UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS
HUMANAS
LÍNGUAS E LINGUAGENS NOS CANDOMBLÉS DE NAÇÃO
ANGOLA
Tese apresentada ao Programa de
Pós Graduação em Lingüística e
Semiótica
da
Filosofia,
Letras
Faculdade
e
de
Ciências
Humanas da Universidade de São
Paulo para obtenção do título de
doutora em Letras.
Orientadora:
Profª Drª Margarida Maria Taddoni Petter
Elizabete Umbelino de Barros
São Paulo/2007
Homenagem póstuma
A mameto Loabá, mulher de força e sabedoria, que tive o prazer de
conhecer e sentir todo o seu encanto...
Ouça no vento
o soluço do arbusto:
é o sopro dos antepassados ...
Nossos mortos não partiram.
Estão na densa sombra.
Os mortos não estão sob a terra.
Estão na árvore que se agita,
na madeira que geme,
estão na água que flui,
na água que dorme,
estão na cabana, na multidão;
os mortos não morreram ...
Nossos mortos não partiram:
estão no ventre da mulher
no vagido do bebê
e no tronco que queima.
Os mortos não estão sob a terra:
estão no fogo que se apaga,
nas plantas que choram,
na rocha que geme,
estão na floresta,
estão na casa,
nossos mortos não morreram.
(Birago Diop)
ii
Agradecimentos
Agradeço, primeiramente, às forças divinas, à minha força interior e
ao meu Orixá Oxum.
Ora iê iê Oxum ibuana mefé milogun afiderioman. Ora iê iê ô!
Agradecimento especial ao povo-de-santo das duas comunidades de
Candomblé
Angola:
Inzó
Inquice
Mameto
Dandaluna
Quissimbi
Quiamaze, na pessoa do tateto Roxitalamim e Centro Religioso e
Cultural das Tradições Bantu Ilê Azongá Oni Xangô, na pessoa da
mameto Indandalacata e ao povo-de-santo das outras comunidades que
me receberam com cordialidade e atenção.
Agradeço à CAPES pela bolsa concedida em 2005 para o meu estágio
no CNRS/LLACAN/Paris, no âmbito do projeto CAPES/COFECUB, n°
511/05: “A participação das línguas africanas na constituição do
português brasileiro”.
Há muitas pessoas que me ajudaram em todo esse caminho no Brasil e
na França.
Do lado brasileiro, agradeço:
à minha família que sempre me apoiou;
à minha querida orientadora e amiga Profª Drª.Margarida M T
PETTER pelo incentivo e apoio em todos os momentos;
a todos os meu colegas do GELA (Grupo de Estudos de Línguas
Africanas);
a
todos
os
meus
colegas
da
EMEF
Danylo
José
Fernandes,
especialmente, à diretora da escola Professora Angela Cristina SCHIESS.
A Mara Bertalha, amiga do coração, tirou as fotos nas duas
comunidades e realizou a arte final no capítulo 5.
iii
Agradecimento especial à Profª Drª Tânia Maria ALKMIN pela
amizade e inestimável ajuda em Paris.
E agradeço a todos os amigos que sempre me incentivaram.
Do lado francês, agradeço:
ao Profº Dr. Emilio BONVINI, meu co-orientador, pelo apoio em
todos os momentos, amizade e incentivo ao trabalho.
a todos os colegas do LLACAN.
Agradecimento especial a Paulette ROULON-DOKO e a Nicolas
QUINT pela amizade e incentivo ao trabalho.
E agradeço a todos os amigos que fiz durante o tempo em que morei
em Paris, sobretudo, a Tuan-Phong KIM, amigo do coração.
iv
RESUMO
Este trabalho apresenta as línguas e as linguagens utilizadas nos
Candomblés de Nação Angola, por meio do estudo de textos orais
registrados em duas comunidades particulares e específicas: o Inzó
Inquice Mameto Dandaluna Quissimbi Quiamaze (Inzó Dandaluna) e o
Centro Religioso e Cultural das Tradições Bantu Ilê Azongá Oni Xangô
(Terreiro Loabá).
O estudo visa a estabelecer ligações entre a linguagem e a vivência
das práticas rituais. Nesse sentido, os textos coletados são situados no
contexto de sua enunciação e analisados em sua expressão e conteúdo.
Nesses textos foi possível identificar apenas um léxico de origem negroafricana.
Palavras-chave: Candomblé Angola; cultos afro-brasileiros; línguas
negro-africanas; léxico; línguas do grupo banto.
v
ABSTRACT
This work presents languages used in the Candomblés of “Angola
nation” by a study of oral texts recorded in two particular and specified
communities: Inzó Inquice Mameto Dandaluna Quissimbi Quiamaze and
Centro Religioso e Cultural das Tradições Bantu Ilê Azongá Oni Xangô.
This study aims to establish
a link between the language and the
factual experience in the practice of these rituals. The collected texts are
situated in the context of their statement and are analysed in their
expression and their content.
Finally, it was possible to identify only a vocabulary of NegroAfrican origin.
Keywords:
Angola
Candomblé;
Afro-Brazilian
African languages; lexicon; bantu languages.
vi
worships;
Negro-
RÉSUMÉ
Ce travail présente les langues et les langages utilisés dans les
Candomblés de la “nation” Angola au moyen d’une étude de textes oraux
enregistrés dans deux communautés particulières et spécifiques: l’Inzó
Inquice Mameto Dandaluna Quissimbi Quiamaze et.le Centro Religioso
e Cultural das Tradições Bantu Ilê Azongá Oni Xangô.
Cette étude a pour but d’établir un rapport entre le langage et le
vécu dans la pratique de ces rituels. Dans ce sens, les textes recueillis se
situent dans le contexte de leur énonciation et sont analysés dans leur
expression et dans leur contenu.
Ainsi, dans ces textes, il n’a été possible d’identifier qu’un
lexique d’origine négro-africaine.
Mots-clés: Candomblé Angola; cultes afro-brésiliens; langues négroafricaines; lexique; langues bantoues.
vii
ÍNDICE
INTRODUÇÃO .....................................................................................................................1
1. OS CANDOMBLÉS NOS CULTOS AFRO-BRASILEIROS.............................................8
1.1 Da África para o Brasil: processos de aculturação .........................................................8
1.2 O culto às divindades no Brasil ...................................................................................10
1.3 Os candomblés no Brasil.............................................................................................11
1.3.1 Nações de candomblé...........................................................................................13
1.3.2 Características gerais das nações de candomblé....................................................17
a) O aprendizado.......................................................................................................19
b) Os rituais públicos ................................................................................................19
c) Iniciação ...............................................................................................................20
d) Obrigação .............................................................................................................21
e) O sagrado e o profano: tênue fio divisório .............................................................22
1.4 Candomblés Angola e Queto: uma história de co-relação ............................................23
1.4.1 Origens ................................................................................................................24
1.4.2 Candomblé de Nação Angola ...............................................................................28
a) Complexo banto....................................................................................................28
b) Nkongolo: O mito do herói civilizador..................................................................31
c) Angorô: a divindade do arco-íris no Brasil ............................................................33
d) Divindades cultuadas no Brasil .............................................................................34
e) O culto ao caboclo ................................................................................................34
1.4.3 Candomblé de Nação Queto .................................................................................36
a) Complexo ioruba...................................................................................................36
b) Divindades iorubas cultuadas no Brasil .................................................................38
1.5 Nações de candomblé: formas de resistência contra a intolerância...............................39
1.5.1 Perseguições e intolerâncias .................................................................................39
1.5.2 Resistência ...........................................................................................................40
a) Comunidades no Maranhão ...................................................................................41
b) Comunidades na Bahia .........................................................................................42
c) Comunidades em São Paulo ..................................................................................43
1.5.3 O espaço do terreiro, a religiosidade e o compromisso político-social...................44
1.5.4 Nomes iniciáticos: marca de identidade e de resistência .......................................46
Considerações finais .........................................................................................................48
2. DUAS COMUNIDADES DE CANDOMBLÉ DE NAÇÃO ANGOLA EM SÃO PAULO
.............................................................................................................................................49
2.1 Inzó Inquice Mameto Dandaluna Quissimbi Quiamaze ...............................................49
2.1.1 Histórico da casa ..................................................................................................49
a) O espaço físico......................................................................................................50
b) A organização.......................................................................................................52
c) A família-de-santo ................................................................................................52
d) As divindades .......................................................................................................55
2.1.2 Os rituais : estrutura e funcionamento..................................................................56
a) A festa de Ogum ...................................................................................................58
Plano do humano...................................................................................................58
Plano do sagrado ...................................................................................................63
b) A iniciação............................................................................................................83
c) Gongá: rito de renovação ......................................................................................90
d) Congoluandê: rito simbólico da colheita ...............................................................97
2.2 Centro Religioso e Cultural das Tradições Banto Ilê Azongá Oni Xangô...................100
2.2.1 Histórico da casa ................................................................................................100
a) Espaço físico.......................................................................................................101
b) A organização.....................................................................................................102
c) A família-de-santo ..............................................................................................104
d) As divindades .....................................................................................................106
2.2.2 Os rituais: estrutura e funcionamento .................................................................107
a) A festa de Angorô ...............................................................................................108
Plano do humano – 1° momento..........................................................................108
Plano do sagrado – 2° momento ..........................................................................109
Plano do humano – 3° momento..........................................................................111
Plano do Sagrado – 4° momento..........................................................................111
Retorno ao plano do humano – 5° momento ........................................................121
b) A iniciação..........................................................................................................122
c) Renovação: o rito simbólico da colheita ..............................................................130
2.3 Comparação entre as duas comunidades....................................................................131
3. A TEXTUALIDADE NOS CANDOMBLÉS DE NAÇÃO ANGOLA............................133
3.1 Inzó Dandaluna.........................................................................................................134
3.1.1 Discursos ...........................................................................................................134
a) Discursos no ritual ..............................................................................................135
Discursos de abertura ..........................................................................................135
Discursos de encerramento..................................................................................138
b) Discursos fora do ritual.......................................................................................141
3.1.2 Preces ................................................................................................................147
3.1.3 Diálogos.............................................................................................................150
3.1.4 Saudações às divindades ....................................................................................152
3.1.5 Cantigas .............................................................................................................154
a) Cantigas referentes à defumação .....................................................................155
b) Cantigas de louvação à pemba.........................................................................157
c) Cantigas de louvação à Bandeira da Nação Angola .........................................158
d) Cantigas para a divindade Aluvaiá/Exu ...........................................................159
e) Cantigas para a divindade Incosse/Ogum.........................................................162
3.1.6 Lenda .................................................................................................................164
3.1.7 Expressões utilizadas no cotidiano .....................................................................169
3.2 Terreiro Loabá ..........................................................................................................171
3.2.1 Discursos ...........................................................................................................171
a) Discurso 1: festa referente aos ritos de renovação............................................171
b)Discurso 2: Dia do Indumbe............................................................................173
3.2.2 Saudações às divindades ....................................................................................176
3.2.3 Cantigas .............................................................................................................179
a) Cantigas para a divindade Inzila ......................................................................179
b) Cantigas para a divindade Mutacalombo .........................................................181
c) Cantigas para a divindade Zaze .......................................................................183
d) Cantigas para a divindade Angorô...................................................................185
3.2.4 Expressões utilizadas no cotidiano .....................................................................186
3.3 Comparação entre os textos das duas comunidades ...................................................189
Considerações finais .......................................................................................................204
4. O LÉXICO NOS TEXTOS DOS CANDOMBLÉS DE NAÇÃO ANGOLA...................206
4.1 Inzó Dandaluna.........................................................................................................207
2
4.2 Terreiro Loabá ..........................................................................................................236
4.3 Comparação entre as duas comunidades....................................................................261
Considerações finais .......................................................................................................261
5. AS LINGUAGENS NOS CANDOMBLÉS DE NAÇÃO ANGOLA ..............................263
5.1 Gestualidade .............................................................................................................263
5.1.1 Entrada...............................................................................................................264
5.1.2 Atividades propiciatórias....................................................................................264
5.1.3 Bênçãos e cumprimentos....................................................................................265
5.2 Dança .......................................................................................................................266
5.2.1 A dança para as divindades ................................................................................267
5.2.2 A dança das divindades ......................................................................................268
5.3 Música ......................................................................................................................272
5.4 Cores ........................................................................................................................273
Considerações finais .......................................................................................................276
CONCLUSÃO ...................................................................................................................277
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................280
3
INTRODUÇÃO
Os cando mblés, no Brasil, são espaço s pr ivileg iados de manut enção do s
valores de povos afr icano s or iundo s d os ant igos reino s lo calizado s nas
regiõ es onde ho je se sit uam os países de Ango la, Co ngo , Mo çambique, Beni m
e Nigér ia.
Dessas reg iõ es foram t razid as p esso as de d iferent es et nias, cu jo modo de
ser e exist ir fo i capaz de cr iar so brevivên cias cu lt urais, so ciais e ling ü íst icas
em co nd içõ es abso lut ament e ad versas devido ao pro cesso escr avist a.
Po dem-se obser var as manifest açõ es cult urais de inspir ação afr icana em
to do o t errit ór io brasile iro. Mas é nas co mu nid ades re ligio sas de mat r iz
afr icana que se encont ra o cent ro dos cu lt os prest ado s às d iv indades t razid as,
majo r it ar iament e, pelo s po vos ambu ndo s, baco ngo s, fo ns e io rubas.
No Brasil, o cult o às divind ad es fo i (re) int erpret ado de t al maneir a que o s
r it os foram reorganizados, adquir indo aspect o s difer enciados e, embora,
mant enha a mit o log ia de or ig em dessas d ivindades, não é uma relig ião
afr icana, mas afro-br asile ira, em que as caract er íst icas se reest rut uraram,
dando vida a uma re ligio sidade brasile ira de mat r iz afr icana.
A invest igação sobr e as d iversas man ifest açõ es d e cult o às d ivindad es
afr icanas possibilit a não so ment e co mp reendê- las enquant o manifest açõ es
religio sas, mas é o pont o de part id a para se est udar as co mun idad es d e
cando mblé enquant o locais de res ist ência e so brevivência das línguas negro afr icanas, po is elas co nst it uem um dos element o s est rut urado res dessas
co munidades.
Est e t rabalho abordará aspect o s lingü íst icos, hist ó r ico s e cu lt ur ais do
universo afro-brasileiro, at ravés do est udo de duas co munidades relig io sas de
Cando mblé de Nação Ango la: Inzó Inquice Mamet o Dandalu na Qui ssi mbi
4
Quiamaze e Centro R eligioso e Cultu ral das T radiçõ es Bantu Ilê Azongá Oni
Xangô.
O o bjet ivo é analisar o s t ext os orais dessas duas co munid ades e id ent ificar
t ermos d e línguas negro -afr icanas qu e aparecem nesses t ext o s, bu scando
co mpreender esse universo afro -brasileiro através d a palavra co munit ár ia,
aquela que veio, aquela que fico u e aquela que fo i reno vada pelo s mais
var iados processo s dent ro das co mu nid ades.
Corpu s e metodo logi a
Os
dados
obt idos
para
esse
t rabalho
fo ram
reco lhido s
em
duas
co munidades part icular es e específicas de Cando mblé d e Nação Ango la: Inzó
Inquice Mameto Dandaluna Qui ssimbi Quiamaze e Cent ro Religio so e
Cultu ral das T radições Bantu Ilê Azongá Oni Xangô, a pr imeir a na cidad e de
São Pau lo e a segu nda na cidad e de Osasco.
Essas duas co mun idades fo ram a base dest e t rabalho , no ent ant o, visit e i
o ut ras co munid ades em S ão Paulo, em S alvado r/BA e em São Lu is/ MA que
o fereceram
d ados
import ant es
para
comp le ment ação
de
algu ns
po nt o s
relevant es.
Realizei filmagens e gravaçõ es em fit a K-7 co m os d iver so s infor mant es;
presenciei r it uais e co nversei info r malme nt e co m adept o s, fiéis e est ud ioso s
do assunt o; filmei vár ias cer imô nias.
As filmagens so mam 24 fit as, num t ot al d e 48 ho ras. Gravei em fit a K-7 as
ent revist as e regist ro de cant igas, nu m t ot al d e 20 horas. Alé m dos filmes e
gravações em fit a K-7, há t ambém cerca de 60 foto s.
Há 120 laud as refer ent es às t ranscr içõ es. A sist emat ização e organização
dos dados em plan ilhas EXCEL po ssu i 15 1 t ext os de cant igas e, em relação ao
léx ico, 416 t er mos ext raídos do s t ext o s co let ado s, do s quais fo i po ssíve l
analisar u ma pequena part e.
O t rabalho est á d ivid ido em cinco capít ulo s. No pr imeiro cap ít u lo , abo rdo
a fo r mação dos cando mblés no Brasil e sua impo rt ância enq uant o espaço s d e
resist ência e co nser vação do s valo r es do s po vos afr icano s o r iu ndos das
regiõ es da Áfr ica Aust ral e Ocid ent al, bu scando ident ificar as et nias e as
línguas
t ransplant adas.
No
segu ndo
cap ít u lo ,
so b
o
pont o
de
vist a
ant ro po lógico , descrevo a est rut ura o rganizacio nal e r it ualíst ica de du as
co munidades part icu lares e específicas do Cando mb lé de Nação Ango la. No
5
t erceiro, analiso os t ext o s orais das duas co mun idad es, em r elação à for ma, ao
co nt eúdo e ao co nt ext o, buscando levant ar a sua t ipo lo g ia. No quarto , analiso
t ermos ext raído s desses t ext os, buscando id ent ificar a líng ua negro -afr icana à
qual pert encem, co m base na bib lio grafia de referência. No qu int o cap ít ulo ,
descr evo as linguagens dos gest o s, da dança, da música e das co res no s
cando mblés.
As t ranscr ições foram organizadas, par a cada co mu nidade, em vár io s
arqu ivos, de acordo com o t ipo t ext ual: cant igas, d iá lo go s, d iscur so s,
ent revist as e léxico.
A análise dos d ados or ient ou a co nsu lt a da biblio grafia especializad a:
d icio nár io s, gramát icas, t eses, epo péias, livros so br e mit o lo gia afr icana.
A o rganização do t ext o se dará da segu int e fo r ma:
- Palavr as qu e designam as div indades, as co munid ades, o s cargo s
hier árqu ico s e no mes iniciát icos do s membro s d as co mu nid ades serão
dest acadas em it álico;
- As co munidades poderão ser desig nadas co mo casa, t erreiro , barracão ,
co munidade dependendo do caso e do co ntext o;
- Todas as palavr as de or igem qu imbu nd o, qu ico ngo , ioruba, eve- fo m que
co nst em ou não nos dicio nár io s de referên cia da língua port uguesa aparecerão
em
it á lico,
como
por
exemplo :
maionga/mai onga s,
inquice/i nquices,
orixá/ ori xás, axé/axés et c., escr it as de aco rdo co m a gr afia o fic ial segu ndo a
no r ma gramat ical do port uguês.
- Palavras ou expressões co nsideradas impo rt ant es d ent ro da r it ualíst ica
serão t ambém dest acad as em it álico, como por exemp lo, a rrebate, toqu e,
f undamento et c.
- Os ele ment os de palavr as co nsideradas co mpo st as est arão ligadas po r
hífen, co mo por exemplo : mãe-peq uena, quarto-de- santo et c.
- Palavras das línguas negro-afr icanas: quimbu ndo , qu icongo , u mbu ndo ,
io ru ba, eve- fo m t erão a grafia de aco rdo co m os d icio nár io s de referência
dessas línguas;
- As c it ações feit as sobre as língu as quimbundo , qu ico ngo , ioruba o u evefo m qu e fo rem ident ificadas/ analisadas nos t ext o s das co mu nid ades serão
regist radas de acordo com o regist ro do s auto res cit ados.
Abr eviações ut ilizadas po r mim e pelos auto res:
6
Ad j.
adjet ivo
Ad v.
advér bio
Cf.
confor me
Cap.
capít ulo
Conj.
conjunção
Cont r.
cont ração
Corresp.
correspondent e
F.
for mação
F.p.
for mação provável
Ior.
ioruba
LP.
ling uage m po pular
P l.
plur al
Prep.
Preposição
Pron.pess.
Pronome pesso al
Pron.poss.
pro no me po ssessivo
PS.
povo-de-sant o
Sg. ou sing.
singular
Sub. Ou S.
su bst ant ivo
7
1. OS CANDOMBLÉS NOS CULTOS AFRO-BRASILEIROS
Bem pertinho da entra da do g uetho
U m terreiro de angola e keto
Mãe maiamba q ue coma nda o c entro
Dona Oxum da nçan do Oxóssi no tempo
Lá em cima no ta marineiro
Mariinha dá pipo ca ajoelha
Em janeiro no dia primeiro
Desce o dono do terreiro
Dandalu nda, maimban da, coquê
Seu Zumbi é sa nto sim que e u sei
Caxixi, agdavi, capoeira
Casa de batu que, toq ue na mesa
Linda santa, Iansã da p ureza
Vira fogo, atraca, atra ca, se c hegue
Vi Nanã dentro da mata do gêge
Brasa acesa na pisada do frevo
Arrepia o corpo inteiro
(Carlinhos Brow n/Ed. Music ais T ap a jós–E MI)
Est e capít ulo visa apresent ar, so b o p ont o de vist a ant ropológ ico , os
cando mblés,
no
Brasil,
buscando
id ent ificar
os
element os
hist ó rico s,
lingü íst ico s, sociais e po lít icos para a base da sua fo r mação.
Essa apresent ação buscará t ambém most rar o s cando mblés co mo u ma das
fo r mas de resist ência, do sécu lo
XVI
aos d ias at uais; pr ime irament e, cont ra a
escravidão, e co nt ra outras fo r mas de o pressão , de aco rdo co m as est rut uras
polít icas e sociais br asile iras.
1.1 Da Áfri ca para o Brasi l: p ro cesso s d e acu ltu ração
Os po vos afr icano s t razido s ao Brasil at ravés do pro cesso escravist a, das
regiõ es de ant igos reinos que, ho je, correspondem aos países: Ango la, Congo,
8
Moçambique, Benim e Nig ér ia, de modo geral, t inham suas prát icas r it uais
lig adas à família, à a ldeia, ao clã o u ao reino e d iz iam resp eit o, so bret udo , à
co let ividade.
Essas prát icas, ent ret ant o, so frera m t ransfo r maçõ es significat ivas, ainda
em so lo afr icano, devido a algu ns fat ores ext er no s, so bret udo, as guerras
int erét nicas e o sist ema escr avocrat a. Os po vo s ambu ndo s, po r exemplo ,
t iveram seus do mín io s invad ido s pelos po rt ugueses e fo ram t ransfor mado s e m
escravos e m seu própr io t errit ó rio .
Segundo Coelho (1987:27-53), os ambun dos passaram po r u m pro cesso de
acu lt uração, na região de Calu mbo, no ant igo reino de Ndon go, ant es de sere m
t razido s para o Brasil. As po pulações desse reino co nst it uem- se, ho je, apó s
u ma co lo nização e um processo de escravidão secu lares, em um su b- grupo de
u m conjunt o ét nico ambundo que vive ao lo ngo do r io Cuanza. A ma io r p art e
das aldeias do s ambundo s ocupa as pro vínc ias de Lu anda, Bengo , CuanzaNort e e Malanje.
O t ráfico de escr avos nessa reg ião fo i int enso. Em Calu mbo , no r io
Cuanza, havia um po rto o nde embarcavam e desembar cavam pequ enos navio s
replet os de escravo s, t razidos das mais difer ent es lo calidades, so bret udo do
int er io r do cont inent e.
Coelho aborda t ambém a impo sição ao cat o licis mo ao s escravo s, nu ma
t ent at iva de fazê- lo s abando nar seus hábit os, seus co st umes e suas crenças. A
part icipação dos escravo s, ainda no co ntinent e afr icano e depo is no Brasil,
nas missas rezad as em lat im, nos bat izado s das cr ianças pelo s padres d a igreja
cat ólica, na realização de casament o s e na enco menda da alma do s mo rt o s ao
deus cr ist ão, não os afast ará de suas crenças pr imit ivas, oco rrendo adapt açõ es
e reest rut uraçõ es do s rit os ancest rais.
Assim, esse pro cesso de do minação tant o física quant o psico ló gica
pro vocará a perda de muit as de suas prát icas r it uais, po is o pro cesso
escravist a e co lonizado r, na Áfr ica, dest ró i o s seu s lo cais de cu lt o e as
est rut uras familiar es, clânicas, ald eãs. No Brasil, o escr avo passará po r u m
o ut ro pro cesso de dest ru ição de seus valo res so ciais, familiar es e lingü íst ico s
e, ao longo do t empo , a perda de sua ident id ade ét nica.
Esses povos, t razidos de diferent es reg iões do cont inent e afr icano ,
encont raram u m sist ema po lít ico , eco nô mico e social baseado no modelo
pat riarcal e escr avocrat a. A escr avidão era u m sist ema p er verso , não sendo
9
per mit ido ao escr avo t er ident idad e; ele era consider ado co mo co isa, não
co mo pessoa e recebia t rat ament o de mercado r ia, sendo - lhe negado t odo e
qualquer valor humano .
Ap esar
dessa
desvalor ização
co mo
ser
humano
e
das
impo siçõ es
sist emát icas quant o ao uso da língua po rt uguesa e à prát ica da re lig ião
cat ólica, os escravos enco nt raram meio s p ara cu lt uar as su as d iv ind ad es.
1.2 O culto às divindad es no Brasi l
No Brasil, algu mas divindades não enco nt raram mot ivação para cu lt o , t ais
co mo as da agr icult ur a, porque as pesso as não se enco nt ravam mais em su as
aldeias;
o
processo
escravist a
dest ru iu- lhes
a
co munidad e
aldeã,
sua
o rganização po lít ica e seu mo do de vida familiar, imped indo a su bsist ência de
est rut uras sociais própr ias.
Co mo pedir prosper idade às divindades agr íco las para o senho r de escravo s
dent ro de um sist ema pat r iar cal e escravist a, o nde o escravo er a u ma
mer cado r ia co mprada no s mer cado s e praças públicas? O senhor de escravo s
era u m senhor feudal que t inha so b seu olhar o cap elão, a cap ela, o sist ema
eco nô mico, os escr avos, os parent es, a família et c.; dent ro desse sist ema, t udo
a ele pert encia.
Assim co mo o senho r de escravo s exist ia aos mo ldes med ievais, t ambém o
cat olicis mo po rt uguês era part e int egrant e de u m sist ema q ue t inha uma
est rut ura social baseada em valor es ain da da Idade Méd ia. E xist ia, nesse
cat olicis mo , t o do um arrebat ament o em relação ao sagrado e a relig ião
co nst it u ía-se em u ma exper iência co rporal, cu jo s element o s eram: a crença
no s sant o s, as medalhinhas, as fit as, a ág ua bent a, as pro cissõ es, a mú sica, as
ladainhas, a defumação, os sant os ó leo s, a figura do padre. As fest ividades e a
missa cant ada em lat im envo lvia m t o da a comun idad e nu ma mágica, cu jo s
mo viment os de levant ar, sent ar, ajoelhar, camin har em pro cissão pro mo via m
u ma dança sagrada. Os escr avos vão assimilar esses valo r es, inco rpo rando -o s
ao cult o de suas divindades.
Nesse sent ido, é possível buscar um ent end iment o so bre u m "diá lo go
abst rat o mág ico-sagrado " est abelecido ent re as relig iõ es afr icanas e a
cat ólica, co mpreendendo que a elas se ju nt am as religiõ es ind ígenas e
levando-se em co nt a t ambém o jugo do s senhores d e escravos e a do minação
psico lógica exercida pelo s padres da igreja cat ó lica.
10
Os índio s brasile iros haviam o bser vado os valo res cat ó lico s do sécu lo
XVI.
Os element os est rut urais ind ígenas são similares às fest as co m mú sica e
dança; a int ercessão do pajé; o cu lt o e a devo ção às almas; o t ranse, em qu e
se va i para o mundo dos esp ír it o s, além do fu mo, er vas, inst rument o s
mu sicais.
Ent ão , pode-se at est ar que as t rês mat r izes das relig iõ es cat ó lica, afr icana
e ind ígena possuíam element os qu e se encaixavam, t ornando possível u m
"diálo go" ent re elas. E será, nesse cont ext o , que a religio sidad e afrobrasileir a desenvo lverá as caract er íst icas próprias dessa realid ade.
1.3 Os candomb lés no B rasi l
Desig na-se pelo no me de cando mblé algu mas r elig iões de or igem afr icana,
est rut uradas
dent ro
de
uma
in fr a-est rut ura
so cial
brasileira,
que
se
caract er izam, pr incipalment e, pelo t ranse de po ssessão em seu s ad ept os e
pelos processos iniciát icos.
Os cando mblés, ao sere m cr iados, no Brasil, co mo sist emas relig io so s,
ent ram em confront o com out ro s sist emas, t ant o relig io sos quant o po lít icos e
sociais; isso porque as suas prát icas cu lt u ais são invest idas de uma d inâmica e
de uma funcio nalidade, cap azes de expr imir fo r mas cult urais vindas de lo nge
no t empo.
Os pr imeiros r it o s foram durament e pro ibido s pelo s senho res de escravo s e
pelos padres da igreja cat ó lica. Mais t ard e, ent ret ant o , o s escravo s co nseguem
bur lar as pro ibições, mudando a configuração do s r it uais, assent ando o s
o bjet o s sagrados de su as divindades emba ixo da t erra, co lo cando po r cima o s
sant os cat ólicos, cujas caract er íst icas a elas fo ssem similares.
Os escravos cult uavam suas divindades junt o com os sant o s cat ó lico s, a
fim de camuflar seus cult os e co nseg uirem a sua so brevivência; o que,
possivelment e, t enha dado origem ao pro cesso de sincret ismo .
Os pa dr es pr efer i a m a cr edi t ar n a just i fi ca t i va d os n egr os qu e di z i a m ser
os “ ba t uques” h om en a gen s a os sa n t os ca t ól i c os fei t a s em sua l ín gua n a t al
e c om da n ça s de sua t err a .
(Gon ça l ves Si l va , 1994:34)
11
Grupos ét nico s, línguas afr icanas e prát icas r it uais são element os a serem
co nsiderados na for mação das co munidades re lig io sas de cando mblé qu e, na
época do Brasil co lô nia, aind a não t inham essa desig nação.
Os calundus ant eceder am as Casas de Cando mb lé do sécu lo
Inicia lment e, at é o iníc io do sécu lo
X V III
X IX
e as at uais.
chamo u-se, ind ist int ament e, d e
calundu as manifest ações relig io sas afr ic anas no Brasil ( cf.Go nçalves S ilva,
1994:43).
As pr ime iras manifest ações do calundu, no Brasil, d eram-se em co nd içõ es
bast ant e adversas, po is as div indades só pod iam ser cu lt uad as na escur idão ,
nas mat as e ro ças, espaços co nt íguos à senzala.
Alé m disso, o cult o a inquice 1 est abelecia muit as int erd ições que dev iam
ser respeit adas e as d ivindades era m cult uadas em r ecipient es especiais,
co nt endo element os nat urais que as represent avam: águ a, t erra, veget ais,
pedra,
ferro.
Era necessár io
qu e
esses o bjet os recebessem,
em
lo cal
co nsagrado, o ferend as de aliment o s e sacrifício s de animais, co m a finalidad e
de renovar t ant o a força das divindades quant o a de seus cu lt o res.
So ma-se a essa dificuld ade par a a realização dos rit os, t ambém o cu lt o ao
ancest ral: u m dos aspect os mais sign ificat ivo s do s cu lt o s bant o s. Segundo
Bast ide (1985), "havia uma so lid ar iedad e ét nica ent re os ind iv íduos e uma
co munhão co m a relig ião ancest ral". Isso po rque o cu lt o ao ancest ral era ( e
ainda é) prat icado, na Áfr ica, pela ma ior ia do s po vo s e po ssu ía est reit a
lig ação co m as famílias, co m o s clãs, co m as linhag ens.
Co mo no Brasil, os senhores t inham o escravo po r "co isa" e não pesso a,
não era necessár io dar- lhe um ent erro cr ist ão. Na maio r ia das vezes, ele não
t inha u ma fa mília, devido à dest ruição d o reg ime familiar e muit os haviam
perd ido
o
cont at o
co m
um
clã
ou
uma
linhagem
ancest ral
de
seu
co nheciment o. Ent ret ant o, por est ar enraizado em vár ias et nias, e mesmo não
t endo encont rado ambient e pro pício para prát ica t al qua l na Áfr ica, esse cult o
co nser vou impo rt ant es aspect os at ravés de at it udes e co mpo rt ament o s do s
escravos d iant e da mort e.
Essas (re)co nst ruções do mundo afr icano não só per mit iram ao s povo s
o riu ndo s da área do grupo bant o realizarem seus cu lt os, co mo t ambé m
1
Inquice: divindades dos povos de línguas do grupo banto (ver cap.4)
12
possibilit ar am a abert ura de u m caminho para out ras et nias que chegar am ao
Brasil, um po uco mais t arde, poderem prat icar a sua relig ião ancest ral.
Essas et nias, sobret udo ioru bas e fo ns, sofreram uma in fluência cu lt ural e
lingü íst ica das línguas do grupo bant o: cu lt ural em relação ao sincret ismo
est abelecido com a relig ião cat ó lica e a indígena; lingüíst ica at ravés d a
ut ilização de palavras import ant es para a r it ualíst ica, co mo por exemplo , a
pró pria desig nação da religião : cand omblé.
Assim, o cando mblé é u ma part e da Áfr ica t ransplant ada p ara o Brasil e,
nu ma reprodução brasile ira, bu sco u uma o rganização hier árqu ica só cio religio sa,
inser id a nu m mundo
afro-brasileiro, no
qual a fig ura mais
import ant e é a da mãe o u pai-de-santo, caract er izando -se pela inco rpo ração
das d ivindades o u ent idades em seus adept os.
Nesse mundo afro-brasileiro, há u m r eper tó rio ling üíst ico difer enciando as
modalidades de cando mblé, às qu ais se dá o no me d e nações e, embora as
cer imô nias públicas seja m mu it o simila res em su a est rut ura, cada nação
cu lt ua as suas divindades em sua língu a, chamada de líng ua-de-santo, cu jos
falant es se deno mina m povo-de- santo.
1.3.1 Nações de candomb lé
No in ício do processo escravist a, o t ermo nação era ut ilizado para agrupar
o s escravos segundo a sua procedência (cf.Karasch, 200 0 e Mat to so , 1989).
No século
X IX ,
o t ermo nação ser virá par a ident ificar a popu lação escrava,
gener icament e, de acordo com o lo cal d e nasciment o . A esse resp eit o , Mar y
Karasch (2000:36-37), esclar ece:
No s écul o X I X , a s pr in ci pa i s di vi s ões d os es cr a vos n o Ri o e st a va m
ba s ea da s n o l uga r de n a sci m en t o: Áfr i ca ou Br a si l / …/ Um ca t i v o
br a si l ei r o pod er i a ser An t ôn i o cr i oul o ou M a ri a par da , en quan t o os
a fr i ca n os ser i a m An t ôni o An gol a ou Ma r i a Moç a m bi que. / . . . / No Ri o d o
sé cul o XI X , a s pr in ci pa i s "n a ções br a si l ei ra s" er a m a cr i oul a , a par da e a
ca br a ; escr a vos cr i oul os e pa r dos m an t inha m i den t i da des e com un i da des
t ã o sepa r a da s uma s da s out ra s quan t o da s na ções a fr i can a s.
Karasch aborda t ambém as d ificuldades de se id ent ificar, de mo do mais
preciso , as naçõ es afr icanas dos escr avos do Rio de Janeiro . Ent ret anto , o s
senhores de escravos os classificavam empregando o t ermo nação. No s
anúncio s de jor nais para a venda de escravo s, aparece m as mais var iad as
13
expressõ es, relac io nadas a uma nacio nalid ade; isso, de cert a fo r ma, segu ndo a
aut ora, t em ajudado na ident ificação de suas pro cedências ét nicas.
Qua n do os s en h or es n ã o sa bi a m a n a ci on al i da de de um escr a vo,
em pr ega va m vá r i os t er m os pa r a in di car a or i gem a fr i ca na , sen do um dos
m a i s com un s o a cr és ci m o da expr es sã o "d e n a çã o" a o pr en om e cr i st ã o,
c om o: "An t ôn i o de n a çã o An gol a ". Quan do o e scr a vo er a de n a çã o
des c on h eci da , a expr essã o er a "n egr o de na çã o", ou "um a fr i ca n o".
Ka r a sch, (2000: 42-43)
Kat ia Mat toso , (1982:146-153) d iscut e o s seguint es po nt o s sobre o t ermo
nação:
- o espaço urbano das grandes cid ades ir á facilit ar a sociabilidade e a
so lidar iedade cult ura l e religio sa por nações ou et nias mu it o mais do que o
espaço rural;
- as pr ime iras co nfr ar ias fo r mad as pelo s afr icanos ou descendent es se
caract er izam pela separação em nações. Po r exemp lo , a confrar ia do s
ango lano s não aceit ava pessoas de out ras et nias. A part ir do sécu lo
X V II I ,
elas
se t o rnam mais abert as, aceit ando a mist ura ét nica;
- os jorna is anunciam a fug a de escravos, ident ificando -os através da nação:
“Fugi u da fa z en da T im bo, p er t en cen t e a Ign á cio Bor ges d e Ba r r os, um a
es cr a va de n om e Ma ri a , da n a çã o n a gô /. . ./ ” (J ornal da Bahi a, 23-1-1855)
Ma t t os o, (1982: 153)
“N o di a 31 de ja n ei r o fugi u o es cr a vo m i n a / . .. / ” (J ornal da B ahi a,
14. 11. 1857)
Ma t t os o, (1982: 153)
Segundo Bast ide (1985:82), inú meras co nfrar ias surg iram no século
X V III ,
pr incipalment e devido ao incent ivo qu e era dado aos escravo s, t ant o pelo
gover no quant o pelos p adres da igreja cat ólica, par a cult uarem os sant os e
virg ens negros.
Uma das confrar ias mais co nhecidas é a de No ssa Senho ra do Ro sár io . E la
era d ivid ida ent re do is grupos d ist int o s: negro s e branco s. A igu aldade ent re
negros e brancos era inibida pela própria est rut ura pat riarcal e escravist a,
assim co mo acont ecia co m a ig uald ade cr ist ã. Há, ent ão , u ma d iv isão ent re as
14
co nfr ar ias e ent re os fiéis: Co nfrar ia do Ro sár io do s Negro s e Co nfr ar ia do
Rosár io dos Brancos. Isso provo cava numerosas br igas ent re as co nfrar ias
pela disput a de poder e prest íg io.
Essas
confrar ias
const it u íam-se
em
fo rmas
de
organização
so cial,
per mit indo a co nser vação de valo res afr icanos; ent ret ant o, vão repro duzir não
só valores afr icanos co mo t ambém cat ó lic os, u ma vez que o ind ivíduo est á em
dois espaços ao mesmo t empo.
Karasch (20 00) cit a algumas info r maçõ es t ransmit id as pelo s est range iro s
na ident ificação, no Rio de Janeiro , das or igens da ma io r ia do s escravo s:
Cabinda, Co ngo, Benguela, Mo çamb iq ue et c. E, em relação a esses lo cais d e
pro cedência, a aut ora regist ra a su a preservação , just ament e, nos lo cais o nde
se prat icam as religiõ es de o r igem afr icana, evidenciando uma passagem do
t ermo nação enquant o ent idade po lít ica para nação enqu ant o ent idad e
religio sa.
Ao a gr upar os or i xá s n a sét i m a linh a , ou afr i ca n a, os um ba n di st a s
di vi dem ess es e spí r i t os em set e gr upos, ca da um c om s eu ch efe: P ovo da
Cost a , Con go, An gol a , Ben guel a , Moça m bi qu e, L oa n da e Guin é. E m
out r a s pa l a vra s, os n om es da s n a ções d o sé cul o XI X t or n ar am -se a gor a
n om es de fa l a n ges de espí r i t os.
Ka r a sch (2000: 44)
Essas set e linhas d a Umbanda d e que t rat a a aut o ra enco nt ram a su a or ige m
pr incipal nas fest as, t ant o do Rio de Janeiro co mo em S ão Pau lo , em que se
faziam (e fazem) represent ações sobre a coroação do rei e da r ainha do co ngo ,
as conhecid as congadas, nas quais aparecem set e nações.
No que d iz respeit o aos Cando mb lés, as confrar ias ser virão de núcleo s para
a su a fo r mação , pois seus me mbro s eram o s mesmo s qu e, mais t arde, irão
fo r mar os pr ime iros terrei ros, o que co nt ribu ir á para a d ifu são do t ermo
nação, d efinindo-o em d ifer ent es mo dalidades d e cult o que po dem o u não
possuir víncu lo s ét nico s. Lima (198 4:19) faz a dist inção ent re et nia segu ndo a
modalidade de r it o e et nia da qual descende a pessoa:
Da í a fa l eci da i al or i xá An inh a poder a fi r mar
n a gô é pur o” . E di z i a i ss o n o sen t i do d e qu e
seu t er r eir o, e qu e er a m os pa dr ões r el i gi os os
se for m ar a, era n a gô. Aí se deve en t en der
15
com or gul h o: “m inh a sei t a
a “n a çã o” de sua sei t a , d e
e m que el a , desd e m en i n a,
na çã o-d e-sa n t o, na çã o-de-
ca n dom bl é. P or que, n o ca s o de An inh a , el a m esm o er a e se sa bi a ,
et n i ca m ent e, desc en den t e de a fr i can os gr un ces. . .
As naçõ es de candomblé est ão divid id as, pr incipalment e, em: Angola,
Queto, Jeje-mahin, Ijexá, Cabo clo. Ent retant o, nenhu ma d elas é iso lada em s i
mesma; há muit as semelhanças e co rrespo ndências no cult o às divindad es,
além do s emprést imo s lingü íst icos, emb ora cada u ma possua a sua pró pr ia
id ent idade cult ual e lingüíst ica, buscando mant er u m léxico que as po ssa
id ent ificar e d ifer enciar. Pesso a de Cast ro (1981:61) apresent a u ma d iv isão
das nações mais co nhecidas:
. . . VODUM (é t i mo f on) e nt re as “naç õe s” JE J E ; de OR IX Á (é t i mo
y orubá) e nt re as “naç õe s”NA GÔ, QUE TO, IJ E X Á ; de INQUICE (é t i mo
bant o) e nt re as “naç õe s” CONGO, A NGOLA .
Essas nações de cando mblé passaram por pro cesso s de t ransfo r maçõ es ao
lo ngo do t empo. Pelo menos do is desses processos são bast ant e d iscut ido s na
at ualid ade. Trat a-se do “branqueament o ” e da “(re)afr icanização ”.
O
“branqueament o”
é
um
processo
pelo
qual,
gradat iva ment e,
fo i
o correndo uma presença, nos Cando mblés, de pesso as que não possuem, o u
possuem em menor grau, uma lig ação o u parent esco co m alguma et nia
afr icana. Esse processo aco nt ece mu it o mais no s Est ado s do su l e sudest e do
Brasil, o que é co mpreensível, vist o a grande mist ura de d escend ent es de
euro peus nessas r egiões. Na cidad e d e São Pau lo , po r exemplo, po de-se
encont rar mães e pais-de-santo d e o rigem européia, co mo po rt uguesa,
espanho la, it aliana, alemã, dent re o ut ras.
