REAÇÕES QUÍMICAS: USANDO A MODELAGEM MATEMÁTICA PARA EXPLORAR SISTEMAS DE EQUAÇÕES LINEARES HOMOGÊNEOS Karine Faverzani Magnago Universidade Federal de Santa Maria Márcio Marques Martins Centro Universitário Franciscano Ricardo Fajardo Universidade Federal de Santa Maria Resumo Nesse trabalho, abordamos o estudo de reações químicas por meio da Modelagem Matemática, tanto no âmbito do Ensino Médio como no âmbito do Ensino Superior. Discutimos também os conteúdos matemáticos e químicos envolvidos no processo de modelagem, bem como estratégias de trabalho. Também apresentamos e analisamos os resultados de uma pesquisa de saberes prévios realizada entre acadêmicos do Curso de Licenciatura em Química do Centro Universitário Franciscano – UNIFRA. Palavras-Chave: Modelagem Matemática, Ensino, Interdisciplinar. 1. Introdução O estudo de Sistema de Equações Lineares faz parte do Ensino Médio e de muitos cursos do Ensino Superior, como cursos de Matemática, Física, Química, Engenharias, entre outros. Devido ao avançado desenvolvimento da teoria associada a esse conteúdo e às suas inúmeras aplicações, seu estudo pode ser direcionado por várias vertentes, desde uma abordagem abstrata, passando por uma abordagem técnica, até uma abordagem com foco em aplicações, entre outras. Logicamente, o melhor direcionamento depende dos objetivos do curso e dos estudantes envolvidos. Em particular, para o Ensino Médio e para a formação de seus professores, parece razoável apostar em um equilíbrio entre as várias abordagens. Se o estudo for puramente abstrato, pode se tornar estéril para alguns estudantes; se for técnico demais, pode se tornar enfadonho para outros; e se for aplicado somente, pode limitar as perspectivas de raciocínio dos envolvidos e, por conseqüência, limitar seu completo desenvolvimento. Uma alternativa possível para abranger esses aspectos é a Modelagem Matemática. Segundo Biembengut (1999, p. 36): “A modelagem matemática no ensino pode ser um caminho para despertar no aluno o interesse por tópicos matemáticos que ainda desconhece ao mesmo tempo que aprende a arte de modelar, matematicamente. Isso porque, é dada ao aluno a oportunidade de estudar situações-problemas por meio de pesquisa, desenvolvendo seu interesse e aguçando seu senso crítico”. É, também, papel do educador promover a interdisciplinaridade, para que os estudantes consigam compreender os laços entre os conteúdos de diferentes disciplinas que se formam naturalmente no estudo de um problema. Em contrapartida, devemos estar atentos à fala de Barbosa (2001) que aponta dificuldades: “Existe uma relativa distância entre a maneira que o ensino tradicional enfoca problemas de outras áreas e a Modelagem. São atividades de natureza diferente, o que nos leva a pensar que a transição em relação à Modelagem não é algo tão simples. Envolve o abandono de posturas e conhecimentos oferecidos pela socialização docente e discente e a adoção de outros. Do ponto de vista curricular, não é de se esperar que essa mudança ocorra instantaneamente a partir da percepção da plausibilidade da Modelagem no ensino, sob pena de ser abortada no processo”. Ainda, em relação à formação de professores para a Educação Básica, é importante que se reconheçam os papéis das diversas disciplinas dos cursos de graduação. Por exemplo, porque professores de Física e Química devem conhecer tópicos de Álgebra Linear? Ou, porque professores de Matemática devem ter noções de Ciências? Segundo Bassanezi (2002, p. 15): “É também nessa capacidade de estabelecer relações entre os campos da matemática e os outros, evitando reproduzir modos de pensar estanques fracionados, que, a nosso ver, está o futuro da formação de novos quadros de professores e pesquisadores, prontos a enfrentar o desafio de pensar a unidade na multiplicidade” e segundo D´Ambrósio (1986, p. 63-64): “Infelizmente, formado apenas em suas