Arq Bras Cardiol volume 75, (nº 1), 2000 Marcopito Shirassu Notae Prévia Mortalidade por IAM no Estado de SP Mortalidade por Infarto Agudo do Miocárdio e pelas Demais Doenças Isquêmicas do Coração no Estado de São Paulo, 1980-1996 Luiz F. Marcopito, Mírian M. Shirassu São Paulo, SP Há publicações sobre o declínio da mortalidade por doenças isquêmicas do coração (CID-IX: 410-414; CID X: I20-I25) no município de São Paulo de 1950 a1981 1, no Estado de São Paulo de 1970 a 1989 2 e em algumas capitais brasileiras de 1979 a 1989 3, mas não se dispõe de informação específica sobre a mortalidade por infarto agudo do miocárdio (CID-IX: 410; CID X: I21) no Estado de São Paulo, nem de sua participação no total de mortes por doenças isquêmicas do coração. O objetivo desta comunicação foi o de mostrar a evolução da taxa de mortalidade por infarto agudo do miocárdio e pelo restante das doenças isquêmicas do coração, no Estado de São Paulo, de 1980 a 1996. Métodos Os dados de mortalidade específica por infarto agudo do miocárdio e pelo restante das doenças isquêmicas do coração, por local de residência habitual do falecido, estavam disponíveis no Datasus (geradas pelo Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde). A população residente em anos censitários foi obtida da Fundação IBGE e as estimativas para anos intercensitários, na Fundação SEADE. As taxas de mortalidade foram ajustadas por idade pelo método direto, utilizando como referência a estrutura etária da população total (ambos os sexos) do Estado de São Paulo de 1980. A tendência das taxas no período de estudo, por sexo, foram calculadas por regressão linear simples, e a proporção da variância total explicável pelo modelo linear expressa em r2 (o máximo possível é 1,00). Nas equações das retas (y = a + bx) que vão ser mostradas, “x” recebeu o valor mínimo de 0 em 1980 e o máximo de 16 em 1996. O valor (b) que multiplica “x” em cada equação é o coeficiente de inclinação da reta: quanto maior o módulo de “b”, mais inclinada é a reta. Valo- Escola Paulista de Medicina - UNIFESP Correspondência: Luiz Francisco Marcopito - Rua Pedro de Toledo, 675 - 04039-032 - São Paulo, SP Recebido para publicação em 4/2/99 Aceito em 8/9/99 res negativos de “b” indicam inclinação para baixo (declínio). A probabilidade (p) de “b” ser estatisticamente igual a zero (ou, de não ter havido mudança nas taxas ao longo do tempo) é fornecida. A porcentagem de variação anual foi calculada a partir da razão b/a. Resultados A tabela I mostra as taxas de mortalidade por infarto agudo do miocárdio e pelo restante das doenças isquêmicas do coração, por sexo, ajustadas por idade. Verificase que houve redução importante ao longo dos 17 anos em estudo, melhor observada na figura 1, onde essas taxas aparecem individualmente como símbolos. As retas traçadas mostram a tendência de declínio, cuja intensidade pode ser avaliada pelos valores de beta nas equações apresentadas na tabela II. A equação da reta 1, por exemplo (y = 67,204 – 0,8100 x), diz que a partir de 1980 (x = 0), para cada unidade de mudança em x (de 1 a 16) a taxa de mortalidade por infarto agudo do miocárdio no sexo masculino (y) reduziu-se 0,8100 unidade em média (partindo de 67,204). Expressa em porcentagem, essa redução anual foi de 1,2% (0,8100/67,204x100). O mesmo princípio vale para as demais retas apresentadas na tabela II. É interessante observar na figura 1 que as taxas exibem variação cíclica, para mais e para menos, em torno das