A “(re) afr icanização” é u m processo bast ant e discut ido ent re o s adepto s do
cando mblé. Consist e na busca das or igens ét nicas e, conseqüent ement e,
lingü íst icas das co munidades, reivind icando, cada qual, uma “pureza” ét nica.
Há algu ns adept o s que se (re) inic iaram 2 co m ba balaô s io ru banos; u ns fo ram
at é os países io rubas, nas regiõ es da Nig ér ia e do Benim; o ut ro s, o s t rouxera m
ao Brasil, especia lment e, para a realiz ação dos r it uais. Trat a-se de u m
pro cesso que t em uma ocorrência maio r ent re o s adept o s do s Cando mb lés de
2
Utilizei o termo (re)iniciar porque se refere a pessoas que já eram iniciadas no candomblé no Brasil e passaram por outra iniciação na
África.
16
Nação Quet o , mas adept o s de o utras nações, de fo r ma meno s pro pagada t ê m
bu scado um ret orno às origens afr icanas.
A (re) afr icanização co loca em co nfro nt o do is mundo s: o afro -brasileiro ,
co m t o da a sua hist ór ia de lut a para a preser vação do cu lt o às div indades, as
(re)sig nificações e (re) int erpret ações desde a épo ca da escravid ão, e o
afr icano, de reg iões do minadas pelo s eu ro peus, cujo s cult os, lá mesmo, na
Áfr ica, passaram por t ransfor maçõ es e adapt ações vár ias, co mo o fat o de
mu it os afr icanos do ant igo reino do Congo, t erem ent rado em co nt at o co m o s
valores cr ist ãos, no século
X V II ,
ant es de serem t razidos ao Brasil. Assim, a
pergunt a que cabe é: será que ex ist e pureza ét nica na Áfr ica at ual? (se é qu e
algum d ia ela exist iu); ou ainda, ser á que exist e pureza ét nica e m algu m lugar
do mundo ?
Assim, ser á essa diver sid ade hist ór ica q ue poderá explicar o fat o de os
adept o s dos Cando mblés reiv ind icarem pert encer a u ma na ção, cu jo t er mo
adqu ir iu seu sent ido at ual de reg ião afr icana de or igem. O seu sig nificado
per mit e
dist inguir
algu mas
mo dalidad es
r it uais,
em
relação
a
cad a
co munidade de cult o, sua hist ór ia de fu ndação e de est rut uração de aco rdo
co m sua raiz afr icana cult ural e ling üíst ica.
O t er mo nação, de acordo co m o s meus in for mant es, é sinô n imo de raiz.
Pert encer a uma nação significa t er u ma raiz na qual se apo iar para po der
t ransmit ir aos inic iados o que eles deno mina m co mo f undamentos-d a-naçã o
que, mesmo dist ant e no t empo e no espaço , est ão ligados a u ma visão de
mu ndo afr icana.
1.3.2 Caracterí sticas gerais das nações de candomb lé
E mbora essas nações de candomb lé po ssuam asp ect o s que as d iferenciem,
sobret udo em sua língu a r it ual, cujas p alavras est ão ligadas a u ma líng ua
negro-afr icana, o bser vam- se mu it as correspondências e se melhanças ent re as
vár ias nações, t ais co mo :
1. caract er izam- se pelo t ranse d e po ssessão de div indad es ou ent idad es e m
seus adept os, mesmo havendo algu mas pessoas qu e não vivem a
exper iência da incorporação;
2. as divindades são deno minadas de santo ;
3. são
espaços,
cujas
deno minaçõ es
terrei ro, casa, comunidad e;
17
variam
ent re:
barracão,
ro ça,
4. realização de fest as públicas, t ambém denominadas toques;
5. danças no sent ido ant i- horár io ;
6. o uso de ro upas pró prias para as fest as;
7. inst ru ment os musicais, so bret udo , o s de percussão aco mpanham as
cant igas ded icadas às div ind ades e às ent idades;
8. na ent rada, há assent ament o s da d iv indad e o u d ivind ades prot etoras da
co munidade;
9. seus adept os passam por u m pro cesso de inic iação para uma d iv indade
pesso al, durant e o qual vive m u m per ío do de reco lhiment o, cu mpr indo
det er minados preceit os, dando iníc io à sua fo r mação relig io sa;
10.apó s a iniciação, per iod icament e, reno vam as fo rças d ivinas e as suas
próprias at ravés d e novo s reco lhiment os e cu mpr iment o de preceit os, ao
qual se dá o no me de obrigaçã o ;
11.as d iv indades ou ent idades são ho menag eadas at ravés de o fer endas d e
sacr ifício anima l e de aliment o s à base de cereais, t ubércu lo s e
veget ais;
12.o salão pr incipal, lo cal o nde se r ealizam as fest as, cu jo no me mais
co mum é barracão, possui uma ligação , vis ível o u não, ent re o chão e o
t et o. No alt o há um recipient e de barro, de lo uça o u de o ut ro mat er ial
que cont ém cert os ele ment o s rit uais; no chão, embaixo da t erra, são
t ambém co locados cert os element os r it uais. Esses do is espaço s são
revest idos pelo sagrado , t êm diferent es simbo lo gias e se co nst it uem e m
um dos f undamento s da casa;
13.os f undamentos se configur am em elemento s ut ilizado s nos r it uais, mas
t ambém
significam
os
co nheciment os
adqu ir idos
ao
lo ngo
das
exper iências sacerdot ais e que remet em à iniciação da mãe o u do paide-santo;
14.os membros de uma co mu nid ade são ligad os pelo s laço s iniciát ico s e se
const it uem na f amília-de-santo, co m avós, pais, t ios, pr imo s, so br inho s,
ir mãos et c.;
15.seus t ext o s se caract er izam pela t ransmissão o ral;
16.o aprend izado é gradual e se d á na prát ica do dia-a-dia.
18
a) O aprendi zado
O aprendizado aco nt ece no dia- a-d ia, na vivência socio religio sa, co m base
na oralidade, at ravés d a repet ição sist emát ica de seu s t ext o s. Ent ret ant o , pude
co nst at ar a exist ência de t ext o s organizado s em apo st ilas para a facilit ação do
aprendizado; essa prát ica já exist ia nas co mun idades co m os seus ant igo s
caderno s-de-f undamento a que só t inham acesso os “mais velhos”.
A elaboração de apost ilas por part e de algumas co mun idades est á apo iada
em b iblio grafias de referência em qu e algu mas pesso as das co mu nid ad es d e
Cando mblé, sobr et udo, os seus d ir igent es adqu ir em: d icio nár io s, gramát icas e
o ut ros t ipos de t ext os escr it os por soció logo s, ant ro pólogo s, et nó lo gos,
hist or iado res, lingüist as, referent es às su as or igens mít icas. Um do s aut ores
mais co nhecidos pe lo povo-de-sant o é, sem dú vid a, P ierre Verger.
No Inzó Dandaluna, por exemplo, o tateto Roxitalamim possu i o s
d icio nár io s de quimbundo e qu ico ngo , além de out ras o bras.
A esse respeit o , Lima (1984:18) apresent a o seu t est emunho :
E m Sã o Pa ul o m esm o, r ecen t em en t e, en con trei , n um t err ei r o que eu
c ost um a va fr eqü en t ar , quan do est a va l á , um a bi bl i ogr a fi a in vejá vel sobr e
os ca n dom bl é s da Ba h ia .
A organização do s t ext os orais, alé m dos livros e t ext os pu blicados, est á
apo iad a t ambém no int ercâmbio , so bret udo comercial, co m afr icano s de
d iversas procedências: vendedores de objet o s r it ualíst ico s, o bras de art e,
roupas et c. e que cost umam freqü ent ar as roda s-de-ca ndombl é.
As
for mas de aprendizado,
moder nidad e
e
algumas
ent ão ,
adapt açõ es
fazem part e de u m sist ema d a
são
realizadas,
nas
diferent es
co munidades, a part ir do s co nheciment o s adqu ir ido s at ravés dessas fo nt es.
Apesar d isso, prevalece, ainda, no seio d e cad a casa, a fo r ma de aprend izado
ant iga, basead a na prát ica do cot idiano .
b) Os rituai s públicos
No Cando mb lé, os r it uais o u cer imô nias po ssu em, p elo meno s, duas
desig nações populares: f esta ou toque.
Uma f esta pública co meça a ser preparad a alguns dias ant es. Depend endo
dos f undamentos da casa e do t ipo de f est a, há r it uais de pr eparação que, via
de regra, co meçam pelas o ferendas d ed icad as à div indad e guard iã da
19
co munidade. E, so ment e após fazer as oferendas a essa divind ade é qu e se
farão as o ferendas às dema is qu e ser ão ho menageadas na f esta.
Assim co mo as o ferend as, as saudações e cant ig as sempr e se inic iam pela
d ivindad e guardiã e são encerradas pela divindad e co nhecida co mo “o pai d e
to das as cabeças” (Lemba, nos Cando mblés d e Nação Ango la; Oxalá, nos
Cando mblés de Nação Quet o).
Essas o ferendas caract er izam- se pelo sacr ifíc io de anima is ded icado s às
d ivindad es e co mid as preparadas para cada uma delas à base de cereais,
t ubérculo s, far inhas, frut as, legumes et c. Durant e o s sacr ifício s r it ua is e
o ferendas
são
profer idas
palavr as,
execut am- se
cânt ico s
e
preces,
há
possessão das d ivindades.
De mo do geral, as casas de cando mblé possuem um calendár io anual d e
f estas. As ma is populares são aquelas ded icadas às div indad es cult uadas e
co nhecidas em âmbit o nacio nal: f esta de Ogum; f esta do Con goluand ê 3, no s
cando mblés de nação ango la, do Olubaj é 4, no s cando mblés de nação quet o ;
f esta de Erê, mais co nhecida co mo f esta de Co sme e Da mião 5; f esta de
Iemanjá ; bala io de Oxum; f esta de Oxo sse; f esta de Exu 6, dent re o ut ras.
Há o utras f estas relacio nadas à o rganização pró pria de cada co mun idad e,
co mo po r exemplo , aquelas ded icad as à d ivindade pat ro na da casa o u
ent idad es especiais, geralment e, da mãe o u pai-de-sant o.
Alg uns t ipo s de r it uais são realizados co nfo r me a necessidade dos f ilhosde-santo. São do is t ipo s de r it o : iniciação e obriga ção.
c) Iniciação
Uma in iciação imp lica mu it o s d ias de r eco lhiment o da pesso a que será
in ic iad a. Durant e esse per íodo , aco nt ecem os r it uais pro p iciat ó r io s. Uma
pesso a po de ser iniciada sozinha ou junt o co m out ras pesso as; quando esse
ú lt imo
fat o
oco rre,
dá-se
o
no me
de
ba rco:
b arco-de-mu zen za,
no s
Cando mblés Ango la e barco-de-iaô, nos Cando mblés Quet o.
A in ic iação de algué m, nu ma dada co munid ade, envo lve a t o do s po r sua
import ância, po is represent a o aument o da f amília-de-santo. Geralment e, o
in ic iando t erá, além da mãe ou pai-de-sa nto, t ambém ligações mais pró xima s
co m outras pesso as, t ais co mo:
3
As festas dedicadas a Ogum e a do Congoluandê estão descritas no cap.2.
Olubajé: banquete do rei. Festa dedicada a Omolu (ver cap.4).
5
Festa dedicada às crianças.
6
Iemanjá, Oxum, Oxosse e Exu: divindades iorubas (ver cap.4).
4
20
- a mã e-criadei ra ou o pai-criado r: pessoa desig nada para cu id ar do
in ic iando ;
- a mãe-pequena o u o pai-pequeno: pessoa que po de auxiliar o iniciando ,
durant e todo o seu per ío do sacerdot al, na ausência d a mãe ou pai-de-santo;
- a madrinha o u o padrinho-de-sant o: pessoa que po de ou não t er uma ligação
co m a casa.
No dia da fest a pública, para apresen t ação da no viça (ou no viço ) à
co munidade, a mãe o u pai-de-san to esco lhe u ma pesso a pert encent e ao alt o
clero do s Cando mblés, via de regra, u ma out ra mãe o u pai-de-santo de o ut ra
co munidade e lhe o ferece a no viça co mo afilhada.
A madrinha ou padrinho-de-santo, ent ão, to mará a noviça, inco rporada de
sua d ivindade, pelo braço e passeará co m ela pelo barracão, so licit ando - lhe
que revele o seu no me à co munidade.
Trat a-se de u m mo ment o de suspense, po is t udo po de aco nt ecer, co mo , po r
exemplo , a divindade recusar- se a revelar o seu no me; o que será mu it o ru im
para a mãe ou o pai-de-santo que será bast ant e cr it icado pelo povo-de- santo.
A int erpelação à d ivindad e o bed ece a uma seqüênc ia, just ament e, para
au ment ar esse suspense, que consist e em se fazer o ped ido po r t rês vezes; na
pr imeir a e segunda vez, a d ivind ade d iz o seu no me no o uvido da mad rinha o u
padrinho que, ainda no cont ext o do suspense, pergunt a ao público :
–Vocês escutaram? – t odos grit am:
–Não! – ent ão , diz be m alt o:
–O povo n ão lavou o ouvi do, hoje, meu pai... – e todo s r iem e faze m
co ment ár ios desco nt raídos, embo ra haja cert a t ensão . E pede que a d iv indade
gr it e o seu no me para que t odo s o uçam 7.
E a divindad e, na t erceira vez, dá t rês vo lt as so bre si mesma, co m as mão s
ergu idas para o alt o e grit a o seu no me, desencad eando vár io s t ranses d e
possessão em muzen zas e iaôs.
d) Obrigação
Dá-se o no me de obrigação aos r it uais realizado s ao lo ngo da carreira
sacerdo t al dos adept os do cando mb lé após t erem passado pela iniciação .
7
Em várias comunidades de candomblé em que presenciei esse momento, escutei da madrinha ou padrinho, a seguinte expressão: “Em nome
de Zâmbi apongo, orucó, orixá!”
21
A obrigação implica reco lhiment o da pesso a, po rém leva meno s d ias do
que a inic iação e t ant o o t empo ent re uma obri gação e out ra quant o o nú mero
de d ias de reco lhiment o dependem do s f undament os da casa. As obrigações
fazem part e do processo de for mação sacerdot al, pois cada u ma sig nifica uma
et apa que se caract er iza por int ensific ar a aprend izagem e aquis ição de
co nheciment os e, so bret udo reno var as for ças d a pessoa e de suas divind ades.
e) O sagra do e o profano: tênu e fio divisório
No s cando mblés, os espaços sagrado e profano não po dem ser t rat ados co m
mu it a r ig idez, po is t rat a-se de um u niverso relig io so d ifer enciado de o utras
religiõ es,
sobr et udo
do
crist ianis mo,
cu jo s
espaços
são ,
visive lment e,
d ist int o s, po is t em, via de regr a, o sagrado co mo u m esp aço fechado .
Nu ma igreja cat ólica t radicio nal, po r exemp lo, at é a voz t em qu e ser
ut ilizad a em t om bem baixo, po is pressup õe-se que falar u m po uco mais alt o
pert urbará a paz reinant e no amb ient e. As relig iõ es de o r igem afr icana não
t êm essa mesma visão do espaço sagrad o; ele é um espaço, ant es d e ma is
nada, abert o e não t ão for mal. E m sua lit urg ia são empregado s cânt ico s
aco mpanhado s por inst rument o s de percussão e o ut ro s inst ru ment os met álico s
(ago gô, adjá) e t ipos difer ent es de cho calhos ( xequ erê, maracás) 8.
Os cânt icos desencade iam t ranses de po ssessão, havendo a co mun icação
das div indad es at ravés d e seu gr it o caract er íst ico , chamado ilá que o corre no
in íc io, durant e e no final das inco rporações.
As cant igas são ent oadas ao mesmo t emp o em q ue se dança nu ma ro da que
g ira em sent ido ant i- ho rár io. No s Cando mblés Ango la, essa roda possu i o
no me de cassambe e nos Cando mblés Quet o , xirê. Os cânt ico s e danças
co mpõ em u ma const rução da hist ór ia mít ica de deu ses e deusas, ora
chamando-as a descerem à t erra, o ra reverenciando a sua cheg ada, ora
prest ando- lhes ho menagens, ora se desp ed indo .
Assim, aco nt ece uma r elação t empo ral ent re os espaço s do sagrado e do
pro fano , per feit ament e mut ável, co nfo r me o rit o e o s f undamentos das casas.
E m alguns mo ment os, a mudança d e u m espaço para o o ut ro po de ser bast ant e
sut il, quase imp ercept ível; em out ros, bast ant e vis ível. E, algumas vezes, o s
dois espaço s po dem aparecer mesclado s, co mo po r exemp lo , nas f est as d e
caboclo que se caract er izam pela exist ência de mo ment os sagrados e pro fano s
8
Agogô, adjá, xequerê, maracá: instrumentos musicais.
22
a u m só t empo: sagrados porque se t rat a de ent idades invest id as p elo sagrado ,
que “descem na t erra” at ravés do t ranse de po ssessão imbuídas pelo div ino ;
mas, profano, pois essas mesmas ent id ades sagradas bebem bebidas alco ó licas
e fumam charut os. Isso não as t o rna meno s d iv inas, apenas co m o ut ra
caract er íst ica d ivina, diferent e do orixá o u do inquice.
1.4 Candomb lés Angola e Queto: u ma hi stó ria de co- relação
Os Cando mblés de Nação Ango la e o s Cando mb lés de Nação Quet o t êm
u ma hist ó r ia de ident idade, de co -relação, embora seja no tória a influência d a
segu nda naçã o nas co munidades afro- brasile ir as de mo do geral.
A quest ão do predo mínio dos Cando mblés Quet o sobre o ut ras naçõ es é
d iscut ível e se podem const at ar element os dos Cando mb lés Ango la e m
Cando mblés Quet o, como , a pró pr ia desig nação de Cando mblé para defin ir as
prát icas religio sas de ambo s o s r it os. Há, pelo meno s, do is o ut ro s aspect o s
import ant es dos Cando mblés Ango la ad ot ado s pelos Cando mblés Quet o : o
cu lt o ao s caboclos, co mo ancest ral e do no das t erras brasileir as e o
sincret ismo cat ólico .
O cult o ao s cabo clos fo i inco rpo rado à lit urg ia d e muit os Cando mblés
Quet o, mesmo os mais ortodoxo s e, so ment e na at ualidade, co m o pro cesso de
(re)afr icanização é que algu mas co mu nidades d eixaram de prat icá- lo , mas não
to das.
O sincr et ismo cat ólico é u m o ut ro aspect o bast ant e evid ent e em muit as
Casas de Quet o. O emprego do t ermo santo co mo sinô nimo de ori xá e a
lavagem das escadar ias do Senho r do Bonfim, em S alvado r, at est am essas
afir maçõ es.
Na II Conf erênci a Mundial da T radição Orixá e Cultu ra, realizada em
Salvador, em 1983, as mat r iarcas dos cando mblés baiano s se reuniram em
to rno da discussão do sincret ismo, d ispo st as a exclu ir o sincret ismo do seio
das Naçõ es Quet o e a pr imeira pro posição fo i, ju st ament e, se acabar co m a
lavagem das escadar ias do Senhor do Bo nfim. A po lêmica, ent ão , fo i
inst aur ada, po is essa lavagem das escadar ias da igreja, alé m de fazer part e de
u m r it ual bast ant e ant igo, apresent a-se t ambém co mo u m cart ão po st al d e
Salvador (Co nsort e, 1999:74).
23
Assim, farei um br eve est udo hist órico, para levant ar algu ns po nt o s e
ver ificar co mo se dá a co -relação ent re os Cando mblés Ango la e Qu et o e
quais são as suas or igens.
1.4.1 Origen s
Do século
XVI
ao
X IX ,
v ieram para o Brasil, co mo escravo s, cerca de 4
milhõ es de afr icanos . Alg uns aut o res, como Ediso n Car neiro (1991:29-30),
d ivid em os povos vindos da Áfr ica para o Brasil, gener ica ment e, em do is
grandes grupos: sudaneses e bant o s.
Os po vos do grupo lingüíst ico bant o foram t razido s at ravés do t ráfico de
escravos d e u ma vast a ext ensão
t erritorial,
conhecida e cit ad a pelo s
hist or iadores, co mo sendo os ant igo s reinos de Ango la e do Co ngo, e t ambé m
de
Mo çambique.
E sses
povo s
fo ram
levado s,
pr inc ipalment e,
para
o
Maranhão , Pernambuco e Rio de Janeiro.
Os su daneses foram t razido s das regiõ es mais co nhecid as co mo Cost a do
Ouro e Co st a dos Escravo s, no Go lfo da Gu iné. Gener icament e, essas reg iõ es
ficaram conhecidas co mo Cost a da Mina.
A Cost a do Ouro compreende as reg iões o nde ho je se sit uam os países
To go e Benim. Dessa área fo ram t razidos os fant is, morado res do lit o ral e
axant is, do int er io r. Esses po vo s fo r am levado s para o s E st ado s de Minas
Gerais e da Bahia, recebendo , a deno mina ção genér ica de min as.
A Co st a dos Escravo s co mpreende as reg iões t ambém do Benim e da
Nigér ia. Dessa área fo ram t raz idos o s io rubas (chamados de nagôs). Os
io ru bas foram levado s par a a Bahia; o s fo ns (chamados d e jejes) e eves fo ra m
levado s para a Bahia, Recife e São Lu ís (cf. Car neiro , 1964:44) .
Esses po vos sudaneses foram t razidos, maciça ment e, já ao fina l do t ráfico
de escravos em 1850. Por essa época, o s io ru bas eram ma jo r it ár io s na cidade
de São Salvado r, na Bahia, confor me at est a Mat to so (1988:104):
De on de pr oc edem es se s a fr i ca n os? As i n for m a ções c on t i da s n os
t est a m en t os e i n ven t ár i os sã o fr eqüen t em en t e m ui t o gen ér i ca s: “Cost a
d’Áfr i ca ” ou “C ost a Oci den t a l ” , t í pi ca s i m pr eci sões g e ogr á fi ca s. É c er t o,
por ém , que os a fr i ca n os ca pt ur a dos n a Áfr i ca Oci den t a l a o n or t e do
E qua dor sã o n a Ba h i a m ai s n um er os os d os qu e os pr oven i en t es da c ost a
sul , que c or r espon de, h oje, a o C on go e a An gol a . Os ch am a dos
“suda n ese s” super a m em n úm er o os “ ba n t us” que r epr esen t a m cer ca de ¼
da popul a çã o e scr a va .
24
Ent ão , confo r me as afir maçõ es da aut ora, é pro vável q ue, dev ido à chegada
mais recent e e por ser em mais numero so s, em Salvado r/BA, os afr icano s
o riu ndo s da Áfr ica Ocident al t enham conser vado mais as suas caract er íst icas
ancest rais e lingüíst icas, além do fat o de não haver, po r essa épo ca, uma
separ ação dos núc leos familiares t ão acent uada co mo no iníc io da escravidão .
A esse respeit o , Pierre Verger (2000: 23) argument a:
O r it ua l cer i m oni a l nago (e, em m en or gr a u, o dos dj è j è ) é a quel e qu e,
n a Bah i a, m elh or con ser vou seu ca r á t er a fr i can o e i n fl uen ci ou for t em en t e
o de out r a s “n a ções” .
Hist o ricament e,
a
divulgação
dessas
caract er íst icas
ancest rais
e
lingü íst icas pode ser obser vada em relação a alg u ns fat o res relevant es.
A pr imeir a casa de cando mblé fo i fu nd ada no século
X IX
po r t rês mu lheres
nagô s: Iadetá, Iacalá e Ianassô, na cidad e de Salvado r/BA; t rat a-se da Casa
Branca do Engenho Velho, que exist e at é ho je co m o no me de Ilê Axé Ianassô
(cf. Bast ide, 1961, Gonçalves S ilva, 1994) .
A est rut ura das casas de cando mblé seguiu, desde essa pr imeir a, o mo delo
io ru ba d e organização e se co nst it uem em co munid ades h ierarquizadas em que
a lid erança relig io sa est á cent rada na figu ra da mãe o u pai-de-santo.
A sucessão, nessas casas, só aco nt ece apó s a mo rt e de seu dir igent e. E ne m
sempre acont ece co m t ranqüilidade, po dendo o correr desaco rdos quant o ao
esco lhido para d ir ig ir o terrei ro. Por o casião da su cessão no Ilê Axé Iana ssô,
ho uve diss idências que cu lminar am co m a abert ura de do is o ut ros terrei ro s
em Salvador: o terreiro do Gantoi s e o Ilê Axé do Opô Af onjá.
Ant es mesmo da fundação o fic ial da Casa Branca do Engenho Velho , há
in for mações, at ravés dos relat o s de velho s ioru bas, so bre a pr esença de
afr icanos vindos da Áfr ica, por vo lt a de 1 830, esp ecialment e, para a
realização de cer imô nias em Salvado r/BA (cf.Mat to so,1982:150).
Esses relat os vêm co mprovar a exist ência de cult os afr icano s, já na épo ca
cit ada por Mat toso, vint e anos ant es da proibição do tráfico no Brasil. Isso é
mais u m dado impo rt ant e na análise dos fat os hist ó ricos de u ma “supremacia”
dos cult os io rubas, na Bahia, pr incipalme nt e.
25
E m meados da década de 60, houve um pro cesso cult ural e so cial muit o
int enso em t odo o país, cu jo s valo res se vo lt aram par a a cu lt ura po pu lar: o
bo m e o belo era prest igiar a nossa cu lt ura, a cu lt ura negra.
Nessa época, o cando mb lé encont ra prest íg io at ravés da d ivu lgação de
o bras lit erár ias, so bret udo os livros de Jorge Amado e as músicas do s cant ores
baiano s, ho menageando as casas d e cando mblés mais ant igas da Bahia,
to rnando -as conhecidas de nort e a su l do Brasil. Caet ano Veloso, compo sit o r
brasileiro, co mpõe a música "Oração a Mãe Menininha", em ho menagem à
ialorixá do t erreiro do Gantois, dando a Mar ia Esco lást ica da Co nceição
Nazar é uma po pu lar idade at é ho je não superada po r o ut ra mãe-de-santo.
Assim, devido aos fat ores hist ó r icos abor dado s, a part ir da década d e 60, é
possível at est ar muit os t er mo s do io ruba se t o rnarem de do mín io público ,
pr incipalment e, at ravés das cant igas q ue r evelavam a mit o log ia do s or ixás nos
Cando mblés Quet o , como por exemplo , a seguint e cant iga:
Nes sa ci da de t od o m un do é d e Oxum / Hom em , m en in o, m en ina , m ulh er /
. . . / Pr esen t es n a á gua doce, pr esen t es n a á gua sa l ga da e t oda a ci da de é
d' Oxum /. . ./
(Ca l a zan s, di scos Ar i ol a )
Essa cant iga fala do mit o de Oxum e de seu do mín io em um do s element o s
da nat ureza: a água. Assim co mo essa cant ig a, há o ut ras, abo rdando o s mit o s
dos orixá s, focalizando seu s do mín io s na nat ureza, suas caract er íst icas e suas
relações co m os ser es humano s.
Co m isso , o Cando mblé Qu et o ganhou prest íg io e visib ilidade de no rt e a
sul do país e, conseqüent ement e, acabo u po r influ enciar out ras nações d e
cando mblé; u ma delas é o Cando mblé Ango la q ue assu miu o seu pant eão ,
t endo muit os terrei ros adquir ido a no menclat ura de Candomblé Angola-Qu eto.
Assim, da Bahia, o Cando mblé Quet o, se expandiu em out ras d ireçõ es do
Brasil: out ros est ados do no rdest e; est ados do su l, do no rt e e do sudest e. E,
embora exer ça influência so bre out ro s cu lto s afro -brasile iros, é po ssível no t ar
a presença da língua quimbundo e, at é mesmo da qu icongo , que são marcas d e
id ent idade
lingüíst ica
do s
Cando mblé s
Cando mblé Quet o.
26
Ango la,
em
co munidades
de
A pró pr ia palavra que desig na os r it o s: ca ndomblé é de ét imo qu imbundo e
significa "reza, louvação, ped ir pela int ercessão do s deuses e local ond e se
realiza o cult o" (cf.Pesso a de Cast ro, 2001:196).
O Cando mblé Quet o recebe influências lingü íst icas t ambém d a língua fo m,
co nfo r me at est a Lima (1984: 16):
Na s ca sa s-n a gôs, p or exem pl o, qua n do s e dá o n om e da i n i ci a çã o, os
n om es d of ona, d of oni ti nha, ga mo, gamuti nha , essa s pa l a vr a s n ã o sã o
n a gôs, m a s sã o pa l a vr a s gen uin a m en t e fõ, de um a out r a l ín gua , sã o
pa l a vr a s de n a çã o-j e je qu e os n a gôs em pr est a ra m e a ssi m i lar a m n o se u
c orpus r i tua l.
O cult o ao inquice, no Brasil, é mais ant igo do que o cult o ao orixá e, po r
isso, algum léxico de línguas do grupo bant o permaneceu no int er io r do s
cu lt os afro-brasile iros de modo geral.
Há algum t empo , t eve in íc io u m processo de “reafr icanização ” nas
co munidades de Cando mblé Quet o , e mu it as casas subst it u íram palavras
import ant es de sua r it ualíst ica, cuja o r ig em era do qu imbu ndo o u do quico ngo
pelo io ru ba. É o caso de quizila ( int erdit o) do quimbu ndo, subst it u íd a po r euó
( int erdit o ) do ioruba (cf.Pó voas, 1989:2 7).
A in fluência do Cando mblé de Nação Queto se to rna mais present e em S ão
Paulo e Rio de Jane iro . E m S ão Lu ís, no Maranhão , o nde vis it ei t rês das casas
mais ant igas: a Casa das Minas, a Casa de Nagô e a Casa Fant i- Axant i, há
u ma predo minância do t ambor-de- mina.
Dessa fo r ma, pode-se co nst at ar que os ior ubas assim co mo os bant o s t ant o
receber am quant o t ransmit ira m in fluências cu lt urais e lingü íst icas, u ma vez
que as duas naçõ es de cando mblé, ap esar da ant igü id ad e bant o , são so lid ár ias
em relação à reconst rução de suas ident idades em so lo brasile iro. Mas, ao s
poucos, no t ar-se-ão influências, cada vez mais fo rt es, do Cando mblé Qu et o
sobre as out ras nações. E essa in fluência, na verdade, se deve, além do s
fat ores hist ór icos, abordado s ant er io r ment e, t ambém à d ivu lgação do s seu s
r it os
at ravés
dos
livros
pub licado s
po r
ant ro pólo go s,
hist or iadores, co mo: Verger, Bast ide, Carneiro , ent re outro s.
27
so ció logos,
1.4.2 Candomb lé de Nação Ango la
As co munid ades r eligio sas de Cando mb lé de Nação Ango la são t ambém
co nhecidas co mo angola-congo ou congo-angola (do ravant e, Cando mblé
Ango la). Esse cando mblé chego u ao Brasil at ravés do s pr imeiros po vo s
o riu ndo s de algumas regiõ es da Áfr ica Aust ral, os ant igos reino s de Ango la
(Ndongo), do Congo, de Lo ango, de Mat amba, de Kako ngo, dent re o ut ros.
Para se co mpreender a for mação dos Cando mblés Ango la, é preciso
co nsiderar os grupos ét nicos, lingü íst icos e as pr át icas r it uais que fo ra m
t razidas por esses povos da área bant o . Segu ndo Mat to so, (apud Bo nvini &
Pett er, 1998:72-73) esses povos pert encem ao "ciclo do Congo e de Ango la,
no sécu lo
X V II ".
E la regist ra os grupos ét nico s e as línguas t ransplant adas:
a) quicongo: f alada pelos bacongo, numa zona co rrespo ndent e ao antig o
reino do Congo;
b) quimbundo: f alada pel os a mbundo, na região cent ral de Angola,
correspondendo ao antigo rein o de Ndong o;
c) umbundo: f alada pelos o vimbundo, na reg ião de Benguela, em Angola.
Essas línguas afr icanas er am, pro vavelment e, faladas no s r it uais do s
pr imeiro s
t empo s,
ainda
no s
espaço s
co nt íg uo s
às
senzalas.
E las
se
const it uír am, naqueles t empo s, em u m dos element o s est rut uradores da
recr iação afr icana, co mo fat or de reco nst rução do modus vivendi de po vos qu e
viv ia m uma sit uação de apagament o de sua ident idade at ravés do pro cesso
escrav ist a.
a) Com plexo banto
E mbo ra se co nsidere, co nfo r me at est a Matt o so , a predo minância, ent re o s
po vos t razidos, ao Brasil, da ár ea bant o : os ambundos, do reino de Ndongo ; o s
baco ngo s, do reino do Congo e o s ovimbu ndo s, do reino de Benguela, é
po ssível const at ar a presença de out ras et nias, po is mu it as pesso as eram
capt uradas mais para o int er io r e levad as para a co st a e par a a pr incip al
reg ião do tráfico de escr avos: Calumbo, no rio Cuanza.
A área dos po vos do grupo bant o correspond ia a ant igo s e grandes
impér ios:
Congo,
Luba,
Ku ba,
Lu nd a,
dent re
o ut ro s,
geo gráficas, lingüíst icas e cu lt urais eram bast ant e pró ximas.
28
cujas
front eir as
Os impér io s Luba e Lund a são est reit ament e ligado s, vist o t er sido o
imp ér io Lunda fundado, no século
XVI,
po r um grupo Luba exilado , so b a
lid erança de I lunga Tshibinda, u m do s filhos do rei Lu ba, Kalala I lu ng a.
O reino Kuba expand ia seu s limit es at ravés da co nqu ist a de t err it ó r io s
viz inho s e possuía uma front eira co mu m, ao sul, co m o s Lunda. E suas
relações nem sempre foram pacíficas, havendo mu it as guerras ent re o s do is
reino s.
O reino do Co ngo do minava uma vast a região , for mad a por outro s reino s:
Ndongo, L oango, Mat amba, Mp emba, Kakongo, Mpan zu, Soyo, Dembos,
Quissama, dent re out ro s; alguns desses reino s eram seu s vassa lo s e lh e
pagavam t r ibut os.
Ao sul do reino do Congo se sit uavam os reino s de Ndongo e de Matamba,
sendo esse últ imo fundido ao pr imeiro at ravés da su a co nquist a pela ra inha
Jinga no final do século
XVI.
Todo s esses impér io s e r eino s po ssu ía m d iversas pro víncias e inú mero s
grupos ét nico s. Os ambundos, por exemp lo, const it u íam u m grande e ant igo
grupo ét nico, que se subd iv id ia em out ros grupo s: Ndo ngo, Songo, Leng e,
Libolo, Hungu, Pende, Ndembu, Mbaka , Mbondo, Imbangala ; t o do s esses
grupos ambundos pert enciam ao reino d e Ndongo. Cada um desses grupos er a
co mpo st o por clãs e as línguas faladas era m var iant es do quimbu ndo
(cf.Co elho , 1987; Hagenbucher-Sacr ipant i, 1973; Rand les, 1968).
29
A vast a ext ensão do reino do Congo, com o s limit es do s reino s qu e se
sit uavam em seu t err it ó rio, o s limit es das pro víncias e a front eira lingüíst ica
quico ngo -quimbu ndo po dem ser obser vad o s no mapa d e Rand les, (1968:2 2):
30
No século
XVI,
os port ugueses encont raram esses r eino s bem est rut urados,
cu jas fro nt eir as, obser vadas no map a, na verdade, eram bast ant e elást icas. O
reino de Ndong o, por exemp lo, se lo ca lizava ent re o reino do Co ngo e o
imp ér io Lu ba 9, favorecendo as suas relaçõ es po lít icas e co mercia is, em algu ns
mo ment o s, e, em out ros, pro vo cando o s co nflit o s int erét nico s. As gu erras
ent re os reinos se suced iam, algumas vezes, buscando a expansão de seu s
t errit ório s, e, em out ras, lut ando pela ema ncipação .
Alg uns
desses
reino s po ssu íam
inst it uiçõ es go ver nament ais
bast ant e
avançadas e seus reis eram invest idos pe lo poder real at ravés de u m pro cesso
elet ivo . A base da eco no mia era, so bret udo, a agr icu lt ura, havendo t ambém a
caça, a pesca, a confecção de o bjet o s de art e.
Os po vos de línguas do grupo bant o possuíam u m co mp lexo cu lt ural,
religio so e lingüíst ico aparent ado e u ma co smogo nia bast ant e similar. Do is
aspect os são co nsiderados co mo element o s maio res do seu sist ema relig io so :
o cult o aos ancest rais e a divindades ligad as à nat ureza.
Po de-se const at ar, no Brasil, em diver sas co munidades de Cando mb lé
Ango la, t er mo s e ele ment os mit o ló g icos o riu ndos não so ment e do s povo s
t razido s dos reino s de Ndongo e do Congo , mas t ambém de o ut ro s po vo s,
co mo por exemplo, o mit o do heró i fu ndador do impér io Lu ba.
Esse imp ér io era um vast o t errit ó rio , cujas o r ig ens se refer em ao mit o de
Nkong olo, divindade cult uada no s Cando mb lés Ango la so b a deno minação de
Angorô.
b) Nkongolo: O m ito do herói civili zado r
Esse mit o é uma epopéia d as or igens do Est ado Luba e é narrado pelo s
depo sit ár io s
da
palavr a,
sendo
reproduzido
e
publicado
po r
alg uns
pesqu isadores.
Heusch (197 2:19-39), acena para uma dezena de versõ es so bre o mit o do
heró i civ ilizado r Nkongolo, a part ir d e narrat ivas co lh idas po r pesquisadores.
E le diz que, embora haja vár ias versões, elas co nco rdam em mu it os po nt os e
se co mplement am. A mais ant iga delas dat a de 1913, co lh ida po r Père Co lle e
as mais at uais dat am de 1954, 1962 e 1964, reco lhidas po r Theeuws. E
apresent a a versão de 1950, reco lh ida po r Or jo de Marchovelet t e: A Epopéia
Nacional Luba co mo a mais det alhad a.
9
Segu ndo o autor, essa ver são t em o
Os impérios Luba, Kuba e Lunda não aparecem no mapa que mostra somente do reino do Congo.
31
mér it o de t er sido narrada por um depo sit ário qualificado das t radiçõ es orais
da chefia de Kabongo, Inabanza Kat aba.
De acordo com essa narrat iva Nkongol o é o primeiro rei sagrado do s Luba ;
ele po ssu ía o [bulop we] ‘poder sagrado’. Seus ancest rais são kiuba ka-Ubaka
‘aquele que co nst rói inú meras casas’ e Ki bumba-Bumba ‘aquela que faz mu it a
cerâmica’. De sua união, nasce um casal de gêmeo s de sexo s diferent es que se
unem incest uosament e. A part ir d essa união , vão aco nt ecendo o ut ras da
mesma for ma incest uosas. Nkongolo é orig inár io de uma dessas u niõ es
incest uo sas e, ele própr io, une- se em inc est o co m su as du as ir mãs: Mabela e
Bulanda. E le submet e sua aut o ridade por to das as t erras do Oest e, po rém sem
herdeiro s. Um dia, em seus do mín io s, aparece um est rangeiro, u m caçador de
no me Ilunga Mbidi Kilu we que vem a desposar as duas ir mãs de Nkon golo.
Apó s algu m t empo de convívio , o s dois se desent end em. O caçado r desapro va
o comport ament o primit ivo de seu cu nhado, princip alment e, su a maneir a de se
aliment ar, e seu r iso abert o, most rando os dent es, o que cons idera indig no d e
u m re i sagrado. O caçador part e dos do mínio s d e Nkongolo, deixando as du as
mu lheres grávidas. Ant es d e p art ir, po rém, encarreg a o ad ivinho Mijibu de
o lhar p elas mu lheres e, co nseqüent ement e, pelas cr ianças. E las der am à luz
dois meninos: o filho de Mabela se chamo u Kisul a e o de Bulanda, Kalala
Ilunga. Algumas t ramas engendradas pelo adivinho , logo co lo cam Nkongolo e
Kalala Ilunga co mo inimigos. Kalal a Ilunga, ajud ado pelas t ro pas de seu pai,
invade a cidade e Nkongolo, vendo -se sem saíd a, refu g ia-se numa caver na
ú mida, de o nde sai, todas as manhãs, para tomar so l; po r isso , é desco bert o,
capt urado e decapit ado . Sua cabeça e as part es genit ais fo ram co lo cad as
dent ro de um cest o em cima de um peq ueno mo nt e; na manhã segu int e, a
cabeça havia desaparecido sob a t erra e seu corpo fo i lançado nu ma cova o ca
no leit o de um r io.
Baseando-se nas d iferent es ver sões, Heusch analisa o mit o da segu int e
fo r ma:
1. Nkongolo funda seu impér io ent re do is curso s d’água: o lago L wembe a
Oest e e o r io Luabala a Lest e. Assim, o trajet o perco rrido ent re o lago e o rio
remet e, imediat ament e, à imagem do arco -ír is reu nindo do is cur sos d’ág ua;
2. A oposição ent re úmido/seco : a part e super io r do co rpo de Nkongolo é
co locada nu m pequeno mo nt e, no alt o ; a part e infer ior, ent errada de maneira
est ranha, no leit o de um r io ;
32
3. A decapit ação de Nkongolo separa o ele ment o seco, o arco -ír is ( na
crença popular repr esent a o fo go celest e) e o element o úmido , asso ciado às
águas t errest res. O arco - ír is apr esent a as o po sições: ele é, ao mesmo t empo ,
macho e fêmea; e une o fo go e a água;
4. A separação da cabeça do co rpo de Nkongolo, o arco- ír is, separ a o fo go
e a água; o céu e a t erra. Isso inaug ura a dialét ica d as est ações, a alt er nância
das est açõ es (est ação das chuvas/est ação das secas) ;
5. O arco- ír is é asso ciado t ambém a uma eno r me serp ent e de d uas cabeças.
Segu ndo uma crença Luba-Hemba, o arco-ír is não é out ro senão o vapor, a
fumaça que sai da gargant a de u ma eno r me serp ent e ver melha chamad a
kongolo.
O aut or analisa o mit o t ambém em relação às d ifer enças ent re o pr ime iro
rei sagrado Nkongolo e o segundo , Kalala Ilunga da seguint e for ma:
- Nkongolo: incest o / riso / maneiras aliment ares pr imit ivas;
-Kalal a Ilunga: casament o hiperexo gâmico / uso discret o da bo ca / maneir as
aliment ar es refinadas.
Assim, Heusch faz uma reco nst rução , at ravés da narrat iva do s d eposit ár io s
da palavra, do passado hist órico do imp ér io Lu ba. E as avent uras d e
Nkong olo, Mbidi e Kalala Ilunga remet em ao ciclo d as est ações, à opo sição
lu a/so l/arco- ír is, à co zinha r it ual, ao incest o , cu jo s símbo los mít icos est ão
associados ao mundo da nat ureza, de o nd e t iram seus t emíveis poderes.
c) Angorô: a divindade do a rco-í ris no Brasi l
A (re) int erpret ação desse mit o , dent ro das co munidades de Cando mb lé
Ango la, pode ser o bser vada p elas t ransformaçõ es e asso ciaçõ es qu e lhe são
at ribu ídas.
As t ransfor mações o co rrem sob do is po nt os de vist a:
•
do ponto de vist a lingüíst ico , o co rrem mudanças na su a desig nação de
origem: nkongolo > kongolo > hongolo > hongol ô > ango lô > ang orô ;
e adquir e u ma desig nação secundár ia, aparece na fig ura de ango romea,
a fêmea.