especialidades, o professor se refugia nelas, através da programação curricular de suas disciplinas, evitando qualquer divagação e análise vaga e imprecisa da realidade, como é própria do verdadeiro cientista, e que é o primeiro passo para entender os fenômenos naturais, sem o que a análise de detalhes é falha em motivação, e conseqüentemente recaindo num abstratismo estéril”. Nesse projeto, discutimos como trabalhar o tema “Reações Químicas” utilizando Modelagem Matemática; no processo de discussão, nos deparamos com as questões: identificação dos tipos e das quantidades de átomos em dada reação, caracterização das 545 variáveis envolvidas e do modelo (Sistema de Equações Lineares), métodos de resolução, a possibilidade de solução única ou de infinitas soluções para Sistemas Lineares Homogêneos, a interpretação da solução trivial nesse contexto, etc. No final do processo de modelagem, obtemos como resposta a equação balanceada da reação química, passando por uma profunda discussão acerca de Sistemas de Equações Lineares, em especial Homogêneos. Essas idéias vão ao encontro do texto Bassanezi (2002, p. 207) que diz: “Os recursos da matemática são ilimitados, principalmente quando evidenciamos suas atividades básicas: generalizações e analogias, características próprias de uma ciência dinâmica. Quando analisamos uma situação com a atitude de um matemático aplicado, usando modelagem, estamos somente iniciando o processo de aprendizagem e nossa posterior abstração pode percorrer caminhos ainda inexplorados, ensejando mesmo, a criação de novos instrumentos matemáticos e a formulação de novas teorias”. Na seção 2 desse texto, discorremos sobre dois métodos de balanceamento de equações químicas tradicionalmente usados pelos estudantes do Ensino Médio e Superior, destacando suas vantagens e limitações. Na seção 3, discutimos através de dois exemplos, como desenvolver o processo de Modelagem Matemática do tema em suas várias etapas. Na seção 4, apresentamos e analisamos o resultado de uma pesquisa sobre os saberes prévios de Matemática e de Química entre acadêmicos do sexto semestre do Curso de Licenciatura em Química do Centro Universitário Franciscano – UNIFRA. Na seção 5, apresentamos nossas considerações finais e perspectivas de encaminhamento do projeto. 2. Balanceamento de Reações Químicas: Abordagens Tradicionais Os cálculos estequiométricos constituem uma parte muito importante do conteúdo de reações químicas, seja no âmbito do Ensino Médio como no âmbito do Ensino Superior. Uma perfeita compreensão das proporções existentes entre substâncias que reagem entre si é necessária para que seja possível prever o rendimento de uma reação ou determinar a massa de um reagente que deve ser pesada para que a reação ocorra com sucesso. Para isso, o balanceamento da equação química que rege a reação é de suma importância. Diversos são os métodos tradicionalmente ensinados no ensino médio. Podemos destacar dois desses métodos: o método da tentativa e erro e o método do número de oxidação. 546 O método de balanceamento por tentativa e erro é o mais comum, e é amplamente difundido entre estudantes e professores. Consiste em fazer um levantamento dos diferentes tipos de átomos presentes nos reagentes (antes da reação acontecer) e nos produtos (após a reação ter acontecido). Uma equação química balanceada deve, necessariamente, conter o mesmo número de átomos do mesmo tipo em ambos lados da equação química. Para realizar o balanceamento, o estudante deve multiplicar os números de mols de um reagente e/ou de um produto por números preferencialmente inteiros, de forma a obter o mesmo número de um determinado tipo de átomo nos dois lados da equação química. Dessa forma, a equação terminará com quantidades iguais de átomos do mesmo tipo, para todos os diferentes tipos de átomos, ao final do balanceamento. Quais são os valores, chamados de coeficientes