retas, justificando a necessidade da visão geral ao longo do tempo (tendência). A julgar pelos valores de r2, o modelo linear ajustou-se muito bem à tendência das taxas de mortalidade representadas pelas retas 1, 3 e 4 (r2s de 0,86 a 0,97), e um pouco menos na representada pela reta 2 (r2 de 0,55). Nas quatro séries houve mudança (declínio) das taxas ao longo do período estudado (p<0,001), e o diferencial de redução nas taxas fez com que a contribuição porcentual da mortalidade por infarto agudo do miocárdio na mortalidade por todas as doenças isquêmicas do coração, no sexo feminino, se aproximasse daquela do sexo masculino no período estudado (fig. 2). 69 Marcopito e Shirassu Mortalidade por IAM no Estado de SP Arq Bras Cardiol volume 75, (nº 1), 2000 Tabela I - Taxas de mortalidade (/100.000) ajustadas por idade*, por sexo, por infarto agudo do miocárdio (IAM), pelo restante das doenças isquêmicas do coração (DIC) e pelo total das DIC, com as respectivas razões masculino/feminino (M/F), Estado de São Paulo, 1980 a 1996. A coluna “x” indica os valores com que os anos em estudo entraram no cálculo da regressão linear simples. Ano x Masculino IAM Feminino M/F Masculino 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 68,8 66,6 63,2 64,7 63,4 62,2 61,2 61,4 64,5 62,1 60,6 57,1 56,2 55,1 54,0 55,7 55,5 32,2 31,8 29,7 30,2 29,4 29,6 29,7 30,8 31,3 30,5 29,5 29,2 27,7 27,5 27,0 29,4 28,2 2,1 2,1 2,1 2,1 2,2 2,1 2,1 2,0 2,1 2,0 2,1 2,0 2,0 2,0 2,0 1,9 2,0 27,1 26,1 25,3 27,0 26,2 24,8 22,9 22,1 22,0 20,5 20,5 18,3 17,5 18,1 17,5 17,3 17,3 Restante das DIC Feminino M/F 24,7 23,5 22,3 23,8 22,3 21,1 19,6 18,6 17,5 16,5 16,8 14,4 13,5 13,4 12,6 13,3 12,1 1,1 1,1 1,1 1,1 1,2 1,2 1,2 1,2 1,3 1,2 1,2 1,3 1,3 1,4 1,4 1,3 1,4 Masculino Total das DIC Feminino M/F 95,9 92,7 88,5 91,7 89,6 87,0 84,1 83,5 86,5 82,6 81,1 75,4 73,7 73,2 71,5 73,0 72,8 56,9 55,3 52,0 54,0 51,7 50,7 49,3 49,4 48,8 47,0 46,3 43,6 41,2 40,9 39,6 42,7 40,3 1,7 1,7 1,7 1,7 1,7 1,7 1,7 1,7 1,8 1,8 1,8 1,7 1,8 1,8 1,8 1,7 1,8 * População-referência: a total do Estado de São Paulo, 1980. Tabela II - Modelos de regressão linear simples para as taxas de mortalidade (/100.000) ajustadas por idade, por sexo, por infarto agudo do miocárdio (IAM) e pelo restante das doenças isquêmicas do coração (DIC), Estado de São Paulo, 1980 a 1996. “r2 “ representa o ajuste do modelo (o máximo possível é 1,00), “p” é a probabilidade de não ter havido mudança com o tempo, e “% anual” a variação porcentual média a cada ano. Equação da reta r2 p % anual IAM, masculino y = 67,204 – 0,8100 x 0,86 < 0,001 - 1,2 IAM, feminino y = 31,339 – 0,2137 x 0,55 = 0,001 - 0,7 Restante das DIC, masculino y = 27,520 – 0,7157 x 0,94 < 0,001 - 2,6 Restante das DIC, feminino y = 24,773 – 0,8466 x 0,97 < 0,001 - 3,4 Taxa de mortalidade (y) Taxas/100.000 Fig. 1 - Taxas ajustadas por idade* e tendências de mortalidade por infarto agudo do miocárdio (IAM) e pelo restante das doenças isquêmicas do coração (DIC), por sexo, Estado de São Paulo, 1980 a 1996. (1) IAM, sexo masculino; (2) IAM, sexo feminino; (3) restante das DIC, sexo masculino; e (4) restante das DIC, sexo feminino. * População-referência: a total do Estado de São Paulo, 1980. Discussão As taxas de mortalidade (ajustadas por idade) pelas doenças isquêmicas do coração mostraram nítida redução no Estado de São Paulo de 1980 a 1996. A queda foi mais pronunciada no grupo chamado de restante das doenças isquêmicas do coração, no qual a razão