•
do ponto de vist a ant ropológ ico, Nkong ol o passa d e heró i fu nd ado r do
impér io luba à div indad e lig ada às águas das chuvas; e, devido ao seu
carát er andrógino, adquire dup la ident idade: mascu lina e femin ina. A
33
sua met amor fo se numa grande serpent e de duas cabeças o lig a ao po der
da t ransfor mação.
As associações à chuva, ao arco - ír is e à serpent e de duas cabeças
per mit ir ão est abelecer as o po sições ent re o s grandes ciclo s da vid a e da
nat ureza: so l/ lua; t erra/água; macho / fêmea; vida/ mo rt e. No Brasil, serão essas
associações que farão de Angorô
uma div indade t ant o t emida quant o
respeit ada dent ro das co munid ades de Cando mblé Ango la.
E le é cult uado como o dono das águ as do s céu s (chu va), do arco -ír is; est á
lig ado ao s mo viment os de subida e descida das águas. É t ambém ident ificado
co m a serpent e de duas cabeças, cuja simbo log ia é a lig ação ent re o céu e a
t erra. Po r isso, as saudaçõ es lhe são feit as se despejando água de uma
quart inha, geralment e, da chu va, no cent ro do barracão 10; t o do s tocam as
mão s na água e na t est a em sinal de reverência à div ind ade.
d) Divindades cultuadas no Brasil
No it em ant er io r fo i abordado o mit o de uma das d iv indades cu lt uadas nos
Cando mblés de Nação Ango la: Angorô. Além dessa divind ade, há o ut ras, cu ja
mit o log ia
de
o r ig em
afr icana
não
será
abordada
nest e
t rabalho ,
por
d ificu ldade de loca lização das fo nt es afr icanas. Ent ret ant o, as d ivindad es
serão id ent ificadas na apresent ação de duas co mu nidad es p art icu lar es d e
Cando mblé de Nação Ango la no cap ít ulo 2.
e) O culto ao caboclo
No s Cando mblés Ango la e em alg umas casas de Cando mb lé Quet o , é
possível se obser var além do cult o às div ind ades, t ambém o cult o a ent idad es
encant adas.
A ent idade de caboclo, em t ranse de po ssessão no s ad ept o s, cant a e d ança
cant igas e m port uguês ao so m do s at abaq ues. Algu mas das cant igas ent o adas
vêm ent remeadas de t er mos de o ut ras línguas e, po r vezes, at é t er mo s
amer índ io s.
Minhas obser vaçõ es são co nfir madas p elas pesquisas bib liogr áficas e de
campo quant o ao modo part icu lar das Casas de Nação Ango la e algu mas d e
Quet o cult uarem o element o indígena brasile iro .
10
Barracão é o local onde se realizam as festas nas comunidades de candomblé.
34
C a bo c lo g u e rr e i ro
T u é s a n a ç ão do Br a s i l
T u é s a n a ç ão b ra s i l ei r a , c a bo cl o
D a s co r e s d a n o s sa b a n d e ir a
Essa cant iga é, geralment e, cant ada p elo s adept os numa f esta-de-caboclo,
fazendo uma saudação a t o das as ent id ades d e cabo clo. E la ev idencia
caract er íst icas do indígena bras ileiro “caboclo guerreiro”; e le não pert ence a
u ma nação indígena, mas à br asile ir a; t rat a-se do indígena cat equ izado pelo s
jesu ít as.
Quando a própria ent idade de cabo clo incorpo ra nu m do s ad ept o s, co st uma
fazer u ma louvação à Casa.
Na cant iga abaixo, pode-se o bser var a inser ção de t er mo s de líng uas
afr icanas e a evocação de ele ment os da lit urgia cat ó lica.
D e u s a b e nç o e e s t a c a s a sa n t a
O n d e o o r i xá f e z a m o ra d a
O n d e m or a o c ál i c e b e n t o
E a h ó s t i a co n s a g r a da
Go nçalves S ilva (1994:121) apresent a alguns fat os hist óricos em relação
ao s índio s brasileiros para exp licar o seu cult o nas relig iões afro -bras ileiras:
Os ca bocl os r epr esen t a m o i n dí gen a ena l t eci do n a l i t era t ur a r om ân ti ca e
popul a r i za do n a pa jel a n ça , n o ca t i m bó e n o ca n dom bl é. / . . . / Quan do
i n cor por a dos, a pr esen t am -se c om o " ca t ól i c os", e fr eqüen t em en t e a br em
seus t r a ba l h os espi r i t uai s com or a ç õe s do t i po pa i -n oss o e a ve-m a r ia .
O cult o ao caboclo nos Cando mb lés Quet o caract eriza mais u ma in flu ência
dos rit o s dos Cando mblés Ango la já abordados ant er ior ment e.
Ap esar do cult o ao s caboclo s ser u ma mar ca do s Cando mblés d e Nação
Ango la, não t rat arei dele nest e est udo , podendo ser t ema de u m t raba lho no
fut uro .
35
1.4.3 Candomb lé de Nação Queto
As co mun idad es relig iosas de Cando mb lé d e Nação Quet o são t ambém
desig nadas pelo t er mo: nagô ou, ainda, pela et nia e língua: ioru ba (do ravant e
Cando mblé Quet o). Esse cando mb lé ch ego u ao Brasil at ravés dos po vo s
o riu ndo s de algumas reg iõ es d a Áfr ica Ocident al, so br et udo as reg iõ es que,
ho je, co rrespondem à Nig ér ia e ao Benim.
Para se co mpreender a for mação do s Cando mblés Qu et o , é preciso
co nsiderar os grupo s ét nicos, lingü íst icos, as prát icas r it uais e a hist ória
desses po vos t razidos da área sud anesa. Segu ndo Mat to so, (apud Bo nvin i &
Pett er, 1998:72-73) esses povos pert encem ao "ciclo da Cost a da Mina, no
sécu lo
X V III ".
Foram t ransplant ado s os grupo s ét nicos e as línguas.
a) oest e-atlântica (f ulf ulde, wolof , serer, temne...);
b) mande (mandi nga, sobretudo);
c) kwa ou gbe (eve, gem, aja, f om), designadas como “jej e” no Bra sil;
d) benue-congo, p rinci palmente f alares ioru ba designa dos no B rasil p elo
termo “nagô-queto"; nupe (t apa), igbo, ijo...;
e) chádica (haussá);
f ) nilosaariana (kanure).
a) Com plexo ioruba
De aco rdo co m hist oriadores, co mo Jo hnso n (1960), Ro dr igues (199 0) e
Oliver (1994), no século
X IV ,
os po vos io rubas se o rganizavam em diver so s
reino s e buscavam a expansão de seus do mín io s, co nqu ist ando o s t err it ó rio s
viz inho s. Um desses reino s, If é, era co nsid erado como o berço de sua
civ ilização. Seu rei int eressava- se, part icu lar ment e, pelo reino de Daomé
(at ual Benim) onde prosperava a art e do bro nze; ele enviava, par a lá, leg iõ es
de so ldado s co m a fina lidade de co lo nizá- lo.
E m co nt ra-part ida, segundo Duchât eau (1 990:92), o s sécu los
XV
e
XVI
são
mar cado s na região do Daomé co mo sendo um “p er ío do de reis guerreiro s” e
que buscam t ambém a expansão de seu s do mínio s. Ao final do sécu lo
X V II ,
as
guerras pe la exp ansão t errit o rial se amenizam, o correndo alianças ent re as
d inast ias, a int ensificação do comércio de seus pro dut os e a acu lt uração ent re
io ru bas e fo ns. So bre o s domínio s fo ns, o aut or exp lica:
36
Gr a ça s à ext en sã o d o r ei n o em di r eçã o a o n or t e, o c om ér ci o c om os
i or uba s, os n upes e os h a ussa s pr osp er a va , e m ui t o pa r t i cul arm en t e,
a quel e da s á ga t es. E ssa s r epr esen t a va m um el em en t o i n di spen sá vel n a s
cer i m ôn i a s, poi s el a s er a m , en tr e out r os, si n a l do gr a u e da di gn i da de dos
n ot á vei s.
(Duch â t ea u 1990: 92) 11
O aut or aborda t ambém o co mplexo sist ema de gover no em qu e o obá (rei),
embora est ivesse invest ido pelo poder sagrado e invio lável, não tomava as
decisões sozinho, havendo o co nselho do s not áveis que o r ient ava as decisõ es.
E esse poder do rei co m carát er d ivin o faz part e de u ma d inast ia so b a
in flu ência ioruba or iundo de If é.
Os do mín io s iorubas, no sécu lo
X V II ,
se est endem at é o reino de Daomé,
fo r mando uma sociedade bast ant e ampla, co mpost a pelos reino s: Ketu, Ij exá,
Egbá, Oyó, Ijebu, Oxogbô, Ibadan e alg u mas pro víncias: Abeokutá, Lago s,
Ondô, dent re o ut ras (cf. Jo hnson (1960), Ro dr igues (1990) e Oliver (1994).
E mbora esses reinos est ivessem int er ligado s et nicament e, eles possu ía m
ind ependênc ia po lít ica; cada um era governado po r u m o bá. Eram cid adesest ado s e a língua ioruba po ssuía var iaçõ es de u m r eino para o o ut ro ; t endo ,
cada cidade, cu lt os específico s para su as divindad es gu ard iãs.
No século
X IX ,
as guerras int erét nicas ent re esses po vo s io rubas e o s fo ns
adquirem um o ut ro sent ido, em que as velhas r iva lidades são aliment adas p elo
t ráfico de escravo s.
Os do mínio s iorubas se est end ia m at é o r eino do Da omé; o reino de Quet o
era o que est ava mais próximo do t errit ório fo m e o seu po vo fo i o mais
at ingido pelas guerras que t ransfo r mavam o s pr isio neiro s em escravo s,
vendendo -os aos t raficant es.
Nesse per ío do, o tráfico de escr avo s, so bret udo, no po rto de Uidá, era u m
negócio bast ant e lucrat ivo, t o rnando o s traficant es mu it o r ico s e po dero so s.
Segu ndo os hist or iado res, a maior fo rt una da época pert encia a um t raficant e
que se t ornou legendár io , Francisco Felix de So usa, mais co nhecido co mo
Xaxá.
Po de-se presumir, pela proximidad e do reino de Quet o co m o reino do
Daomé que o s povos t razidos desse rein o , para o Brasil, t enham sido be m
11
Duchâteau, (1990:92) Grâce à l’extension du royaume vers le nord, le commerce avec les Yoruba, les Nupe et les Hausa devint florissant,
et tout particulièrement celui des agates. Celles-ci représentaient un élément indispensable des tenues de cérémonie car elles étaient, entre
autres, signes du rang e de la dignité des notables.
37
nu merosos, result ando daí, po ssive lment e, o no me d e Cando mb lé Quet o. E
haverá int erpenet ração ent re o s povo s io rubas e fo ns. Os io ru bas cult uam o
orixá e os fo ns, o vodun; e t ant o u m quant o o outro t em o seu cu lt o ligado à
no ção de fa mília e à co let ividade. E é essa noção de família e de co let iv idad e
que ser virá de base para as co mun idades fundad as, no Br asil, so bret udo , e m
Salvador/ BA .
Assim, de acordo co m u ma organização familiar, há nos Cando mblés Qu et o
u ma família que se chama f amília-de-santo, cu ja pesso a mais import ant e é a
mãe o u o pai-de-sant o, conhecida(o ) co mo ialori xá ( mãe-de-sant o) o u
babalorixá (pai-d e-sant o). Há t ambém o ut ros membro s que fazem part e dessa
f amília-de-santo,
t ais
co mo :
avós/avô s;
t ias/t io s;
sobr inhas/ so br inho s ;
pr imas/pr imo s; ir mãs/ ir mãos.
Dent ro dessa organização, po de haver u ma Casa pr inc ipal, a da mãe o u
pai-de-santo e out ras para o s out ro s membros d a família que deseja m o u qu e
precisam for mar a sua pró pr ia f amília-de-santo ; o que pro mo ve a amp liação
de uma dada co mu nidade.
b) Divindades iorubas cultuadas no Bra si l
Orix á
Ex u
Ogum
S a ud a ç ões
L a r o i ê!
O g u n h ê p a t ac o ri !
D omínios
R u a s , e nc r u zi l h a d a s, o co r p o h u m a n o
F e r ro , e st r a d a s, t ec n ol o g ia , a gr ic u l t u ra
Oxosse
O q u ê a ro !
Ma t a s , c a ça
Omolu
A t ô t ô aj u b e rô !
D o e n ça s , t e r r a
S a l u b a Na n a !
L a m a , p â n t a n os
A r r ob o bo i u !
C h u v a s , ar co - í ri s
Ossaim
Eu ê e u ê !
Folhas
Xangô
C ã o Ca b i ec i l e!
J u s t i ç a, re l â m pa g o s
Iansã
Ep a r r e i Oi á !
T e m p e s t a d e s, v e nt o s, a l ma d o s m or t os
Oxum
O r a i êi ê ô!
Á g u a s d oc e s
O d o i á!
Á g u a s s a l ga d a s
Na n ã
Oxumarê
I e m a nj á
38
Oxalá
Ep a b a b á !
C a b e ç a, a r
O quadro acima most ro u as divindades mais cu lt uad as, no Brasil. Essas
d ivindad es são co nhecid as po r u m no me que as id ent ifica, co mo: Ogum,
Oxum, Xangô et c., porém, a esse no me pelo qual é ident ificada são acrescido s
o ut ros no mes, a que chamam de quali dades ou avatares.
Exist em t eorias e diferent es ap licações ou int erpret açõ es que su st ent am a
exist ência de out ros no mes a um no me genér ico das d ivindad es. Verger,
(2000:399) aborda, por exemp lo, os vár ios no mes pelo s qu ais é conhecid a a
d ivindad e Oxum: Ju mu, Ponda, Petu, A boto, Apara, Kare et c. Cacciat o re,
(1988:197-198), exemplifica: “Cada or ixá po de t er ‘qualid ades’ qu e se u na m
ao seu no me, co mo Xangô Alafin ( Xangô Rei), Oxum P andá, Ogun Naruê et c.,
o u ‘t ipos especia is’, co mo Ibua lama ou Inlé (Oxó ssi), Ot im (Oxó ssi) et c.”.
Eu dir ia que a essas “qualid ad es” o u “avat ares” se so mam caract er íst icas
d ist int as ent re o cult o das d ivindad es d e uma co mu nidade par a o ut ra. Essa
d ist inção per mit e se obser var um carát er part icular, especia l mesmo das
d ivindad es de u ma dad a co mun idade, em r elação à maneir a pela q ual seu cu lt o
é realizado. Isso pode ser at est ado co m base na afir mação do info r mant e
tateto Roxitalamim: "Ogu m é Ogu m em q ualquer lugar, mas a gent e quer que
ele seja Ogu m dent ro da nação To mben si". E le quer d izer q ue as d ivindades
recebem um t rat ament o cult ual p art icular, co m caract er íst icas pró pr ias d a
nação
na
qual
est ão
as
su as
or igens
inic iát icas;
e,
essa
nação
é,
pr imeir ament e e em sent ido genér ico , a Nação Ango la, e qu e se part icular iza,
ainda mais, co mo Nação Ango la To mbensi.
1.5 Nações de candomb lé: formas de resistência cont ra a intolerân cia
Confo r me t rat ado no it em 1.3, dest e cap ít u lo , as co nfr ar ias se o rganizam
co mo espaços de preser vação de valo res afr icano s, mesmo q ue so b a
in flu ência do cat olicis mo. As naçõ es de cando mblé, além de amp liar a
preser vação desses valores, vão t ambém ser locais de resist ência co nt ra a
int o lerância.
1.5.1 Perseguições e intolerâncias
O aument o de escr avos libert o s e o cresciment o das cid ades melho raram o
desenvo lviment o de suas manifest ações r elig io sas, po rém, o s velho s so br ado s
39
e casebr es co let ivo s, ao se t ornarem po nt os de enco nt ro e de cult o, to rnaramse t ambém locais o nde a repr essão po licial se fazia co nst ant e. Kát ia Mat toso
(1982:150) cit a a seguint e not ícia de um jornal em S alvado r/BA:
“F or a m pr esos e est ã o à di sposi çã o da pol í ci a Chr i st ova m Fr an ci sc o
T a va r es, a fr i can o em a n ci pa do, Mar i a Sa l om é, Joa n na Fran ci sc o,
Le op ol di n a Mar i a da Con cei çã o, E sc ol á st i ca Ma r ia da Con cei çã o,
cr i oul a s for r a s, e os e scr a vos Rod ol ph o Ar a új o Sá Ba r r et o, m ula t o,
Mel â n i o, cr i oul o, e Ma r ia t am bém c om um fi l ho, que e st a va m n o l oca l
ch a m a do En genh o Vel h o, n um a r eun i ã o a que ch a m am de c andombl é ”
(J ornal da B ahi a, 5. 5. 1855).
A co ibição às relig iões afro-brasileir as, po r essa épo ca, legalment e, não
poder ia exist ir, po is a Co nst it u ição Br asileir a de 1824 havia cr iado u m
d isposit ivo legal, favorecendo a liberdade de cult o .
Ap esar d as const ant es pr isõ es e repr essõ es da po lícia, nos lo cais cit ado s
ant er io r ment e, garant iu-se, a inda q ue precar iament e, a realização das fest as
religio sas e a co nst rução da preser vação do s alt ares co m os recipient es
co nsagrados às divindades. Os pr imeiro s t emp lo s vão se car act er izar po r
serem, ao mesmo t empo, moradia dos pr at icant es do cando mblé e espaço de
cu lt o às divindades e ent idades, caract er íst ica essa que per manece em muit o s
lo cais at é ho je.
À p erseguição do Est ado se ju nt a à da igreja cat ó lica que, no iníc io do
sécu lo
XX,
amenizou
a
man ifest ações re ligio sas,
persegu ição
de
fo r ma
sist emát ica,
velada,
sut il,
desqua lificando
fazendo
co m qu e
as
a
sociedad e, de modo geral, passasse a consid erar o cando mb lé, bem co mo
o ut ras religio sas d e
at ualid ade,
mat r iz
a p erseguição
afr icana
co mo
"co isa
de
igno rant es".
ao s r it o s afro-brasileiro s se dá po r
Na
alguns
segment o s dos cult o s evangélico s o u neo-evangélico s d e maneira int o lerant e e
preco nceit uosa, havendo, at é, not ícias de alguma represália po r part e da
políc ia em det er minadas lo calidades.
1.5.2 Resist ência
A resist ênc ia à repressão, à int olerância e às persegu ições, so bret udo
polic iais vai se desenvo lver po r meios t ant o co let ivo s quant o ind iv idu ais e
at ravés de d iferent es est rat égias.
40
E m muit as co munid ades acont ece, anualment e, u ma f esta par a a qual o s
d ir ig ent es cost umam convid ar so ldados, para quem ser vem a f eijoada de
Ogum. Essa é uma das for mas de aproximar a po lícia lo cal do cu lt o ded icado
a Ogum qu e é u m orixá da guerra e est á associado ao s so ldado s. Out ra fest a
de cando mblé bast ant e popular é a Fest a d e Erê, em que as religiõ es de mat r iz
afr icana, sobret udo o Cando mblé e a Umb anda d ist r ibu em do ces e br inqu edo s
para as cr ianças da co munid ad e do ento rno . E, out ras fest as po pu lares,
pr incipalment e, a Festa de Iemanjá, d ivu lgada, inclu sive, pela míd ia.
As co munidades de cando mblé das d iferent es n ações t êm se o rganizado em
to rno de Ent idades que agrupam as mais d iver sas mo dalid ades d e relig iõ es
afro -brasileir as.
Os
membro s
dessas
Ent idades
pro mo vem
co ngresso s,
seminár io s, encont ros co m t emas var iad os e de int eresse nacio nal so bre a
saúd e, a ét ica e a cidadania, a preser vação do meio -amb ient e, a paz, dent re
o ut ros. Publicam t ambé m per iód icos que são d ist r ibu ído s a milhar es de
pesso as, focalizando t emas var iados, denu nciando perseg uiçõ es e abuso s
co nt ra
as
religiõ es
afro -brasile ir as
e
pro mo vendo
as
co mu nidades
na
d ivu lgação de suas f estas.
Fazendo part e de Ent id ades o u não , alg umas co mu nidades de cando mblé
est ão engajadas em mo viment o s socia is, educacio na is e po lít ico s. Isso po de
ser o bser vado nas co mu nidades em São Lu is/ M A ; em S alvado r/ BA ; e e m São
Paulo / SP .
a) Com unidades no Maranhão
E m São Luis, no Maranhão, pesquisei duas co munidad es: a Casa Fant iAshant i e a Casa das Minas.
A Casa Fant i- Ashant i é dir ig ida por Euclides Menezes Ferreira, ma is
co nhecido como “pai Eu clides de Oxa lá ”, cujo no me iniciát ico é Talabiã.
Essa Casa abr iga do is r it os dist int o s: o cando mb lé e o t ambor-de- mina dent ro
de u m vast o t erreno, em que há a co nst rução do barracão , na frent e do
t erreno, local em que se realizam os r it os do t ambo r-de- mina, de influência
fo m e, no fu ndo do t erreno , o barracão onde se realizam os r it o s do
cando mblé, de influência ioru ba. Essa co munidade é a ú nica de meu
co nheciment o que abarca do is r it o s co mp let ament e d ifer ent es: o cu lt o ao
orixá e o cult o ao vodum. Pai Euclides preser va o pat rimô nio hist ó rico da
41
Casa Fant i- Ashant i at ravés da difusão de seu s cânt ico s r it uais em gravaçõ es
de CDs, dist r ibu ídos no mercado de discos.
As at ividades da Casa Fant i- Ashant i est ão direcio nad as para a cult ur a
mar anhense, part icipando das fest as po pu lares, co mo : t ambo r de cr io ula,
bu mba- meu- bo i, fest a do divino esp ír it o sant o, dent re out ras.
A Casa das Minas, dir ig ida po r “mãe Deni”, u ma das casas ma is ant ig as d e
São Luis, mant ém o seu pat r imô nio hist ó r ico , as suas t radições e a
preser vação da mat a nat ural. Essa Casa deixa as suas port as abert as à
vis it ação e a sua d ir igent e e o ut ro s memb ro s não se furt am a dar info r maçõ es
acerca do hist órico da Casa. E la fo i fundada em 1849, pro vavelment e, po r
u ma rainha do ant igo reino do Dao mé Nã Agotimê que no Brasil recebeu o
no me de Mar ia Jesuína ( cf. info r maçõ es de Mãe Deni).
b) Com unidades na Bahia
E m Salvador, Bahia, pesquisei duas co mu nidades dist int as: u ma, d e Nação
Ango la e out ra, de Nação Quet o .
A co munid ade de cando mblé de Nação Angola é o Tumba Junça ra, dir ig id a
por Iraildes Mar ia da Cu nha, cu jo nome inic iát ico é Mesoenji. Nessa
co munidade presenc iei o início do ano let ivo de u m curso de língu a
quimbundo min ist rado por Raimu ndo Dant as, tat a ki vonda do Nzo Nd emb u
Aqüenã, u m t erreiro filiado ao Tumba Jun çara. Além desse curso , há t ambé m
pro jet os para a alfabet ização de adult o s e de valo r ização do pat rimô nio
hist ór ico, po is essa Casa é uma d as mais ant ig as de Nação Ango la em
Salvado r.
A co mu nidade de Nação Quet o é o Axé do Opô Af onjá, u ma d as
co munidades mais ant igas da Bah ia; é d ir ig id a pela ia lor ixá Mar ia St ella d e
Azevedo Sant os, ma is conhecida co mo “mãe St ella de Oxo sse", cujo no me
in ic iát ico é Ode Caiode (o caçado r t raz alegr ia). Co nver sei co m algu ns
membro s dessa co munidade, ent re eles, o sr. Clay, que me levou par a
conhecer t o dos os espaços do vast o t erreno que abr ig a o barracão o nde se
realizam as f esta s, as casas dos ori xá s, d ispo st as à maneir a do s egbes io ru bas,
a mat a, a esco la, a bibliot eca e o mu seu.
A esco la que funcio na em su as dependências é a "Esco la Mu nicip al
Eugênia Anna dos Sant os" e at end e às cr ianças do bairro . Os membros da
42
co munidade co m quem co nver sei, in for malment e, disseram- me qu e as au las
min ist rad as bu sca m a valor ização e o resgat e da hist ó r ia do s po vos io rubas
at ravés do ensino da mit o log ia do s o rixás, fo calizando o s ele ment os da
nat ureza, ao s quais eles est ão lig ado s, visando t ambém à preser vação do
meio -amb ient e. Além da educação ambient al p ara as cr ianças, a co mu nid ad e
bu sca co nscient izar a t odos so bre a impo rt ância da nat ureza. E m fr ent e à
esco la, há uma p laca, co m o seguint e t ext o:
O MATO É
DE OSSAIN
O MATO NÃO
COME LIXO
c) Com unidades em São Paulo
E m São Paulo, as invest igações foram feit as nas duas Casas de Cando mblé
de Nação Ango la: o Inzó Inquice Mameto Dandaluna Qui ssimbi Quiamaze
(Inzó Dandaluna) e o Centro Religioso e Cultu ral da s Tradi ções Banto Ilê
Azongá Oni Xangô (Terrei ro Loabá) e uma Casa de Cando mb lé d e Nação
Quet o, o Ilê Axé Omo Ode.
O Inzó Dandaluna, d ir igida po r Pedro Alves Bezerra, cu jo no me in iciát ico
é Roxitala mim, t em uma int eração co m a co mu nid ade do ent orno, at ravés da
pro mo ção de su as f est as de cando mblé, nas quais pud e const at ar a presença d e
seus viz inho s. As ent idades de cabo clo , p or exemp lo , escut am, p acient ement e,
as queixas do cot idiano das pesso as, aconselham, dão passes energ ét ico s,
co nfo rt ando e or ient ando. Além d isso , há t ambém a preo cupação co m a
preser vação da nat ureza, t o mando mu it o cu idado em relação aos despacho s
nas mat as.
O Terrei ro Loabá é dir ig ido por I lza Mar ia Bar bo sa, cu jo no me iniciát ico é
Indandalacata. Essa co munidade t em u ma hist ór ia bast ant e ant iga de lut a para
preser vação do t erreno onde est á lo caliz ado o barracão e que possui ainda
u ma mat a nat iva. Além de t ambém pro mo ver o rient ação e co nfo rto às pessoas
que procuram a Casa, bu scam o engaja ment o no s mo viment o s popu lares.
43
Essas duas Casas d e Cando mblé de Nação Ango la serão d escr it as no
cap ít ulo 2, vist o que o s seus t ext o s e sua est rut ura r it ualíst ica co nst it uem o
fo co dest a t ese.
O Ilê Axé Omo Odé é d ir ig ido pelo babal orixá Jair de Odé. Os membros da
co munidade part icipam at ivament e de congresso s, seminár ios, enco nt ro s,
passeat as. A co mu nidade pro move açõ es so ciais no seu ent o rno em t rês
níve is:
- educac io nal: em suas depend ências funcio nam cursos de alfabet ização de
adult o s;
- saúde da mu lher: uma vez ao ano , t razem médico s para exames d e
papanicol au ;
- nut r ição: u ma vez po r semana, há a ent rega de leit e para as cr ianças
carent es.
1.5.3 O espaço do terrei ro, a religio sidade e o comp romisso político- socia l
Os espaços dos t erreiros são esp aço s d e int eração, co mu nhão , socialização
e aprend izado. São espaços que se amp liam para alé m de suas dependências,
ganhando e conquist ando no vos espaço s e se engajando em mo v iment o s
polít icos, educacio na is e so ciais da co nt empo raneid ade.
Os Cando mblés, enquant o sist emas religiosos, assumem caract er íst icas
pró prias e est ão inser idos em o ut ro s sist emas est rut urais da so ciedad e. Nesse
sent ido, confor me abo rdado, ant er ior ment e, algu mas co mu nid ades t êm u m
engajament o po lít ico e social ao lado do religio so. Mona Ricumbi, do
Terrei ro Loabá esclar ece bem essa qu est ão :
O t er r eir o é o espa ç o on de s e p ode c on vi ver a r el i gi osi da de em t em p o
i nt egr a l, sem t er a quel a fr on t ei ra que sem pr e, por exem pl o, a t é a qui , eu
fa ç o pa r t e do m un do, do p or t ã o pr a for a , eu s ou a É r i ca , do por t ã o pr a
den tr o, eu s ou a M ona Ri c umbi , t en h o t oda um a vi da ; essa vi sã o d e
m un do é i m por t an t e, a í , a na t ur ez a , a m inh a r el açã o c om o m ei o a m bi en t e
é p er fei t a ; o equi l í br i o c om t od os os In q ui c e s est ã o a l i c ol oca d os; sa í
da l i , eu n ã o t enh o com pr om i ss o c om i ss o. E nt ão, es sa Ca sa sem pr e vei o
c om es sa vi sã o de qu e n ã o, a gen t e t em que se r um t odo o t em p o t od o.
Quer en do ou n ã o, i ss o é um gr a n de desa fi o pr a n ós e, qu er en do ou n ã o,
a ca ba s en do n ovo pr a m ui t os que vi vem e vi ve n ci a m essa r el i gi osi da de
a t é m a i s t em po do qu e eu t en h o de vi da . Apesa r di sso, em Á fr i ca i sso é
a l go c on st an t e.
44
Hoj e, eu, qua n do ocup o um espa ç o a dm i ni st ra t ivo n o t er r ei r o, eu t en h o
que t er essa pr eocupa çã o, ou se ja , um a fest a c om o a de pa i Angor ô, ou d e
m ã e Dandal unda, ou da d on a Jupi r a, el a t em q ue t er o m esm o p es o pr a s
pess oa s qu e vi ven ci a m e sã o fi l h os de ssa ca sa , com o o t om ba m en t o d o
T err ei r o Loabá, c om o a pa r t i ci pa çã o n o CO NSE R, c om o est a r n os
Con sel h os d e Sa úde, de Ha bi t a çã o, da Cr i an ça e do Adol es c en t e; i sso t em
que t er o m esm o pes o, de e st a r n o Or çam en t o Par t i ci pat i vo, por que i ss o é
da r con t a da man ut en çã o dessa r el i gi osi da de que a gen t e tá diz en do.
Para Mona Ricumbi não pode haver separação ent re a pesso a so cial e a
religio sa, é necessár io qu e as duas se fu nda m nu ma só e que haja u ma
unic idade. Ao dizer: "em Áfr ica isso é algo const ant e", remet e esse co nceit o
ao pensament o afr icano do ser pessoa ; havendo a int egr idade do ser, e le vai
t ransmit ir o que ele é p ela palavra (cf. Hamp at ê Bâ, 19 82). No caso d a
co munidade, o ser indiv idual se int egra co let ivament e, for mando o corpo
co let ivo , a co munid ade, ela própr ia, q ue se organiza e (re)o rganiza pelas
exper iências vivenciadas no co t id iano do co nvív io socio religio so. E a
part icipação dos me mbros da co mu nidade nas f esta s r eligio sas "t em que t er o
mesmo peso" da part icipação polít ica e so cial.
Assim, d e aco rdo com a declar ação da infor mant e, exist e a preocupação
co m uma for mação t anto relig io sa quant o para o exercíc io da cid ad ania e m
sua co mu nidade. Para Mona Ricumbi, a relig ião não pode est ar d isso ciad a dos
o ut ros segment os da sociedade civil organizada. E será a part icip ação
polít ica,
social
e
educacio nal
qu e
cont ribu ir á
para
a
manut enção
e
preser vação da relig ião do Cando mb lé.
A part icipação, sobret udo po lít ica, e o exercício d a cidad ania é abo rdado
t ambém por mameto Indandala cata, dir igent e da co munidade T errei ro Lo abá,
da qual faz part e Mona Ricumbi.
As pe ss oa s, l á for a , est ã o d e ci di n do por nós. Hoj e, n ós t em os a
n eces si da de de sa ber que p ol í t i ca est ã o fa z en do pr a n ós, por que já h ouv e
ép oca em qu e n ã o podí a m os n em est a r n um a r euni ã o c om o es sa . Hoje, n ós
est a r m os a qui , é um di r ei t o n oss o. N ós t em os que sa ber que p ol í t i ca s
est ã o s en do fei t a s, p or que pod em os est a r r eun i dos, a qui , e vi r um a
a ut or i da de e di z er que est a m os pr es os p or que ba i xou um a l ei nã o sei d e
quê e qu e n os pr oí be d e est a r m os, a qui , r eun idos. E n t ã o, o Or ça m en t o
Pa r t i ci pat i vo é i m p or t an t e. Voc ês, j oven s, t êm que est uda r e est uda r .
E sc ol a e sa n t o c om bi n a m . Só fi ca a qui quem e st uda . Voc ês t êm o di r ei t o
de sa ber o qu e é qu e est ã o di z en do p or n ós. Con h ecer a pol í t i ca pa r a
45
sa ber o qu e é que quer em da gen t e,
que é que qu er em fa z er pra gen t e.
vi ver um a paz que n ã o exi st e, um a
est a r í am os l ut a n do por i gua l da de
n in guém t ir a.
o qu e é qu e est ã o fa l a n do da gen t e, o
E st ã o n os e n sin an do um a m ent ir a, a
i gua l da de que n ã o exi st e, sen ã o, n ã o
de dir ei t os. . . o a pr en der é n osso,
Quando ela diz, t ext ualment e, "ho uve épo ca em que não po díamo s nem
est ar nu ma reu nião como essa", est á se refer indo ao que fo i abordado no it e m
1.5.1, dest e capít ulo, sobre a repressão polic ial no s t erreiros d e cando mblé s
da Bahia, cu lminando co m a pr isão de pesso as por est arem reu nid as
prat icando a r eligião do cando mblé. E nt ão, ela alert a a sua co munid ade so br e
o s per igos de não se co nhecer as po lít ic as públicas e as leis o u projet o s de
leis que est ão sendo elaborados p ela classe po lít ica br asile ir a. Alé m d a
part icipação polít ica, ela abo rda t ambém a edu cação , co mo um meio par a
adqu ir ir
os
conheciment os
cient ífico s,
hist or icament e
acu mu lado s
pela
hu man idade. Isso porque esses co nheciment os podem po ssibilit ar visõ es de
mu ndo mais amp liadas e, conseq üent ement e, um ent end iment o maio r sobr e as
lut as por igua ldade de dir eit o s e pelo p leno exercício da cidadania.
1.5.4 Nomes iniciáticos: marca de identi dade e de resistên cia
No it em 1.3, abordei o que é e o que significa a in iciação em u ma d ada
co munidade. Nesse it em, expu s a exist ência de u m no me qu e ser á divulgado ,
no dia da f esta p ública, pela no viça o u no viço. Trat a-se de u m no me d e
bat ismo, t endo, inclusive, uma mad rinha o u um pad rinh o-de-sa nto.
Dependendo dos f undamentos d e cada co munidade, apó s um det er minado
per ío do ,
a
noviça
ou
no viço ,
ago ra
desig nados
co mo
muzen za,
no s
Cando mblés Ango la e iaô, nos Cando mblés Quet o , receberão u m no me
in ic iát ico que não é o mesmo do bat ismo , po dendo , ent ret ant o, t er ligaçõ es
lex icais e de sent ido co m ele.
Esse no me in iciát ico é conhecido co mo dijina nos Cando mblés Ango la; e
orucó no s Cando mblés Quet o. Ele passar á a fazer part e da vid a relig io sa d a
pesso a; por isso mesmo, via de regra, d izem respeit o às fu nções ou cargo s qu e
a pesso a exercerá na casa, far á part e da sua ident id ade relig io sa e, em muit o s
casos, ela será mais co nhecida po r esse nome do que por aquele que co nst a e m
sua
cert idão
de
nasciment o .
Por
exemplo :
Ma meto
L oabá,
Roxitalamim, Mona Ricumbi, Mameto Ind andalacat a, dent re o ut ro s.
46
Tat eto
Mona Ricumbi, do Terrei ro Loabá, fala so bre o no me inic iát ico:
E u t enh o 16 a n os de i n i ci a da, minh a di ji na é M ona Ri c umbi , que quer
di z er "Fi lh a do S ol ". T od os n ós s om os mona, n a r ea l i da de; mona de
i nq ui c e , ou se ja , fi l h os . . . mona si gn i fi ca fi l h os . Qua se t od os, n é, den tr o
do p ovo ba n t o a t é qu e ca rr ega o mona, que d i z que é fi l h o de a l gum
i nq ui c e . Nã o é pr ed om i n an t e, t êm pess oa s, n é, que o i n q ui c e t r a z um
out r o n om e; o m eu, o i nq ui c e t r ouxe e ven h o fa z en do m ui t a for ça de t á
a ssum i n do em t od os os l uga r es on de e st ou, se ja n o m om en t o p ol í t i c o,
se ja n o m om en t o den t r o do t err ei r o, seja n o m om en t o de en tr et en i m en t o,
quer di z er , a s pess oa s, h oje, m e c on h ecem c om o M ona Ri c umbi . E u a t é
já t enh o um di scur so m ei o pr on t o: eu fa l o que Ér i ca é o m eu n om e de
es cr a va ; a pa rt ir do m om en t o que eu c on segui r e t om a r a m inha i den ti da de
en quan t o n egr a , o m eu n om e é M ona Ri c umbi .
Esse depo iment o po de ser analisado sob d ois po nt o s de vist a: ling ü íst ico e
ant ro po lógico .
Do po nt o de vist a lingüíst ico , esse depo iment o de Mona Ricumbi po ssu i
u ma mist ura de t ermos de líng uas negro-afr icanas co m o port uguês brasileiro .
No início do t ext o, aparece o t er mo dijina, cu jo significado po de ser
ent end ido pelo cont ext o como sendo "no me"; em segu ida, há a exp licação
sobre o s sig nificado s do seu no me in ic iát ico : "Mona Ricumbi, q ue qu er dizer
Filha do Sol "; depo is, do t er mo mona: "mona sig nifica filho s".
Mona Ricumbi ut iliza o t er mo inqu ice que po de ser ent end ido , no cont ext o ,
co mo "d ivind ade" cult uada pelo s adept os do s Cando mblés Ango la: "Quase
to do s, né, dent ro do povo bant o at é que carrega o mona, qu e d iz que é filho
de algum inqui ce. Não é predo minant e, t êm pessoas, né, que o inquice t raz
u m out ro no me; o meu, o inquice t ro uxe...", o bser vando -se o nível desse
d iscur so do port uguês co loquial, so bret udo na expressão "né".
Do po nto de vist a ant ropo lóg ico, há a t r ilo gia no me/ ind iv íduo/sociedade
sob os aspect o s socioreligio so e po lít ico .
A consc iência social e po lít ica aparece na fr ase: "venho fazendo mu it a
fo rça de t á assumindo em t o do s os lugares o nde est o u, seja no mo ment o
polít ico,
seja
no
mo ment o
dent ro
do
t erreiro ,
seja
no
mo ment o
de
ent ret eniment o". E reafir ma: "as pesso as, ho je, me co nhecem co mo Mona
Ricumbi ". E o co nt eúdo é, além de so cial e po lít ico, t ambém h ist ó rico : "Ér ica
é o meu no me de escrava".
47
Assim, de acordo com o seu depo iment o, o s nomes in iciát icos são uma
mar ca de id ent idade t ant o socioreligio sa quant o po lít ica. E quando ela d iz: “a
part ir do mo ment o que eu co nseg u i ret o mar a minha id ent id ade enq uant o
negra, o meu no me é Mona Ricumbi ”, caract er iza a resist ência t ant o
religio sa, quant o polít ica, social e lingüíst ica.
Considerações finai s
Nest e capít u lo, foram abordados os aspect o s hist ó r icos, lingüíst ico s,
sociais e po lít icos pelo s quais passaram o s po vos o r iu ndo s de algu mas p art es
do co nt inent e afr icano.
Esses povos afr icanos t razidos co mo escr avo s para o Brasil passaram po r
t ransfo r maçõ es e ad apt ações vár ias; e, mesmo em co nd içõ es adver sas puder a m
cr iar
mecanismo s
que
co nt r ibu íram
para
a
manut enção
de
valores
significat ivos da vida na Áfr ica.
Um d esses mecanis mo s são as casas de cando mblé, cu jo s esp aço s foram se
incorpo rando ao cenár io brasileiro , co mo for ma de res ist ência e de afir mação
da ident idade desses po vo s.
48
2. DUAS COMUNIDADES DE CANDOMBLÉ DE NAÇÃO ANGO LA EM
SÃO PAULO
A tradi ção não pode s er s enão um ato da comuni dade. Graças a el a,
uma comu ni dade s e "re cri a" e faz s er nova mente o que el a foi e o
que el a qu er s er.
( E. Bo n v i ni , 19 89 :1 5 5) 12
O objet ivo dest e capít ulo é descrever a est rut ura o rganizacio nal e
r it ualíst ica de duas co mu nidad es, est abelecendo co mparaçõ es ent re o s d ado s
co let ados e aqueles co nst ant es na bibliogr afia d e referência, no que respeit a o
seu sent ido no r it ual.
A pr ime ir a co mu nidad e, Inzó Inquice Mameto Dandal una Qui ssimbi
Quiamaze (Inzó Dandaluna) est á sit uada na Rua E lza dos Anjo s Neves, n °
1011 – bairro Parque Savo y Cit y - Jardim Mar ília – São Pau lo /SP/BR; e a
segunda, Cent ro Reli gioso e Cultu ral d as T radições Bantu Ilê Azongá Oni
Xangô (Terrei ro Loa bá), est á sit uad a na rua Tomé de Souza, nº 355, Bairro
Jardim Or ient al, Osasco/SP/BR.
2.1 In zó Inquice Mameto Danda luna Qu issi mbi Quiamaze
2.1.1 Histó rico da casa
O Inzó Dandaluna é uma co mu nidade de Cando mblé d e Nação Ango la
d ir ig ida por Pedro Alves Bezerra, baiano, de 57 ano s, cujo no me in ic iát ico é
Roxitalamim (doravant e tateto Ro xitami m ou, para facilit ar a flu ênc ia do
t ext o, soment e, tateto). Ant es d e sua inic iação , no Cando mb lé, já t ocava
Umband a no mesmo lo cal o nde ho je toca o Cando mblé Ango la.
12
Bonvini (1989:155) La tradition ne peut être qu'un acte de communauté. /…/ Grâce à elle, une communauté se "re-crée" elle-même. Elle
fait être de nouveau ce qu'elle a été et ce qu'elle veut être.
49
E le fo i iniciado, em S ão Pau lo , no dia 14 de ju lho de 19 73, por Ner isva ldo
P lácido da S ilva, cujo no me inic iát ico era Catu razambi que fo i inic iado po r
Quizunguirá, filha de uma das mães-de- santo mais co nhecidas da hist ó r ia do s
Cando mblés da Nação Ango la, Mar ia Genoveva do Bo nfim, popu lar ment e
co nhecida pelo apelido de Mar ia Neném, cu jo no me in ic iát ico era Tuenda
Unzambi.
Mar ia Nené m era a mãe-de-sant o da Comunidade de Candomblé de Nação
Angola Tombensi (doravant e Tomb en si), Casa de Cando mblé Ango la mais
ant iga da Bahia, fundada po r Ro bert o Barro s Reis, cujo no me inic iát ico era
Quinunga. Após a sua mo rt e, assu me a lid erança da Casa, Mar ia Geno veva do
Bonfim, Tuenda Unzambi.
Do Tombensi nasceram duas out ras co mu nid ades, dev ido a dissidências: o
Bate-f olha e o Tumba Junçara.