estequiométricos, corretos? Somente a tentativa e o ocasional erro ou acerto dirá se a estimativa está correta. Normalmente, esse método é adequado para a maioria das reações químicas elementares que o estudante encontra em seu período de estudo. Mas, existem equações químicas que envolvem não somente o balanceamento de átomos, mas o balanceamento de elétrons. Para resolver tais problemas, existe o método do balanceamento pelo número de oxidação. No segundo método, temos a presença de espécies carregadas eletricamente, algumas espécies são carregadas positivamente (deficiência de elétrons), enquanto outras são carregadas negativamente (excesso de elétrons). Determina-se qual espécie sofreu oxidação (perdeu elétrons) e qual espécie sofreu redução (recebeu elétrons da espécie que se oxidou). A premissa básica do método de balanceamento é que o número total de elétrons perdidos com a oxidação de uma espécie seja exatamente igual ao número de elétrons recebidos pela espécie reduzida. Esse número servirá para corrigir o coeficiente estequiométrico de todas as espécies envolvidas na oxirredução e, por conseguinte, para equilibrar toda a equação química. A grande desvantagem desse método é que os alunos que já apresentam dificuldades com o conceito de balanceamento de equações químicas, provavelmente e normalmente apresentarão dificuldades com cálculo de números de oxidação. Sendo assim, o método mais seguro que se baseia na oxirredução de espécies torna-se uma opção secundária ao oferecer complicações indesejáveis ao estudante que se propõe a resolver um problema de balanceamento de equações químicas. Uma alternativa aos dois métodos anteriores é o método algébrico que, embora não seja desconhecido dos matemáticos e seja do conhecimento semi-empírico de alguns profissionais de química, é pouco ou quase nada difundido no Ensino Médio. Não temos conhecimento de nenhum 547 livro de ensino de Química que aborde essa terceira abordagem, seja em nível do Ensino Médio ou em nível universitário. 3. Modelagem Matemática do Balanceamento de Reações Químicas Vamos apresentar um procedimento para Modelagem Matemática do Balanceamento de Reações Químicas trabalhando com dois exemplos, expostos a seguir. Essa proposta de modelagem é inspirada em livros-texto de Álgebra Linear para o Ensino Superior (Anton; Busby, 2006; Boldrini e outros, 1980; Poole, 2004). No entanto, acreditamos que ela é plenamente viável para o Ensino Médio. De fato, os conteúdos explorados (matemático e químico) fazem parte de disciplinas do Ensino Médio e, normalmente, são trabalhados isoladamente (Giovanni; Bonjorno, 2005; Paiva, 1995; Peruzzo; Canto, 2002; Santos; Mól, 2005). Exemplo 1: Determine as relações molares presentes na reação estequiométrica entre o ácido clorídrico (HCl) e o ácido perclórico (HClO3) que tem como produtos o dióxido de monocloro (ClO2) e a água (H2O). Essa reação é um típico exemplo de reação de oxirredução e que envolve, além do cálculo tradicional de balanceamento de átomos, o cálculo dos números de oxidação de cada átomo da reação. Cada um dos dois requisitos necessários para a resolução do problema representa um desafio por si só para o estudante, de forma que esse problema é considerado difícil. Se optarmos por balancear apenas pelo método da tentativa e erro, temos que lidar com dois reagentes diferentes que compartilham o mesmo tipo de átomo (cloro) e, depois de ocorrida a reação, apenas um dos produtos contém todos os átomos de cloro inicialmente presentes no meio reacional. O oposto dá-se com os átomos de oxigênio, tornando o problema ainda mais complexo. Esse problema equivale a ajustar os coeficientes estequiométricos da seguinte reação química: _ _ _ _ HCl + _ _ _ _ HClO3 Æ _ _ _ _ ClO2 + _ _ _ _ H2O. Do ponto de vista químico, para resolver esse problema basta apresentar os números adequados que devem ser colocados nos espaços