masculino/feminino mostrou tendência de aumento pela queda mais acentuada no sexo feminino. No grupo de infarto agudo do miocárdio, que representa o maior contingente de morte por doenças isquêmicas do coração, a redução foi muito mais marcante no sexo masculino do que no feminino, e a razão masculino/feminino - que chegou a 2,2 em 1984 - caiu para 2,0 nos últimos anos de observação. Como decorrência dessas modificações, a contribuição porcentual do infarto agudo do miocárdio na mortalidade por todas as doenças isquêmicas do coração aumentou no período estudado, em ambos os sexos, mais acentuada70 % Fig. 2 - Contribuição porcentual da taxa de mortalidade (ajustada por idade*) por infarto agudo do miocárdio na taxa de mortalidade (ajustada por idade*) por todas as doenças isquêmicas do coração, por sexo, Estado de São Paulo, 1980 a 1996. * População-referência: a total do Estado de São Paulo, 1980. Arq Bras Cardiol volume 75, (nº 1), 2000 Marcopito e Shirassu Mortalidade por IAM no Estado de SP mente no sexo feminino. Assim é que, em anos mais recentes, cerca de 76% da mortalidade por doenças isquêmicas do coração no sexo masculino foram devidos ao infarto agudo do miocárdio (contra cerca de 71% nos anos iniciais desta observação) e, no sexo feminino, essas cifras foram de 57% e 70%, respectivamente. Como ressaltado na introdução, estudos de tendência populacional de mortalidade têm focalizado as doenças isquêmicas do coração como um todo ou um grupo maior de doenças do aparelho circulatório, tanto os nacionais 1-3 como os estrangeiros 4-6. No que se refere ao total das doenças isquêmicas do coração, as tendências observadas no Estado de São Paulo assemelham-se àquelas dos Estados Unidos da América de 1980 a 1988 5 e de 1990 a 1994 6. A comparação destes resultados com os das demais unidades da Federação dependerá da porcentagem de mortes por sintomas, sinais e afecções mal-definidas que, no Estado de São Paulo, manteve-se em torno de 6% no período estudado e que, no País, como um todo, chegou a 15% dos óbitos registrados em 1996 7. Concluímos que no Estado de São Paulo, de 1980 a 1996, houve declínio das taxas de mortalidade por infarto agudo do miocárdio e pelo restante das doenças isquêmicas do coração, em ambos os sexos. O infarto agudo do miocárdio foi o principal componente da mortalidade por doenças isquêmicas do coração, principalmente no sexo masculino. Referências 1. 2. 3. de Lolio CA, Laurenti R. Mortalidade por doença isquêmica do coração no município de São Paulo. Evolução de 1950 a 1981 e mudanças recentes na tendência. Arq Bras Cardiol 1986; 46: 153-6. Lotufo PA, de Lolio CA. Tendência da mortalidade por doença isquêmica do coração no Estado de São Paulo: 1970 a 1989. Arq Bras Cardiol 1993; 61: 149-53. de Lolio CA, Lotufo PA, Lira AC, Zanetta DM, Massad E. Tendência da mortalidade por doença isquêmica do coração nas capitais de regiões metropolitanas do Brasil, 1979-89. Arq Bras Cardiol 1995; 64: 213-6. 4. 5. 6. 7. Uemura K, Pisa Z. Trends in cardiovascular disease mortality in industrialized countries since 1950. World Health Statist Q 1988; 41: 155-78. Centers for Disease Control. Trends in ischemic heart disease mortalaity. United States, 1980-1988. MMWR Morb Mortal Wkly Rep 1992; 41: 548-9. Centers for Disease Control and Prevention. Trends in ischemic heart disease deaths. United States, 1990-1994. MMWR Morb Mortal Wkly Rep 1997; 46: 146-50. Datasus. http://www.datasus.gov.br - Informação direta, 1999. 71