O Bate-f olha fo i fund ado, em 1916, pelo seu pr ime iro pai-de- sant o , Manue l
Ber nardino da Paixão, conhecido co mo Bernardino do Bat e-Fo lha.
O Tumba Junça ra fo i fundado em 19 19, pelo s ir mão s de est eira, Mano e l
Cir iaco de Jesus, cu jo
no me in ic iát ico era Ludiamungongo e Mano e l
Rodr igues do Nasciment o, cu jo no me iniciát ico era Camba mbe. E les fo ra m
in ic iado s em 13 de junho de 1910 pela mameto do Tombensi, t endo recebido
dela, na época de fundação do Tumba Junçara, o cargo de Tata quimbanda.
O tateto Roxitala mim segue o s f undamen tos da co mu nidade Tomb en si. A
esse respeit o, ele deixa bem clara a sua raiz quando se refer e à in iciação de
alguém em sua Casa :
O gum é O g um em qua l quer l ugar , m a s a gen t e quer que el e s eja O g u m
den tr o da n a çã o Tombe nsi .
a) O espaço fí sico
O Inzó Dandal una possui um espaço apro pr iado para a r ealização do s seus
r it os nu m t erreno que abr iga do is espaços d ifer enciado s: o espaço o nde est á
co nst ru ída a Casa de Cando mblé e,
ao
lado, a residênc ia do
tateto
Roxitalamim.
A ru a E lza dos Anjos é asfalt ada e paviment ad a, po r ela t ransit am o s
t ranspo rt es co let ivo s; fica no Bairro Parque Savo y Cit y, na Zo na Lest e da
cap it al de São Paulo e possui residências so ment e no lado esqu erdo; no lado
50
d ireit o , est ende- se p art e da Mat a At lânt ica e em frent e à casa há u ma ext ensa
clareira abert a pelos moradores da rua.
Logo na ent rada, no po rt ão , est ão o s assent ament o s das divind ades Exu,
Ogum e Tempo, seguindo-se uma escada que dá para u m corredo r. À esquerd a
desse co rredor fica a Casa dos Exu s e um grande espaço quadrado, cercado
por u m balcão que é a cozinha-d e-sa nto; à direit a, est ão d ispost as as
arqu ibancadas para a assist ência, u ma escada de pouco s degraus e o barracão .
To do esse esp aço é int er ligado e abert o. Próximo das arqu ibancadas, há do is
banheiro s: um fe minino e o ut ro masculino . À esquerda, no barracão , u m
pequeno corredor leva a um espaço pr ivat ivo o nde os me mbro s da co mu nidade
se vest em para o início das cer imô n ias e o nde vest em e par ament am as
d ivindad es que são ho menag eadas nas fest as; à d ir eit a, uma escada qu e
t ermina nos quartos-de- santo e o roncó, lo cal de reco lh iment o .
No barracão, há u m pequeno qu adrado salient e de co ncret o , no chão , be m
no cent ro e, no t eto, um assentamento co m algu idares sust ent ado s po r um
suport e de made ir a na mesma d ir eção do quadrado do chão . Do assenta ment o
do t et o pende m pequenas cabaças at adas a t ranças de palha d a cost a,
enfeit ad as co m búzio s. De frent e par a a ent rada, est ão dispo st o s o s t rês
at abaques, t endo at rás duas grandes band eiras: uma do Brasil e o ut ra do
Est ado de São Pau lo, est icadas na pared e. Do lado d ir eit o de q uem ent ra no
barracão, est á a cadeir a do tateto que é t ambém a cadeir a de sua d iv ind ad e
pesso al; ela est á envo lvida po r t ecidos e cort inas t ransparent es, à maneira d e
t enda e fica algu ns degraus acima do n ível do chão .
Inzó Dandaluna
51
b) A organi zação
O Inzó Dandaluna possui caract er íst icas em alguns aspect o s semelhant es a
o ut ras co mu nidades de cando mb lé co mo o fat o de co nst it u ir u ma grand e
f amília-de-santo, abarcando a família consangü ínea. Assim, o tatagongá é
casado co m a nenguadengüê que são pais de T hays (Roximoximbal euá) e d e
Beat r iz (equede de Oxum). Thays fo i in iciada p ara a su a divind ade pessoal,
Ogum, aos quat ro ano s de idade, sendo apont ada pelas divind ades co mo a
sucesso ra da Casa. At ualment e, co m 25 ano s d e idade e 21 ano s d e in ic iad a,
ela já realiza alguns r it uais, so bret udo na ausência do tateto.
c) A fam ília-de-santo
A f amília-de- santo do Inzó Dandalu na é co mpo st a por um nú mero
apro ximado de duzent os f ilhos-de-sant o, organizada hierarq uicament e at ravés
de t ít u los: tateto o u tata qui mbanda, ta tagongá, neng uaden güê, tata po có,
tata cambono, macot a, cota, muzen za, ab iã. Para o tateto Roxitalamim, fora
muzenza e abi ã, todos são consider ado s co mo sendo "minist ro s da Casa".
Na co munid ade, o sent ido desses t ít ulo s est á vincu lado às o r igens
in ic iát icas do tateto. A part ir do s dados hist ó rico s sobr e a sua inic iação ,
apresent o
um
organograma
para
me lho r
det alhar,
at ravés
do s
t ít u lo s
hier árqu ico s, as relaçõ es de parent esco relig io so ent re a f amília-de-sant o do
Inzó Dandal una co m os seus ant epassado s do Tombensi.
52
Tuenda Unzambi
Quizunguirá
Caturazambi
Roxitalamim
Roximoximbaleuá
Tatagongá
Nengüadengüê
Tata pocó
Tata cambono
Cota
Macota
Muzenza
Abiã
Obser vando o organograma, po de-se ent ender Tuenda Unzambi co mo a
tataravó-de- santo dos filho s do tateto Roxitalamin, assim co mo Quizunguirá,
a bisavó e Catura zambi, o avô.
53
De aco rdo com essa configuração , depois de Roxitalamin, a fig ura mais
import ant e na co munidade, vêm o s f ilho s-de-santo, por o rdem hierárqu ica,
co m seu s papéis específicos e organizacio nais :
1. Roximoximbaleuá é o no me in iciát ico da sucessora da Casa que já
realiza alguns r it uais;
2. Tatagongá – t ít ulo de um ho mem que desempenha mú lt ip las fu nçõ es; a
pr incipal delas é a de t omar providências sobre qu aisquer pro ble mas na
ausência do pai-de-sant o o u quando for necessár io. É considerado o
“pai-do-gongá”;
3. Nengü adeng üê –
t ít ulo
de u ma
mulher que é respo nsável pela
organização dos rit uais de mo do geral, é a mãe-pequena ;
4. Tata pocó – t ít ulo de u m ho mem qu e realiza os sacr ifício s r it uais;
5. Tata ca mbono – t ít ulo d e algu ns ho mens qu e são responsáveis pelo s
inst rument o s mus icais e pelas cant igas. São t ambém designados co mo
ogãs;
6. Cota – t ít ulo de algumas mulheres q ue desempenham a função de
cuidar das divindades em t ranse, bem co mo de su as vest iment as e
parament os. São t ambém designad as equedes;
7. Macota – t ít ulo d e algu mas pessoas de ambo s os sexos in iciadas há
mais de set e ano s e co m obri gaçõ es t o madas. São t ambém designadas
ebomes;
8. Muzenza – t ít u lo de algumas pesso as d e ambo s o s sexo s iniciad as há
menos de set e anos. São t ambém desig nad as iaô s;
9. Abiãs – t ít u lo de algumas pessoas de ambo s o s sexos que fr eqüent am a
casa na qualidade de asp ir ant es a uma in iciação . São pré-noviças.
Há, ainda, dent ro dessa est rut ura organizacio nal, f ilhas e f ilhos-d e-sa nto
do tateto Roxitalamim que já possuem suas pró pr ias casas abert as e filho s
in ic iado s que são net os do tateto e so br inho s de seu s irmão s-de- santo.
Assim, a f amília-de- santo do Inzó Danda luna é u ma fa mília ext ensa co m
ramificações, at ravés de laço s in iciát icos, que começam na co mu nidade
Tombensi, de Tuenda Unzambi at é o mais r ecent e me mbro , e na pró pr ia
co munidade Inzó Dandaluna do mais ant igo in iciado ao ú lt imo abiã, sendo
to do s t at aranet os, bisnet o s, net o s, filho s, so br in ho s e ir mão s, em relação ao
parent esco relig ioso .
54
d) As divindades
As saudações e ho menagens prest adas às divindades po ssuem uma o rde m
seqü encia l co m caract er íst ica própr ia, po rém o bedecendo a um pr inc íp io
fund ament al dos Cando mblés: t odo s o s rit uais se in icia m pela div indad e da
co municação e t er minam p ela da cr iação. Ent re u ma e out ra d ivind ade, a
o rdem seg ue os f undamentos de cada casa.
A ordem do cu lt o às divind ades no Inzó Dandaluna é a seguint e: Aluvaiá,
Incosse,
Bu runguro,
Tariaza ze,
Caia ngô,
Tempo,
Cavungo,
Catendê,
Dandaluna, Gangazumbá, Taraqui zung a, Angorô, Lemba. Essas d ivindad es
são int er med iár ias de Zambi.
O tateto est abelece correspo ndências ent re essas divindades cu lt uadas em
sua Casa co m as divindades cu lt u adas na Nação Quet o , sendo Zâmbi, Deus,
co rrespondent e de Olodumare, que não ent ra no quadro das divindad es.
De acordo, ent ão, com a sua part icular idade, o s inquices co m o s seu s
co rrespondent es orixás e suas caract er íst icas e do mín ios são o s segu int es:
Inquices
Aluvaiá
Ori xás
Ex u
Caracterí stica s / domínio s
Senhor
da
c o m u ni c aç ã o
e
g u a r di ã o
da
c o m u n id a d e . R e g e o c o rp o h u ma n o .
Incosse
Ogum
S e n h o r d os c am i n h os , do f e rr o, d a g u er r a e
d a t e c no l og i a .
Bu r u n g u r o
Oxosse
S e n h o r d a c a ça , d a f a r t u ra , d a a b un d â n ci a .
Tariazaze
Xangô
S e n h o r d o t ro v ã o, do r a io e da j u s t iç a.
Caiangô
Iansã
S e n h o r a do s v e nt o s, d a s t e m p es t a d e s e d o na
dos eguns.
Tempo
Nã o h á
c o rr e s p o n dê n c i a
Cavungo
Omolu
S e n h o r d o t em p o. É r e p r e se n t a d o po r u ma
b a n d e i r a br a n c a.
S e n h o r d a t er r a e da s d o e nç a s e pi d ê m ic a s. É
também
co n h e ci d o
p e lo s
nomes
de
I n t o to ,
ri o s,
l ag o s,
I n s u m b o e O ba l u a ê.
Catendê
Ossaim
Dandaluna
Oxum
S e n h o r d a s fo l h a s e d a ci ê n c ia .
Senhora
das
águas
do c e s :
c a c ho e i r as , la g o a s.
Ga n g a z u m b á
I e m a nj á
S e n h o r a do s m ar e s .
Taraquizunga
Na n ã
S e n h o r a d a l a m a e d o s p â n t a n os .
55
A n g o rô
Oxumarê
S e n h o r d o a r co - ír i s e d a s á g u a s d a s c h u v a s.
É r e p r e s e n t a do p e l a s e r pe n t e d e d u a s c ab e ç a s
q u e f a z a l ig a ç ão e n tr e o c é u e a t e rr a .
Lemba ou
Oxalá
S e n h o r d a c r i aç ão .
L e m b a r i ng a n g a
2.1.2 Os rituai s : est rutu ra e funciona mento
No Inzó Dandaluna, há do is t ipo s de r it uais: os secret os e o s público s.
Os r it u ais secret os são aqueles em que se realizam o s at os pro piciat ó r io s,
alguns dias ant es dos r it uais públicos, at ravés de o ferendas às d iv ind ades de
animais sacr ificado s r it ualist icament e e de aliment os preparado s à base d e
cereais, legumes e frut as.
O número de dias dos r it uais pr ivat ivo s à co mu nidade var ia de acordo co m
o t ipo de obri gação: se fo r u ma iniciação , o s iniciandos po dem ficar
reco lhido s 14 ou 21 dias, depend endo do caso, po is o tateto bu sca sempre
o bedecer ao que as d iv indades reve lam at ravés do seu jo go de búzio s. O r it ua l
de inic iação será descr it o no it em b.
Há um r it ual no Inzó Dandaluna, o Gongá ou Festa do Gongá que é
secret o, realizado apenas co m a co mun idade de sant o , no ent ant o , o tateto, e m
ju nho de 2000, aut o rizo u- me a assist ir, reg ist rar e d ivulgá- lo na ínt egr a. Esse
r it ual marca o início do ano lit úrg ico p ara a co munidade [será d escr it o no
it e m c].
Os r it uais pú blico s são, po pular ment e, chamados de f esta e possuem u ma
fo r ma de organização
mais ou
meno s padro nizada,
havendo
pequenas
alt eraçõ es, co nfor me a cer imô nia ( in ic iação , obrig ação de ano et c.) e a
d ivindad e ho menageada.
Há as f estas que são realizad as t odos os anos, em épo cas similares a de
o ut ras co munidades de cando mblé. Po r exemp lo , a f esta de Congoluand ê,
dedicada aos inquices r elacio nado s às doenças epid êmicas e ao element o
t erra: Cavungo, Insumbo, Intot o, t ambém desig nado s co mo
Omolu
ou
Obaluaê. Essa f esta é realizad a durant e o mês de ago st o e será descr it a no
it e m d.
56
A f esta dedicada a Inco sse, t ambém d esig nado co mo Ogu m é u m do s
grandes mo ment os dent ro do Inzó Dandaluna, uma vez qu e Ogum é a
d ivindad e pessoal do tateto, o pai-de-sant o da co munidade.
Alg umas co munid ades de cando mb lé r ealizam a f esta para Ogum no mês de
abr il, o ut ras em ju nho. Em 2004, o tateto realizo u-a no mês de ju nho.
Tant o no s rit uais secr et os quant o nos públicos, a música e a dança est ão
sempre present es.
Segundo Vat in (2005:168) 13:
A m úsi ca n o ca n dom bl é é qua s e s em pr e m edi da , i st o é, den ot a -se a
pr esen ça , m a t er i al i za da ou vi r t ua l , de uma pulsaç ão i sóc rona c om o n o
or i gna l t em po m usi ca l .
/ . .. / T oda s a s can t i ga s sã o a c om pa nha da s por fór m ul a s r í tm i ca s, ch a ma da s
t oque s; a pul sa çã o, fr eqü en t em en t e, é e vi den t e / . . . / el a é d e qua l quer
m od o m a t er ia l iz a da n os pa ss os de da n ça .
Co m base em Vat in, buscare i descrever essas "fór mu las r ít micas" at ravés
dos moviment os da dança:
- congo-de-ouro: dança-se abr indo br aço , ant ebraço e mão s e m sent idos
o posto s e ao mesmo t empo, enqu ant o o s pés aco mp anham esse mo v iment o ,
abr indo uma vez para a direit a e o utra para a esqu erda;
- muzenza: dança-se co m o do rso bem abaixado, dando do is passos p ara a
d ireit a e do is para a esquerda, mo viment ando o s braços e o co rpo para o
mesmo lado que os pés;
- cabula: a cabula se co mpõe de duas p art es: na pr imeira, dança-se
jo gando os pés, um de cada vez, para t rás, aco mpanhado pelo mo viment o do s
dois braços para o mesmo lado ; na segu nda, mud am-se o s moviment os qu e
ficam p arecidos co m o congo-de-o uro, porém mais rápido s. Algumas pesso as
dos cando mblés no me iam essa o utra part e da cabula co mo samba ;
- barravento: dança- se dando pequ enos p u lo s, t ro cando os pés e jo gando o
co rpo ora para o lado d ireit o , o ra para o esquerdo ; t rat a-se de u m toq ue
bast ant e ráp ido ;
13
La musique du candomblé est presque toujours mesurée , c’est-à-dire qu’on dénote la présence, matérialisée ou virtuelle, d’une pulsation
isochrone qui régule le temps musical.
Tous les chants (cantigas) sont accompagnés des formules rythmiques (toques) /…/ La pulsation est souvent manifeste dans ces formules
/…/ elle est de toute façon toujours matérialisée dans les pas de danse.
57
- ijexá: dança- se abr indo o s br aço s em sent ido s opo sto s e mo viment ando o s
pés o ra para o lado d ireit o, ora para o esquerdo , nu m r it mo lent o .
No s Cando mblés, de modo geral, a pessoa que in icia u ma cant iga po de
var iar, ao lo ngo de uma f esta; ent ret ant o, nos pr imeiros mo ment os das
cer imô nias, as cant igas, via de regr a, são tiradas pelo s do no s da Casa, po rque
é u m mo ment o em que se evid encia a caract er íst ica e a per sonalid ade de uma
dada co mu nidade.
No Inzó Dan daluna, a p essoa responsável pela seqüência das cant igas é o
tatagongá. As cant igas co meçam, na maio ria das vezes, pela sua vo z. E le é o
so list a e o coral é co mpost o pelos o ut ro s membro s da co munid ade que
respondem às cant igas. E le saúd a a d ivind ade e, em seg uida, tira a cant ig a
sem o som dos inst rument os mus icais, ut ilizando so ment e a sua vo z. As
pesso as respondem ao mesmo t empo em q ue o s inst rument os mu sicais in icia m
a o rquest ração. Há, assim, uma alt er nância ent re o so list a e o co ral. I sso se dá
de duas for mas diferenciadas:
1 a o enunciado da cant iga é repet ido t al q ual fo i ent o ado pelo tatagongá ;
2 a o enunciado da cant iga é apenas co mp let ado .
Essas duas for mas são descr it as po r Vat in (2005:161) co mo :
1ª) antif onal: o coro retoma o enu nciado do so list a;
2ª) responso rial: o coro co mplet a o enu nciado do solist a.
a) A festa de Ogum
A f esta será o modelo para d escrever a organização r it ual d e u ma
cer imô nia pública na ínt egra. Dist ingo, na descr ição , do is plano s: o do
hu mano e o do sagrado.
Plano do humano
A f esta realizou-se no pr imeiro do mingo de junho de 2002 e t eve in íc io às
22h00. Ant es desse horár io, foram chegando os f ilhos-de-santo da Casa e
demais convidado s. O segundo grupo fo i bu scando sent ar-se no s lugares qu e
dese java, de acordo com a ordem de cheg ada; os f ilhos-de-santo ent raram no
espaço pr ivat ivo para a t roca de ro upas.
Uma das caract er íst icas das relig iõ es afro -brasileiras é, just ament e, o fat o
de se sair d e casa co m uma roupa e su bst it uí- la por uma vest iment a própr ia d a
cer imô nia de que se vai part icipar, seja ela pú blica ou não .
58
Após t rocar a ro upa, os f ilhos-de-sant o fo ram saindo , ao s po uco s, as
mu lheres vest idas co m saias co lor idas e ar madas por saiot es engo mados, bat as
t ambém engo madas, algumas brancas, o ut ras co lo r idas, p ano s co lo r ido s e
enro lado s na cabeça e, pendur ados no pescoço , fio s de co nt a das cores de suas
d ivindad es pesso ais. Logo depo is, alguns ho mens co m bat as co mpr idas, ret as
e co lor idas; ou co m camisas o u camis et as brancas. As equedes est ava m
vest idas co m bat as co mpr idas e co lo r idas; usavam t ambém p ano s co lo r idos e
enro lado s na cabeça e fio s de co nt a das cores d e suas d ivindades. Fo ra m
o cupando
todos
os
espaço s
do
barracão,
falando ,
gest iculando ,
cu mpr iment ando as pessoas da assist ência e se cu mpr iment ando .
Os tatas cambonos espalhara m mu it as fo lhas pelo barracão e co meçaram a
afinar o s at abaques. O tateto t oco u o adja e t o do s o s f ilhos-de-santo
desapareceram pe la port a que dá acesso ao int er ior da casa, à exceção do s
tatas cambonos que se posicio naram no local o nde se enco nt ravam o s
at abaques a fim de pr inc ipiarem a orquest ração.
A f esta co meçou, efet ivament e, co m essa o rganização par a o arrebat e,
mo ment o em que os tatas cambono s per cut em os atabaques, t ocam o agogô
num r it mo cadenciado e os f ilhos-de- sant o ent ram no barracão , aco mpanhando
o rit mo at ravés d e passos de dança.
Arrebate
O tateto t o cou o adjá repet idas vezes. Os atabaques pr incip iar am o toque.
Fo i ent rando uma fila co m o fo r mat o de um car aco l; o s co mpo nent es ent rara m
dançando , à exceção das pesso as in iciadas há pouco t empo e daquelas ainda
não in iciadas, for mando um grande círcu lo em mo viment o ant i- horár io.
Esse t oque inic ial é uma apresent ação dos membros da co mu nidad e e,
segundo o tateto, "o arrebate est á avisand o que a f esta vai co meçar".
Nesse mo ment o , havia apenas as linguagens dos inst ru ment os musicais
(atabaques, agogô e adjá) e do mo viment o do s co rpo s que dançavam. Quando
os
inst rument os
musicais
silenciara m,
a ro da se t ransfo r mo u
em u m
semicír cu lo, vo lt ado para a assist ência. Dessa fo r ma, pôde-se perceber u m
grande círculo ent re os membros da co munidade e a assist ência.
Todas as f estas que presencie i no Inzó Dandaluna, o bser vei o tateto
d ir ig ir- se ao público, dando u ma exp licação so bre o r it ual a que se ia assist ir.
59
No dia da fest a de Ogum, reg ist rei a sua elo cução in icia l, o d iscur so de
abert ura.
Discurso de abertura
O tateto fo i para o cent ro do barracão, local o nde há o f undamento
(segurança da casa) e profer iu o seguint e discur so :
E sper o que h oj e, n o di a de h oj e, Ogum en t r egue a t od os voc ês qu e a qui
est ã o e os qu e n ã o vi er a m ou que ch ega m m ai s t a r de por que ch ega m m ai s
t ar de, m a s a quel es que e st ã o a qui , com c er t ez a , e os qu e n ã o puder a m vi r,
Ogum va i da r m uit o a xé pr a você s ven c er em n a vi da m a t er i al , espi r it ua l,
n a vi da a m or osa , n a vi da fi n an cei r a, n o t ra ba l ho, n a fa m í l i a e em t udo
a qui l o que você s, r ea lm en t e, vi er am em busca n essa ca sa . Que Ogum , o
or i xá , Senh or da m inh a ca be ça , a quel e que d om i n a o m eu or i , pa i de
t od os voc ês qu e dê m ui t o a xé, m ui t o gun z u a t odos você s.
Após esse discurso de abert ura, t eve iníc io u ma o ut ra et apa da f esta
dedicada a Ogum, a preparação.
Prepa ração
Nessa
et apa,
t iveram
in íc io
t rês
at iv id ades
que
co nsid ero
co mo
pro piciat órias, po is sign ificam uma adeq uação ao amb ient e : a def umaçã o, a
pemba e as louvações à Nação Ango la e à Band eir a da Nação Ango la.
1 a at ividade: Defu mação
A mãe-pequena da Casa defu mou t o do o barracão com um recip ient e de
alu mínio , co nt endo carvão em brasa e diferent es er vas secas:
- alecr im ( rosmarinus of f icialis) ;
- alfazema (lava ndula angustif olia);
- benjo im ( scaptotrigona postica) ;
- alfavaca de cheiro (marsypianth es hypto ides) ;
- anis est relado (clausema ani sata) ;
- incenso (boswellia papyrif era) ;
- mirr a (commiph ora myrrha) ;
- pat chuli (pogostemon heyneanu s).
60
A d efu mação fo i aco mp anhada por cant ig as, pelo s inst ru ment os musicais e
por palmas.
As cant igas referent es à defumação foram tirada s pelo tatag ongá:
1 a cantiga
No s s a s e n h or a i nc e n s o u s e u s b e n t os f i l ho s
I n c e n s o u , d e u p a r a c h e ir a r
E e u i n c e n s o e s s a a ld e i a
P r o ma l s a ir e a f el i ci d a d e e nt r a r
Depo is de um cert o número de vezes em que se repet iu a cant ig a, o
tatagongá emendou nova cant iga, sem d eixar de to car o s t ambo res.
2 a cantiga
Es t o u l o uv a n d o
Es t o u i n ce n s a n d o
A c a s a d e t at e t o O g u m
Depo is da defu mação, o out ro mo ment o pro piciat ó rio fo i o de lo u vação à
pemba.
2 a at ividade: Pemba
Nessa segunda at ividade, cant o u-se em louvação à pemba, qu e é u m pó
branco, previa ment e preparado para ser usado nos r it uais da casa. Fo i
expelido para o ar, pela mãe-pequ ena no s quat ro cant o s do barracão e no
cent ro , local em q ue há a cumeeir a e o f undamento no chão , na mesma d ireção
da cumeeira; ant es, porém, ela despejo u u m po uco nas mãos do tateto, depo is
nas mão s dos tat as cambono s qu e pu lver izaram os at abaques co m o pó. Essa
at iv idad e fo i aco mpanhad a po r cant igas, som dos inst ru ment os musicais e
61
danças qu e deram início a u ma o ut ra organização esp acia l, pr eparando a
separ ação t ot al ent re os do is grupo s d ist int o s: me mbros da co mu nidade e
assist ência, que, at é ent ão, est iver am em int egração t ot al.
As cant igas referent es à pemba foram ent oadas durant e a ação da mãepequena.
1 a cantiga
2 a cantiga
Ô q u i p e mb e
P e m b a d il e mo n a mo n a
Ô q u i p e mb a
O q u i p e mb e
A u e n d a c as s a nj i
P e m b a d il e mo n a mo n a
A u e n d a d e a n go l a
O q u i p e mb a
Ô q u i p e mb e
S a m b a a n g ol a
Depo is da lo uvação à pemba, o correu o t erceiro mo ment o propiciat ó r io .
Nele há u ma ret omada na organização espacial, vo lt ando ao est ág io inicia l de
int egração ent re os membros d a co mu nidade e a assist ência que part icipa,
no vament e, por meio de palmas, int eg ração essa int erromp ida na et apa
ant er io r.
3 a Louvações à nação é à bandei ra: nesse t erceiro mo ment o , t ivera m
lugar a lo u vação à Nação Ango la e à Bandeir a da Nação Ango la, marcando o
fechament o do plano do hu mano .
As cant igas foram ent o adas, ret o rnando o semicírculo e a part icip ação da
assist ência at avés de palmas.
62
Saudação à Naçã o Angola
A i , ai a n g ol e i ro
V a m os l o u va r a n aç ão d o a n g o l a
V a m os l o u va r a n aç ão d o a n g o l a
V a m os l o u va r a n aç ão d o a n g o l á
Saudação à Bandei ra da Naçã o Angola
Ba n d e i r á - á, b a n d e ir a b ra n c a
É b a n d e i r a a n go l a
Ba n d e i r a b r a nc a é b a n d e i rá .. .
Ba n d e i r a b r a nc a é a n g o l a r e a l
Ter minando as louvações, o co rreu uma rupt ura co m o plano do hu mano e
ent ro u-se no plano do sagrado .
Plano do sagrado
A ent rada no p lano do sagrado fo i o mo ment o que mar co u a mud ança na
int egração ent re o s membro s da co mu nid ade e da assist ência.
No plano do hu mano, os do is grupos est avam ju nt o s e a assist ência
part icipava at ravés de p almas e de mo viment os co rpo rais. Co m a rupt ura ent re
o s dois p lanos houve a separação dos dois grupo s. O fo co , agora, eram o s
membro s da co munidade e a assist ência fico u at ent a aos mo viment o s no
barracão.
Havia
ainda
uma
part icipação ,
po rém
mais
passiva,
de
aco mpanhament o e exp ect iva em relação ao mo viment o das pesso as dent ro do
barracão : qual dos rodantes 14 vai vi rar-no- santo 15; para qual divind ade se vai
cant ar agora; quem vai tirar a cant iga; q ual d iv indade vai dançar um po uco
mais durant e o xirê; as mano bras de t ro ca do s inst ru ment o s musicais ent re o s
tatas cambonos et c.
14
15
Rodantes: pessoas que entram em transe de possessão de suas divindades.
Virar-no-santo: entrar em transe de possessão
63
Uma d as equedes t ro uxe as o ferendas p ara a div ind ade Alu vaiá, t ambém
desig nada por Exu: um algu id ar médio co nt endo faro fa de dendê, u ma
quart inha de barro com água, u ma vela br anca co mu m acesa e o rganizo u t udo
no cent ro do barracão.
O tatagongá inic iou cant igas d ed icad as à div indade. For mou-se u m
pequeno cír cu lo so ment e co m a equ ede, a mãe-pequena e a filha d e Exu que
fo i possu ída pela divindade após t er sido ent o ada a segu nda cant ig a ded icad a
a ele. Essa part e se deno mina padê de Exu .
Padê d e Exu
O padê de Exu, s imbo licament e, abre o canal d e co mu nicação co m as
d ivindad es, at ravés de cant os e d anças ded icado s a Exu, co m mo viment o s,
possessão de Exu e ent rega de o ferendas, levadas pela pró pr ia divindad e e m
t ranse para a rua, aco mpanhada pela equede.
Cantigas para a divindade Aluvai á / Ex u.
Tatagongá: Laroiê! / To dos: Laroiê Exu!
2 a cantiga
1 a cantiga
P o m bo j i ra j a m uc a n g u ê
T e n d a t e n d á Po m bo j i ra t e n d á
o i a o r ê rê
T e n d a t e n d á Po m bo j i ra
P o m bo j i ra j a m uc a n g u ê
tendaió
o i a o r ê rê
3 a cantiga
4 a cantiga
Ma v u l u t a n g o n a q u a t a i l ê
Ê m a v i l e é m a v am b u
Ma v u l u t a n g o n a q u a t a i l ê
R e co m p e n s u ê i a i a i a
Ma v i l ê
R e co m p e n s u á
Tango naquata ilê
Ma v i l ê
5 a cantiga
6 a cantiga
É u m g ó i a, é u m g ó ia
Ex u g a n g a n o ar o
É um góia ê
É de tê tê tê
64
É u m g ó i a, é u m g ó ia
É u m l a ro i ê
7 a cantiga
A g ô e le g u e b á
L e g u e b a r a Lo n a n
Após o padê, fo r mo u-se um se micírculo e os membro s da co munidad e
pro fer iram uma pr ece de no me Quibu que.
Prece
Durant e a prece, muzenzas e abiã s (de ambo s o s sexos) d eit aram- se d e
bruço s no chão; as equedes e eb omes (de ambos os sexo s) ficaram e m p é,
porém co m a cabeça baixa e o tateto fico u sent ado em sua cad eir a. Todo s
esfregavam as mãos uma na o ut ra enquant o rezavam.
Q u i b u q u e s a m ba a n g ol a z a ze a n g ol á
C o s i b am b i
L a m b a a n g u l a m b a a n g o la
Mu t a c a l am b o
Bu r u n g u r o
Zu m b i r á s q u el u s q u e a so b a
C a t u m a n d ar á s
Em b e b e r e q u e té
Q u i t a m b ei ro s q u e l u s q u e as o b a
C a x i b ir i ji n a c ax i b ir i j i na
En g u e s a c om b a n d a i n go ro s s i
T a t e t o R ox i mo c um b e
Quesinavuru
Q u e m i ri n g o n g a
O r a co m ba n d a
Ma r á s c at u m a n da r á s
65
Após a prece, foram pro fer ido s do is dialo gos ent re os membro s da
co munidade, de t ipo fo r mulaico .
Diálogo s f ormulaicos
Esses diá logos consist em nu m mesmo t exto , porém ut ilizado em mo ment o s
r it ualíst icos difer enciado s dent ro do Inzó Dandaluna par a ped ir a bênção ,
mudando apenas a int er lo cução :
a) ao tateto para se aliment ar o u fazer qu alquer o ut ra co isa dent ro do
r it ual;
b) ent re os ir mãos;
c) à divindade durant e a po ssessão de seu filho .
Nessa f esta p ara a divindade Ogum, os diálo go s fo r mu la ico s fo r a m
ut ilizados em t rês mo ment os d ist int o s :
1° mo ment o : pelo s f ilhos-de- santo, d ir ig indo-se ao tateto, ped indo- lhe a
bênção no iníc io da cer imô nia;
2° mo ment o : pelos f ilhos-de-sant o, d ir ig indo -se aos mais no vos t ambé m
pedindo- lhes a bênção ; e
3° mo ment o : pelos f ilhos-de- santo, d ir ig indo-se à d iv indade Ogum durant e a
possessão de seu filho.
1° momento : filhos-de- santo se di rigind o ao tateto
F i l h o s- d e - s a n to :
Mo c oi ú t a ta Ro x it a l am i m ?
R o xi t a l am i n :
Mo c oi ú n o za m b i.
F i l h o s- d e - s a n to :
Uananguê.
R o xi t a l am i n :
Ananguê.
F i l h o s- d e - s a n to :
a . A n a n g u ê, a n a n g u ê c om b a n d a zam b i ap o n go
m ar á s c a t u ma n da r á s .
b. A to m a n aj i r a t at a Rox i t a l am i m p r o f u n do
c a io d e m o n a ?
66
R o xi t a l am i n :
J i r a c om z a m bi a po n g o.
F i l h o s- d e - s a n to :
Ji r a ê, j ir a ê c om b a n d a za m b i a p o n go m ará s
c a t u ma n d a r á s.
R o xi t a l am i n :
A u e t o.
2° momento : filhos-de- santo mais novos se di rigindo ao s mai s velho s
F i l h o s m a i s no v os :
Mo co i ú to d o s o s ta t e t o s e m am e t os ?
Filhos mais velhos :
Mo c oi ú n o za m b i.
F i l h o s m a i s no v os :
Uananguê.
Filhos mais velhos :
Ananguê.
F i l h o s m a i s no v os :
a. A n a n g u ê, a n a n g u ê c om b a n d a za m b i a p on g o
ma r á s c at u m a nd a r á s .
b. A to m an aj i r a to d o s o s t at e to s e ma m e to s
p ro f u n d o c a io de m o n a ?
Filhos mais velhos :
J i r a c o m z a m bi a p o n go .
F i l h o s m a i s no v os :
Ji r a ê, j ir a ê c om b a nd a z am b i ap o n go m a rá s
c a t u ma n d a r á s.
Filhos mais velhos :
A u e t o.
Ter minado o s diálogos, o tatagongá in icio u o xirê, co m a pr imeira cant ig a
dedicada a Ogum, fazendo- lhe a saud ação : Ogunhê pat aco ri. Todos gr it aram :
Ogunhê!
Esse fo i o mo ment o t ambém dos cumpr iment o s fo r mais dent ro do rit ual.
67
Cumprimentos
Os
cu mpr iment os
consist em
na
saud ação
feit a
pelo s
me mbro s
da
co munidade ao s locais fu ndament ais do barracão : ent rada, cent ro (lo cal do
f undamento e da cumeeira), diant e dos atabaques, ao tateto e aos ir mãos-desant o por ordem hier árqu ica. O pr imeir o a fazer a saudação fo i o próprio
tateto,
seguido
pelos
f ilhos-de- santo
co nfo r me
a
o rdem
já
descr it a
ant er io r ment e nest e capít ulo. A cant iga abaixo se repet iu at é a saud ação do
ú lt imo abiã.
I n c o s s e p a nz o ta r a m e n s á go n g á
Gó i a ê a ê, gó i a ê a ê g ói a ê
Ter minando os cumpr iment os, o tatagongá parou o coro e, no vament e, fez
a saud ação a Ogum : Ogunhê pataco ri. Todos gr it aram : Ogun hê!
Cont inuou o xirê, co m ma is saudaçõ es e cant igas ded icadas a Og um e para
as dema is divindades.
Cantigas e louvações às out ras divind ades
Fo r mar am- se duas ro das, uma gr ande roda co mpo st a pelos membro s ma is
no vo s em relação à iniciação e os não in iciado s; out ra, pequena, dent ro dessa
roda maior, co mpo st a pelos membro s mais velho s e m re lação à iniciação e
co nvidado s especia is de out ras co munidades pert encent es ao alt o clero das
religiõ es afro -br asile iras.
Havia, nessa fest a, mães e pais-de-sant o da Umbanda, do Cando mblé de
Nação Qu et o e do Cando mb lé de Nação Ango la, ebomes, mu zenza s, equed es e
ogãs. Essas pesso as for am chegando durant e o xirê e cada vez que u m
membro do alt o clero chegava, post ava-se à ent rada do barracão e esperava o s
tatas cambonos dobrare m o coro para a sua ent rada, seguid a por membros d e
sua pró pr ia co munidade.
No rmalment e, no xi rê, cant a-se u m nú mero meno r de cant igas para a
d ivindad e que est á sendo ho menag eada, po is, ao to mar po sse d e seu filho ,
vo lt ará ao barracão vest ida e parament ada para a sua dança especial.
68
Apr esent arei, em seguida, as cant igas reg ist radas nessa fest a, inclu indo as
saud ações que são feit as às div indades cu lt uadas no Inzó Dandaluna.
Cantigas para a divindade Incosse / Ogu m
Tatagongá : Ogunh ê patacori ! / Todo s : Ogunhê!
1 a cantiga
2 a cantiga
O g u m d i lê
Leuá, leuá
é d e a mo r a s i
O g u m d i lê
C a t u l a d e m a ra n g u a n g ê ê
Ô dilê leuá á
é u m x e to a ê
3 a cantiga
4 a cantiga
R o xi m oc u m b e O g u m t a t ar á
S e n z a l a s e n z á o d il e
S e n z a l a s e n z a o d il e a e I nc o s s e
Ê roxi ê
É puramô
Cantigas para a divindade Burun guro / Oxosse
Tatagongá : Oquê arô! / Todo s : Oquê arô !
1 a cantiga
2 a cantiga
A ê C o n go m bi l a di l ê
A h . .. n a A r u a n d a ê
A ê C o n go m bi l a
Ô rê rê ê
C o n g om b i l a m u t al ê
C a b i l a q ue o a la t a l a
A ê C o n go m bi l a
Mo z u ê ô r ê r ê ê
3 a cantiga
4 a cantiga
Za m b i ê ê ê
Er ô m ar a n g u a n g ê
Za m b i ê a bi m b a t a u á
O x o s s e é d e b ar a c ur á
Za m b i ê a bi m b a t a u a mi m
69
Za m b i ê a b i mb a t a u á
5 a cantiga
6 a cantiga
Ê maranguange maranguange
A r u ê Mu t ac a l am b ô
Q u e o am ê
T a b a l a n g u a n g e ma t ô s u b a é
Ó i a s i n d a l u c ai a
Tauamim
7 a cantiga
8 a cantiga
Ê n u m a t a s q u e lo n d i r á
C o n g o bi l a m u t u ê
O x o s s e é Mu t a l am b ô
C o n g o bi l a m u t u á
Aê aê
Aê aê
O x o s s e é Mu t a l am b ô
C o n g o bi l a m u t u ê
9 a cantiga
10 a cantiga
A d ê c u ta l a zi n g u ê
C a b i l a t a l a no p o ng o
A d ê c u ta l a zi n g u ê
A i n d a rô l ê
Olha zinguê ô
C a b i l a t a l a no p o ng o
A i n d a rô a i n d ar ô ai n d a rô l ê
A i a i ai a i ai a i
A d ê c u ta l a zi n g u ê
A d ê c u ta l a zi n g u ê
Olha zinguê ô
11 a cantiga
12 a cantiga
Cabila lá lá lá á
Ê c o n g o d e a b a n dá
Cabila lá lá lá
C a m b a u e n d á ô d i dê
Ê Cabila
Didelegüê
Cabila lá lá lá
Congo de a bandá
C a m b u e n d a di d ê ô
O l h a ê ol h a ê
Congo de a bandá
Didê ô
70
13 a cantiga
Congo de a bandá
Olé lê
Cantigas para a divindade Tariazaze / Xangô
Tatagongá : Caô cabiecile! / To do s : Caô cabiecil ê!
1 a cantiga
2 a cantiga
Ô Za z e ê , ô Za z e á
Si ganga ê
Ô Za z e ê
ê lubango
Ma i o n g ol ê , m a io n g o l á
Si ganga ê
Za z e q u e n a m bo a ê a ê
ê lubango
Q u e b e l a Za z e
Ô Za z e ê
3 a cantiga
4 a cantiga
Aruê ganga ê
C o b e l a Za z e
Gó i a m i g a n g a ê
Cobela Ame
Aruê ganga ê
Gó i a m i g a n g á
5 a cantiga
6 a cantiga
Ê Za z e n o a ti l o si
Ma ç a n g a n g o m aç a n g a n g o
Ma ç a n g a n g o é d e c a r io l é
Sindolelê
Cantigas para a divindade Caiang ô / Ia nsã
Tatagongá : Eparrei Oiá ! / To do s : Eparrei !
71
1 a cantiga
2 a cantiga
Ô s i n h á Va nj u
A ê Ba m b u r uc e m a
Ô s i n h á Va nj u ê
Ba m b u r u c e ma
A ê Ba m b u r uc e m a
A ê m a v a nj u
El a é s i n h á V a nj u ê
A ê Ba m b u r uc e m a
Ba m b u r u c e ma
A ê m a v a nj u
3 a cantiga
4 a cantiga
Ma t a m b a p é p é
Simbi ê ê ê
Ma m ã e é d e c a ri o l é é
A ê b a m b ur u c em a
Ma m ã e é d e c a ri o l é
I a n s ã é d e ca r io l é é
5 a cantiga
6 a cantiga
Indembu rê
O i á O iá O i á ê ê
I n d e m b u r ê ma v a nj u
O i á Ma t am b a d e c ac u r u cá z i n g u ê
I n d e m b u r ê ma v a nj u
El a é O i á m a v a nj u
7 a cantiga
8 a cantiga
O i á Ma t am b a ê
Ba l a l á b a la l á
Tata imbê
El a é d o n a si m si m m am e to
O i á Ma t am b a ê
Ba l a l á b a la l á
Tata imbê
El a é d o n a si m si m t at e to
Cantigas para a divindade Tem po
Tatagongá : Zara t empo! / Todo s : Tempuiú!
1 a cantiga
2 a cantiga
T e m p o n ão t e m c a sa
T e m p o r ê r ê r ê rê r ê
72
T e m p o mo r a na r u a
T e m p o r a r a r a r a ra
Mo r a d a d e t e m po é
T e m p o d e i n g a n a z am b i
É n o c l ar ã o d a l u a
T e m p o d e g a n g á z u mb á
3 a cantiga
4 a cantiga
T e m p o z ar a
T e m p o ma c u rá d i l ê
T e m p o z ar á t em p ô ô
T e m p o ma c u rá d i l ê
Eu v e n h o d e a mo r ax ó
ai ai ai
T e m p o ma c u rá d i l ê
Cantigas para a divindade Cavung o / Om olu
Tatagongá : A tô tô ajuberô ! / To do s : A tô tô!