tracejados tais que a reação esteja balanceada. Do ponto de vista da Modelagem Matemática, começamos explorando alguns conceitos químicos que embasarão nosso processo de modelagem. Observe que nenhum 548 átomo é produzido ou eliminado na reação apresentada. O que se tem, de fato, é uma “reorganização” dos átomos presentes nos reagentes, resultando nos produtos. Por conseqüência, a reação química pode compreendida como uma equação na qual as quantidades totais de cada átomo nos reagentes são preservadas nos produtos. O próximo passo é escolher as variáveis que representarão cada uma das quantidades procuradas. Usaremos x, y, z e w para representarem as quantidades, em mols, de HCl, HClO3, ClO2 e H2O, respectivamente. Ou seja: x HCl + y HClO3 Æ z ClO2 + w H2O. Os três átomos presentes nessa reação são hidrogênio (H), cloro (Cl) e oxigênio (O). Para cada um deles, teremos uma equação que representa a preservação da sua quantidade total. Para o átomo H, esquematizamos a obtenção da correspondente equação na figura 1. x HCl + y HClO3 Æ z ClO2 + w H2O x ×1 + y ×1 = w ×2 Figura 1: Esquema para obtenção da equação que representa a preservação da quantidade total de H na reação. Daí, escrevendo a equação para o átomo H na forma padrão, com todas as variáveis do lado esquerdo, obtemos: x + y – 2w = 0. (1) Analogamente, obtemos as equações para os átomos Cl e O, esquematizadas nas figuras 2 e 3, respectivamente. x HCl + y HClO3 Æ z ClO2 + w H2O x × 1 + y × 1 = z ×1 Figura 2: Esquema para obtenção da equação que representa a preservação da quantidade total de Cl na reação. x HCl + y HClO3 Æ z ClO2 + w H2O y × 3 = z × 2 + w × 1 Figura 3: Esquema para obtenção da equação que representa a preservação da quantidade total de O na reação. Daí, a equação para o átomo Cl é: 549 x+y–z=0 (2) 3y – 2z – w = 0. (3) e para o átomo O é: Como as equações (1), (2) e (3) devem ser satisfeitas, o problema equivale a resolver o seguinte Sistema de Equações Lineares: x+y – 2w = 0. x+y–z =0. (4) 3y – 2z – w = 0 Uma característica do Sistema Linear (4) é que ele é Homogêneo, ou seja, possui todos os termos independentes iguais a zero. Alguns autores (Giovanni; Bonjorno, 2005; Paiva, 1995; Kolman; Hill, 1998) dedicam uma seção de suas obras para esse tipo de Sistema Linear, mas destacam os aspectos puramente algébricos, sem fazer qualquer associação a um problema a ser modelado. Outra característica do Sistema Linear (4) é que sua matriz dos coeficientes, na correspondente forma matricial, não é quadrada; nesse exemplo, isso corresponde ao fato que o número de incógnitas é maior que o número de equações. Já do ponto de vista químico, isso acontece quando o número de reagentes e produtos é superior ao de átomos presentes na reação. Essa característica destacada no parágrafo anterior torna-se especialmente interessante porque alguns estudantes apresentam mais dificuldade em lidar com esse tipo de Sistema Linear do que com aqueles que têm matriz dos coeficientes quadrada. O fato de obter um Sistema Linear como o apresentado em (4), a partir de um problema concreto, ameniza qualquer impressão de que Sistemas Lineares “não-quadrados” possuem uma estrutura artificial, que corresponde somente a uma abstração matemática. Para investigarmos a solução (ou soluções) do Sistema Linear (4), vamos trabalhar com o Sistema Linear equivalente: x+y – 2w = 0. 