se o nome de feedback negativo. Se a sala possui facilidade de ultrapassar seu umbral homeostático, e rever suas regras, permite mudar seu código, aceitando e até explorando as novas realidades (como no exemplo, os costumes de seu novo aluno), houve o que se denomina de feedback positivo, um mecanismo que se caracteriza pelo aumento do desvio padrão do sistema, permitindo que se importe uma nova regra. As regras mantêm a integridade e a identidade do sistema. Porém, para se atender a necessidade da condição “dinâmica” de todo sistema, esse só irá crescer, se desenvolver, manter-se vivo, se houver a possibilidade de alternância entre mudanças e homeostase, mantendo também a identidade e continuidade. O crescimento e desenvolvimento de qualquer sistema estão relacionados a sua capacidade de equilibrar feedback positivo e negativo. Não só o especialista nem só o professor se beneficiam deste pensamento sistêmico e sim, de todos os envolvidos no contexto da escola. Um pensamento que possibilita uma atuação prévia no que se refere a muitas condutas inadequadas no contexto da escola. Um olhar que deslumbra uma compreensão de que, se um grupo de alunos, por exemplo, interage com conflitos constantes, estaria assinalando uma falta 9 de organização do subsistema alunos. Se um professor se sente impelido a desempenhar “muito bem” sua função, cuidando excessivamente destes alunos, pode estar colaborando para que esta organização não se efetive, envolvendo-se demais com o grupo, não permitindo que eles trabalhem sozinhos e desenvolvam esta organização. Este “superenvolvimento” com o grupo pode ser uma sinalização de sua própria insegurança, decorrentes por sua vez, de uma possível atitude de cobrança constante da direção da escola. Enfim, o professor assume um papel de importância na investigação e se inclui no contexto, deixa de atribuir a responsabilidade à família ou à especialistas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Além destas propriedades descritas sobre o funcionamento dos sistemas, existem outras características próprias do processo interacional que também tem relevância ao conhecimento do professor, entre elas, como ocorre a comunicação entre os indivíduos, as características da cibernética de transformação e auto-regulação e principalmente, como podem ser elaboradas as intervenções sistêmicas, os passos que se deve seguir dentro deste pensamento teórico para efetivar soluções. Não é a proposta deste trabalho elucidar tais procedimentos. O objetivo é levar a informação quanto a este ponto de vista revestido de um compromisso global e interacional. O “sistema sala” tem condições de se auto-organizar, são eles (professores e alunos) os elementos atuantes nas mudanças sugeridas. Com o pensamento voltado para esta abordagem, o professor passa a ser capaz de fazer generalizações, e a transferir conhecimentos de uma situação geradora de conflitos resolvidos a outras que poderão, por ventura, surgir. Seu pensamento já se torna circular e não mais linear, já vê o conflito como uma ação com influência global no sistema e sendo influenciado por multifatores, sabe que as interações tem colaborado na manutenção do problema e da homeostase. 10 É possível desenvolver uma visão sistêmica sem necessariamente estar “terapeutizando” aluno algum. Em todos os contextos de vida esta visão trará um novo olhar para os fenômenos. Este olhar por si só, possibilita uma reflexão sobre os fenômenos, uma organização dos acontecimentos. ______________________________________________________ ABSTRACT SUMMARY: The present article intends to weave considerations on the thought sistêmico addressed to the school context. It explains that the inadequate conducts are resulted of interaction patterns inadequate in the system formed in class room, search to make possible solutions of the inadequate conducts of the groups or of the individuals, It intends to develop competences for resolution of these subjects in this context. Key-words: Scholar context; Inadequat conducts; Thought sistêmico; Patterns interaction; Develop competences. ______________________________________________________ REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDOLFI, M. (1997). A Terapia Familiar: um enfoque interacional. Campinas: Workshopsy. CAPRA, F.(1982). O Ponto de Mutação. São Paulo: Cultrix. CHIARA, C. ; MCCULLOCH, P. (1997) .Psicólogos & Professores : um ponto de vista sistêmico sobre as dificuldades escolares. Bauru: EDUSC. POLITY, E. et al. (1998). Psicopedagogia: um enfoque sistêmico. São Paulo: Empório do Livro. WATZLAWICK, P.; BEAVIN, J.H.; JACKSON, D. D. (1967). A Pragmática da Comunicação Humana. São Paulo: Cultrix.. GASPARIAN, M. C. C. (1997). Psicopedagogia Institucional Sistêmica. São Paulo: Lemos.