1 a cantiga
Ê sumbu
rê
2 a cantiga
r ê rê
Sumbu ê
S u m b u é p ô po d e m o n ã
Ê sumbu nanguê
Ê s u m b u r ê s e u Pi p oc a m
É sumbu samuqüenda
S u m b u é p ô po d e m o n ã
É l e m b a d il ê
Ê sumbu rê seu Cavungo
Ma i ó q u e f it a f i ta
S u m b u é p ô po d e m o n ã
Ma i ó q u e s am u q ü e n d a
Ê s u m b u ê s e u I n t ot o
S u m b u é p ô po d e m o n ã
3 a cantiga
4 a cantiga
L e m b a ê ê m e u c a t u iz ô
Me u c a i a n gô
L e m b a ê ê m e u c a t u lo i á
Cainé, cainé
5 a cantiga
6 a cantiga
Ê m o n a gó i a S u m b u ê
C a t u l e mb a r a si m b e c o n s e n za l a
Aunguelê
Ê ê Cafungê
Mo n a g ó ia S u m b u ê A b a l u a ê
73
7 a cantiga
8 a cantiga
C o n g u a n d ê c o lo f é
C a v u n g o l ua n d ê
C o n g u a n d ê Ol or u m S a p at á
Ê ê s e u p i p oc a m
S a p a t á co lo f é
9 a cantiga
10 a cantiga
A ê a ê S ac a f u n a m
T u m b e t u m b e é l a si m b i
O m o l u q u e é b e lo j á
T u m b e t u m b e é l a ió
A ê a ê s ac a f u n a m
11 a cantiga
12 a cantiga
A b r a s a la d o a n g o l ê
Orixá iô iô
Sibuque a lê lê
É u m p i q u é m ai ó
A b r a s a la a n g ol á
Sibuque a lê lá
Cantigas para a divindade Caten dê / Ossaim
Tatagongá : Eue eue! / To do s : Aça!
1 a cantiga
2 a cantiga
Catendenganga purussu
Catendê ê ê
C a t u l á di j i n a p ur a mô
C a t e n d ê c a t e n d e n go m a
C a t e n d ê n a ar u a n d a ê
4 a cantiga
3 a cantiga
A ê c ai p ó
C a t e n d ê a di j i n e u a n d ê
C a i p or a g u e rr e i ra
Me u c a t e n d ê a d i j i na
C a i p ó d o me u r e i n ad o
C a i p ó d o m u n do i nt e i ro
74
5 a cantiga
6 a cantiga
C a t e n d ê c ó ia b i b i có i a
Q u e e u a m ê c ói a b i bi có i a
O q u ê o q u ê q u e g ó ia m i
P i q u i n i n i m m a vi l e é gó i a
C a t e n d ê q u e gó i a m i
p i q u i n i n i Ca t e n d e é g ó ia
7 a cantiga
8 a cantiga
C a t e n d ê mi o q u ê o q u ê
Ossãinhê
g a n g a t om b e n s i o q u ê o c á
Eu e e u e e u e ô
Eu ê e u ê e u ê O s s ã i n h ê
9 a cantiga
10 a cantiga
O s s a n h ê m at a ê
Eu ê e u ê e u ê a d é p os s u O s s ai m
O s s a n h ê m a n dô ca i á
Eu ê e u ê e u ê a d é p os s u i n s a b a
C a i á z u e lô
11 a cantiga
12 a cantiga
A d é b a u í la p a r ad á
ó ó ó
A d é b a u í la p a r ad á ê
O s s a n h e é u m m a l é, é u m m a l é
Cadê um ó ó
Cantigas para a divindade Dandaluna / Oxum
Tatagongá : Ora iêiê ô! / To do s : Ora iêiê ô!
1 a cantiga
2 a cantiga
T e r ê co m p e n s u ê
R ê , r ê , r ê , da n d á
T e r ê co m p e n s u á
R ê , r ê , r ê , da n d á
T e r ê co m p e n s u ê
D a n d a l u n a q u im b a n d á
75
3 a cantiga
4 a cantiga
Ô D a n d a l u n a m a im b a n d a c o q u ê
L e x o q u ê l e x o q uê ô m ã e Da n d á
Ô D a n d a l u n a m a im b a n d a c o q u ê á
El a é D a n d al u n a
5 a cantiga
6 a cantiga
S o i m so i m
Ê uenda mugango
D a n d a l u n a so i m
Eu a d i l ê n o c a mb a n d ô ô
Ê óia ê ê
T e r ê co m p e n s u ê
Cantigas para a divindade Gangazum bá / Iem anjá
Tatagongá : Odoiá! / To do s : Odoiá!
1 a cantiga
2 a cantiga
Ga n g a z u m b á ê
T a b a l a s i me t a b al a n d ô
Ô Ga n g a z u m b á
A ê C a iá
aê
Caiá
É Ga n g a q u i b u q u e a só b a
É Ga n g a z u m b á
3 a cantiga
4 a cantiga
Q u é v ê , q u é v ê C ai á
O m i Ca i á
m a m ã e d e a r u a n d a se g u r a i ng o ma
s e l u n g o m a s e l u mi n a
Q u é v ê , q u é v ê C ai á
d e m a m ã e o mi C a iá
selungoma
s e l u m i n a d e m a mã e om i C ai á ê
Cantigas para a divindade Taraqui zunga / Nanã
Tatagongá : Saluba Nanã ! / Todo s : Saluba Nanã!
76
1 a cantiga
2 a cantiga
V u l a iô v u l a iô
Ê Na n a ê n a n ã
Ga n g a v u l á
Na n ã Bu r u q u ê
3 a cantiga
Ê Na n ã Na nj e t u
Na nj e t u n a nj a r ê
Cantigas para a divindade Angorô / Oxu m arê
Tatagongá : Arroboboi u! / To dos : Arroboboiu !
1 a cantiga
2 a cantiga
A n g o rô ô ô A n go rô
S e u A n g o rô , se u A n g or ô
A n g o rô t á no ca j i u n go n g o
Eu v i s e u a rc o lá n o c é u b ri l h a r
J a c o n do n d ô m e u q u im b a n d á
S e u s f i l h o s p ed e m s u a b e n ç ão
E a p r o t eç ão d a s u a c ob r a c o rá
S e u A n g o rô
3 a cantiga
4 a cantiga
O k ê m e da n d a l u n a
A n g o rô A n go r ô
Cangá
A n g o rô é n o m é a
Q u e m m e q u eb r a a c a b aç a
A n g o rô t á no m e á
d e a n g o rô
Q u e m m e q u eb r a a c a b aç a
de angorá
5 a cantiga
6 a cantiga
A n g o rô s i n h ô ô
A n g o rô m ar a v a i a q u i p em b ê
A n g o rô s i n h ô ô
Arô ê
S i t e m g a n ga j á u n ta l e
A n g o rô m ar a v a i a q u i p em b ê
T o m a a be n ç a d e A n g or ô
S a m b a a n g ol ê
77
Encerrado o xirê, t eve início u ma o ut ra et apa no plano do sagrado : a
possessão da divindade ho menag eada e m seu filho Roxit alamim.
Possessão
O tateto ent rou em t ranse d e sua d iv ind ade Ogum, que se id ent ifico u
at ravés de seu ilá 16, fazendo co m que o s filhos-de- santo do Inzó Dandalu na
t ambém ent rassem em t ranse de su as div indades, bem co mo os iaôs de o ut ras
co munidades, to dos bradando seu ilá caract er íst ico e pessoal.
As equed es fo ram q üenda ndo 17 as divindades incorpo radas, fazendo-as
ajo elhar em-se no so lo e co br indo - lhes a cabeça co m u m pano que t razem
sempre à cint ura para essas ocasiõ es.
Ogum saudo u a casa, danço u uma cant iga e deixou o barracão para ser
vest ido e parament ado pelas equed es.
Ho uve um int er valo, mo ment o em q ue as pesso as saír am de seus lug ares,
to maram um cafezinho ser vido no balcão da cozinh a-de-sa nto, fu maram,
fo ram par a a rua, conver saram et c., at é que fo ram chamados para dar
co nt inuid ade ao toque, at ravés do so m do adjá, tocado, ago ra, pela mã epequena.
Todo s reto rnaram aos seus lu gares; os tatas cambon os se posicio naram
co m seu s inst ru ment os musicais e aguardaram o sinal da mã e-pequ ena ; o
tatagongá iniciou a cant ig a para a ent rada da d iv indade. Saiu, pr ime iro , a
equed e de Ogum, t ocando o adjá e de fr ent e para a d ivindad e; depo is dela,
veio a d ivindade co m sua vest iment a de co r branca, seu cap acet e ornament ado
co m bú zios e met al, saindo do alt o fios de palha da co st a (ver fot o cap.5); nas
mão s, u ma espada encost ada ao peit o. Entraram dançando a cant iga abaixo :
I á i á q u i c o mp e n s u ê
S e t e m g a n g a m a m u x i ma
D i g a d ê c a t e n d e ng o iô
Se tem ganga
16
17
Ilá: grito característico e de saudação de cada divindade.
Qüendando: ajudar a divindade a sair do transe de possessão (cf.Assis Junior, 1941:174)
78
A div indad e deu t rês vo lt as no barracão, saudando a to dos através de seu
ilá. Os at abaques silenciar am e o tatago ngá inicio u uma seleção de cant igas
dedicadas à divind ade Ogum, que d anço u, sempre aco mp anhado pela su a
equed e e por algu ns membros do alt o cler o de o ut ras co munidad es.
1 a cantiga
2 a cantiga
Fala Ogunhê
Ogum
O g um
O g um
é d e m a l em b a l e
Tenha dó de mim
A i , ai O g u m á ,
A ê a ê a ê t a ta r á
é d e m a l em b a l e
Tenha dó de mim
ta t a r á
O g u n h ê é m e u p ai ,
V e n h a m e va l e r
A i , ai O g u m a
É d e m a l e mb a l e
4 a cantiga
3 a cantiga
I n c o s s e bi o l ê s i b io l á
C o n s e n z a la I n c os s e
I n c o s s e bi o l ê s i b io l á
C o n s e n z a la I n c os s e
Me u R o xi m oc u m bi
Consenzá
I n c o s s e bi o l ê s i b io l á
5 a cantiga
6 a cantiga
C o n s e n z a la é Ro x i
I n c o s s e b am b i ê
Consenzá mona Caiá
R o xi b a m bi é p u ra m ô
Consenzá
I n c o s s e b am b i ê
7 a cantiga
8 a cantiga
T a b a l a s s im b e
O g u m t at a r a ta r a c om d ê
é n o t a b al a n g u ê I n co s s e
O g u m d i lê
I n c o s s e é no t a ba l a n g u ê I nc o s s e
O g u m t at a r a ta r a c om d á
T a b a l a s s im b e é no t a b al a n g u ê
O g u m lo i á
79
9 a cantiga
1 0 a c a nt ig a
O g u m d i lê
A l u a n d ê I n co s s e I n co s s e
L e l ê I n co s s e
A l u a n d ê l el ê I n co s s e
I n c o s s e I nc o s s e ê
11 a cantiga
1 2 a c a nt ig a
O g u m b r a ga d a u ê
O g u m d e ro n d a
O g u m b r a ga d á
Rondê rondê
O g u m d e ro n d a
Rondê rondá
Após o encerrament o dos cânt ico s ded icados à divindade, est a fo i sent ada
em sua cadeira. Todos que est avam dent ro do barracão abr iram u m grande
cír culo e o s f ilhos-de-sant o rezaram o Quibuqu e e pro fer iram o diálo go
fo r mu laico. Ogum respo ndeu ao pedido de bênção dos filho s co m voz qu ase
imp ercept ível.
3° momento : filhos-de- santo se di rigind o à divindade
F i l h o s- d e - s a n to :
Mo c oi ú t a ta Ro x it a l am i m ?
Tateto Ogum :
Mo c oi ú n o za m b i.
F i l h o s- d e - s a n to :
Uananguê.
Tateto Ogum:
Ananguê.
F i l h o s- d e - s a n to :
a . A n a n g u ê, a n a n g u ê c om b a n d a zam b i ap o n go
m a r á s c at u m a nd ar ás .
b. A to m a n aj i r a t at et o O g u m p ro f u n d o c a io d e mo n a ?
Tateto Ogum :
F i l h o s- d e - s a n to :
J i r a c o m z a m bi a p o n go .
Ji r a ê, j ir a ê c om b a n da za m b i a p o n go m ará s
c a t u ma n d a r á s.
Tateto Ogum :
A u e t o.
80
Após o diálogo, to dos os present es – f ilhos-de-santo e co nvid ado s d e
fo r ma geral – cumpr iment ar am a d ivindade, t o mando - lhe a bênção
e
abraçando-a com bast ant e rever ência.
Após os cu mpr iment o s, Ogum levant o u-se de sua cadeira, caminho u at é
u ma moça q ue est ava sent ada na pr imeira file ira da arq uibancad a e segurou-a
pelo br aço, fazendo-a levant ar-se. I med iat ament e, o tatagongá tirou a
segu int e cant iga:
Mu i g a n d u m u i z a n gá
Eq u e t i v i q u e o a m u
O d i d ê d id ê ô
C o m u l á m u x im a
Óia ê óia ê
Mu i a g a n d u m u i z a ng á
Eq u e t i v i q u e o a m u
C o m u l a m u x im a ô
A d ivindade p asseo u co m a mo ça pelo bar racão, cumpr iment ando a po rt a, o
fund ament o e os at abaques. Depo is sent ou-a nu ma cadeira d e vime, co lo cad a
pela mãe-pequena no meio do barracão . Todo s os f ilhos-de-santo fo ra m
cu mpr iment ar a ma is no va equede da Casa.
E m seguida, os tatas camb onos repicaram o coro para a desped ida d a
d ivindad e que saudou to dos os locais fu nd ament ais do barracão e se ret iro u.
O tatagongá inic iou as cant ig as para Oxal á, divindade qu e encerra t odas as
cer imô nias. O filho de Oxal á ent ro u em t ranse de sua divind ade; o ut ras
d ivindad es t omaram po sse de seu s filho s e t o do s dançaram em ho menag em a
Oxalá.
Assim, encerro u-se a part e da cer imô nia consagrada às d iv ind ad es. No s
cânt icos dedicados a Oxalá, t odo s o s muzenza s e iaôs ent raram em t ranse d e
possessão , por ser Oxalá “o Senho r da cr iação, o pai de t odas as cabeças”.
Cantigas para a divindade Lem ba / Oxalá
Tatagongá : Epa babá ! / Todo s : epa babá!
81
1 a cantiga
2 a cantiga
L e m b á l em b á d il ê
L e m b a r i ng a n g a c a f u r a n g a c e cé
L e m b á é d e c a n em b u r á
L e m b a r i ng a n g a c a f u r a n g a
L e m b a r i ng a n g a L em b á
3 a cantiga
4 a cantiga
Ô Lembá ô lembê
L e m b á L em b á d il ê
Lembá
é d e c a n a n g ul á
di l ê
L e m b á q u e a nz a l a
No C a i a n go l á
5 a cantiga
6 a cantiga
L e m b á d il ê
Lemba
O h , L e mb á d i lê
Za m b i A po n g o no p ar a q u e n ã
L e m b a r i ng a n g a q u e n ã
Ô I z ô ô i zô ô
7 a cantiga
8 a cantiga
I b i a u m ló
Mi x a u e r a m i x a u er a a u m l ó
O r i x á b a b á xi r e lo d ê
Orixá qüendô ô
Após as cant igas dedicadas a Oxalá, encer rou-se a f esta, ser vindo a t odo s a
co mida t radicio nal das f esta s d e Ogum: feijo ada e cer ve ja. Ant es, po rém, o
tateto se aproximou do fundament o, no cent ro do barracão , e se d ir ig iu a
to do s novament e, profer indo u m d iscurso de encerrament o .
Quer o a gr a decer a t odos você s que vi er a m h oj e a qui n essa ca sa na fest a
do m eu or i xá O g um. Qu e O g um d ê a t od os m ui t o a xé , qu e el e a br a t od os
os ca m i nh os pr a que voc ês p os sa m é . . . r ea lm ent e t er fel i ci da de n a vi da
espi r i t ua l e n a ma t eri a l ta m bém . Mui t o axé e m ui t os g unz us e g unz us pr a
t od os voc ês. Ma s, n ã o vã o em bor a nã o que t em a í um a fei j oa da pr a t odos
c om er em e cer ve ja que é o a xé de O gum pr a t odos você s.
Após esse discurso de encerrament o aco nteceu o ato de rupt ura tot al co m o
p lano do sagrado , foram execut adas palmas de reverência a t o das as
d ivindad es. A essas palmas se dá o no me de paó.
82
Paó
Todas as pessoas qu e est avam dent ro do barracão se abaixaram em t orno do
t at eto e bat eram o paó.
O paó co nsist e em se bat er palmas da segu int e fo r ma : bat em- se t rês
palmas cadenciadas, segu idas po r mais set e bem ráp id as, repet indo -se essa
seqü ência po r t rês vezes.
Co m ist o , encerro u-se a cer imô nia e p asso u-se à ú lt ima part e que pode ser
co nsiderada co mo tot alment e pro fana, po is co me-se e bebe-se, t o rnando
pro fano o espaço que ant es deu lugar ao sagrado.
Comida s e bebi das
Fo i ser vida a feijoada regada a cer veja, co mida e bebid a co nsagradas a
Ogum na cozinha r it ual.
Esse é um mo ment o de co nfrat er nização, descont ração , r iso s e co nver sas
sobre t odo s os assunt os da vid a pessoal, cot idiana e, pr incipalment e, saber
o nde vão se realizar out ras f estas de cando mblé; na casa de qua l mãe ou paide-santo haver á saída de iaô, obri ga ções de u m ano , de cinco et c.,
recebiment o de oi ê 18, f esta de Caboclo, f esta d e Exu, dent re o ut ros t ipos de
cer imô nia.
b) A iniciação
De acordo co m o tateto, o rit ual de in iciação é o po nto de referência do
indiv íduo para t udo o que lhe suceder d epois dessa dat a. É o iníc io da v ida
religio sa da pessoa, é de onde p art irão todas as in for maçõ es acer ca de sua
espir it u alidade, que passará a indicar o s caminho s da vid a mat er ial. Nada se
fará, a part ir de ent ão, sem co nsu lt ar o s desíg nio s d iv ino s.
Uma in ic iação pode ser de uma ú n ica pessoa o u de vár ias. Quando há mais
de uma pessoa a se in iciar, chama- se b arco, recebendo , cada inic iando u m
no me de ba rco pela ordem do xirê.
O r it ual a seguir descr it o é a inic iação de um ba rco d e quat ro iaôs: uma d e
Xangô, dof ona; out ra, de Ossai m, dof onitinha ; out ra de Oxum, f omo; e o ut ra
de Oxumarê, f omotinha. Ant es da iniciação , elas freqü ent aram o Inzo
Dandaluna durant e um cert o per ío do , que var ia d e acordo co m cada pesso a,
podendo ser dias ou meses, para co nhecer em a Casa e os seu s membros.
18
Oiê: título recebido nos candomblés queto. (Pessoa de Castro ,2001:305: Título honorífico, posto, cargo. /.../ Yor. Oyé.)
83
Há o r it ual de iniciação secret o , no int er ior da camar inha, co m a presença
apenas da co munidade relig io sa, cu jo regist ro fo i pro ibido; po rém, o r it ua l
público fo i reg ist rado.
O tateto exp lica a iniciação de algué m na sua nação :
Num a ca sa de a n gol a T ombe nsi , r ec ol h e-s e o i ni ci a nt e, dei xa que el e
des ca n se um di a dentr o da ca sa , depoi s d el e j á t er fr eqüen t a do a l gum
t em po. N o out r o di a , se for i aô s e t oca o b ol ona m, s e for r oda n t e . . . ogãs
e e q ue de s é fei t o o a t o d o or i xá, el e en t r a com o i bá d o s eu or i xá n os
br a ços pr a den tr o da sa l a, pr o r onc ó. Se for i aô fa z -se o b ol ona m e el e
en tr a bol a do. Pa ssa -s e doi s di a s des ca n san do do bol ona m, se fa z os e b ós
pr a l im pez a da ma t ér ia , t ir a -se t odos os e b ós q ue for em n eces sá r i os: de
r ua s, de ca ch oei r a s, de est r a da s e dentr o do ba rr a cã o, que n orm a lm ent e
fi ca e b ó e g um e e b ó e xu e p õe o i a ô pr a desca n sa r ma i s tr ês di a s. Dá -se
c om i da à ca beça d o i a ô, dá -s e b or i de O xal á, de sca n sa -se m a i s t r ês di a s.
Ibá or i pr i m ei r o, depoi s o b or i e de sca n sa m a i s t r ês di a s. Se dá um out r o
e bó qu e a gen t e t ir a n o pr ópr i o or i xá pr a t irar a pa rt e n ega t i va do ori x á,
poi s m esm o el e sen do um ori x á, el e t em o s e u l a do n ega t i vo. D ep oi s
dess e e b ó n o or i xá, em segui da , o i aô já va i pr a s i nsaba, pra s fol h a s.
Qua t r o di a s depoi s da s fol h a s, c atul a-se o i aô e dá a pri m eir a saí da
den tr o da ca sa , só pr os fi l h os da ca sa . Rec ol h e- se o i aô e d es ca n sa ma i s
t r ês, doi s ou um di a , depen den do do or i xá. Se r a spa o i aô, se dá um a
out r a sa í da que se ch a m a sar andur a. Aí , n ess e fest e j o t od o o i aô já ve m
sa uda n do e i n i ci an do o fun da m en t o do or i xá d e n tr o da n ossa n a çã o. Pr a
você en t en der , é a ssi m : O gum é O g um em qua l quer l ugar , ma s a gen t e
quer que el e s e ja O gum d en t r o da na çã o T ombe nsi . E n tã o, a gen t e, n est a
sa í da , va i m ost r ar pr a el e com o que s egue a c a sa , qua l o fun da m ent o,
qua l a h i erar qui a da na çã o. Fa z en do t udo i ss o, r ec ol h e-se o i a ô, e sper a -s e
m a i s t r ês di a s e o or ô m a i or pr a s sa í da s de sa c r i fí ci o, d e muz e nz as, d e
saq ue l az e nz as e pr a sa í da do n om e, o or ô m a i or , a sa í da de fest a d o
or i xá e do i a ô.
Nesse dia, em qu e ele dava a explicação sobre o reco lhiment o e a feit ur a
em sua nação, presencie i o seguint e diálo go ent re ele e as ia ôs reco lhidas,
pois o lo cal onde est ávamo s er a pró ximo ao ro ncó :
84
F i l h a s - d e- s a n to :
Mo c oi ú t a ta Ro x it a l am i n ?
R o xi t a l am i n :
Mo c oi ú n o za m b i.
F i l h a s - d e- s a n to :
Uananguê.
R o xi t a l am i n :
Ananguê.
F i l h a s - d e- s a n to :
a . A n a n g u ê, a n a n g u ê c om b a n d a zam b i ap o n go
m a r á s c at u m a nd ar ás .
b. A to m a n aj i r a t at a Rox i t a l am i m p r o f u n do
c a io d e m o n a ?
R o xi t a l am i n :
J i r a c om z a m bi a po n g o.
F i l h a s - d e- s a n to :
J i r a ê, ji r a ê c om b a n da z a m b i a p o n go m ar á s
c a t u m a n d a r ás .
R o xi t a l am i n :
A u e t o.
O Tateto explicou o sig nificado de t ais palavras para a co mu n idade nesse
co nt ext o:
A m inh a fi lh a , pr i m eir o, m e pedi u bên çã o: moc oi ú R oxi tal ami m. E u a
a ben ç oei . E l a pedi u atoma naji r a. Pedi u l i c en ç a . E u dei per m i ssã o pr a
el a . Quan do eu dei per m i ssã o, em a gra deci m e n t o, el a di sse: ananguê ,
anang uê , anang uê c omban da z ambi ap ong o mar ás c atu mandar ás .
Al ém del a t er m e pedi d o l i cen ça , el a t a m bém p e di u l i cen ça pr a Deus pa i ,
Deus fi l h o, Deus espí r i t o sa n t o n a na çã o de a n gol a Tombe n si . E l a pedi u
l i cen ça a m i m e a Deus pra el a fa z er a r efei çã o d el a .
O Dia da Festa Púb lica
No d ia da fest a pú blica, hav ia mu it a g ent e, mu it as mã es e pai s-de- santo,
ebomes, equed es, ogãs e iaôs de out ras co mu nidad es. A saída d e u m ba rco d e
iaôs
se
co nst it ui
nu m
grand e
acont eciment o
85
para
o
povo-de- santo,
simbo licament e, represent a o nasciment o de um bebê e se d iz que u ma
in ic iação no Cando mblé é u m r enascimen to . A fest a é divu lgada boca a bo ca.
E, assim, aparecem muit os co nvidado s, embo r a não t enham sido convid ado s
pro priament e pelo do no da casa, po is o cando mblé é u ma casa abert a a to do s,
povo-de- santo, s impat izant es e quem qu iser é só ent rar. Est avam present es
t ambém os familiares das quat ro iniciadas.
A f esta fo i r ealizada nos mesmo s mo ldes das o ut ras fest as púb licas, ist o é,
co m o arrebate, o discur so de abert ura do tateto, os mo ment o s pro piciat ó r ios,
cant igas para t odos os orixás.
O tateto profer iu o segu int e d iscur so ant es do início da f esta:
E st ou t i r an do n o di a de h oj e um bar c o d e i a ô. . . for a m m uit os di a s d e
r ecol h i m en t o e. . . e a í a s obr i gaç õe s vi er a m, suce ssi va m en t e, t od os os
di a s. Nós t i vem os, n essa sem a n a, que h oj e est á se en c er ran do, sa í da s dos
i aôs qua se t od os os di a s pa ra que h oje n ós fa z e m os a fe st a do or i xá pa r a
que o or i xá vi e ss e a gr a decer a
t odos voc ês qu e . . . n ós t a m bé m
a gra decer a voc ês p or est a r em pr esen t es e vi m h om en a gear a os or i xás.
E n quan t o n a s ca sa s de ca n dom bl é t i ver t an ta gent e do l a d o de for a qua nt o
t enh a do l a do de . . . ou m ai s do l a do de for a do que do l a d o de den t r o, a
fel i ci da de é m ui t o gr a n de por que a gen t e sa be que a l i o or i xá va i s e
cr i an do, se pr ocr i an do, cr escen do e e vol ui n do. Sã o
de voc ês qu e
est ã o n a a ssi st ên ci a que a gen t e t em or gulh o de fa z er ca n dom bl é por que
n ós os que est ã o a qui den t r o par t i ci pam os, n a ver da de, da s obr i gaç õe s
dos a xé s d o or i xá. O ca n dom bl é é fei t o pr a voc ês qu e vêm , sa i da s sua s
ca sa s e qu e vêm h om en a gea r or i xá. Mui t o obr i ga do p or t er vi n do; i ss o é
o qu e a ca sa e os m eus fi l h os, o z el a dor é . . . a tr i bui a voc ês. Bom ,
obr i ga do m esm o.
A d iferença ent re essa f esta e as o ut ras é que ho uve qu at ro saídas das iaôs:
1ª saída
As iaôs ent raram, na sala, t o t alment e co bert as por u m lenço l branco , bem
abaixadas, co m as mãos em d ir eção ao chão, dançando ao rit mo muzen za, a
cant iga abaixo:
86
cantiga única
Tatagongá:
Ze n z e é d i r ec o n go
Todos:
Iaô
Tatagongá:
Ze n z e é d i r ec o n go
Todos:
I a i a ia ô
Ao so m dessa cant iga, as iaô s dera m u ma vo lt a no barracão. Apó s a su a
saíd a, o tateto disse: “est a é a saíd a do sacr ifíc io”.
2ª saída
As iaôs saíram co m o rost o e os braços pint ados de br anco . A essa saída se
dá o no me de: "pint ura de Oxalá". Fo ram ent o adas t rês cant igas co m p equenas
var iaçõ es nas palavras:
pri mei ra cantiga
Tatagongá:
Mu z e n z a d i r ec o n go
Todos:
Iaô
Tatagongá:
Mu z e n z a d i r ec o n go
Todos:
I a i a ia ô
segunda cantiga
Tatagongá:
Mu z e n z a m u z e n z a q u e o b at o
Ê m u z e n za
Todos:
Mu z e n z a m uz e n z a q u eo b a to
Ê m u z e n za
Tatagongá:
Moc or o ze n z a ca f u l e
87
Todos:
Mu z e n z a
Mu z e n z a q u e o b at o
Ê m u z e n za
tercei ra cantiga
Tatagongá:
A Mu z e n z a q u eo b a to
Todos:
Iaô
Tatagongá:
A Mu z e n z a q u eo b a t i
Todos:
I a i a ia ô
3ª saída
As iaôs saíra m pint adas por d iversas co res, represent ado as co res de t o do s
o s orixás. Nessa saída foram ent oadas duas cant igas difer ent es:
pri mei ra cantiga
S a q u e l a z e n z a é m a lo n g o
Ê v u nj e é s a q u e é sa q u e
S a q u e l a z e n z a é m a lo n g o
É m a i o n go m b ê
segunda cantiga
A ê a ê q u a s e n zê
A ê a ê q u a s e n zê
c a t i po n d i rá
Aê muzenza
q u a z e n z ê c at i po n d i r á
88
4ª saída
Saída co m a ro upa e os parament os de suas d iv indades pessoais. Nessa
saíd a, o pai-de- sant o convidou quat ro pessoas do alt o clero de o ut ras
co munidades para adijineuandê (cf.cap.1.3).
Os padr inho s e os inquices dançaram a cant iga abaixo , fo r malizando a
lig ação ent re as divindades, as muzen zas e seus p adr inho s:
cantiga única
Mu z e n z a m u z e n z a s i a co ci l ê
A ê m a me t o
Mu z e n z a s i ac oc i l ê
A ê t a t et o
Depo is dessa últ ima saída, cada inqui ce dançou a sua d ança caract er íst ica
co m as cant igas em sua ho menagem.
A f esta fo i encerrad a co mo to das as out ras, ist o é, co m as cant igas
dedicadas à divindade Oxalá, o paó e a co mida ser vida a t odos. E o tateto
pro fer iu o seguint e discurso de encerrame nt o :
A voc ês t od os, r ea l m en t e, m uit o obr i ga do por t er vi n do h om en a gea r os
m eus fi l h os, por t oda s a s for m a s que voc ês ba t er am pa lm a. Agor a , a
gen t e va i esqu ec er o ca n dom bl é, esqu ec er nã o, c on t in uar por que.. . a
m inh a r el i gi ã o, el a é l i n da , el a é fe st a de or i xá e dep oi s é o i ng ui di á 19, a
c om i da . T odos n ós, a g or a , va m os be ber e c om e r por que já fi z em os t ud o
que podi a pel o or i xá. Va m os p edi r a el es pr a que el e s fa ça m t udo por
n ós, t á cer t o? E , a gor a , va m os d es ca n sar e c om er . Mui t o obr i ga do a t od os
você s.
No meio do barracão , fo i o rganizada u ma mesa; em cima dela, fo i co lo cado
u m grande bo lo co nfeit ado ; em cima dele, havia bo neco s co m as vest es do s
o rixás que haviam dançado .
19
Inguidiá: refeição (ver cap.IV-II cudia)
89
Os o gãs cobr ira m os at abaques co m grandes panos br anco s e a co mid a fo i
ser vida para t odo s.
c) Gongá: rito de renovação
O gongá é um r it ual d e reno vação da Casa e se caract er iza pela preparação
das p embas e dos atins que serão usados durant e todo o ano e em t o do s o s
r it uais.
A figur a humana cent ral dessa f esta é um do s f ilhos-de- santo que não
incorpo ra em sua d ivindade pesso al e que po ssu i o cargo de tatagongá
(cf. it em 2.1 dest e capít ulo ).
Essa f est a fo i realizada em t rês part es: a pr imeira part e dent ro do barracão ;
a segunda, no t erreno em frent e à Casa o nde se mo nt o u u ma fo gueira e a
t erceira, ret orno u-se para o barracão .
O tateto exp lico u o sig nificado da f esta:
Fest a do g ongá. Fe st a do gongá. E st a é a foguei r a que si m bol i z a o r it o, o
r i t ua l do gongá (a pon t ou pa r a o l oca l on de a s t or a s se tr an sfor m a ri a m em
fogu ei r a n um t err en o na fr ent e do t er r eir o) da ca sa . É o di a que a gen t e
pr epar a a s pem ba s da ca sa , pr epa r a t odos os p ós , t udo a qui l o que a g en t e
usa é . . . dur an t e o a n o na ca sa . E ssa fest a é, n or m a l m en t e, r ea l i za da n o
di a 24 de jun h o, di a de Sã o J oã o é. . . n o si n cr et i sm o, m a s n ós p odem os
fa z er essa fe st a a t é a nt es do di a 02 de n ovem br o que é o di a de fi n a dos.
E ssa fe st a é on de o tatagongá da n a çã o tombe nsi , an gol a tombe nsi
é. . . vem pr epa ran do t oda s a s pem ba s, t od os os a ti ns, e a ssi m c om o eu já
di sse. E t a m bém é a fest a qu e s e pa s sa os i bá s de E xu, O g um, Xang ô e
Ie manjá, que é a m a dr inha do gongá n a fogu ei r a. E ssa fest a é pr a que
t oda s a s for ça s n ega t i va s que exi st e n a ca sa e que s e a c on ch ega m n a ca sa
dur ant e o a n o se ja m , n a ver da de, r et i ra da com o fog o qu e vem qu ei m a n do
t udo qua n t o é de r ui m , dei xan do só a fel i ci da de , só a pr osper i da de. E ssa
fest a é d ecl a r a da e a ber t a a Xangô, o sen h or da just i ça , a quel e qu e t r a z a
fa r t ura . Após a fogu ei r a se a ssa i nha m e, se assa ba t a t a doc e, se a ss a
m i lh o e se fa z é. . . t oda a fest a , t odo o pr oc edi m e n t o da fest a .
Ao passar mo s pelo port ão , em d ireção à fogueira, o tateto exp licou so bre o
orixá Exu para a sua nação e so bre o inquice T empo. Ambo s po ssu íam, na
o casião, oferendas de acaçá num algu idar e velas br ancas co mu ns acesas:
Exu s egur a a s for ça s n ega t i va s da ca sa , el e e st á n a en tr a da e é o h om em
que n os l i vr a de t udo que for ma l . É o h om em que quan do t em pess oa
c om pr obl em a de m a gi a , el e já a vi sa a o z el a dor , já s egur a do l a do de for a
da por t a da ca sa .
90
E sse Te mp o é a ber t o a i n da por que é. . .n a Na çã o de An gol a Tombe n si
exi st e a l gum a s qua l i da des de Te mp o que a gen t e s ó fech a a pós 21 a n os
de a ssen t a do e ess e Te mp o a i n da fa l t a 6 m eses p r a el e c om pl et a r 21 an os.
Out r o Te mp o de um a out r a ca sa que eu t i nh a n um out r o l uga r já er a
fech a do, es se a í est á esper a n do 6 m eses pa r a fe c h ar.
A cer imô nia fo i in ic iada co m a ent rada d os f ilhos-de-sant o, u sando ro upas
tot alment e brancas, em arrebate, d ando vo lt as pelo barracão , fo r mando u m
grande círculo em sent ido ant i- horár io. No cent ro , fo ram co locados do is
alguidares pequenos, co nt endo faro fa de dendê e p inga, e u ma vela branca
acesa, que serão o ferecidos a Exu. O tat et o o saudo u co m as palavras : laro iê
Exu! e t odos responder am laroiê! E m segu ida, ele ent oo u vár ias cant igas para
chamar Exu a receber as o ferendas. Nu m det er minado mo ment o , u ma f ilha-desanto ent rou em t ranse de Exu; mais cant igas foram ent o adas e ele danço u
to do o padê.
Enqu ant o se cant ou para Exu, o s iaôs ficaram em pé, co m as mãos para t rás
e de cabeça baixa.
Ao final do padê, a div ind ade inco rp orada tomou nas mãos os do is
alguidares, cont endo as farofas e os levo u para fo ra do barracão . Nessa
cer imô nia, esp ecialment e, os part icipant es seguiram Exu at é a rua, e d epo is
segu ir am em d ireção à fo gueir a que est ava sendo acesa pelo s ho mens da Casa,
ent oando cant igas em ho menagem à fo gueira:
1 a cantiga
Para que o ala izô
Para que o ala izô
À med ida que a fo gueira fo i t o mando forma at ravés d a chama, a cant iga fo i
se int ensificando ao so m dos at abaqu es e das p almas. Inic iaram no va cant ig a,
dançando em vo lt a da fogueira em sent ido ant i- ho rár io:
91
2 a cantiga
O b a d i lê l e v a ô
O b a d i lê l e v a o q u ê
3 a cantiga
A m o ri nj a nj a a b a lô s e s i
A m o ri nj a nj a a b a lô s e s i o i á
Após se cant ar para a fo gueira acesa, iniciaram cant igas par a Ogum e o s
f ilhos-de-santo incorpo raram suas d iv indades, que dançar am em vo lt a d a
fo gu eira.
Após as cant igas dedicadas a Ogum, cant ou-se para Xangô, enquant o a
mãe-pequena da Casa, inco rporada em sua div indade Ian sã, fo i saudada po r
to do s hier arquica ment e.
E m segu ida ao s cumpr iment o s, cessaram a cant iga e em fila t odo s se
d ir ig ira m à cozinha do t erreiro, tomando cada u m, inco rpo rado o u não, uma
bacia de ágat e, cont endo as er vas e as pemba s e levar am p ara a fo gueir a
dançando e cant ando em vo lt a:
4 a cantiga
Go n g á m a s s ac u n a m
Go n g á m a s s ac u n a m
Nesse mo ment o, o tatagongá, de peit o nu, sent o u-se em uma cadeir a de
vime. Todo s, dançando e cant ando, fo ram se apro ximando devagar, u m po r
vez. Pr ime iro, o tateto pegou a bacia co nt endo a pemba e fez sina is d e cruz na
t est a, no peit o, nas cost as e nos braços do tatagongá. Terminando esse at o ,
cada port ador de bacias co m ervas as ent regou ao tatagongá que fo i,
92
co mpenet radament e, mist urando co m as mãos t o das as er vas, despejadas na
bacia co m a pemba.
Durant e essa out ra part e da cer imô nia, a let ra da cant iga t eve uma pequena
mudança :
5 a cantiga
Go n g á m a s s ac u n a m
T a l a m e iz ô
Ao t ér mino da mist ura das er vas e pemba , o tatagongá ent ro u na roda em
vo lt a da fogueira, danço u uma vo lt a co m a bacia nas mão s, passando -a a Exu
incorpo rado e est e fo i passando-a ao s o ut ro s orixá s e assim sucessiva ment e.
Ocorreu, nesse mo ment o , t ambém a mudança na let ra da cant ig a:
6 a cantiga
Be r ê , b e r ê v o d u n
T a l a m e iz ô
Be r ê b e r ê vo d u n
T a l a m e m a có
Os o rixá s foram deixando a fo gueir a, ind o em direção ao barracão . To do s
ap laud ira m a sua sa ída. Os t ocado res levaram o s at abaques e co nt inuaram
to cando no int er ior do barracão . Os o rixás receberam o s ibá s que fo ra m
ret irados do roncó e, em fila, fo ram levando para o lo cal da fo gueir a, ao so m
das cant igas :
7 a cantiga
I b á l a d é iz ô
Ê ibá la dé izô
93
8 a cantiga
Ma b é , m ab é
A i b á ai r a ê
9 a cantiga
O l o r um m a da g ô
O l o r um d a d a d e u á
10 a cantiga
A i é u m di l ê Za z e ê
É um dilê
Za z e ê t a ta g o n g á
11 a cantiga
Gu e l ê , g u e l ê, g u e l ê
Deuá deuála
Orixá deuí
12 a cantiga
O r i x ál á , O r ix á l á
É d e i n q u i c e, vo d u m q u e m a d ob ê
94
O tateto pediu a bênção aos mais velho s present es e inic io u u ma reza que
fo i aco mpanhada por todos. Os inic iado s mais no vo s rezaram d eit ado s de
bruço s, esfreg ando as mãos uma na out ra. Os ma is velhos ficaram em pé, d e
cabeça baixa, t ambém esfr egando as mão s enquant o rezavam.
A prece que se segue possui uma part e falada e out ra cant ada.
(solo) parte falada
Mu x a c á d e t u b u r u n g u ro
Gu n z o é u m g u n zo u m b ur á b u r á
U m s e q u e um s e q u e
U m g a n g a iô , u m s a mb u c á
A r r ox a , a r ro x a
Ba t e m u z a n g a se q u e r ê um a d e c or o
Ba t e m a s s a nja t u a lá
c o m ba ê t e c or o
c o m ba ê ê c o ro
c o m ba ê t e c or o
c o m ba ê ê c o ro
Ma i a n g a t e n d e n b u n zo a di l o n gá
É u m m e p u to , é um m e p ut o
D i z a m bi m u t et o c a i a ng ô
C o r re n u m b a n d a s a m b a J i m J i m
D i l o n ga , di l o n gá
A q u e t o, a q u e t u
Mu i s a n g a , m u i s a n g á
P a r a mi m b ro có , b r oc ó
Ma r a r o n go z él u l u
Ma i a n g o, m a f il o n uc a i a n gô
Za n g u e a ê z u á
Bo n g o z e l a z é l u l u
L o s a n g e ta c a, t ac a
T a c a , l e n g a , l e n g a q ü e n da j ir a
1ª resposta (parte declamada)
95
S e q u e s e d e q u a n d a n da l u n a
É um se que se de quandá
S e q u e s e d e q u a n d a n da l u n a
É um se que se de quandá
L o s a nj e c a i a
L o s a nj e da m u ca n g u ê ê
Q u e d u n d u n c a i a l a ca i a d ia m u n d e l é
Asutenda auê
Ó i a d u n d u m c a i a l u c ai a d i am u q ü e n u m
A n g o ro m é a sa m b a de a n g ol a
Azuelê catu de mala
2 a resposta (parte cantada)
A z u e l ê c a t u d e da n d a l u n a
Azuelê catu de mala
L o s a n g e c a i a l o s a n ge d i am u c a n g u ê ê
Q u e d u n d u n c a i a l a ca i a d ia m u n d e l é
Asutenda auê
O i a d u n d u m c a i a l a ca i a d e a m u q ü e n u m
A n g o ro m é a sa m b a de a n g ol a
A z u e l ê c a t u d e m o n ã.
O tateto encerrou a cer imô nia, d izendo por três vezes:
Za m b i n a q u ar t e s al a
Todo s responderam:
Aueto
96
Encerrou a cer imô nia co m o paó.
Após o encerrament o , todos co meram bat at a-do ce e espig as de milho
assado s na fogueir a.
d) Congoluandê: rit o sim bólico da colh ei ta
A cer imô nia do congoluandê é ded icad a aos inquices Ca vungo, Insumbu e
Intoto e às demais divindades do pant eão da t erra e é rea lizad a, t odos o s ano s,
durant e o mês de agost o, considerado o mês da co lheit a.
Há u ma lenda para ilust rar o sig nificado dos r it uais ded icado s ao s inquices
da t erra, co nt ada po r um o ut ro tateto, cu jo no me iniciát ico é Tolomit alangü esi
que se enco nt rava no Inzó Dandal una, po r o casião do s r it u ais prop iciat ó r io s
em u ma das f estas do Congoluand e.