3y – 2z – w = 0 (5) – z + 2w = 0 obtido aplicando o Método de Eliminação de Gauss. Considerando w uma variável livre, e resolvendo o Sistema Linear (5) por retro-substituição, obtemos: x= w 5w ,y = , z = 2 w. 3 3 (6) 550 Como w pode assumir qualquer valor real, as equações apresentadas em (6) implicam que o Sistema Linear (4) possui infinitas soluções. Quimicamente, esse resultado era esperado porque, conhecida uma quantidade qualquer de um produto (ou reagente), os demais produtos e reagentes ficam ajustados nas proporções correspondentes. Ainda, soluções com valores negativos são desqualificadas para esse modelo. Em particular, se w = 0 nas equações (6), temos a Solução Trivial: x = y = z = w = 0. (7) No problema químico, essa solução não é interessante porque ela significa que se não tivermos nenhum reagente, não teremos nenhum produto. Por outro lado, se w = 3 nas equações (6) – menor inteiro positivo que não introduz fração no ajuste dos coeficientes da reação –, então: x = 1, y =5, z = 6, w = 3; (8) e a reação química fica: 1 HCl + 5 HClO3 Æ 6 ClO2 + 3 H2O. Exemplo 2: Determine as relações molares presentes na reação estequiométrica entre o decaóxido de tetrafósforo (P4O10) e a água (H2O) que tem como produto o ácido fosfórico (H3PO4). Essa reação é consideravelmente mais simples que a do exemplo 1, visto que não há oxirredução e todos os átomos dos reagentes convergem para o único produto da reação. O uso do método da tentativa e erro já funciona bem com a respectiva equação. Equivalentemente, basta ajustar os coeficientes estequiométricos da seguinte reação química: _ _ _ _ P4O10 + _ _ _ _ H2O Æ _ _ _ _ H3PO4. Modelaremos esse problema de forma mais direta, a luz do que foi feito no exemplo 1. Começamos escolhendo as variáveis que representarão cada uma das quantidades procuradas (representadas pelos espaços tracejados na reação química). Usaremos x, y e z para representarem as quantidades, em mols, de P4O10, H2O e H3PO4, respectivamente. Ou seja: x P4O10 + y H2O Æ z H3PO4. 551 Os três átomos presentes nessa reação são fósforo (P), oxigênio (O) e hidrogênio (H). Para cada um deles, teremos uma equação que representa a preservação da sua quantidade total. O procedimento para dedução das equações para os átomos P, O e H, estão esquematizados nas figuras 4, 5 e 6, respectivamente. x P4O10 + y H2O Æ z H3PO4 = z x 4 1 Figura 4: Esquema para obtenção da equação que representa a preservação da quantidade total de P na reação. x P4O10 + y H2O Æ z H3PO4 x 10 + y 1 = z 4 Figura 5: Esquema para obtenção da equação que representa a preservação da quantidade total de O na reação. x P4O10 + y H2O Æ z H3PO4 y 2 = z 3 Figura 6: Esquema para obtenção da equação que representa a preservação da quantidade total de H na reação. Observando as equações obtidas nas figuras 4, 5 e 6, montamos o Sistema Linear Homogêneo: 4x – z = 0. 10x + y – 4z = 0 , (9) 2y – 3z = 0 que corresponde ao problema do balanceamento da reação química do exemplo 2. Diferente do exemplo 1, nesse caso, a matriz dos coeficientes é quadrada. Essa característica vem do fato que o número de reagentes e produtos é igual ao número de átomos presentes na reação química considerada. Para investigarmos as soluções do Sistema Linear (9), vamos trabalhar com o Sistema Linear equivalente: 4x – z = 0. 2y – 3z = 0 , (10) 552 obtido via Eliminação de Gauss. Considerando x uma variável livre, e resolvendo o Sistema Linear (10) por substituição direta, obtemos: y = 6x, z = 4x. (11) Como x pode assumir qualquer valor real, o Sistema Linear (11) admite infinitas soluções, o que era esperado. Se x = 0 nas equações (11), temos novamente a Solução Trivial: x = y = z = 0, (12) que é quimicamente desinteressante. Se x = 1 nas equações (11), evitamos frações nos coeficientes da reação, resultando em: x = 1, y = 6, z = 4; (13) e a reação química fica: 1 P4O10 + 6 H2O Æ 4 H3PO4. 