. . .. segun do l en da s, segun do h i st ór i a s, segun do l en da s, é é é. . . na s a .. .
r egi ões ou a l dei a s, va m os di z er a ssi m , a on de, ca da um , t inha sua é é é. . .
sua m or a di a, sua s t err a pr a pl an t á, en tã o el e, ca da um . . . da quel es
m an dan t e a quel e povo, a quel es p ovos da quel a a l dei a , fa z i a seu pl a nt i o,
un s pl an ta va o m i l h o, out r os, a m a n di oca , ou t r o a a a a . .. o fei jã o,
out r os, en fi m , ca da um fa z i a seu pl a nt i o, out ro ca r á , out r o inh a m e, e
qua n do é é é. . . o pes s oa l da a l dei a , ca da um junt a va n a sua col h ei t a , que
er a em a gost o, c om e ça va a c ol h ei t a , fa z i a a quel a fest a , só que t od os
pess oa l , de ca da a l dei a , qua n do fa z i a fest a , t od o m un do se r eun i a n a quel a
ca sa , por que a l i i a ser ser vi d o, t od os os a l i m en tos, d e t od os, d e t od os os
or i xá s, pra que o p ovo c om e ss e, er a ofer eci d o a o or i xá , e t a m bém a o
povo, c om o um r em édi o, um a l im en t o do c or po e da a l m a , é é é. . . pr a
que, a quel e a n o n ã o oc or r esse a p est e, n em a m i sér i a , den tr o do pl a n t i o,
den tr o da l a vour a , foss e um a n o pr ogr essi vo, fos se um a n o de fa r t ur a ,
segun do l en da s, quan do el es d ei xa r am de fa z er iss o, sem pr e t em a l gum. ..
n a, n a n ossa ca sa , sem pr e t em a l gum que n ã o a cr edi t a m ui t o, n é? que um
dos ch e fe s da s a l dei a s, de um a da s a l dei a s, dei xô d e fa z ê-l o, por qu e
a ch ô. . . que er a boba ge, a í . .. foi a quel e de sa st r e n é? foi um a n o de fom e
n é? deu ga fa n h ot o, deu pest e, deu m i sér i a , dest r uír am a l a vour a ,
dest r uí ra m t udo, a í íí .. . a quel es que c on segui r a m, a i n da t irá um pouqui nh o
de a l i m en t o, a o i n vé s de fa z ê, de gua r dá pra se a l i m en t á , foi pi di
m i ser i cór di a a Oba l ua ê, a Om ol u, e a T em po, va m os c ol ocá i ss o, que t á
t udo l i ga do, t á en t en den do? a í , fi z er a m a fest a c om o p ouqui n h o, e. . . t od o
m un do c om eu, foi s er vi d o em n om e d e t od os or i xá s, t od os os or i xá s
pa rt i ci pa , m a s, n em t odos s e ve st em t á ? en t ã o, que que a c on t ec e ? a í ,
fi z er a m a m esa , ofer e cen do a os or i xá s, n o out r o a n o, o a n o foi pr ósp er o,
e fa r t o, en t ã o, c om e ça r am a en t en dê, que n ã o pod er i a dei xá de fa z ê o
c on gul uan dê, o ol uba j é, o t a bul ei r o d o Om ol u t á ? a í , quer di z er, i sso é
97
um a da s coi sa s qu e é fei t o, que é pr a podê n ã o r ei n á a m i sér i a, n em a a a
a . .. desgr a ça . .. por que, a fom e é um a de sgr a ça , Deus quei r a m e per doá ,
n os p er doá den t r o da ca sa . . . en t ã o, é fei t o es se o o o. . . c on gul uan dê e o
t a bul ei r o pr o or i xá par a que seja um an o pr ósper o, com o o n oss o a n o
c om e ça , exa t a m en t e em a gost o, c ost um a a s m á s l í n gua s di z ê, que a gost o
é o m ês d o de sg ost o, m a s n ã o é i sso, é o i n í ci o de t udo.
Assim, os adept o s do Cando mblé de Nação Ango la herdara m essa fo r ma d e
ho menagear as divindades lig adas à t erra, o ferecendo u ma mesa fart a para
to do s o s inquices e par a o s seres hu mano s.
Essa f esta, deno minada congoluand ê, simbo liza o iníc io de u m ano d e
fart ura e abu ndância para a co mu nid ade. E la é realizada em t rês et apas no
Inzó Dan daluna: na pr ime ira et apa há um r it ual secret o do qual p art icipa m
so ment e os f ilhos-de-santo inic iado s; na segu nd a, realizam- se os sacr ifíc io s
r it uais e na t erceir a, aco nt ece o r it ual pú blico co m a f esta em ho menagem ao s
inquices Cavungo, Insumbo e Intoto, também designados co mo Omolu e
Obaluaê.
A pr imeira et apa co meça no d ia 1 o d e ago sto com u ma cer imô n ia ded icada
a Intoto, realizada em um local r eser vado , previament e pr eparado nas mat as.
Os f ilhos-de-santo vest em- se de branco e em seu s co rpos são passad as as
co midas cozidas ( mandioca, cará, inhame, milho, feijão) que dever ão ser
ent erradas, enquant o se ent o a a cant ig a:
I n t o t o j á lo r io o u za n
I n t o t o j á lo r io o u za n
Za m b a l or u g a n g a z u m b a
O m a l em b e h u m . .. h u m . ..
Co m essa cant iga, saúdam a t erra, o ferecendo - lhe aliment os para que ela
lhes devo lva em saúde e pro sper idad e. Pedem miser icórd ia e mereciment o
para alcançar o próximo ano com saúde. Acred it am que, fort alecendo a t erra,
ela possa lhes t razer fart ura em t o do s os níve is da vid a.
O tateto, ao explicar esse r it ual secr et o, disse:
For t a l ecer a t er r a é t r az er o i nq ui c e pa r a den tr o do t er r eir o em t oda a su a
gr an dez a, pa ra que a Ca sa t enha um an o pr ósp er o e fel i z .
98
A seg unda et apa são realizados os sacr ifício s r it u ais e as o ferendas às
d ivindad es ligad as à t erra. Essa et apa t ambé m é pr ivat iva e só part icipam o s
f ilhos-de-santo inic iados.
A t erceira et apa mar ca o encerrament o dos r it uais pr ivado s, mais ou meno s
no in ício da segunda quinzena de agost o com a fest a pú blica em que são
ser vidas as co midas sacralizadas ao s co nvid ados em fo lhas de ma mo na. Apó s
to do o rit ual de abert ura e do xirê em ho menag em a t o das as divind ades,
o rganiza- se a ho menagem esp ecial aos i nquices do con goluand ê. O in quice
Kavun go dança as cant igas que são ent oadas em su a ho menagem, havendo
mu it as saudações.
Após a dança, ele é sent ado em u ma cadeir a esp ecial, enquant o as cota s
o rganizam a mesa do congolua ndê: duas est eir as são co locad as no cent ro do
barracão e forradas co m u ma t o alha branca. Depo is, o s f ilhos-de-santo ent ram
em fila indiana co m os prat os do s aliment os e vão ent regando para as cota s
que o s organizam na mesa po st a. To do esse r it ual é segu ido pela seguint e
cant iga:
C o n g ol u a n d ê o r ê r ê
C o n g ol u a n d ê o r ê rá
C o n g ol u a n d ê ca b i n d a q u ém i
C o n g o m i n i c o n go s a p at á il ê
E o rê rê o rê rê
O l h a co n g ol u a n d ê
A cant iga cont inua sendo ent o ada enqu ant o são servidas as comidas-desanto devidament e preparadas ( mand io ca, cará, inhame, can jica, milho , feijão ,
faro fa), que devem ser co midas co m as mão s. E nquant o se ser vem os
aliment o s, o inquice Cavungo dança em vo lt a da mesa.
No final d a f esta, cant a-se para Oxalá ; t odo s dança m. Quando o inquice sa i
da sala, t odos se ajoelham e bat em paó. E m segu ida, out ra co mida é ser vid a
ao s present es, em prat os co mu ns, co m t alheres: arro z, saladas, car ne d e po rco
(anima l sacr ificado ao inquice Cavungo) e cerveja o u refr igerant e.
99
2.2 Centro Religioso e Cu ltu ra l da s Tradições Banto Ilê Azongá Oni
Xangô
2.2.1 Histó rico da casa
O Cen tro Religio so e Cult ural da T radições Bant u Ilê A zongá Oni Xang ô
fo i fundado em junho de 1953 so b a denominação de Ilê A zongá Oni Xang ôSão Pedro na rua Br asil, nº 29 – jard im Bussocaba. E ssa co mu n idade é u m
dos mais ant igo s Cando mblés d e Nação Ango la-Co ngo de Osasco e é t ambém
mais ant iga do que a pró pria cidad e de Osasco , que nessa épo ca, aind a era
Co marca de São Paulo ; a co mun idade é conhecida co mo Terrei ro Loabá,
no me in iciát ico de sua fundado ra, Mar ia d e Lo urdes Andrade.
E m Osasco, junt ament e co m sua mãe carnal, Mar ia Bened it a da Glór ia,
nasc ida na Lei do Vent re Livre, mameto L oabá exerceu as funçõ es de p art eir a
por muit os anos no bairro
do
Jard im Or ient al e redo ndezas ( muit o s
o sasquenses vier am ao mu ndo pelas su as mão s). É po r essa razão que a
co munidade T errei ro Lo abá é bast ant e co nhecid a e respeit ada na cid ade qu e
ho menageo u a Mar ia Bened it a da Gló r ia co m seu no me em u ma d as ruas do
Jardim D’Abr il, ant iga rua da feira, pró xima ao bairro do Jardim Or ient al.
A S enhora Mar ia de Lourdes Andr ade, mameto L oabá, fo i inic iada po r
Olegár io Marques d a S ilva, em meados dos ano s sessent a, na Vila do s
Remédio s, S ão Paulo. Ho je, há u ma cont inu idade d e seu s ensinament o s
at ravés de seus herdeiros na cid ade de Carap icuíba. E le era conhecido co mo
Babalorixá Olegár io, po rque na sua época não era poss ível t o rnar pú blico o
seu no me sagrado afr icano (no me in ic iát ico ) pois co nfigurava cr ime de dup la
id ent idade e esse no me jamais fo i r evelad o.
Mameto Loa bá, a part ir 1989, co m a idad e de 7 5 anos, co meço u a deixar as
at ividades do t erreiro so b a responsab ilidade de mameto Indandal acata, sua
filha car nal e herdeira do Terreiro Lo abá. Mameto Loabá co mparecia a
algumas f estas, per manecendo sent ada em sua cadeira, e est ava sempr e
present e nos r it uais não públicos, pr incipalment e, nos de inic iação .
Mameto Indandal acata segu e o s ensina ment os de sua mãe mameto Loabá,
que os adquir iu co m o Babalo rixá Oleg ár io, além do s ensina ment o s de base
familiar: fo lhas, chás, cost u mes. A su a família sempr e fo i do t ipo mat r iarca l.
100
A sua bisavó Bár bara de Freit as, chamada de Manabá (co rrupt ela de Bár bara),
era escrava da fazenda Freit as e legou muit o s do s ensina ment o s às mu lheres
da família so bre as fo lhas, o parto , a cu lin ár ia.
E la t ent a conciliar o ant igo e o no vo , buscando mo st rar ao s filho s da Casa
a impo rt ância do conheciment o e da valo r ização das o r ig ens. Isso fica claro
quando, nos r it uais do "Dia do Indumbe", ela d iz:
Ao en t r arm os n um a ca sa de sa n t o . . . se est i ve ss em n um a ca sa que fos s e
quet o, t er i a m que con h ecer a li t oda a sua or i gem . Você s est ã o n um a ca sa
ba n t o; t êm que c on h ecer que essa or i gem é a fr i ca n a, el a t em or i gem .
T em os que sa ber , ent ã o, essa or i gem ; por i sso e s t a m os r euni dos.
Mameto Indandala cata bu sca co nciliar as suas origens afro-brasile ir as co m
u ma reor ient ação em direção às o r igens do s po vo s de língua bant o, t ent ando
co mpreender o s processos hist ó r icos pelos quais esses povos passar am ao
serem t razidos na co ndição de escravo s para o Brasil, at ravés de est udos de
t ext os das hist ór ias, das cult uras e das línguas, sobret udo , dicio nár io s das
línguas quimbu ndo, umbundo e quico ngo. Há at é pro po st as de cur so s
sist emát icos dessas línguas para a co mu nidade.
a) Espaço físico
O Terreiro Loaba est á dent ro de um espaço de 5.500 m² de mat a nat iva,
árvores reflo r est adas, uma mina que co rta to do o t erreno , hort aliça, ár vores
frut íferas e orna ment ais, habit ações d a família car nal de mameto Loab á, casa
dos ant epassado s, casa da d iv indad e Inzil a e casa de Tempo. No alt o, fica o
barracão, pois o t erreno é p lano na part e onde fica a "aldeia dos cabo clo s" e
vai t endo uma subid a íngreme at é o alt o a que chamam de mirant e, o nde se
lo caliza o port ão de ent rada e uma escada por onde se desce para o barracão e
se so be p ara a rua To mé de Sousa, po is o níve l da rua é u m po uco mais alt o .
Descendo as escadas, cheg a-se em fr ent e à ár vo re ded icada ao inquice Tempo,
a game leira; dobrando -se à esquerda, ent ra-se no barracão . Na part e de cima
da port a há um bat ent e; em cima dele, há uma qu art inha de barro e três
alguidares p int ados de branco cont endo o ferendas. Passando pela port a, é
preciso abaixar- se, po is encont ram- se fo lhas co mpr idas de mari ô penduradas;
lo go em fr ent e, há bancos dest inados à assist ência; em segu ida, duas port as,
101
u ma qu e dá para o int er ior do imba quice 20 e out ra para a Casa d e Cabo clo s e
dos Pretos Velho s. E m fr ent e aos bancos, est ão – be m ao cent ro – o s
at abaques; at rás deles há t rês alt ares, feit os co m p edras, co m imagens de
sant os cat ólicos, co mo São Lázaro e Jesus Cr ist o ; imagens de Obaluaê (a
mesma imagem das casas de er vas, de gesso e co bert a pelas palhas) ; e uma
imagem de Xangô ; do lado esquerdo , dois so fás de t amanho méd io dest inado s
ao s convidados e do lado direit o , as cadeiras de mameto Loabá e de mamet o
Indandalacata e ma is algu mas cadeiras dest inadas aos co nvidados do alt o
clero do Cando mblé. No cent ro do barracão est ão o s fu nd ament os do chão e
da cu meeir a, de onde se po de o bser var u m grande casco de t art aruga
enver nizado. Nas paredes, vêem- se desenho s gr andes e co lo r idos dos i nquices
Zaze, Angorô e Zumbá.
Nesse espaço, a comunidade t em bu scado inclu ir as pessoas, inic iad as o u
não, at ravés de pro jet os de Educação Ambient a l, recebendo e d ialo g ando,
pr incipalment e co m os ado lescent es das esco las do
ent orno,
so bre a
preser vação do meio amb ient e.
b) A organi zação
O Terreiro Loaba se organiza hierarqu icament e at ravés de cargos que t êm
u ma repr esent at ividade t ant o relig iosa qu ant o po lít ica e social, po is os seus
membro s assumem co mpro misso s per ant e a so ciedade. Uma das f ilhas-desanto, cujo no me inic iát ico é Mona Ricumbi exp lica esse co mpro misso
polít ico e social:
O t er r eir o é o espa ç o on de s e p ode c on vi ver a r el i gi osi da de em t em p o
i nt egr a l, sem t er a quel a fr on t ei ra que sem pr e, por exem pl o, a t é a qui , eu
fa ç o pa r t e do m un do, do p or t ã o pr a for a , eu s ou a É r i ca , do por t ã o pr a
den tr o, eu s ou a M ona Ri c umbi , t en h o t oda um a vi da ; essa vi sã o d e
m un do é i m por t an t e, a í , a na t ur ez a , a m inh a r el açã o c om o m ei o a m bi en t e
é p er fei t a ; o equi l í br i o c om t od os os In q ui c e s est ã o a l i c ol oca d os; sa í
da l i , eu n ã o t enh o com pr om i ss o c om i ss o. E nt ão, es sa Ca sa sem pr e vei o
c om es sa vi sã o de qu e n ã o, a gen t e t em que se r um t odo o t em p o t od o.
Quer en do ou n ã o, i ss o é um gr a n de desa fi o pr a n ós e, qu er en do ou n ã o,
a ca ba s en do n ovo pr a m ui t os que vi vem e vi ve n ci a m essa r el i gi osi da de
a t é m a i s t em po do qu e eu t en h o de vi da . Apesa r di sso, em Á fr i ca i sso é
a l go c on st an t e.
Hoj e, eu, qua n do ocup o um espa ç o a dm i ni st ra t ivo n o t er r ei r o, eu t en h o
que t er essa pr eocupa çã o, ou se ja , um a fest a c om o a de pa i Angor ô, ou d e
20
Quarto dos inquices.
102
m ã e Dandal unda, ou da d on a Jupi r a, el a t em q ue t er o m esm o p es o pr a s
pess oa s qu e vi ven ci a m e sã o fi l h os de ssa ca sa , com o o t om ba m en t o d o
T err ei r o Loabá, c om o a pa r ti ci pa çã o n o CO NSE A, c om o est a r n os
Con sel h os d e Sa úde, de Ha bi t a çã o, da Cr i an ça e do Adol es c en t e; i sso t em
que t er o m esm o pes o, de e st a r n o Or çam en t o Par t i ci pat i vo, por que i ss o é
da r con t a da man ut en çã o dessa r el i gi osi da de que a gen t e tá diz en do.
O Terrei ro Loabá possui algumas caract er íst icas marcant es. Uma delas é o
fat o de t ransmit ir às pessoas que d esejam fazer part e da comun idad e o s
co nceit o s de cidadania e a preo cupação com a ident idade. A t ransmissão dessa
pro post a é feit a de t empos em t empos at ravés de u ma cer imô nia cha mada d e
"Dia do Indumb e" (cf. it em b). Nesse d ia, são realizadas det er minad as
at iv idad es para que as pessoas, a ma io r ia jo vens, saibam e co mpreendam o s
pr incípio s da Casa onde pret endem ser inic iadas. Uma das palavr as que a
Mameto Indand alacat a profere ao s indumbes é a relação que eles d everão t er
co m as o r igens afr icanas:
/ . .. / a o en t r ar n essa r oda , a o vi r t en t ar con h ece r a ca sa do sa n t o, você s
n ã o est ã o c on h ecen do s ó um a ca sa de ca n dom bl é; voc ês est ã o r e sga t a n do
a sua h i st ór ia . Ent ã o, quan do eu ven h o a qui e di go o qu e eu quer o, eu
t enh o que sa ber que o que eu vou a pr en der, a qui den tr o, a n t ecede a
pa l a vr a, é a r el i gi osi da de de m a t ri z a fr i can a, é a r el i gi ã o d os m eu s
a n cest r a i s / .. . /
Out ra caract er íst ica da co mu nidad e é o fat o de po ssuir u ma milit ância
negra qu e busca conscient izar t o do s sobre as quest õ es sociais, po lít icas e
hist ór icas do negro na sociedad e bras ileir a. Mona Ricumbi fala da impo rt ância
do no me iniciát ico e do compro misso co m as raízes negras :
E u t enh o 16 a n os de i n i ci a da, minh a di ji na é M ona Ri c umbi , que quer
di z er "Fi lh a do S ol ". T od os n ós s om os mona, n a r ea l i da de; mona de
i nq ui c e , ou se ja , fi l h os . . . mona si gn i fi ca fi l h os . Qua se t od os, n é, den tr o
do p ovo ba n t o a t é qu e ca rr ega o mona, que d i z que é fi l h o de a l gum
i nq ui c e . Nã o é pr ed om i n an t e, t êm pess oa s, n é, que o i n q ui c e t r a z um
out r o n om e; o m eu, o i nq ui c e t r ouxe e ven h o fa z en do m ui t a for ça de t á
a ssum i n do em t od os os l uga r es on de e st ou, se ja n o m om en t o p ol í t i c o,
se ja n o m om en t o den t r o do t err ei r o, seja n o m om en t o de en tr et en i m en t o,
quer di z er , a s pess oa s, h oje, m e c on h ecem c om o M ona Ri c umbi . E u a t é
já t enh o um di scur so m ei o pr on t o: eu fa l o que Ér i ca é o m eu n om e de
103
es cr a va ; a pa rt ir do m om en t o que eu c on segui r e t om a r a m inha i den ti da de
en quan t o n egr a , o m eu n om e é M ona Ri c umbi .
Out ra caract er íst ica mu it o import ant e é a organização administ rat iva. Há
u ma
d iret o ria
infor mal,
su bdividid a
em
vár ias
co ordenaçõ es.
Essas
co ordenações se preocupam, so bret udo , com o to mbament o do Terreiro Loabá
e co m o pro jet o maior, cujo no me é Programa Reino de Za ze, em par cer ia
co m a Prefeit ura de Osasco.
Esse pro jet o t rabalha co m as quest õ es amb ient ais e visa à co nst rução de
u m paisagis mo eco lógico baseado em pesqu isas de arqu it et o s e est udant es de
arqu it et ura lig ados à co mu nidade so bre a arqu it et ura afr icana, cu jo mo delo é
u ma arqu it et ura eco lóg ica que ut iliza o s mat er iais lo cais e d ispo níve is. O
pro jet o fo i apresent ado no d ia 26 d e ago sto de 2005, por ocasião da Out o rga
do t ít u lo de Cidadã Osasquence a Mameto Loabá, na Câmar a Mu nicipal d e
Osasco.
c) A fam ília-de-santo
A f amília-de-santo do Terreiro Loabá possui uma o rganização hierárquica
at ravés de t ít u lo s e cargos, co mo todas as out ras co mu nidades de cando mblé.
Ent ret ant o , Mameto Indandalacat a o rient a o s fut uro s f ilhos-de-san to não
so ment e para a prát ica religio sa, mas t ambém par a o exercíc io da cid adan ia e
o s alert a so bre a import ância do est udo:
As pe ss oa s, l á for a , est ã o deci di n do p or nós; h oje, n ós t em os a
n eces si da de de sa ber que p ol í t i ca est ã o fa z en do pr a n ós, por que já h ouv e
ép oca em qu e n ã o podí a m os n em est a r n um a r euni ã o c om o es sa . Hoje, n ós
est a r m os a qui , é um di r ei t o n oss o. N ós t em os que sa ber que p ol í t i ca s
est ã o s en do fei t a s, p or que pod em os est a r r eun i dos, a qui , e vi r um a
a ut or i da de e di z er que est a m os pr es os p or que ba i xou um a l ei nã o sei d e
quê e qu e n os pr oí be d e est a r m os, a qui , r eun idos. E n t ã o, o Or ça m en t o
Pa r t i ci pat i vo é i m p or t an t e. Voc ês, j oven s, t êm que est uda r e est uda r .
E sc ol a e sa n t o com bi n a m . Só fi ca a qui quem est uda .
A organização hierárqu ica pode ser d emo nst rada co nfor me o quadro a
segu ir:
104
Título
Representatividade
Loabá
No m e
i n ic i át i co
da
m a t ri a rc a
da
c om u n i d a d e
( "s o b a ",
s e g u n d o m am eto Inda nda l ac a t a )
I n d a n d a l a c at a
No m e i ni c iá t ic o d a h er d e i ra d a C a s a (m ã e d a c om u n i da d e ,
s e g u n d o m am eto Inda nda l ac a t a )
Ma m a mo n g u a
T í t u l o d e u m a m ul h e r. El a é a m ã e - p eq u en a d a Ca s a
Cota
Ex i s t e m
al g u m a s
m u l h e r es
que
p os s u e m
e ss e
t í t u lo ,
a c om p a n h a d o d e u ma f u n ç ão e s p ec í f ic a ( Mã e es c o l hi d a p el o
i n q u i c e, s e g u n d o m a met o Inda nda l ac a t a ) , c o n fo rm e a b a ix o :
Cota imbaquice
T í t u l o de u m a m u l h e r. El a é r e s po n s á v el p e lo q u a r t o d e
r e c ol h i m e nt o d as m u z e n z as
Cota ambelai
T í t u l o d e um a m u l h er . El a é re s p o n s áv e l p e la s r ez a s d e n t ro
d o i m ba q u i ce e p e l a “c r ia ç ão ” d a s m u z e n z a s
Cota rifula
T í t u l o d e u m a m u l h er . El a é r e s po n s á v e l p e la p r e p a r aç ã o
d o s a l im e n to s s a gr a d o s, p ar a o s i n q u ic e s
C o t a k i d i di
T í t u l o d e um a m u l h er . El a é r e s p o ns á v e l p el a ma n u t e n ç ã o
da paz
Tata Pocó
T í t u l o d e um h om e m. El e é r e s po n s á v e l p e l a r e al iz a ç ã o do s
s a c r i fí c io s ri t u a i s
T a t a c a f u re n g a n g a
T í t u l o d e um h o me m . El e é t am b é m re s p o n sá v e l p e l a
r e a l i z aç ão d o s s a cr i f íc i o s r i t ua i s
T a t a q u i x ic ar e n g o ma
T í t u l o d e a l g u n s h om e n s . El e s s ã o r es p o n s áv e i s p e l o s
i n s t r u m e n to s m u s i ca i s e p el a e x ec u çã o d as c a nt ig a s
T a t a I nj i b i di
Título
de
alguns
h o m e n s.
El e s
são
r e s po n s áv e i s
pela
e x e c u çã o d as c a nt i g a s
Tata
quissaba
Mu z e n z a
incanda
ou
T í t u l o de u m ho m e m. El e é r e s po n s á v el p e l a c o le t a e
p r e p a r aç ã o d a s f ol h a s n o s r i t ua i s
T í t u l o d e al g u m a s p e s so a s d e am b o s o s s e xo s i n i c i a das h á
m e n o s d e 7 a n os
Indumbe
T í t u l o d e a l g u ma s p e s s o as d e a m b o s o s s ex o s a i n d a nã o
i n i c i ad a s
Alé m do s t ít ulo s, cada pesso a inic iad a recebe u m no me iniciát ico . O
quadro abaixo mo st ra alguns no mes co m o sig nificado para a co mu n idade.
105
Nome
Sentido na
comunidade
Loabá
Nã o r e v e la d o
I n d a n d a l a c at a
O ( a) v i go r os o ( a )
Q u i t a nj i
Riqueza
C o t a Mu la nj i
C o m b at e n t e
Ma z a d i a Ji m bo n g o
Á g u a d a f or t u n a
Mo n a R ic u m bi
F i l h a do S o l
Uabuama
En c a n t a d a
Quandala
Querer
Ma z a d i a A n g o n go
Água me deu vida
I n q u a c a nj i
O z e l os o
Insugaladi
A d i l i ge n t e
Zo q u e l e d i
A d e f e n s o ra
U n k u a n g o lo
V i t or io s a
Mu q u e n u
c o m pa n h e i r a
d) As divindades
As saudações e ho menagens pr est adas às d ivindades são similiar es às
o ut ras co mu nidades de Cando mblé, co meçando as cer imô n ias pela d iv indad e
guardiã e t er minando co m a div indad e da cr iação, nu ma ordem seqüencia l
co m caract er íst ica própr ia. Zambi Ampungu é o Deu s supremo e não ent ra no
quadro das divindades, po is est as são suas int er med iár ias ju nt o aos seres
hu mano s. A ordem do cu lt o às d ivind ad es no Terrei ro Loabá é a seguint e:
Inzila, Incosse, Catendê, Mutacalombo, Gongombi ra, Za ze, Caviungo, T empo
ou
Quitembu,
Angorô,
unzigalu mbond o,
Vunje,
Caiangô
ou
Matamba,
Dandalunda, Caiá, Ganga zumba, Lemba, Lembarenga nga, Lembaf urama.
O quadro a seguir mo st ra as caract er íst icas esp ecíficas de cada u ma d essas
d ivindad es e suas respect ivas áreas d e do mín io .
Inquice
Características /do mínio s
Inzila
Gu a r d i ã o e s e n h o r d o s c a mi n h o s
Incosse
S e n h o r d o f e r ro , d a a g r ic u l t ur a e d a t ec n o lo g i a
106
Catendê
S e n h o r d a s fo l h a s e t a m b ém d a ag r ic u l t u ra
Mu t a c a lo m bo
S e n h o r d a c a ça e r e sp o n s á v el p e lo a li m e n to n o mu n d o
Go n g o m bi r a
Senhor
d a p e sc a , f i l ho
d e Mu t ac a lo m bo
e Da n d a l u n d a ; é
t a m b é m um ca ç a do r
Za z e
S e n h o r d o t ro v ã o ; e q u il í b ri o do c o s mo
T e m p o o u Q u i t em b u
S e n h o r d a at m os f e r a
Caviungo
S e n h o r d a v a r í ol a , d a f e b r e, d a s d o e n ç a s c o n ta g i o s a s e d a
c u r a d el a s
A n g o rô
S e n h o r d a t r a n s fo r ma ç ão ; d a c h u v a ; d a s r a í z e s ; p r e c ur s o r d a
dualidade
U n z i g a l u mb o n do
S e n h o r a d a be l e z a e d a v i dê n c i a ( f ê me a d e A n go rô ) ;
V u nj e
I n o c ê n ci a
C a i a n g ô,
Mat a m b a,
S e n h o r a do s v e n to s , t e m p e st a d e s e f e r t il i d a d e
Ba m b u r u c e ma
Dandalunda
S e n h o r a d a s á g u a s do c e s, d a f er t i li d a d e e d a f e cu n d a ç ã o
Caiá
S e n h o r a da s á g u a s d o m ar ; a m a i s v e l h a d a s di v in d a de s e m ã e
d a s c a b eç a s
Ga n g a z u m b a
S e n h o r a d a L a m a, o be r ço d a h um a n i d a d e
Lemba
O p a i d a c ri a ç ão
L e m b a r e n g a ng a
L e m b a n a f a s e j o ve m
L e m b a f u r am a
L e m b a n a f a s e d e m ai s v e l ho
2.2.2 Os rituai s: est rutu ra e fun cionamento
No Terreiro Loabá, t odos o s r it uais, no r malment e, são previst os em u m
calendár io lit úrg ico, porém, ao lo ngo do ano , po dem ser mo d ificado s de
aco rdo co m as necess idades da co mu nidad e. Event ualment e, po de oco rrer u ma
cer imô nia não previst a, mas é raro . Nest e it em, descreverei do is r it uais:
in ic iação e renovação.
A exemp lo do Inzó Dandaluna, o Terreiro Loabá po ssu i t ambém do is t ipo s
de r it uais: os secret o s e o s público s.
Os r it uais secret os são realizado s so ment e par a a co mu nidad e d e sant o ,
sem a presença de assist ência e se caract er izam p elas o ferend as pro piciat órias
às div ind ades.
107
Há o r it ual do "Dia do Indumbe" que co nsidero co mo int er med iár io , po is
não é fechado ao público, t em assist ência especial, po rém não t em a mesma
caract er íst ica de um r it ual público . E le aco nt ece dur ant e to do um d ia d e
at iv idad es em qu e foram co nvidadas algumas pessoas que assist em o u
part icipam do iníc io ao fim do s r it uais. Essas pesso as são , de mo do geral,
freqü ent adoras ass íduas e algu mas pret endem ser inic iadas na Casa. Esse
r it ual será descr it o mais à frent e.
Os r it uais públicos, mais co nhecido s como f estas, aco nt ecem apó s t er
havido u m per ío do de r it uais pr ivados qu e, a exemp lo d e out ras comunid ades
afro -brasileir as, t êm o número de dias co nfor me o t ipo de r it ual (cf.cap.1).
As f estas públicas no Terreiro Loabá são abert as a t o das as p esso as qu e
quiser em assist ir, cumpr iment ar os inqui ces, d ançar na ro da-de-sant o , porém
exist e uma rest r ição em r elação ao regist ro: não é per mit ido t irar fo t o s e ne m
fazer filmagens dos inquices vest ido s e parament ados.
a) A festa de Angorô
Tomarei co mo modelo a f est a em ho menagem à div indade pesso al de
mameto Indandalacata, Angorô, para descrever a o rganização r it ual de uma
cer imô nia na ínt egra.
A exemplo da co munidade Inzó Dandalu na t ambém apresent arei o s do is
p lano s. Consid erei c inco mo ment os dist intos para d escrever o s do is planos no
Terrei ro Loabá :
1° mo ment o : p lano do humano durant e a preparação dos espaço s ond e
aco nt ecerá a f esta;
2° mo ment o : ent ra-se no p lano do sagrad o;
3° mo ment o : há u ma int errupção no plano do sagrado e uma ráp ida vo lt a
ao plano do humano ;
4° mo ment o : ent ra-se novament e no p lano do sagrado ;
5° mo ment o : retorno ao plano do hu mano.
Plano do humano – 1° momento
Todo s os anos, geralment e, no mês de ago sto , realiza-se a f esta d edicada a
Angorô, o inquice de mameto Indandalaca ta. Inicia- se co m cer imô n ias r it uais,
so ment e para os filho s da Casa, alguns dias ant es da f esta pública.
108
No dia 27 de ago st o de 2005, sábado, algu ns dos f ilhos-de-santo fo ram
chegando , logo às pr ime iras ho ras da manhã para a pr eparação da f est a e
o ut ros fo ram chegando durant e t odo o d ia e se o cup ando do s afazer es:
preparação dos aliment o s, limpeza do s espaços, ornament ação do barracão ,
et c. Para a realização das t arefas, t odo s usavam ro upas apropr iadas, a lgu mas
brancas, outras co lor idas e pano s nas cabeças.
Nas pr ime iras horas da no it e, mameto I ndandala cata su biu ao barracão ,
segu ida pelos f ilhos-de- santo e realizou a cer imô nia ded icada a Inzil a. E les
est avam co m as roupas usadas durant e t odo o dia de t rabalho . Havia poucas
pesso as na assist ência.
O tata quixi carengoma Inquacanji havia ent rado u ns minut os ant es
aco mpanhado dos out ro s tatas qui xica ren gomas que afinaram o s inst ru ment o s
mu sicais; o s membros d a co mu nid ade fo r mar am um semic írculo, vo lt ado par a
o s banco s da assist ência de um lado e do out ro do s at abaqu es.
Plano do sagrado – 2° momento
Ainda não havia muit as pessoas na assist ência quando se in icio u essa p art e
do rit ual e, a part ir do seu in ício não fo i per mit id a a ent rada de p essoas no
barracão; só assist iram à cer imô nia aquelas que já se enco nt ravam no lo cal.
Inquacanji saudou Inzila e inicio u as cant ig as em sua ho menag em; t odo s
cant aram abso lut ament e parado s, algu ns, co m as mão s para t rás.
Tata : Inzila ê
/
To do s : Inzila ê!
1 a cantiga
2 a cantiga
P a m b uj ir a j am u c a n g u ê
Ma v i l ê .. .
Ara o rê rê
m a v i l é t a n g o j a co t ai l ê
P a m b uj ir a c uj a c uja nj o
Ma v i l é t a n go ja co t a i lê
P a m b uj ir a j am u c a n g u ê
Ma v i l ê
Ara o rê rê
T a n g o j ac o ta i l ê
Ma v i l ê
109
3 a cantiga
4 a cantiga
Ma v i l e ma v i l e m a v am b u
P a m b uj ir ê
Sangurapensuê ai ai ai
p a m b u p a m b u p a m b u pa m b u ji r ê
Sangurapensuê
P a m b uj ir ê
p a m b u p a m b u p a m b u pa m b u ji r á
5 a cantiga
6 a cantiga
I z a m u v i l a m a v il e
A ê p a m b uji r ê
m a v a m b u Pa m b uji r a
A ê p a m b uji r ê
A ê a ê a ê m a v i le é p am b uj i ra
A ê p a m b uji r ê
P a m b uj ir ê
7 a cantiga
p am b uj ir a
8 a cantiga
Q u i c a n g á g a n g a iô
Q u i g a n g a iô ô ô
Ga n g a i ô l e q üê p a m b uj i r ê
P a m b u p a mb uj i l a
Q u i c a n g á g a n g a iô
Q u i c a n g a g a n g a iô ô
Ga n g a i ô l e q üê p a m b uj i r á
Q u i g a n g a iô ô
P a m b u P a mb uj i l a
Q u i c a n g a g a n g a iô ô ô
Após as cant igas dedicadas a Inzi la, a mameto Indandal acata cant o u a
segu int e cant iga, fazendo um sina l co m os do is dedo s ind icado res, u nido-o s
em for ma de cru z; t odo s a imit aram:
Ma t a m b a a n go l a i n cr e z e n z o ê
Crezô
Depo is dessa cant iga, ela pego u u m pot e, cont endo a pemba e soprou o pó
para o alt o no meio e nos quat ro cant o s do barracão ; jo gou u m pu nhado no s
at abaques, no agogô, nas mão s dos f ilhos-de-santo que t iravam os t o rços e
passavam pelo s cabelo s e no s braço s. Durant e as cant igas e m lou vação à
pemba, for mou-se uma roda e t o do s dançaram.
1 a cantiga
2 a cantiga
Ô que pembê
Za n z a m
110
ô q u e p e mb e
ó i a p em b a oi ô
U i z a ca s s a nj e
Za n z a m
é u i z a d e a n go l a
ó i a p em b a oi ô
Ô que pembê
z a m b i a n go l a
Todo s bat eram macu (t rês p almas segu idas por set e, repet indo por três
vezes) e fo i encerrada essa part e. E m segu ida, no t erceiro mo ment o , ho uve
u ma int errupção no plano do sagrado e u ma rápid a vo lt a ao p lano do hu mano ,
para a t roca de roupas.
Plano do humano – 3° momento
Após t rocarem d e roupa, durant e cerca d e uma hora, fo ram ret o rnando, ao s
poucos, vest ido s co m as roupas apropr iad as para a f esta pú blica: as mu lher es
co m saias co lor idas e ar madas pelo s saio t es engo mado s, pano s enro lado s nas
cabeças e fio s de cont as das cores referent es às suas d iv ind ades p esso ais,
sendo qu e as muzenzas usavam bracelet es e co lar es de palha- da-cost a,
enfeit ados co m búzios e miçangas d as cores de suas d iv indades p esso ais; o s
ho mens usavam bat as co lor idas e fio s de cont a t ambém das co res r eferent es às
suas d ivindades pessoais.
Os tatas qui xica rengomas espalhar am fo lhas pelo barracão e afinaram os
inst rument os musicais, as cota s e mu zenza s recepcio navam o s co nvid ado s,
o ferecendo chás e cafés; t o dos transit avam por to do s o s espaços em t ot al
int egração.
Nu m det er minado mo ment o , t o do s o s membro s da co mu nid ade se ret iraram
para o espaço pr ivat ivo dent ro do barracão , meno s o s não in iciado s qu e se
sent aram no lado esquerdo, no chão , mant endo as cabeças baixas. A mamet o
Indandalacata fo i a ú lt ima a ent rar naquele esp aço . Est ava encerrado esse
breve mo ment o de ret orno ao p lano do humano , para se ent rar no plano do
sagrado .
Esse é o mo ment o em que consid ero haver uma rupt ura ent re os membro s
da co mu nidade e a assist ência, que direcio nou suas at enções para o s
mo viment os dos membros da co mu nid ade.
Plano do Sag rado – 4° momento
111
Po rt ando
o quiof i, espécie de pequeno
chocalho
de vime, mamet o
Indandalacata saiu na fr ent e da fila ind iana, ao so m do toqu e dos tata s
quixica ren gomas.
Entrada
Todo s ent raram, dançando, em sent ido ant i- ho rár io , ao so m do s at abaq ues
e agogô, em fila indiana, por ordem hierárquica. Os não iniciados est ava m
sent ado s no chão, com a cabeça abaixa da e as moças não usam pano s na
cabeça. Algu mas t raziam os cabelo s so lto s; out ras, t rançado s; o ut ras, co m
fit as co lo r idas e largas. Depo is da segunda ou t erceira vo lt a, os não in iciado s
ent raram na ro da.
Cumprimentos
O tata Inquancanji saudou a d iv indad e Incosse, in ic iando u ma cant iga. Ao
so m dessa pr imeira cant iga, to do s inic iar am os cu mpr iment o s que consist e m
na saudação aos locais fu ndament ais do barracão : ent rada, cent ro (lo cal do
f undamento e da cumeeira), diant e dos at abaques e às pesso as. A pr ime ir a a
fazer a saudação fo i a própr ia mameto Indandalacat a, segu ida pelo s f ilhos-desanto, o bedecendo à hierarquia. A cant ig a abaixo se repet iu at é a saudação do
ú lt imo indumbe.
Ez o m o n a v u nj i m u t u ê n a n i
Ê kiuzié
Aê aê quenu quenu
Ter minando os cumpr iment o s, o tata Inquacanji paro u o coro e fez a
saud ação : Incosse ê! e t odo s gr it aram : Incosse ê! E co nt inuou, saudando e
cant ando para as demais d ivindades.
Cantigas e louvações às out ras divind ades
112
Fo r mar am- se duas ro das, uma gr ande roda co mpo st a pelos membro s ma is
no vo s em relação à in ic iação e os não inic iado s; o ut ra, pequena, dent ro da
roda maior, co mpo st a pelos membro s mais velho s e m re lação à iniciação e
co nvidado s especia is de out ras co munidades pert encent es ao alt o clero das
religiõ es afro -br asile iras.
Havia, nessa fest a, algu mas mães e pai s- de-santo do Cando mblé de Nação
Quet o e do Cando mblé de Nação Ango la, além de ebomes, equed es e ogãs.
Essas pessoas foram chegando durant e o cassambe e cada vez que um membro
do alt o clero chegava, post ava- se à ent rada do barracão e esperava o s tatas
quixica ren gomas do brarem o coro para a sua ent rada, segu id a por membros d e
sua pró pr ia co munidade.
Tata Inquacanji : Inco sse ê!
/ To do s : Incosse ê!
2 a cantiga
1 a cantiga
Ê r o x i m o k um b e p ar a m e s e n da u ê
C o n s e n z a la I n c os s e
Gó i a e a e g ó i a e a e gó i a e
C o n s e r ê m o n a c a iá
C o n s e n z a la I n c os s e
3 a cantiga
4 a cantiga
A I n c o s se ê ê
I n c o s s e b am b i a b a n d e
T a t a m a le m b ê
I n c o s s e b am b i ê
A I n c o s se ê ê
Aê banda
T a t a m a le m b ê
3 a cantiga
4 a cantiga
Indembu mê
I n c o s s e bi o l ê s i b io l á
Ma v a m b o ê i nc o s s e
I n c o s s e bi o l ê s i b io á
( R) o xi b a m bi ê
Cantigas para a divindade Caten dê
Tata Inquacanji: Alambá Caten dê! / Todos : Catende ê!
113
1 a cantiga
2 a cantiga
E Catendê euê Catendê
C a t e n d ê c ói a b i bi có i a
Catendenganga
C ó i a m e c ó ia b i bi có i a
Catendê de aruanda
3 a cantiga
4 a cantiga
C a t e n d e g a n ga b i b i có i a be u m
A n g a r i a u a na m e c u t e n a
C a t e n d e g a n ga b i b i có i a
Catende
Muj i n g a n g a
A n g a r i a u a na m e c u t e n a
Catende
Cantigas para a divindade Mutacalom bo
Tata Inquacanji : Acumeneqü ena Mutacal ambô !/Todo s : Mutacalombo ê!