4. Análise dos Saberes Prévios Uma testagem preliminar dos saberes prévios, entre estudantes de Química, foi realizada a fim de determinar o grau de compreensão dos mesmos no tocante aos conteúdos: Balanceamento de Reações Químicas e Sistemas de Equações Lineares. Participaram dessa testagem doze alunos voluntários do Curso de Licenciatura em Química, todos matriculados na disciplina de sexto semestre “Estágio Curricular Supervisionado II”, do Centro Universitário Franciscano – UNIFRA – Santa Maria, RS. Dentre esses estudantes, 09 (nove) informaram que estão no sexto semestre do Curso de Química, enquanto os outros 03 (três) não informaram em que semestre se enquadram. Realizou-se uma pesquisa composta por dois questionários curtos, sendo o primeiro de cunho químico e o segundo de cunho matemático. No primeiro questionário, foi solicitado aos estudantes, que respondessem às duas questões a seguir. Q01 Ajuste os coeficientes estequiométricos da seguinte reação química: _ _ _ _ HCl + _ _ _ _ HClO3 Æ _ _ _ _ ClO2 + _ _ _ _ H2O. Essa é uma questão considerada difícil de ser resolvida pelo método de tentativa e erro, o que foi confirmado pelo resultado dos acadêmicos. Somente 01 (um) estudante 553 resolveu essa questão corretamente, enquanto 06 (seis) a erraram e 05 (cinco) não a resolveram. O procedimento de Modelagem Matemática apresentado no exemplo 1 (seção 3) é uma alternativa viável para trabalhar esse problema tanto na disciplina de Química Geral, quanto na disciplina de Álgebra Linear, ou ainda em disciplinas ou projetos interdisciplinares. Também é adequado para o Ensino Médio, combinando ações dos professores de Química e de Matemática. Q02 Ajuste os coeficientes estequiométricos desta outra reação química: _ _ _ _ P4O10 + _ _ _ _ H2O Æ _ _ _ _ H3PO4. Nessa questão, considerada mais acessível, 08 (oito) acadêmicos obtiveram o resultado esperado, 01 (um) obteve resultado proporcional ao esperado (também considerado correto), 01 (um) errou a questão e 02 (dois) não a resolveram. Novamente, o problema poderia ser trabalhado por meio da Modelagem Matemática (exemplo 2, seção 3). No segundo questionário, foi solicitado aos estudantes, que respondessem às três questões a seguir. M01 Você já cursou a disciplina de Álgebra Linear? ( ) Sim. ( ) Não. Apesar do conteúdo “Sistemas de Equações Lineares” estar presente também no Ensino Médio (logo, conhecido pelos estudantes antes da graduação), o objetivo dessa questão é identificar se os estudantes tiveram contato com esse conteúdo no Ensino Superior, tradicionalmente presente na disciplina de Álgebra Linear. Dentre os estudantes questionados, 10 (dez) informaram que já cursaram a disciplina, enquanto 02 (dois) não a cursaram (apesar de ser uma disciplina de segundo semestre do curso). M02 Você conhece alguma aplicação do conteúdo de “Sistemas de Equações Lineares” a problemas de Química? ( ) Sim. Qual? ( ) Não. Objetivo dessa questão é qualificar se o contato dos estudantes com o conteúdo “Sistemas de Equações Lineares”, seja no Ensino Médio, seja no Superior, fez com que eles o relacionassem a problemas de Química e, em especial, ao problema do Balanceamento de Reações. Dentre os estudantes investigados, 09 (nove) responderam não conhecer nenhuma aplicação do conteúdo a problemas de Química, 01 (um) não respondeu 554 à questão e apenas 02 (dois) responderam que conhecem alguma aplicação, sendo que desses somente 01 (um) citou Balanceamento de Reações Químicas. M03 Apresente, se possível, uma solução numérica para cada um dos Sistemas de Equações Lineares a seguir. Indique se não for possível. ⎧x + 2 y = 2 3. a ⎨ ⎩5 x − 2 y = 4 ⎧x − 2 y = 1 3. b ⎨ ⎩− 3x + 6 y = −3 ⎧x − 2 y = 1 3. c ⎨ ⎩− 5 x + 10 y = 5 Foram propostos três Sistemas Lineares com duas equações e duas incógnitas, de modo que a dimensão não constituiu um obstáculo na resolução dos mesmos. Nenhum método de resolução específico foi solicitado. Os Sistemas Lineares foram escolhidos de modo a contemplar todas as possibilidades quanto à existência e ao número de soluções. O primeiro Sistema Linear (3. a) é Possível e Determinado, cuja única solução é x = 1 e y = 1/2. Nesse item da questão, 05 (cinco) estudantes responderam corretamente; 03 (três) responderam o valor da variável x corretamente, mas não informaram o valor da variável y; 01 (um) respondeu o valor da variável x corretamente, mas errou o valor da variável y; e os 03 (três) restantes