1 a cantiga
2 a cantiga
Ba m b i ê ê ê
Ea u e n d a c a n g ir a m uc o n go i n g a n g a
Ba m b i ê a vi m b a t a u á
Aê tumba
Ba m b i ê a vi m b a t a u a m im
T a u a m i n a ê ta u a m i n
Ba m b i ê a vi m b a t a u á
E b a m b i e u a di b e l e mb e
A ê t a u a mi n
3 a cantiga
4 a cantiga
C a u a n a j i ra m u t a ne n g a n g a
C a u a n a j i ra m u t a ne n g a n g a
ê zumbá
é Mu t a l a m bô ô
T a u a m i m a ê t a u a mi m
A ê t a u a mi
114
5 a cantiga
6 a cantiga
A d ê c u ta l a zi n g u ê
C o mo x a u er á á
C ó i a z i n g u ê mi a i za c u ta l a
C o mo x a u er á m i a i z a c u t al a
Cóia zinguê ô
C o mo x a u er á á
A i a i ai a i ai a i
A i a i ai a i ai a i
A d ê c u ta l a zi n g u ê
A d ê c u ta l a zi n g u ê
Cóia zinguê ô
Cóia zinguê ô
Cantigas para a divindade Zaze
Tata Inquacanji : Quiuá Zaze! / To do s : Zaze ê a!
1 a cantiga
2 a cantiga
Ô Za z e ê
Za z e é m ac u c u a n d em b o
Ô Za z e a a
Za z e é m ac u a n d e m bo ô
Ô Za z e ê ma i a n g ol ê
m a i a n go l á
A ê a ê Za z e é m ac u c u a n d em b o
3 a cantiga
4 a cantiga
C a s s u t é ma m t er r a m u z a m bô
T a t a b i ri b i o g a n g a z um b á
C a s s u t é l em b á te r r a m u z a mb ô
A a r u ê ê t a t a bi r i bi r i bi g a n g a z um b á
A a r u ê ê ê t a t a b i r ib i r ib i
Cassuté é é é
C a s s u t é ma m t er r a m u z a m bô
5 a cantiga
6 a cantiga
I z e l e m b a c a nj a nj a c u ar a q u e m a l em b e
V u l a ê d u n d u m ê có i a d u n d um
Za z e c u n d e m be q u e m al e m b e
Ê vulaê dundum
C ó i a d u n dá
7 a cantiga
8 a cantiga
A n d a n d u r ê b er ê b a n d a ba n d a ca s s u t á
A n d a n d u r ê a n d a n d ur á
A n d a n d u r ê a n d a n d ur á á
A n d a n d u r ê mi n i b a n d a b a n d a c a s s u t á
C ó i a da n d u r ê
115
Cantigas para a divindade Quitem bu
Tata Inquacanji : Zara tempo tempo qui si navuru! / Todo s : Zaraa Tempo !
1 a cantiga
2 a cantiga
T e m p o rê r ê rê r ê r ê
T e m p o é de i n g a n a za m b i
T e m p o ra r a r a r a r a
T e m p o é de i n g a n a za m b i
T e m p o d e i n g a n a z am b i
C ó i a q ui z i m i p é p é i n g a n a za m b i
T e m p o d e g a n g á z u mb á
Cantigas para a divindade Caviun go
Tata Inquacanji : Quiuá Caviu ngo! / To dos : Aê Caviungo!
1 a cantiga
2 a cantiga
A n d a n d u r ê b er ê b a n d a ba n d a ca s s u t á
A n d a n d u r ê a n d a n d ur á
A n d a n d u r ê a n d a n d ur á á
A n d a n d u r ê mi n i b a n d a b a n d a c a s s u t á
C ó i a da n d u r ê
3 a cantiga
4 a cantiga
Insumbuê
Insumbu ê Insumbunanguê
V o lo v ol o n a q ua t e n u
Insumbu ê Insumbunanguê
E Insumbu besetuqüenda
É L e m b a d il ê
S u m a i ó q u e fi t a m i n q u i t a
S u m a i ó q u e se t u q ü e n d a
Cantigas para a divindade Angorô
Tata Inquacanji : Angorô avimba qui ambo te! / To do s : Angorô lê!
116
1 a cantiga
2 a cantiga
A n g o rô s i n h ô ô
A n g o rô c as i m bi d i a i n v u l a
S i t e m g a n ga j a u n ta l e
c a s i mb i d i a i n v u l a
A n g o rô s i n h ô ô
i n z i n g a l u m bo n d o d i a i nv u l a
c a n s i m bi d i a i n v u l a
3 a cantiga
4 a cantiga
A n g o rô c as i m bi d i a i n v u l a
Q u a t a z im b a Q ui c u z u si m b e n g a n ga
invulaio lese
A n g o rô d i a c a l u n g a
A n g o rô c as i m bi d i a i n v u l a
I n v u l a i n g a n g a s e se
5 a cantiga
6 a cantiga
Ê A n g o rô a v im b a q u i am b ot e ê A n go rô ô
C a n g a s a l a a n g o lá
Ê A n g o rô t á no c aj u n g o n go
S i b u a l e l ec o n go
J a q u i m b a n dá có i a q ui m b a n d á
Cantigas para a divindade Vunji
Tata Inquacanji : Vunji cuca la paf undi! / Todo s : Vunji ê a!
1 a cantiga
2 a cantiga
Q u i l i q u i ss a n g a c a r am u l o n g u ê
Ê V u nj i é mo n a me
V u nj i ê ê a
Ê V u nj i é mo n a me
V u nje ê ê a
C a b i l a c a n go m a
V u nj i c a u e l ê c a u e l ê
C a b i l a c a n go m a V u nj i s á
3 a cantiga
V u nj i é q u et a mo n a ca o i n ga n g a
Ê ê ê
ô
inganga
117
Cantigas para a divindade Caiang ô
Tata Inquacanji : Quiuá Matamba ! / Todo s : Quiuá Matamba!
1 a cantiga
2 a cantiga
Ba m b u r u c e ma i n v u l a q u i n v u l uc u e a ê
Oia ara oia ê
a ê Ba m b u r u ce m a i n v ul a
Ma t a m b a d e c ac a r uc a g i n g u ê
q u i n v u l u c u e a ê d i n z am b i
A r a a ra a r a a r a ê ê
Ma t a m b a d e c ac a r uc a g i n gi n g u ê ê
3 a cantiga
4 a cantiga
O i a j a nja c al u n g a
El e u í e l e u á
v u nj ê v u nj ê v u nj ê v u nj ê
El e u í
O i a j a nja c al u n g a
Ba m b u r u c e ma
v u nj ê v u nj ê t a t ê m a m ê
Cantigas para a divindade Dandalunda
Tata Inquacanji : Dandalund a ê! / To do s : Dandalunda ê!
1 a cantiga
2 a cantiga
Rê rê rê dandá
D a n d a l u n d a m a i m ba n d a co q u ê
Ma i p ê m a ip ê d a n d á
D a n d a l u n d a m u q u e n u q u e C a iá
Ma l e m b ê ma l e m bê d a n d á
3 a cantiga
4 a cantiga
Q u i s s i m bi ê ê
T i b i r i z ez u m D a n d a l u n d a p uz e r a
Q u i s s i m bi é mo n a m e
T i b i r i z ez u m D a n d a l u n d a p uz e r a
Q u i s s i m bi é mo n á
5 a cantiga
6 a cantiga
A x o q u ê l e x oq u ê ô m ã e Da n d á
S o ê a ê so ê
É de Dandalunda
Ê Dandalunda
D a n d a l u n d a q ui a n d á
118
Cantigas para a divindade Caiá
Tata Inquacanji : Cai á mê! / Todo s : Caiá mê
1 a cantiga
2 a cantiga
S a m b a s a mb a mo n a m e ta
A i u ê s a m bê s a m bá
C u m b e r a q ue n ã s a m ba ô ô
S a m b a mo n a m e t a t e
S a m b a mo n a m e
t a c u m b er a q u e n ã
3 a cantiga
4 a cantiga
Q u i z u m b a o l ai ó
Caiá zenze Caiá zenze
A b e r ê ô m am e to ô l a ió
C a i á z e n z e c ai t u n d o q u i a m az a
Aberê ô
Cantigas para a divindade Gangazum ba
Tata Inquacanji: Zumbá mê! / Todo s : Zumbá mê!
1 a cantiga
2 a cantiga
D i l e n do ê Ma t am b a a n go l a di l e n do ê a e
C u m e n e q u e n a ti co l a a j a s i
A r u e i n g a n g a c ar a ca r a
C u m e n e q u e n a c u a l a c a m b am b e
I z a c o la m am e t o
s a m b a n g ol a d e m a i a n go l á
a i a i a i a i ar u ê ê ê á
A r u e i n g a n g a c ar a ca r a
I z a c o la m am e t o
s a m b a n g ol a d e m a i a n go l a
3 a cantiga
Cumenekena cumenekena begerunda
Após essa part e, t eve início uma o ut ra etapa ainda no plano do sagrado : a
possessão da divindade ho menag eada e m sua filha Ind andala cata.
119
Possessão
O
tata
Inquacanji
t iro u
u ma
cant iga
de
f undamento
e
mameto
Indandalacata ent rou em t ranse de sua d ivind ade Ango rô, segu indo -se vár ias
possessõ es das d ivindades em seu s filho s.
En u C o n g o e u a n da l a
En u C o n g o e u a n de l ê
Todo s os inquices dançaram e fo ram saindo ao so m da cant iga. E les saír a m
u m a u m por ordem hierárqu ica; o pr ime iro inquice a deixar o barracão fo i o
da mameto.
Ho uve um int er valo, mo ment o em que as pesso as saíram d e seus lugares e
se dir igir am par a o lado de fora do barracão o nde havia uma mesa co m
garrafas t ér micas
cont endo
café e
chá;
fu maram,
fo ram
para
a rua,
co nver saram et c. at é que fo ram cha mado s para dar cont inu idade ao toque.
Angorô vo lt ou vest ido e parament ado ; na frent e, vin ha a cot a, tocando o
quiof i ao som da segu int e cant iga:
Q u i m b a c o n g a p e m b a d e A n go r ô
Q u i m b a c o ê s a a mê
S i t e m g a n ga n a m u xi m a
D i g a c a t e n go i ô
A d ivindade dançou umas t rês vo lt as no barracão , saudando a t o do s at ravés
de seu b rado. Os at abaques silenciar am e o tata Inquacanji in iciou u ma
seleção de cant igas dedicad as à div in dade Ango rô qu e danço u, sempr e
aco mpanhado pela sua cota e po r algu ns membro s do alt o clero de o ut ras
co munidades.
Após o encerrament o dos cânt ico s ded icados à divindade, est a fo i sent ada
em sua cadeira e t o dos foram reverenciá- la, co meçando pelos f ilhos-de- santo
por ordem hierárquica e depo is p elo s visit ant es do alt o clero e, em segu id a, a
assist ência fo i co nvidada a cumpr iment ar Angorô.
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Após t odas as rever ências, os t atas qui xicarengoma s t o caram e cant aram
para a despedida da divindad e que sau dou todo s o s lo cais fund ament ais do
barracão e se ret irou.
Tata Inquacanji saudou : Angorô avimba quiambote!
/ To do s repo nderam :
Angoro lê!
Xalaê, xalaê ê
Amessurá que banda co izá
Xalaê ê
Após a saída de Angorô, o tata Inquacanj i inic iou as cant igas para Lemba,
d ivindad e que encerra t odas as cer imô nias.
Cantigas para a divindade Lem ba
Tata Inquacanji : Pembel ê Lembá
1 a cantiga
/
Pemb elê Lembá!
2 a cantiga
Za m b i ca s u t e l em b a r e ng a n g a
L e m b a f u r am a o q u i r i l e m b a
e mafulama
O quiriuanu quenu mona lemba
L e m b a d il e n g o c a s u t e l e m b a i m b am b a
3 a cantiga
Za m b i n p u n g u v a n a i n g u z u
I u n a c u x i ca n a c ut e m a
Za m b i m p u n g u va n a i n g u z u
C u x i c a na c u te n a d i a Zam b e
Após as cant igas dedicadas a Lemba, encerrou-se essa part e da cer imô nia,
o correndo uma rupt ura tot al co m o plano do sagrado .
Retorno ao plan o do humano – 5° moment o
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A ma meto se aproximou do fund ament o , no cent ro do barracão. Os f ilhosde-santo se apro ximaram, se abaixaram. E la saudo u as d iv indad es e t o do s
bat eram o macu.
Macu
Todas as pessoas que est avam d ent ro do barracão se abaixar am em t o rno da
mameto e bat eram o macu, palmas equ ivalent es ao paó.
Co m ist o , encerro u-se a cer imô nia e p asso u-se à ú lt ima part e que pode ser
co nsiderada co mo t ot alment e pro fana, po is co me-se e bebe- se, d isso ciando -se
tot alment e e no mesmo espaço que, ant es, deu lugar ao sagrado .
Comida s e bebi das
Fo ram ser vidas as co midas para o s co nvidado s: arro z, faro fas, car nes,
saladas. A bebida, nessa fest a, fo i suco de frut as. E sse fo i o mo ment o de
co nfr at ernização , descont ração , r iso s e conversas so br e t o do s o s assunt o s da
vida p essoal, cot idiana e, pr incipalment e, saber o nde vão se realizar f esta s d e
cando mblé; na casa de qual mãe ou pai-d e-santo haverá saída d e muzenza ou
de iaô, o br igaçõ es de um ano , de cinco et c., recebiment o de oi ê, f esta d e
Cabocl o, f esta de Exu, dent re out ros t ipo s de cer imô nia.
b) A iniciação
Não é per mit ido regist ro do rit ual d e inic iação , nem mesmo a part e do
público. O que fo i p er mit ido reg ist rar fo i o "Dia do Indumbe" que é u m r it o
preparat ó rio para a iniciação. Nesse d ia, aco nt eceram alg u mas at ivid ades par a
o s iniciandos. Co meçou pela manhã, bem cedo, co m a o rganização do
amb ient e e dos aliment os que foram t razid os pelos part icipant es.
A mameto Indandalacat a in icio u o d ia, explicando co mo se dá a ent rada
em u ma casa:
A gen t e va i en tr ar a um l oca l . ..n ã o se a den tr a à ca sa de n in guém sem
pedi r l i cen ça e sem sa ber t a m bém de que for m a a gen t e entr a . Sem pr e a
gen t e pr ocur a sa ber de qu e for m a a quel e p ovo ou a qu el a pe ss oa t em os
seus c ost um e s. Pr i m eir am en t e, voc ês t êm que fa z er i sso … (cur vou-s e a o
pa ssa r pel a por ta ) – a o pa ssa r pel o mar i ô, voc ês sem pr e vã o s e cur va r , de
t a l for m a , en t en deu, que el e pa sse p or ci m a de você s. E ssa (dem on st r ou,
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pa ssa n do pel a p or t a ) é a cur va t ur a do mar i ô, é a fol h a que t á a qui
(i n di cou a por t a ), é a fol h a do den dez ei r o. A fun çã o d el e é que, qua n do a
gen t e pa ssa por el e, a n ega t i vi da de que a gen t e t iver , el e va r ra , el e t ir e . ..
i sso é a n cest r a l . Ao pa s sa r por el e, voc ês se c ur vem , a ut om a t i ca m en t e.
E l e nã o l h e con h ece, n ã o sa be quem voc ê é, n ã o sa be quem t á pa ssa n do. ..
Agor a , quan do voc ê se cur va , el e fa z a sua fun ção, el e sa be quem é que t á
pa ssa n do, por quê que t á pa ssa n do e o qu e el e d e ve fa z er por essa p es s oa ,
en t en de. .. ent ã o, com e ça por i sso, pel o r espei t o a o mar i ô, pel a fol h a .
Tocando o quiof i, a mameto fez saudaçõ es à água, em po rt uguês, nu m t o m
pro fundo e so lene, numa at it ude de grande rever ência:
A á gua , a gr an de m ã e. A m ã e det er m i na a fon t e da vi da . A á gua ,
on de el a est i ver : n os cór r egos, n a s ca ch oei r a s, n os pequen os e gr an des
r i os, é a m ã e; é a á gua e m esm o qua n do el a c or re n os e sg ot os, el a a i n da é
a á gua , a gran de m ã e. Desde os pr i m ei r os t em pos, n o ven tr e m a t ern o,
t od os e st ã o n a á gua e a á gua é a gr a n de m ã e. T odo Ser é fi l h o da á gua , a
m ã e á gua e n ós som os á gua .
Enqu ant o a mameto fazia a saud ação às águas, uma das cotas organizava,
ao lado do f undamento do barracão , uma est eira e u ma bacia de ágat e,
co nt endo um banho de er vas. E la lavou as mão s, o s pu lso s, a cabeça e fo i
o rient ando depo is cada pessoa present e a fazer o mesmo. To dos se banhara m
ent o ando cânt icos dedicados à div indade das águ as, Dan dalunda.
Após as cant igas, a mameto faz as seguint es reverências:
Re ver en ci o os n os s os a n t epa ssa dos,
Re ver en ci o os h om en s,
Re ver en ci o a s m ul h er es,
Re ver en di ci o t od os os ser es vi vos,
Re ver en ci o o í n di o, o an cest r a l e don o dessa t er ra .
E m segu ida, exp licou o sign ificado p ara a co mu n idade do "Dia do
Indumbe":
Ind umbe si gn i fi ca a quel e que si m pa t iz a , ma s a in da n ã o per t en ce.
Ind umbe si gn i fi ca : o i gn or an t e. E ssa pa la vr a t em o pe s o que é d e
i gn orar , que nã o c on h ece, i ss o quer di z er pr a nós: o i gn or an t e – a quel e
que i gn or a , que n ã o c on h ece, el e qu er sa ber , el e qu er a pr en der . . . e,
a ssi m , t udo n a vi da . T udo a quil o que eu n ã o sei , sou i gn or an t e, i gn or o.
Hoj e é o di a do In d umbe ; en t ã o, é o pr im ei r o pa sso. O pr i m eir o pa ss o
que t od o i gn or an t e deve t er é fa z er a l gum a s per gunt a s. A pr i m eir a é:
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quem som os; a segun da , o que quer em os e a t ercei r a , pr a on de quer em os
i r. E ssa s per gunt a s, com cer t ez a , n os l eva r ã o a algum l ugar.
E ela disse: "eu sou Mameto Ind andalaca ta; sou filha de Mano el Nogueira
e Mamet o Loabá; sou mulher de lut a e me at revo a sonhar" e fez a t odo s a
pr imeir a pergunt a; as pesso as falavam seus no mes e o s no mes de seus pais e
avós e alguma out ra palavra so bre si mesmo s o u sua ancest ralid ad e.
Um dos filho s ma is velhos d a Casa d isse:
Comba nda ji l a, eu s ou i nc os se bi ol á; fi l h o de ma me to L oa bá e da
m inh a m ã ez inh a Indandal ac ata. E st ou a qui na m inha r el i gi osi da de e
c on t o c om t od os os m eu s i r m ã os pr os n oss os di a -a -di a , que é á r duo, com
m ui t o sa cr i fí ci o e m ui t a l ut a, m a s t em os que t er a ca be ça er gui da .
Depo is do pro nuncia ment o de t o do s, a mameto fez a segu nd a pergu nt a:
A segun da per gun t a é: o que quer em os? A n í vel de n ossa s vi da s e a t é p or
est a r m os a qui . T udo na vi da t em que t er um sent i do, um m ot i vo que n os
i m pul si on a.
As pessoas falaram de seus desejo s e anseio s.
E ela cont inuo u:
Ao en tr ar a qui e ver um dia de Ind umbe , m ui t a s pessoa s p od er i a m
per gunt ar : 'm a s, pr a que i sso? Pr a que fi ca r fa l a n do, ah , bot a a s pe ss oa s
n a r oda , t oca o a t a ba que, el a s dã o sa n t o e d eu, é i ss o que el a s qu er em ' .
Ma s, n est e manz o, ma me to L oabá, ma me to In dandal ac ata n ã o pen sa m
a ssi m ; por que, a o en t ar n essa r oda , a o vi r t en tar con h ecer a ca sa do
sa n t o, voc ês n ã o e st ã o c on h ecen do s ó um a ca sa de ca n dom bl é; voc ê s
est ã o r esga t a n do a sua h i st ór i a ; ent ã o, quan do eu ven h o a qui e di g o o qu e
eu quer o, eu t en h o que sa ber que o qu e eu vou a pr en der, a qui dentr o,
a nt eced e a pa l a vr a , é a r el i gi osi da de de m a t r iz a fr i ca na , é a r el i gi ã o dos
m eus a n cest r a i s; é a qui l o que os m eus a n cest r a i s for a m arr an ca dos de sua
t err a de or i gem , joga d os a qui e t i ver a m que m an t er , sa be, foss e em ba i x o
de e st ei r a , foss e em ba i x o de a l gum a m a dei ra , sa be, den t r o da sen z a la ;
se ja n o m ei o d o m a t o, em a l gun s m om en t os e s c on di do, foss e n um per í odo
em que t i ve ss e r oça . . . eu t en h o que t er es sa va l or i z a çã o. Se h oje e u
c on si go di z er a pa l a vr a c ómac ui u, s e eu c on si go fa l a r , em out r a n a çã o: o
moj ubá; o mot umbá, o c ol ofé . . . a l guém tr ouxe i ss o pr a n ós, a l guém
gua r dou i sso. Gen t e . . . sã o 505 an os pra gent e c on h ecer essa s pa l a vr a s!
E nt ã o, eu nã o poss o vi r n uma ca sa de ca n dom bl é, bot a r um a sa i a e
da n çar , si m pl esm en t e, sem con h ecer a sua hi st ór i a por que, quan do a s
pess oa s vã o pr a a l gum a coi sa , el a s t êm que saber o por quê e pr a quê,
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por que s en ã o, n ã o t em s en t i do. E nt ã o, voc ês t ê m que sa ber p or quê e pr a
quê. P or que eu vi m ? V ocê s p od er i a m r espon de r : ' ah, por que eu g ost o' .
Nã o! Há um gri t o an cest r a l dentr o de ca da um de n ós que e st a m os a qui
den tr o dest a sa l a ; en t ã o, h á um gr i t o an cest r a l. Vi em os, pr i m eir am en t e,
por i ss o. Pen sa m os n ós que e st a m os a qui por que , ah , a ch ei bon i t o. . . n ã o,
exi st e a l g o que a n t ec ede, qu e e st á a ci m a da n ossa ca be ça , que di r i ge e
per m i t e que a gen t e fa ça a s c oi sa s e, es se a l g o, ess e gr i t o an cest r a l fez
c om que vi és sem os. E n t ã o, eu t en h o que c on h ecer e ssa h i st ór i a . En tã o,
qua n do eu di go qu em s ou, eu t en h o que di z er o m eu n om e si m , t enh o qu e
di z er quem sã o os m eus pa i s bi ol ógi c os si m , t enh o que di z er quem é
m inh a fa m íl i a de sa nt o si m e t enh o que sa ber que s ou t a m bém de on de,
t á , de on de; e, se a gent e bus ca a s pess oa s, sa bem a sua or i gem ; en tã o,
n ós t em os que sa ber a n ossa or i gem , en t en deu? E u poss o di z er : n a sci n o
Br a si l , m inh a or i gem é a fr i cana .
A part ir daí, a mameto pergunt o u a cada um: "você nasceu no Brasil. Qua l
é a sua o r igem?". E cada um, à su a vez, falava de sua descendência.
Depo is da respost a de t odo s, ela co nt inuo u:
Qua n do é que a gen t e de sc obr e a or i gem ? A gen t e des c obr e a or i gem
a tr a vés d os n os s os a n t epa ssa dos, a t r a vés d os n oss os a n cest r a i s. No
Br a si l , é m ui t o com um a gen t e ch ega r n um a pessoa e di z er : qua l é a sua
or i gem e el a r espon der : ah , a minh a or i gem é ja p on esa , ou, a m inh a
or i gem é a l em ã .. . con h ece, sa be a or i gem por que c on h ece a or i gem de
seus a vós, de seu s bi sa vós, d e s eus t a t ar a vós . . . en tã o, um ser sem
or i gem , a gr oss o m od o, di z em os, el e n ã o é n a da . T an t o que eu p os s o
fa z er c om el e o qu e eu qui s er , por ém , quan do e u t en h o or i gem n in guém
pod e fa z er n a da con tr a m im .
A m esm a coi sa é c om a ca sa de sa n t o. Ao en tr ar m os n um a ca sa de sa nt o
. . . se est i ve ss em n um a ca sa que foss e Qu et o, t er i a m que c on h ecer a l i t oda
a sua or i gem . V oc ês e st ã o n um a ca sa Ba n t o; t êm que c on h ecer que ess a
or i gem é a fr i ca na , el a t em ori gem . T em os que s a ber , en t ã o, essa or i gem ;
por i sso e st a m os r eun i dos.
Voc ês est ã o c on vi da dos a e st a r n a sal a de i nq ui c e . Si n t am -se
m er eced or es ou m er ec ed or a s de a den tr ar a o seu qua rt o por que, a t é en t ã o,
i nq ui c e só r ec e be n a sa l a . E l e esc ol h e quem el e va i bot a r pr a den tr o do
seu qua r t o por que é a int i m i da de, é diz er : "voc ê é m eu"; é di z er: "você é
da m inha fa m í li a "; é diz er : "san gue pesa m ai s que a á gua , voc ê per t en ce a
ess e sa n gue, por t an t o, voc ê va i a den tr ar ". En tã o, i ndumbe é o c on vi da d o
à sa l a ; m er eced or ser á de a den t r ar a o s eu qua r t o. En t ã o, por i sso, a gen t e
t em que sa ber . En t ã o, par a o i nd umbe é m ui t o l i n do ver a s sa i a s, dan ça r
n o ba r ra cã o. É m ui t o l i n do e sa gr a do i ss o, m a s nã o é s ó i ss o; é sa ber que,
qua n do eu a den tr o a o qua r t o de i n qui ce, eu est ou di z en do a el e qu e e u
est ou r esga t a n do a m inha h i st ór i a, que eu t en ho c om pr om i sso c om es sa
h i st ór ia e que t ud o fa r ei pr a que eu a ssum a a sua c on t i n ui da de. En t ã o,
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ess e é o c om pr om i ss o: e st a r n a ca sa de i n qui ce é di z er que eu vou da r
c on t in ui da de a i sso; é di z er que eu fa ç o pa r t e dessa fa m í l i a, que eu fa ç o
pa rt e des sa t r i bo. E n t ã o, ess e é o c om pr om i ss o q ue s e t em c om o i nd umbe
que quer a den trar a o quar t o de i nq ui c e . E t enh o que m er ec er essa
en tr a da; só vou a den tr ar de a cor do c om o m eu m er eci m en t o. E de r esga t ar
a qui l o que é m eu. I nd umbe é a fa s e em que a i n da pode fa l a r, m a s quan do
muz e nz a n ã o; o muz e nz a t em pr a ouvi r por que, en quan t o el e fa l a , n ã o
t em t em po pr a a pr en der . A r el i gi ã o n os en sin a a cr esc er .
Nesse po nt o, mameto passou a palavra a quem qu isesse e o (t at a suspenso )
Edso n Nogueir a falo u de co mo se sent ia em relação a essas quest õ es e disse
que o que ele ma is desejava er a t er uma vida d igna par a, ao fazer a passagem,
a t ravessia do grande r io, po der ser u m ancest ral d e qua lidade e cit o u o
segu int e caso de discr iminação ao s negro s de Po rto Alegre:
Fl or est a Aur or a , n o Ri o Gr an de do Sul , t em 140 a n os. E sse cl u be foi
fun da do p or doi s m ot i vos bá si c os: um , er a por que os n egr os n ã o p odi a m
ser en t er ra dos n o c em i t ér i o da ci da de, en t ã o, t i nha m que t er m ui t o
di nh eir o pr a con segui r pa gar pr a ser ent err a dos e, m ui t a s vez es, t i nh am
que s er en t erra dos for a desse s c em i t ér i os. E u a ch o que foi a l ut a da
ép oca . A m inh a l ut a , h oj e, n ã o é n em pra con st r uir um cem i t ér i o, m a s é
pr a con st r uir um l oca l de r esga t e de i den t i da de, de or i gem , que p oss a
di z er par a on de va m os.
Ao reto mar a palavr a, mameto se refer iu ao que falo u Edson No gueira:
Qua n do el e fa l a va n a quest ã o do gr a n de r i o, é o m or r er. Se fa l a em
a tr a ves sa r o gr a n de r i o, ir pra out r a m ar gem , um l oca l on de se quer i r ,
m a s se per deu m edi a nt e t an t a s coi sa s den t r o da escr a vi dã o. Qua n do est i v e
em Á fr i ca , t an t o n a Ni gér ia com o n o Ben i m , eu vi i s s o n i t i da m en t e: a
n at ur a l i da de com que a s p ess oa s sã o en t err a da s. Na vi sã o de m un do
a fr i ca na , voc ê n ã o pode m or r er ant es dos 70; quem m orr eu an t es dos 70,
n ã o vi veu. Ap ós os 70, p od e m or r er . .. a pess oa c on tr i bui u, t eve a sua
fun çã o, a n t es di ss o, vi ver a m m ui t o pouc o, n ã o t i ver a m t em po pra
c on tr i bui r , ou a t é, se já con t r i buí ra m, vi ver um pou c o pa r a si m esm o. Nã o
sobr ou t em po. Aí , el es es c ol h em : "quan do e u pa ssa r , eu quer o ser
en t err a do n o m eu qua r t o, eu qu er o s er en t err a do n o qui n t al , eu quer o ser
en t err a do deba i x o da quel a á r vor e on de t oda s a s t a r des eu sen t o". E sc ol h e,
en t ã o, a coi sa m a i s com um é en tr ar n um a ca sa da quel a s e, de r epen t e, n o
m ei o da sa l a , a gen t e vê, l á , um a cr uz pequen ini nha e o pi so n or m a l. E ,
a í , se voc ê p er gun ta , el es di z em : " mama san/ baba san" (m a m ã e
dor m e/ pa pa i dorm e); el es t êm essa n at ura l i da de. Vi ver , fa z en do pa rt e
dess e ci cl o, sem es sa c oi sa que o oci den t e nos d eu, sa be, essa c oi sa
a m edr on ta da , sobr en a t ura l . E, há un s sei s an os a tr á s, n ós vi m os i ss o, em
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r el a çã o à m or t e do Pa pa e, i n cl usi ve, a gen t e sa be que exi st e, l á , um l oca l
on de sã o en t er r a dos os pa pa dos; n in guém va i pr o cem i t ér i o com um .
Der í a m os n ós t er m os o di r ei t o d e e sc ol h er o es pa ço on de qu er em os ser
en t err a dos.
E cont inuou, vo lt ando a falar d a casa:
A m a i or fun çã o da ca sa é a c ol h er . Nã o se t em o di r ei t o de ex cl ui r . T odos
sã o a c ol h i dos. Nã o t en t em en t en der en tr e si . A ún i ca pess oa que p od e m e
expl i ca r a l gum a coi sa , é quem fa l ou. S e for pe r gun ta do pr a out r o, ess e
out r o va i di z er o que el e en t en deu. As dúvi da s t êm que s er es cl a r eci da s
c om quem di ss e. Na ca sa de sa n t o, sã o p es s oa s di fer en t es qu e voc ês vã o
t er que a pr en der a con vi ver ; voc ê est á a c ost um a do c om a fa m í l i a
bi ol ógi ca . . . (h i pót es e de a l guém pen san do) . .. . . "na m inh a ca sa , eu n ã o
peg o n em n a va ss our a , m a s, n a ca sa -de-sa n t o, me di z em que eu t enh o que
fa z er , poi s, s e eu n ã o fi z er , out r a pess oa est a r á fa z en do p or m i m e pod e
ser expl or a da , poi s est a rá fa z en do o t r a ba lh o por doi s; e, eu di sse qu e n ã o
sa bi a fa z er t a l c oi sa e, a gor a , é t a l c oi sa a m i nha fun çã o". P or que s er á ?
Va i t er que a pr en der ; só n ã o sa ber , nã o si gn i fi c a na da . No ci cl o da vi da ,
n in guém sa be c om o é, l á na fr en t e .. . t a l vez , essa fun çã o desa gr a dá vel ,
ou p or n ece ssi da de, ou p or a m or , el a va i ser usa da . E t am bém p or que
a pr en der n ã o ocupa espa ç o. E a g en t e t á a pr enden do s em pr e; e, qua n t o
m a i s a gen t e a pr en de, m a i s a gen t e t em a con cepçã o de qu e n a da sa be,
por que, o di a que a g en t e t i ver a c on cep çã o de que sa be t ud o, pod e t er a
cer t ez a de qu e a gen t e s e t or na um ser arr oga n t e e, sa be l á pr a on de é qu e
i sso va i n os l e va r , por que, quem n ã o t em m a i s o qu e a pr en der , cost um o
di z er , t em que m orr er . .. n ã o t em m ai s o que fa z er a qui t a m bém . A gen t e
t em sem pr e pr a a pr en der e n i n guém é t ã o p obr e que n ã o t en ha pr a dar; é
um a tr oca : t em os que da r , pr a r ece ber sem pr e.
O almoço fo i um mo ment o t ambém de apr end izagem dos pr incíp io s da Casa
e a mameto falo u so bre os at os mais simp les co mo o de se sent ar no chão:
Sen t ar n o ch ã o dá um a sen sa çã o de i n fer i or i da de, m a s a ca sa de san t o é
um gr an de út er o; e, qua n do est a m os a qui , a c a sa est á g est a n do. Ne st e
út er o, voc ês e st ã o sen do ge st a dos. Pr i m ei r o, qua n do eu s en t o, i ss o t em
um sen t i do m ui t o gran de. Voc ë est á pr óxi m o da t err a, a gr an de m ã e. E a
gen t e n un ca vi u al go des cer de ci m a pra ba i xo. A l i ga çã o do gr an de
cr esci m en t o: t udo que cr esc e, a r a iz vem da ba se. En t ã o, é o seu cr es cer ;
a est ei r a , é voc ê e st a r em a l go a n cest r a l e t a mbém , n esse m om en t o, em
um c ost um e m i l en a r, que é o d or m i r n a est ei ra , n o sa gr a do. Isso a qui
(pega a est ei r a n a m ã o), ol ha .. . é um an cest r a l veg et a l , é um a t a boa , é
sen t i r na t erra ; i sso é cr esci m en t o; i ss o é en er gia ; i sso é o en ga t inh ar ; é
você sa ber e se da r o dir ei t o de que voc ê va i cr escer e t er os seu s
pa t a mar es, com o qua n do voc ê n a sce, a í , en ga tinh a; al gum a s coi sa s sã o
127
l i m i ta da s; quan do voc ê c om e ça a a n dar , out r a s coi sa s sã o m a i s l i m i t a da s;
a í , quan do voc ê fa z set e a n os, n ã o vê a h or a de fa z er d oz e, de fa z er
qui nz e, por que quer pôr t a l r oupa et c. O cr es ci m en t o equi l i br a l á em
ci m a ; a per da di sso, desequi l i br a .
Uma das pessoas pergunt ou à mamet o so bre o porquê de se u sar as ro upas
que se usam no t erreiro. Ela respo ndeu:
A sa i a é a n ossa r oupa , el a n os i d en t i fi ca . A r oupa , n a Áfr i ca , com
cer t ez a , é out r a . Ao ch ega r a qui , n o Br a si l , es sa é a r oupa que n os foi
da da ; en t ã o, essa r oupa que eu uso é a r oupa de si nh á , e é usa da por
t ra di çã o; en t ã o, eu u s o. Na Á fr i ca , a r oupa é d i fer en t e, e a t é o n u. No
Ben i m, eu vi sen h or a s com um pa n o en r ol a do n a ci n t ur a e os sei os n us,
c om m ui t a n a t ura l i da de. É out r a r ea l i da de. Al gun s det a lh es n oss os
l em br a m a Áfr i ca dos a fr i ca n os, c om o o pa n o en r ol a do n a ci n t ura , o t or s o
n a ca be ça . T od os os p ovos t êm a sua i den t i da de e m ui t o d es sa i den t i da de
é expr es sa pel a r oupa que usa . As c or es da s en t ida des a fr i ca n a s tr a duz em
m ui t o a n ossa vi da , a n ossa en er gi a , o n oss o ser . Ca da cor t em um sen t i do
m ui t o gran de pra n ossa exi st ên ci a e l i ga da à s di vi n da des. A cor br an ca
est á l i ga da a Le mba, com o pa r a os i or uba é O xa l á, Or un mi l á. En t ã o, em
r ever ên ci a a essa di vi n da de, na 6ª fei r a , n ós c ol oca m os a r oupa br a n ca ;
el e é o pa i da cr i a çã o e t a m bém , a r oupa br anca t em um sen t i do m ui t o
gr an de pra n ós por que é a n ossa r oupa d e l ut o. S e n ós for m os a um
en t err o ou a l gum a a t i vi da de de muc ond o ou de axe xê , n ós usa m os o
br a n co.
Alg uém p ergunt ou: "e por que usamo s o pret o e o pano na cabeça?". E la
respondeu:
Já é um a con cepçã o de out r a cul t ur a. A cul t ura oci den t a l t em o pr et o
c om o a l go qu e fech a , c om o a l go qu e i n t r ojet a , en c on tr a tr i st ez a . É de
cul t ur a i sso: t a nt o o br an co pa r a povos a fr i ca n os, qua nt o o pr et o pa r a
povos oci den t a i s.
A n ossa m a i or di vi n da de é a n ossa ca beça e o pa n o é um a for m a de
pr ot eger , e n os pa í ses m ui t o quen t es, era ta m bém par a pr ot eger do sol .
Depo is dessas explicaçõ es, a mameto co nvido u a t o do s para dizerem u ma
palavra que viesse do coração . Cada um, à sua vez, fo i d izendo : "har mo nia,
sincer idade,
felic idade,
hu mild ade,
união ,
lecon go,
p lant ar,
auto-
co nheciment o et c.". Após cada u m dizer u ma p alavra, ela co nt inuo u:
Qua n do n ós ch ega m os, a qui , n ós a ch a m os qu e d et er m in a m os a s c oi sa s; e ,
n a ver da de, é a n a t ur ez a que det er m i na ; à s vez es , est á um di a de s ol e, d e
128
r epen t e, ch ove. V oc ês ch ega r am com a l gun s pen sa m en t os. O que m udou
n essa n ossa c on ver sa ? O que a c on t ec eu c om ca da um ? Voc ês fa l a r am de
seus obj et i vos, r efl ex ões e pen sa m en t os, per gun tar a m, t irar a m dúvi da s,
poi s ch ega r am sem t er a mín i ma i déi a do que se r ia esse di a do i n d umbe .
E nt ã o, a gor a, n o c en tr o do ba r r a cã o, ca da um de você s va i gr i tar a
pa l a vr a que di sser a m a in da h á pouc o.
E, assim, um a um dos present es fo i ao cent ro do barracão e gr it o u a
palavra. Ent ão, a mameto fez o fechament o desse d ia do indumbe, exp licando :
Ca da pa la vr a que ca da um di sse foi o que ca da um de voc ês vei o bus ca r .
Na r el i gi osi da de de m a tr i z a fr i can a, a gen t e na sce pr a um a n ova vi da .
Nem t od os os p or quês vã o s er r espon di dos p or que h á a l gum a s coi sa s, n a
vi da , que sã o pa r a ser em sen t i da s, fog e a um a expl i ca çã o l ógi ca . Se n a sc e
e t od os n a scem c om um a fun çã o, por i sso se r e ce be um n om e, por i sso,
a pós r ec e ber ess e n om e, n ã o se a dm i t e ser cham a do por um out r o n om e.
Lá for a , exi st e l ei qu e n os obr i ga , m a s, n o t er rei r o, e em a l gun s out r os
espa ç os, l á for a , t em os que usa r o n oss o n om e por que, ca da vez que o
n oss o n om e é ch a m a do, r ea fi r ma a fun çã o pra que vi em os, t em sen t i do, a
gen t e sa ber o n om e, pr a que eu vi m , o que é que est ou fa z en do.
Foi um a t a r de boa , um bom di a . As p ess oa s, l á for a , est ã o de ci di n do p or
n ós. Hoj e, n ós t em os a n ec es si da de d e sa ber q ue p ol í t i ca est ã o fa z en do
pr a n ós, por que já h ouve ép oca em que n ã o podí a m os n em est a r n uma
r euni ã o com o e ssa . Hoj e, n ós est a r m os a qui , é um di r ei t o n oss o. N ós
t em os qu e sa ber que p ol í t i ca s est ã o s en do fei t a s, por que pod em os e st a r
r euni dos, a qui , e vi r um a a ut or i da de e di z er que est a m os pr es os p or qu e
ba i xou um a l ei n ã o sei d e quê e que n os pr oí be d e est a r m os, a qui ,
r euni dos. E nt ã o, o Or ça m en t o Par t i ci pa ti vo é i m por t an t e. Você s, j oven s,
t êm que est uda r e est uda r . E scol a e sa n t o c om bi na m . Só fi ca a qui quem
est uda . V oc ês t êm o di r ei t o de sa ber o qu e é qu e est ã o di z en do p or n ós.
Con h ecer a pol í t i ca pa ra sa ber o qu e é qu e qu er em da gen t e, o que é qu e
est ã o fa l a n do da gen t e, o que é que quer em fa z er pr a gent e. E st ã o n os
en si nan do um a m en t ir a, a vi ver um a pa z que n ã o exi st e, um a i gua l da de
que n ã o exi st e, s en ã o, n ã o est a r í am os l ut a n do por i gua l da de de di r ei t os. . .
o a pr en der é n oss o, n in guém tir a .
Fo i dado ao s indumbe um fio de co nt a da divindad e Angorô. Fez- se uma
roda-de- santo e co meçou-se a cant ar, to car os t ambo res e a dançar:
1 a cantiga
Zâ m b i z âm b i o q u e z âm b i ê
Ô q u e z a m bê o q u e z a m b ê
129
2 a cantiga
Zâ m b i ê mo n a s a q ui s a q u i
El e é m u z a mb ê
Zâ m b i ê mo n a s a q ui s a q u i
El e é m u z a mb ê
3 a cantiga
Za m b ê , c r e zô
Zâ m b i n o a p o n go d ê
Aueto
A mameto int erro mpeu o s cânt icos e d isse: "A ro da é ancest ral. E ssa é a
roda em que a gent e mo st ra e lo uva t oda a no ssa ancest ralidade".
A part ir daí, não me fo i per mit ido reg ist rar e nem d ivulgar a o ut ra part e do
d ia do indumbe, a que pude assist ir, no ent ant o.
c) Renova ção: o rito sim bólico da colheit a
Os r it os de reno vação marcam o in ício do ano lit úrg ico no Terrei ro Loabá.
São dedicados aos t rês inqu ices lig ado s à agr icu lt ura: Incosse, o senho r da
agr icu lt ura, dos caminho s, do ferro e da t ecno log ia; Mutacal ambo, o senho r
da caça e provedor; Catend ê, o senho r das fo lhas e da ciência.
Alg uns d ias ant es d a f esta pú blica são realizado s os sacr ifíc io s r it uais para
to das as divindades ligadas à agr icu lt ur a e o ut ros rit uais de reno vação da
Casa co m a presença apenas da co munid ade de sant o.
Ant es da f esta pública co meçar a Mameto Indandala cata explico u o seu
sig nificado para a co munidade:
Da t a de pa ssa gem de a n o, de c ol h ei t a do i nh a me. É a pr im ei ra fest a d o
a n o. A ár vor e l e va um a n o dan do fl or es, fol h a s, fr ut os; s e for t a l ece, br ot a
n ova m en t e e dá fr ut os: é a pa ssa gem do a n o. Q ue n ã o se ja pr a n ós s ó a s
per da s, m a s que n os for t a l eça m os e a cr edi t em os sem pr e n o r ec om e ç o. O
Sol n a sce t od os os di a s.
130
A cer imô nia pública possui a mesma seqü ência r it ualíst ica descr it a no it em
2.2.2 dest e capít u lo.