responderam incorretamente todo o exercício. O segundo Sistema Linear (3. b) é Possível e Indeterminado; possui infinitas soluções da forma x = 1+2k e y = k, com k real. Por exemplo, se k =1, então x = 3 e y = 1 é uma solução. Nenhum estudante resolveu corretamente esse exercício; 03 (três) estudantes começaram a resolvê-lo corretamente, mas não conseguiram finalizar o exercício; 02 (dois) estudantes começaram a resolvê-lo corretamente, mas identificaram erroneamente o Sistema Linear como Impossível; 03 (três) estudantes erraram o item e 04 (quatro), não o fizeram. O último Sistema Linear (3. c) é Impossível; logo, não admite solução. Nesse exercício, 03 (três) estudantes acertaram; 02 (dois) estudantes começaram a resolvê-lo corretamente, mas não conseguiram finalizar o exercício; 04 (quatro) estudantes erraram o item e 03 (três), não o fizeram. Analisando os resultados obtidos entre os voluntários, podemos observar: o método para Balanceamento de Reações Químicas conhecido como “Tentativa e Erro” é adequado para alguns problemas, mas ineficiente em outros; por outro lado, a resolução via Modelagem Matemática implica, em todos os casos, na resolução de um Sistema Linear Homogêneo cujas técnicas são bem conhecidas; 555 a maioria dos estudantes não estabeleceu qualquer ligação entre os conteúdos de Química e de Matemática explorados nesse artigo; em geral, os estudantes demonstraram pouca habilidade na resolução dos Sistemas Lineares propostos; particularmente, para o Sistema Linear Possível e Indeterminado, eles não obtiveram êxito (justamente o mesmo caso dos sistemas resultantes dos problemas de Balanceamento de Reações). 5. Discussões Finais A Modelagem Matemática de Reações Químicas pode ser utilizada para abordar vários pontos do conteúdo de Sistemas Lineares. Se utilizado para introduzir o conteúdo, dá significado às variáveis do problema e conduz naturalmente o estudante à estrutura dos Sistemas Lineares. Se utilizado para a análise das soluções, transfere significado aos Sistemas Lineares Possíveis e Indeterminados (infinitas soluções), saindo do abstratismo usual; também, dá sentido prático para a Solução Trivial (Sistemas Lineares Homogêneos). No Ensino Médio, pode-se trabalhar esse tema de forma interdisciplinar envolvendo as disciplinas de Matemática e Química; essa idéia será desenvolvida no prosseguimento natural desse projeto. Para esse fim, devemos moldar uma prática pedagógica e aplicá-la em escolas da região. Uma dificuldade para a implementação dessa prática é que o conteúdo químico relacionado ao tema é trabalhado no primeiro ano do Ensino Médio, enquanto o conteúdo matemático é trabalhado no segundo ano. Referências Bibliográficas ANTON, H.; BUSBY, R. C. Álgebra Linear Contemporânea, Porto Alegre: Bookman, 2006. 610 p. BARBOSA, J. C. Modelagem na Educação Matemática: Contribuições para o Debate Teórico. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 24., 2001, Caxambu. Anais... Rio de Janeiro, 2001. 1 CD-ROM BASSANEZI, R. C. Ensino-aprendizagem com modelagem matemática: uma nova estratégia. 1. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2002. 389 p. BIEMBENGUT, M. S. Modelagem Matemática & Implicações no EnsinoAprendizagem de Matemática. Blumenau: Editora da FURB, 1999. 136 p. BOLDRINI, J. L.; COSTA, S. I. R.; FIGUEIREDO, V. L.; WETZLER, H. G. Álgebra Linear. 3. ed. São Paulo: Harper & Row do Brasil Ltda., 1980. 411 p. 556 D´AMBRÓSIO, U. Da Realidade a Ação: Reflexões sobre Educação e Matemática. 2. ed. São Paulo: Summus; Campinas: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1986. 115 p. GIOVANNI, J. R.; BONJORNO, J. R. Matemática Completa. v. 2. 2. ed. renov. São Paulo: FTD, 2005. 384 p. KOLMAN, B.; HILL, D. R. Introdução à Álgebra Linear com Aplicações. 6. ed. Rio de Janeiro: Prentice-Hall do Brasil, 1998. 554 p. PAIVA, M. 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