Os inq uices Incosse, Muta calomb o e Catendê t o maram po sse de seu s
filho s, saudaram a t o dos, bradando seus gr it o s e saíram do barracão para
serem vest idos e parament ado s. Vo lt aram alg um t empo depo is e dançaram,
cada um, a sua d ança caract er íst ica, sendo rever enciado s a cada cant iga e a
cada passo de dança.
Não houve per missão para regist rar a dança dos inquices.
2.3 Comparação ent re as dua s comunida des
A est rut ura organizacio nal
e
r it ualíst ica
nas
duas
co mu nid ades
de
cando mblé ango la: Inzó Dandal una e Terrei ro Loabá po ssuem seme lhanças e
d ifer enças.
As semelhanças são as segu int es:
- est rut ura e organização da co mu nidad e co mo uma f amília-de santo ;
- cult uam suas d ivindades num espaço co let ivo ;
- os seus membro s possuem cargo s hierárq uico s;
- realizam fest as públicas em que se cant a e se dança para as divindades;
- t erminam as fest as públicas ser vindo ao s convidado s co mid a e bebid a;
- os adepto s ent ram em t ranse d e po ssessão de suas d ivindades pessoais;
- po ssuem r it uais pr ivat ivo s;
- fazem o fer endas de aliment o s e de sacr ifício animal para as divindades;
- os adepto s passam pelo s pro cesso s de iniciação ;
- realizam r it os de reno vação a cada ano ;
- a pemba é um do s element os ut ilizad os nos r it uais co m a finalidade d e
pur ificar o ambient e.
E as d ifer enças:
- cada co mu nidade t em uma hist ór ia qu e est á ligada à hist ór ia de vida e
in ic iát ica de seus fundadores;
- o espaço físico do Inzó Dandaluna é u m espaço mais ur bano do que o do
Terrei ro Loabá;
- o Inzó Dandaluna admit ie correspo nd ência das d iv indad es do s po vo s do
grupo lingü íst ico bant o co m as divindades io ru bas, o Terreiro Loabá não
ad mit e;
131
- o Terreiro Loabá faz as saud ações às divindades de maneira a se aproximar
mais dos no mes das divind ades dos po vo s do grupo lingüíst ico bant o : Incosse
ê!; o Inzó Dandaluna saúda as su as d iv ind ades co mo são saud adas no s
Cando mblés Quet o : Ogunhê pataco ri!
- a seqüência r it ualíst ica nas fest as pú blicas no Inzó Da ndaluna co meça co m
cant igas de saudação à Nação Ango la e à Bandeira da Nação Ango la; no
Terrei ro Loabá inicia-se co m cant igas de saud ação à div indade Inzila ;
- nas fest as púb licas, mesmo as d e inic iação , no Inzó Dandaluna são
per mit idos regist ros das div indades vest id as e p arament adas; no Terrei ro
Loabá não é per mit ido ;
- em nenhu ma das co munidades o calendár io lit úrgico anua l possu i u ma d at a
fixa, porém cada u ma delas in ic ia o seu ano lit úrg ico logo apó s realizarem o s
r it os de renovação;
- o Terrei ro Loabá ut iliza co m maio r freqüência o s no mes iniciát ico s, t endo
sido fo rnecido o s significados; o Inzó Dandaluna não o s ut iliza co m mu it a
freqü ência.
Dessa for ma, nest e capít ulo apresent ei as duas co mu nidades de Cando mblé
Ango la, part iculares e específicas, sua est rut ura e seus t ext o s o rais. E fo i
possível est abelecer do is planos: o plano do hu mano e o p lano do sagr ado
para melhor explicar as suas for mas est ruturais e r it ualíst icas.
132
3. A TEXTUALIDADE NOS CANDOMBLÉS DE NAÇÃO ANGOLA
. . . a fal a, por ex cel ênci a, é o gra nde ag ente a ti vo da magi a afri ca na .
(A. Hampaté B a, 1982:186)
Os cando mblés de Nação Ango la possuem d ifer ent es t ipo s de t ext o s
ut ilizados em seus r it uais. Do po nt o de vist a ling ü íst ico, esses t ext os se
caract er izam essencia lment e pela o ralidad e.
E m relação à oralidade, E.Bo nvini (1989: 154-155) 21 esclarece:
. . .n o c on t ext o d e or a l i da de, é o i n t er câ m bi o di r et o da pa l a vr a que per m i t e
a tr an sfer ên ci a de exper i ên ci a s n o sei o de um gr upo, gar ant in do a sua
sobr e vi vên ci a . Sã o pa l a vr a s c om un i t ár ia s a tr a ves sa da s de um l a do a out r o
por t oda a vi vên ci a do gr upo, or i en t a da s par a essa vi vên ci a do gr upo,
n um va i e vem di a l ét i co, on de a vi vên ci a r essoa n a s pa l a vr a s e on de
essa s, um a vez pr ofer i da s, r eper cut em p or sua vez , n a vi vên ci a . Tr a ta -se,
en t ã o, de pa l a vr a s esp e ci a l i z a da s n a tr an sfer ên ci a espa ç o-t em p or a l da
exper i ên ci a do gr upo e / . . . / se i n scr evem n a t ra jet ór i a de vi da d o gr upo,
c on st i t uin do em c on jun t o a t r a di çã o or a l . É por que, em bor a con c e bi dos
n o an on i ma t o, os t ext os or a i s se a pr esen t a m sem pr e com o pa l a vr a s
den sa s, que c on cer n em a vi da d o gr upo, a d e on t em , a de h oj e e a d e
a m anh ã.
Bonvini refere- se à t radição oral afro-brasileira específica a esses r it uais,
cu jos t ext os cont ribuem para a ident idade co mu nit ár ia do grupo . O que
co nvém salient ar é qu e esses t ext o s o rais fazem part e de u m repert ó rio
lingü íst ico comun it ár io. Esse repert ório po ssu i uma dinâ mica pro fu nda e m
que a palavr a é inseparável do rit o e é o rient ada pela vivência do grupo.
Os t ext os colet ados nas duas co munid ades específicas são est r it ament e
o rais e u m t ext o o ral é d iferent e de u m t ext o escr it o . Bonvin i (19 74:222-223)
21
E.Bonvini (1989:154-155) …en contexte d'oralité, c'est l'échange direct de la parole qui permet le transfert d'expérience au sein du groupe
et, par là, sa vie et sa survie. /…/ Ce sont des paroles "communautaires", traversées de part en part par tout le vécu du groupe, orientées vers
ce vécu dans un va-et-vient dialectique, où le vécu retentit dans les paroles et où celles-ci, une fois proférées, se répercutent à leur tour, dans
le vécu. /…/ Il s'agit donc de paroles spécialisées dans le transfert "spatio-temporel" de l'expérience du groupe et /…/ s'inscrivent dans la
trajectoire de vie du groupe et constituent ensemble la tradition orale. C'est pourquoi, bien que conçus dans l'anonymat, les textes oraux se
présentent toujours comme des paroles denses, qui concernent la vie du groupe, celle d'hier, d'aujourd'hui et de demain.
133
pro põe para os t ext os est r it ament e o rais uma t ranscr ição d iferenciad a,
nu merando cada linha e dist r ibuindo o t exto em grupo s r ít mico s.
Est e
capít ulo
apresent a
uma
amo st ragem
do s
d ifer ent es
t ext o s
repert oriados no capít ulo precedent e, buscando fazer u m levant ament o de su a
t ipo lo gia. A apresent ação dos t ext os em grupo s r ít mico s, co m linhas
nu meradas, favorece a aná lise de seu p lano da expressão, principalment e. Os
t ext os serão analisados, separadament e, em relação à for ma, ao co nt eúdo e ao
co nt ext o.
3.1 In zó Danda luna
No Inzó Dandaluna fo ram reg ist rado s o s seguint es t ipo s de t ext o s o rais:
d iscur so s,
preces,
diálogos,
saudaçõ es,
cant ig as,
lendas
e
expressõ es
ut ilizad as no co t id iano. A ordem de apresent ação se dará confo r me a
crono lo gia do r it ual.
3.1.1 Discu rso s
Os discursos regist rado s foram t o dos profer ido s pelo ta teto Roxital amim.
Ant es de in ic iá- lo s, ele se posic io na pró ximo ao f undamento do barracão ,
lo cal de força e, ao mesmo t empo , de prot eção da Casa. S imbo licament e, isso
pode assu mir alguns significado s:
1° o tateto vai se expor at ravés da palavr a e precisará d a fo rça co nt id a
naquele local e da pro t eção das d iv indades, ali represent adas, so bret udo Exu,
o senho r da co municação ;
2° o tateto se co loca no lo cal ma is vis ível do barracão, po is ele é a figura
cent ral daquela co mu nidade;
3° o tateto, ao se encont rar no cent ro do barracão at rai t odas as at ençõ es
sobre si mesmo ;
4° o tatet o é o dir ig ent e daquela co mu nid ade e est á imbuído pelo po der
cent ral, concent rado naquele lo cal.
As suas exposições ocorreram em do is moment o s dist int o s: no r it ual e fora
do rit ual.
134
a) Discu rsos no ritual
Dent ro do r it ual, o tateto Roxitalamin profere u m d iscurso no iníc io e
o ut ro no final de cada cer imô nia.
Discursos de abertura
E m t odas as cer imô nias, acont ece u m d iscur so de abert ura. Logo apó s o
arrebate, os inst rument o s musicais par am d e t ocar, o tateto se po sicio na no
cent ro do barracão e pro duz um t ext o oral improvisado , t exto esse que sempr e
d iz respeit o à cer imô nia que o correrá. Analisarei, aq ui, o d iscurso pro fer ido
no iníc io de u ma fest a de inic iação .
1. Estou tirando no dia de hoje um barco de iaô...
2. foram muitos dias de recolhimento,
3. e...e...aí as obrigações vieram,
4. sucessivamente,
5. todos os dias.
6. Nós tivemos é...
7. nessa semana,
8. que hoje está se encerrando,
9. saídas dos iaôs quase todos os dias,
10. para que hoje,
11. nós fazemos a festa do orixá,
12. para que o orixá viesse agradecer a todos vocês queee...
13. nós também,
14. agradecer a vocês por estarem presentes,
15. e vim homenagear aos orixás.
16. Enquanto nas casas de candomblé,
17. tiver tanta gente do lado de fora,
18. quanto tenha do lado de...
19. ou mais do lado de fora,
20. do que do lado de dentro,
21. a felicidade é muito grande,
22. porque a gente sabe queee
23. ali o orixá vai se criando,
24. se procriando,
25. crescendo,
26. e evoluindo.
27. São de vocês que estão na assistência,
28. que a gente tem orgulho de fazer candomblé,
29. porque nós,
30. os que estão aqui dentro,
31. participamos,
32. na verdade,
33. das obrigações,
34. dos axés do orixá.
35. O candomblé é feito pra vocês que vêm,
135
36. sai das suas casas,
37. e que vêm homenagear orixá.
38. Muito obrigado por ter vindo,
39. isso é o que a casa e os meus filhos,
40. o zelador é...
41. atribui a vocês.
42. Bom,
43. obrigado mesmo.
Esse d iscurso expresso em língua portuguesa, co m algu ns t er mo s de
línguas negro-afr icanas, po ssu i element os lingüíst icos q ue o co nfiguram co mo
u ma língua r it ual: iaô, orixá s, obriga ções, axés, cando mblé, zelador.
Fo rma
Do ponto de vist a for mal, essa elo cução se caract er iza po r frases lo ng as,
pro lo ngament o s em algu ns segment o s fônico s, parale lismo s, enumerações,
met áforas, per so nificações. Reve la em sua organização caract er íst icas d a
língua falada – hesit ações, correçõ es.
As frases lo ng as são pro fer idas d e u ma só vez e co m cert a rap idez,
segu idas por pausas t ambém lo ngas e, em algu ns mo ment o s, pro lo ngando os
segment o s fô nico s, co mo por exemplo, na linha n° 12 "para que o o rixá viesse
agradecer a t odos vocês queeee..." po de-se perceber que ele vai d izer algu ma
co isa em "vo cês queee...", e co rrige par a "nó s t ambém".
Os parale lismos reforçam idéias em vár ias linhas, co mo po r exemplo : nas
linhas 5 "t odos os dias" e 9 "...to do s os d ias"; nas linhas 11 "... fest a do
orixá", 12 "par a que o orixá..." e 15 "...ao s orixás". E nas linhas 17, 18, 19 e
20, o paralelismo marca a oposição "dent ro"/"fo ra".
A enu meração nas linhas 23, 24, 25 e 26 "ali o orixá vai se cr iando // se
pro criando // crescendo // evo lu indo " co nst it u i u ma met áfora da pró pria
cer imô nia de in iciação, vist o que, a cada inic iação , a f amília-de-santo
au ment a, aument ando t ambé m o número de orixá s.
Nas linhas 1 "Est ou t ir ando no d ia de ho je um barco de iaô..." e 9 "saídas
de iaôs t odos os dias" apar ecem duas met áfo ras int er ligadas pelo sent ido .
"T ir ar u m barco de iaô" significa qu e ele realizou a in iciação de algu ma s
pesso as e que, nesse mo ment o, nessa f esta, vai apresent á- las co mo novo s
membro s da co munidad e. "Saíd as de iaôs to dos o s dias" sig n ifica que essas
136
mesmas pesso as passaram por apresent ações part icu lares, apó s det er minado s
r it uais int er no s, pr ivat ivos à co mu nidad e.
As linhas 39 "isso é o que a casa e o s meus filhos" e 41 "at r ibu i a vocês"
apresent am a per sonificação da "casa", que passa a ag ir.
Conteúdo
O assunt o abordado pelo tateto é a f esta de Inicia ção, in for mando, logo na
pr imeir a linha: "Est ou t ir ando no d ia de ho je u m bar co de iaô..." a razão
pr incipal da f esta, o ponto cent ral, de ond e part e t o da a sua o rató ria.
O t empo e o espaço, no int er io r do t exto , apresent am relações ent re as
pro posiçõ es, de modo a per mit ir a su a compreensão po r part e do s ouvint es.
Da linha 1 à 11 "Est ou t irando no d ia de ho je um ba rco de iaô... // fo ra m
mu it os d ias de reco lhiment o // e...e aí as obrigações vieram // sucessiva ment e
// to do s os dias // Nó s t ivemos é... // nessa semana // que ho je est á se
encerrando // saídas do s iaôs quase t o dos os dias // par a que ho je // nó s
fazemo s
a
fest a
do
orixá"
marca
u ma
seqüência
sint et izada
do s
aco nt eciment os ant er iores ao "d ia de ho je", que exp lica, de cert a for ma, a
d inâmica dos r it uais de iniciação em su a Casa, encerrado s co m a f esta.
Nas linhas 17, 18, 19 e 20 "t iver t ant a gent e do lado de fo ra // quant o t enha
do lado de... // o u mais do lado de fo ra // do que do lado de dent ro ", revela a
o posição ent re as pessoas ligadas ao Inzo Dandal una pelo s processos
in ic iát ico s (as "do lado de dent ro ") e as simpat izant es, freq üent ado ras,
pr incipalment e, das f esta s pú blicas (as "do lado de fo ra"), est abelecendo a
d ivisão ent re esses do is grupos.
Na seqüênc ia: "...o orixá vai se cr iando ( linha 2 3) // se pro cr iando (linha
24) // cr escendo ( linha 25) // e evo lu indo ( linha 26) ", evid encia o t empo e o
espaço para aced er ao nível divino co nect ado ao nível humano ; isso po rque a
in ic iação é o pr imeiro passo de ligação ent re o inic iando e sua d iv indad e
pesso al. S imbo licament e, represent a o nasciment o , as et apas de cresciment o e
a evo lução da aquisição dos co nheciment o s de su a vid a sacerdo t al.
O agradeciment o pela presença d a assist ência se dá em do is níve is: ao
níve l do divino na linha 12 "par a qu e o orixá viesse agrad ecer a t o dos vo cês
queee...", e ao nível do humano nas linhas 13 "nós t ambém" e 14 "agr adecer a
vo cês po r est arem present es".
137
Enqu ant o locut or de um t ext o o ral impro visado, ao elabo rar idas e vind as,
co loca em evid ência um t empo e um esp aço de nat ureza var iável. O t empo ,
sobret udo o da memór ia, e o espaço cont ext ualizado proporcio na m d iscorrer
sobre o t ema de modo a diver sificar o co nju nt o das info r maçõ es, ret o mando as
id éias pr incipais, buscando flu ir o seu pen sament o e t ransmit ir co m fidelid ade
maio r o que deseja.
Contexto
Esse d iscur so do tateto est á inser ido no cont ext o do s rit uais de iniciação e
a sua pro fer ição se dá no mesmo lo cal o nde faz t odas as o ut ras, ou seja, no
cent ro do barracão , local ond e est á o f undamento, co nfo r me exp licação no
in íc io dest e it em.
A argu ment ação não obedece a u ma seqüência linear, possu indo idas e
vindas, cont endo u ma diver sidade t emát ica: a saída do s iaô s, a sínt ese do s
r it uais de iniciação, os agradeciment o s, a impo rt ância d a assist ência, o
cresc iment o
da
f amília-de-santo,
as
obriga ções;
ut iliza,
po rém,
uma
linguage m que é de do mínio do s recept o res, o que lhes per mit e a co mpr eensão
e a int erpret ação do t ema cent ral: é u ma f esta de saída de iaôs.
E mbora se enco nt rem no t exto algu ns t emas, é po ssíve l se perceber u ma
int encio nalidade
não
explic it ad a,
ela
se
enco nt ra
nas
ent relinhas:
a
co nt inuid ade do cando mblé d epende da part icipação das pessoas, seja pe la
presença nas f estas e em out ros mo ment o s no int er ior das co mu nidades, seja
pela adesão, to rnando -se f ilho-de-santo at ravés do s pro cesso s inic iát ico s.
Discursos de encerramento
Ao final das cer imô nias, acont ece um discurso de encerrament o. Lo go apó s
as cant igas ded icad as a Oxalá, o tat eto R oxitalami m se po sic io na, no vament e,
no cent ro do barracão, e produz o t exto que encerra a cer imô nia. O d iscur so a
ser analisado, será aquele pro fer ido no final da fest a de in iciação do it em
ant er io r.
1.
2.
3.
4.
5.
A vocês todos,
realmente,
muito obrigado por terem vindo homenagear os meus filhos,
por todas as formas que vocês bateram palma.
Agora,
138
6. a gente vai esquecer o candomblé...
7. esquecer não!
8. continuar porque...
9. a minha religião,
10. ela é linda,
11. ela é festa de orixá e depois...
12. é o inguidiá,
13. a comida.
14. Todos nós,
15. agora,
16. vamos beber e comer,
17. porque já fizemos tudo que podia pelo orixá.
18. Vamos pedir a eles,
19. pra que eles façam tudo por nós,
20. tá certo?
21. E agora,
22. vamos descansar,
23. e comer.
24. Muito obrigado a todos vocês.
Nesse discurso, o tateto ut iliza a língu a port uguesa, int roduzindo do is
t ermos de línguas negro -afr icanas: orixá e inguidiá.
Fo rma
Do ponto de vist a for mal, o t ext o se const ró i co mo u m po ema de ver so s
irregulares; o r it mo é marcado por paralelis mo s, po dendo ser obser vado u m
co nt rapo nt o rít mico at ravés da alt er nância ent re frases lo ngas e curt as.
Os parale lismos aparecem nas segu int es linhas:
- na linha 1, ele inic ia a sua profer ição se dir ig indo "A vo cês t odo s" e na 24,
t ermina "Mu it o obr igado a t o dos vo cês", invert endo os pronomes "vocês" e
"t o do s", refo rçando , no fina l, as suas pa lavras do início ;
- a linha 7 "esquecer não !" ret ifica o q ue fo i dit o na linha 6 "a gent e va i
esqu ecer o cando mblé...", enfat izada t ambé m pelo t o m exclamat ivo de su a
ent onação e pela negação;
- as linhas 10 e 11, respect ivament e, "ela é linda" // "ela é fest a/.../"
pro porcionam uma musicalidade t ant o pelo paralelismo "ela é" quant o po r t er
o mesmo número de sílabas po ét icas: e/ la é/ lin/da < e/ la é/ fes/t a.
Conteúdo
139
O
co nt eúdo
da
elocução
expõe
quat ro
assu nt os
int er lig ados
pe lo
encadeament o: agradeciment o pela presença e pela part icipação at iva; a
religião ; a co mid a e o ped ido de bênçãos.
Na linha 3, ele pro fer e o agradeciment o "mu it o o br igado po r t erem vindo
ho menagear os meu s filho s" e, em segu id a, fala so br e a part icipação at iva d a
assist ência na linha 4 "po r t odas as for mas que vocês bat eram p alma"; o
agradeciment o t em um duplo sent ido : a presença e a part icipação at iva.
Da linha 6 à 13, resp ect ivament e, "a gent e ago ra vai esqu ecer o cando mblé
// esquecer não! // cont inuar po rque... // a minha relig ião // ela é lind a // ela é
fest a de ori xá e depo is... // é o inguidi á // a co mida", ele explica u m do s
aspect os sig nificat ivos da religião: o fat o de t erminar a f esta de cando mblé
co m co midas e bebidas. E a religião é "lin da" e é "f esta", sendo a aliment ação
u ma das part es de sua dinâmica, lig ada à rit ualíst ica pelo seu sent ido de
co nt inuid ade. Ao d izer que o inguidiá é a co mida, ele est á fazendo u ma
t radução do t ermo de línguas negro -afr icanas durant e a elocução .
As linhas seguint es reafir ma m o at o de comer enquant o ato que encerra a
f esta de cando mblé: "Todos nó s ( linha 14) // ago ra ( linha 15) // vamo s beber e
co mer ( linha 16) ". E m seguid a, co m as linhas 1 7, 18 e 19, respect ivament e,
"po rque já fize mos t udo que podia pelo o rixá // Vamo s pedir a eles // pra que
eles façam t udo por nós", o tateto in sere o s recept o res numa possível
int er lo cução co m as d ivindad es, alé m de info r mar que a missão "do lado
hu mano " fo i cumpr ida e que, agora, o orixá deverá fazer a sua. E le ut iliza o
t ermo ori xá no singular, mas a id éia é de p lur al, po is o cult o dessa f esta fo i
dedicado a mais de um orixá.
As linhas 21 "E agora" se refer e ao t empo fina l da cer imô nia, seguid a pela
linha 22 "vamo s descansar" e 23 "e co mer" ind ica que haverá uma
reorganização
naquele
espaço
fís ico
at ravés da confrat er nização
e da
int eração das pessoas durant e o repast o.
Contexto
O co nt ext o desse discurso é o encerramen to do s r it uais d e in iciação , r it uais
esses que t iver am in íc io muit os dias ant es, que cu lmino u na fest a d a saída de
iaôs.
O fio co ndut or da sua argu ment ação o bedece a uma seqüência linear
var iável, porém os seus recept o res co nhecem t o da a dinâmica do final d a f esta
140
e são incluído s em vár io s mo ment o s da profer ição : "To dos nós, ( linha 14)";
"vamo s beber e co mer ( linha 16)"; "vamos descansar ( linha 22)".
Exist e, por t rás de suas palavr as u ma int encio nalid ade não explicit ada, mas
que po de ser int erpret ada nas ent relinhas: o modus operandi do Cando mblé,
o u seja, os at os pro piciat ó r io s que imp lic am o ferendas às divindad es e a sua
respost a at ravés das benevo lências.
Compa ração textual
Os do is discur sos t rat am das f estas públicas e revelam u ma das d inâmicas
do Cando mblé que é, just ament e, a in iciação.
No s do is t ext os, pode-se perceber qu e o cód igo ut ilizado é o da língua
port uguesa co m algu mas inser ções de t ermo s de língu as negro -afr icanas, co m
mais t er mos no primeiro d iscurso .
Quant o à for ma, o segundo d iscurso pô de ser analisado co mo um po ema d e
versos irregulares, est abelecendo alt er nâncias ent re longo s e curt o s que
acabou po r favorecer a sua musicalidade. Ambo s o s d iscurso s po ssue m
paralelis mo s que t êm o efeit o de refo rçar t emas e idéias.
Quant o ao co nt eúdo, pode-se o bser var que o pr ime iro d iscur so t em a su a
palavra reit er ada pelo segu ndo, em que o s assu nt o s reto mado s explicam e, de
cert a for ma, co mp lement am a d inâmica do cando mblé: agradeciment o pela
presença; enfo que na relig ião ; a fest a; a comid a; o ped ido de bênçãos.
Quant o ao co nt ext o, ambo s t rat am do s r it uais de inic iação, t endo na
argu ment ação uma seqüência frag ment ad a e var iável. Há, no s do is d iscur so s,
u ma int encio nalidade não exp licit ada, mas q ue se po de int erpret ar nas
ent relinhas: t rat a-se do modus opera ndi do s cando mblés.
b) Discu rsos fora do ritual
Fo ra do rit ual, enquant o infor mant e, o tateto elabora discur sos para
explicar a d inâmica de algu ns r it o s regist rados em sua Casa. Passo a analisar
o discur so elucid at ivo so bre a inic iação.
1.
2.
3.
4.
5.
6.
Numa casa de angola Tombensi,
recolhe-se o iniciante,
deixa que ele descanse,
um dia,
dentro da casa,
depois dele já ter freqüentado algum tempo.
141
7. No outro dia,
8. se for iaô se toca o bolonam,
9. se for rodante...
10. ogãs e equedes,
11. é feito o ato do orixá,
12. ele entra com o ibá do seu orixá nos braços,
13. pra dentro da sala,
14. pro roncó.
15. Se for iaô faz-se o bolonam,
16. e ele entra bolado.
17. Passa-se dois dias descansando do bolonam,
18. se faz os ebós pra limpeza da matéria,
19. tira-se todos os ebós que forem necessários:
20. de ruas,
21. de cachoeiras,
22. de estradas,
23. e dentro do barracão,
24. que,
25. normalmente,
26. fica ebó egum e ebó exu,
27. e põe o iaô pra descansar mais três dias.
28. Dá-se comida à cabeça do iaô,
29. dá-se bori de Oxalá,
30. descansa-se mais três dias.
31. Ibá ori primeiro,
32. depois o bori,
33. e descansa mais três dias.
34. Se dá um outro ebó,
35. que a gente tira no próprio orixá,
36. pra tirar a parte negativa do orixá,
37. pois mesmo ele sendo um orixá,
38. ele tem o seu lado negativo.
39. Depois desse ebó no orixá,
40. em seguida,
41. o iaô já vai pras insaba,
42. pras folhas.
43. Quatro dias depois das folhas,
44. catula-se o iaô,
45. e dá a primeira saída dentro da casa,
46. só pros filhos da casa.
47. Recolhe-se o iaô,
48. e descansa mais três,
49. dois ou um dia,
50. dependendo do orixá.
51. Se raspa o iaô,
52. se dá uma outra saída,
53. que se chama sarandura.
54. Aí,
55. nesse festejo todo,
56. o iaô já vem saudando,
142
57. e iniciando o fundamento do orixá,
58. dentro da nossa nação.
59. Pra você entender,
60. é assim:
61. Ogum é Ogum em qualquer lugar,
62. mas,
63. a gente quer que ele seja Ogum,
64. dentro da nação Tombensi.
65. Então,
66. a gente,
67. nesta saída,
68. vai mostrar pra ele,
69. como que segue a casa,
70. qual o fundamento,
71. qual a hierarquia da nação.
72. Fazendo tudo isso,
73. recolhe-se o iaô,
74. espera-se mais três dias,
75. e o orô maior,
76. pras saídas de sacrifício,
77. de muzenzas,
78. de saquelazenzas,
79. e pra saída do nome,
80. o orô maior,
81. a saída de festa do orixá e do iaô.
Fo rma
Essa pro fer ição co nt ém a inserção de muit o s t er mo s de línguas negroafr icanas e t er mos especia is ut ilizados pelo tateto par a descrever p art es
relevant es dos r it uais de iniciação .
E le desenvo lve a sua elo cução a p art ir d e u ma enu meração, que marca a
d inâmica do s r it os. O r it mo se const rói, sobret udo pelo s p aralelis mo s, pelas
r imas e pelo mesmo número de sílabas em algu mas linhas, dando ao t ext o uma
feição de poema descr it ivo.
A enu meração é a part e pr incipal na est rut ura dessa elo cução. At ravés
dela,
o
tateto
elabo ra
uma
seqüência
t ext ual
em
qu e
uma
ação
é
co mplement ada pela out ra, co mo por exemp lo : linha 1 "Numa casa..."; linha 2
"reco lhe-se..."; linha 3 "deixa..."; linha 4 "um d ia"; linha 6 "depo is..."; linha
7 "no o ut ro dia...”; linha 8 “se fo r iaô...”; linha 9 “se fo r ro dant e...”; linha 17
“P assa- se do is dias...”; linha 1 8 “se faz o s ebós...”; linha 28 “Dá- se co mid a à
cabeça...”; linha 44 “cat ula- se o iaô ”; linha 45 “e se dá a pr imeira saíd a...”;
143
linha 47 “Reco lhe- se o iaô”; linha 48 “e descansa...”; lin ha 51 “S e raspa o
iaô ”.
As linhas 48 “e descansa mais t rês” e 49 “do is ou u m dia” se config uram
nu ma ordem decr escent e pouco co mum.
E le inicia a pr ime ira linha co mo u m ver so decassílabo , aparecendo out ro
decass ílabo so ment e na linha 35 e, mais para a frent e, na linha 61:
1
Nu/ ma/ca/sa/de an/go/ la/t o m/ ben/si/
35 que a/gen/t e/t i/ra/ no /pró/pr io o /ri/ xá/
61 O/gum/é/O/ gum/em/ qual/quer/ lu/gar/
As linhas 9 e 10 são versos t et rassílabos:
9
se/ for/ro/dan/t e
10 o /gãs e/e/qu e/des
As linhas 29 e 30; 47 e 50 ; 52 e 53 são redo nd ilhas maio res:
29 dá/se o /bo/r i/de o/xa/ lá/
30 des/ can/ sa/ se/ ma is/t rês/d i/ as
47 re/co/ lhe/ se/o/ i a/ô/
50 de/pen/den/do/do o/ri/ xá/
52 se/dá/u/ ma o u/t ra/sa/ í/da
53 que/se/cha/ ma/ sa/ran/du/ra
As linhas 31 e 32 são redondilhas meno res:
31 I/ba o/r i/pr i/ me i/ro
32 de/po is/o/bo /r i/
As linhas 37 e 38 são endecassílabo s:
37 po is/ mes/ mo e/ le/ sen/do um/o /r i/ xá/
38 ele/t em/o/seu/ la/do/ ne/g a/t i/ vo
144
As linhas 46 e 48 são hexassílabo s:
46 só/pros/fi/ lho s/da/ ca/ sa
48 e/des/can/sa/ mais/t rês/
As r imas ocorrem por t odo o t ext o, sobret udo , em palavras que se repet em:
- linhas 4 e 7 (dia/dia) ;
- linhas 11 e 12 ( ibá/or ixá) r ima int er na;
- linhas 14 e 18 (roncó/ebó s) r ima int er na;
- linhas 15 e 17 ( bo lonam/ bo lo nam) ;
- linhas 27 e 28 ( iaô/ iaô ) r ima int er na;
- linhas 31 e 32 (ori/ bor i) r ima int er na;
- linhas 35, 36 e 37 (orixá/o r ixá/o r ixá) ;
- linhas 42 e 43 ( fo lhas/ fo lhas) ;
- linhas 45 e 46 (casa/casa) ;
- linhas 56 e 57 (saudando / in iciando ) rima int erna;
- linhas 61 e 63 (Ogum/Og um) r ima int er na;
- linhas 73 e 75 ( iaô/orô) rima int er na;
- linhas 77 e 78 ( muzenzas/saque lazenzas) .
Os parale lismos ocorrem t ambém por todo o t exto , co mo por exemp lo :
a) nas linhas 8 "se for iaô se t oca o bolonam" e 15 "se fo r iaô faz-se o
bolonam", há a t roca do verbo "t o car" pelo ver bo "fazer ". O pr imeiro
diz respeit o
aos inst ru ment o s musicais que execut am u m t oque
especial, chamado bolonam; e o segu ndo refere-se ao ato em si;
b) a linha 19 “t ir a-se t odos o s ebós...” funcio na co mo sinô nimo da linha
18 “se faz os ebós...”;
c) a linha 29 "dá- se o bori d e Oxalá " explica a linha 28 "Dá- se co mida à
cabeça do iaô";
d) a linha 38 "ele t em o seu lado negat ivo " explica a linha 36 "pra t ir ar a
part e negat iva do orixá";
e) a linha 6 4 "dent ro da nação Tombensi" ex plica qual é a nação a que ele
se refere na linha 58 "dent ro da nossa na ção";
f) A linha 80 "o orô maior" co nfir ma a linha 75 "e o orô maio r ";
145
g) há t ermos que se repet em pela pró pr ia impo rt ância no conju nt o das
explicações: os t ermos iaô e o rixá são repet ido s em no ve linhas.
As linhas 20, 21 e 22 for ma m alit eração com a sib ilant e /s/.
20 de ruas,
21 de cachoeiras,
22 de est radas
O parale lismo da preposição "de" e a alit eração pro mo vem u ma rupt ura no
r it mo que vinha sendo desenvo lv ido , impr imindo às t rês linhas cert a
mu sicalidade.
Conteúdo
Nesse t ext o, o tateto exp lica t o das as et apas pe las quais passa u ma pesso a
ao se iniciar no Inzó Dandaluna, cu jas raízes se enco nt ram no Tombensi. Isso
fica claro já na pr imeira linha: “Nu ma casa de ango la Tombensi ”; nas linhas
segu int es, descreve as ações que são realizadas do “reco lh iment o ” à f esta d e
“saíd a” do iaô.
O t empo e o espaço se localizam no cent ro dessas açõ es po r to do o t ext o.
Podem-se const at ar algu mas seqü ências d e int eração ent re ação /t empo /espaço :
- (linha 2) “reco lhe-se o iniciant e” – a ação de reco lher ;
- (linha 3) “deixa que ele d escanse” – co mp lement ação da ação de reco lher;
- essa ação est á mar cada p elo t empo ( linh a 4) “um d ia”;
- e pelo espaço (linha 5) “dent ro da casa”;
- nas linhas 15 “Se for ia ô faz-se o bolo nam” e 1 6 “e ele ent ra bola do”, há
u ma seq üência das ações de “fazer o bolonam” e “ent rar bolado”;
- a essas ações segue-se o t empo na linha 17 “P assa- se do is dias...”;
- e out ra ação se segue após esse t empo, nas linhas 18 “se faz o s ebós...” e 19
“t ir a-se t odos os ebós...”;
- as linhas seguint es vão explicar o espaço o nde se “fará” ou se “t irará” o s
ebós: linhas 20 “de ruas”, 21 “de cacho eiras”, 22 “d e est radas”, 23 “e dent ro
do barracão ”.
146
Toda a seqüência t ext ual é marcada pela d escr ição crono ló g ica das
at iv idad es r it ualíst icas e pelo s esp aço s d iver sificado s em que e las se
realizam.
Contexto
O co nt ext o da elocução co nsist e nas informações, po r meno r izadas, so bre
o s proced iment os realizados nos r it uais de uma in iciação no Inzó Dandalun a
para uma pesquisa, em que o locut o r é o tateto Roxitalamim e o recept or é a
pesqu isadora.
Os r it uais descr it os se configuram em sér ios pro cesso s iniciát ico s, o que
não imp ede serem fest ejado s, po is são alegres; celebr a-se no s r it uais o
(re)nasciment o de alguém para o universo da relig ião dos orixás, po r isso , a
expressão na linha 55 “nesse fest ejo t odo”. Trat a-se do aument o da f amíliade-santo e co memora-se co mo o nasciment o de uma cr iança no seio de uma
família.
A su a argument ação é de cu nho elucid at ivo e est á apo iada na enu meração
para co mpor as dinâmicas r it uais numa seqüência clar a e o bjet iva, embo ra
haja int er ferências no có digo ling üíst ico. Essas int er ferências, ent ret ant o , não
inviab ilizam a co mpreensão do t odo, o u seja, ele exp lica a maneira pela qual
u m iaô e, po r ext ensão, o seu orixá vão se inser ir dent ro do s f undamentos d a
sua nação: “o iaô já vem saudando // e in ic iando o f undamento do ori xá //
dent ro da nossa na ção // Pra você ent ender // é assim: // Ogum é Ogum e m
qualquer lugar // mas // a gent e quer qu e ele seja Ogu m // dent ro da nação
Tombensi”.
3.1.2 Preces
Duas preces foram regist radas. E las são conhecidas pela pr imeira p alavra
que as in ic ia: a pr imeira é chamada de Quibuque e a segu nda de Muxa cá. São
preces co nsideradas “o ficiais” d essa naçã o.
Essas duas pr eces fazem part e d a t ext ualidade de algumas Comunida des d e
Nação Angola, senão de t odas. E m cad a uma d elas, há uma o rganização
lingü íst ica diferent e, de aco rdo co m a hist ória cult ual e mít ica do pai o u mãede-santo. E ssa difer ença, por vezes, po de se apr esent ar at ravés d a t ro ca de
posição de vocábulo s o u pela presença de vo cábu lo s no vo s.
147
Assim, os do is t ext os específico s foram r eco lhidos no Inzó Dandaluna e se
refer em à sua hist ória part icu lar: aos ant epassado s mít ico s (inquices) e
hu mano s do tateto; aos o bjet o s r it ualís t ico s ut ilizados nas cer imô nias; às
lendas, t ransmit idas ao tateto pelo s mais velhos, aos quais ele chama de “o s
meus mais velho s...”
As preces foram sendo t ransmit id as, his toricament e, de pai par a filho e,
possivelment e, a exemp lo de o ut ro s t ext os, t enham perdido alguns vocábulo s
o u o s t enha modificado no percurso da cadeia de t ransmissão o ral. Analisar ei,
aqui, a prece quibu que.
Quibuque
Sentido na comunidad e
1. Qu ibuq ue samba ango la zaze ango lá,
/ me ajo elhei pr a conversar co m
as div ind ades de ango la/
2. Co sibambe ,
/Ogum/
3. Lamba ang u lamba ango la,
/o caçado r, o rei d e ango la t raz
a fart ura/
4. Mut acalambo ,
/Oxo sse/
5. Burung uro,
/Oxo sse/
6. Zumbir ás,
/Nanã Burucu/
7. quelusqueaso ba,
/a mãe do po vo ant igo/
8. Cat u mandarás,
/ho uve
uma
épo ca
em
que
Nana era a deusa suprema/
9. Embeberequet é,
/to do o po vo present e/
10. Quit ambeiros,
/o s filho s/
11. quelusqu easoba,
/de
Iemanjá,
mãe
do
povo
at ual/
12. Caxibir ijina caxibir ijina,
/o no me do po vo /
13. Enguesa co mbanda ingoro ssi,
/ me
dê
per missão
lou vação à divind ade/
14. Tat eto Roximocumbe,
/Ogu m/
15. Quesinavuru,
/pai supremo /
16. Quemir ingo nga,
/ me d ê licença/
148
para
17. Ora combanda,
/para falar/
18. Marás cat u mandarás.
/ao pai, filho, espír it o sant o /
Fo rma
Do ponto de vist a for mal, esse t ext o o rganiza- se r it micament e, so bret udo ,
at ravés da assonância e do paralelis mo . Const it ui- se de uma est ro fe co mpost a
por 18 verso s irregulares.
As assonâncias se apresent am em algu ns segment os, t ais co mo:
- do verso 1 ao 4 "sam ba angola angolá // cosibam bi // angu lam ba angola //
mutacalam bo;
- o verso 6 "zumbirás" co m o verso 8 "ma ndará s";
- no verso 18 "ma rás/.../mandarás".
Há paralelis mo s no mesmo verso:
- o verso 1 "angola/ angolá", apresent ando deslo cament o do acent o la/lá;
- no verso 3 "lamba/lamba";
- no verso 12 "caxibi rijina/caxibi rijina ".
E em versos diferent es:
- verso 1 "...samba/angola..." e verso 3 "...lamba/ angola,";
- verso 7 " quelu squ easoba," e ver so 11 " quelusqueasoba ";
- verso 8 "catu mandarás" e ver so 18 "...catu manda rás".
Alé m das assonâncias e dos parale lismos, o rit mo do t ext o é marcado
t ambém pela presença das oxít onas, so br et udo no fina l do s ver so s: ver so 1
"...angolá"; "ver so 6 "zu mbirás"; ver so 8 e 18 "...mandarás"; ver so 9
"embeberequeté"; ver so 13 "...ingorossi"; verso 15 "quesinavuru ".
Conteúdo
O cont eúdo desse t ext o co nsist e na invocação às d iv indades da Nação
Ango la: Zaze (t ariazaze), Cosibambe (i ncosse), Mutacalambo, Burunguro,
Roximocumbe.
Contexto
149
O cont ext o no qual essa prece est á inser ida é o das f estas pú blicas. Trat ase de uma reza dir igida às divindad es da Nação Ango la, porém faz referências
part icu lar es ao Inzó Dandal una. Isso pode ser o bser vado na invo cação a Ogum
que é o ori xá do tateto e é a Ogum que se pede licença p ara falar, no verso 1 4
“t ateto Roximocumbe”.
E la é int erpr et ada, em so lo, pelo tateto Roxitalami m e respo nd ida,
int egralment e, pelo coral, co mpost o po r t odas as pesso as qu e est iverem no
lo cal das cer imô nias. Os f ilho s-de-santo mais no vo s d e inic iação , o s que não
possuem a inda set e anos de in ic iados no cu lt o, deit am- se de bruço s no chão ;
o s mais velhos ficam em pé e o tateto e demais co nvidado s de out ro s t erreiro s
ficam sent ados em cadeiras especia is. Dur ant e a reza, t o do s esfr egam as mão s
u ma na o ut ra e mant êm a cabeça ba ixa.
3.1.3 Diálogos
Na
co mu nidade
Inzó
Dand aluna,
foram
reg ist rado s
t rês
t ext o s
de
int er lo cução: u m no r it ual e o s o ut ro s dois no co t idiano . Analisar ei, aqui, o
d iálogo falado durant e os rit uais.
O t ext o de int er lo cução no r it ual é fo r mulaico e é profer ido em t rês
d ifer ent es sit uações par a pedir bênção s:
1° à ho ra de fazer as pr incip ais refeiçõ es (almo ço e jant ar) quando em
per ío do de obrigação ou para fazer qualqu er coisa no r it ual;
2° à div indade do tateto ou de uma ebome
(cf.C AP. II)
em est ado de po ssessão ;
3° ent re ir mãos.
Co mo há a possibilidade de int er lo cut ores diferent es p ara um único t ext o ,
chamare i o pr ime iro de Int er locut o r A e o segundo de Int er lo cut o r B. Em
segu ida, co locarei o sent ido do diálo go para a co mu nidad e.
1 . A : Moc oi ú .. . ?
2 . B: Mo co i ú no z a m bi .
3 . A : U a n a ng u ê .
4 . B: A n a n g u ê .
5 . A : i) A n a n g u ê a n a n g u ê , c om b a n d a za m b i a p o ng o m ar á s ca t u m a n da r á s.
150
i i) At om a n a j ir a .. . , p ro f u n d o c a io d e m o n a?
6 . B: J i r a c om z am b i a po n g o.
7 . A : J ir a ê j i r a ê co m b a n d a z a m bi a p o ng o ma r á s c a t u ma n d a r á s.
8 . B: A u e to .
SENTIDO NA COMUNIDADE
1. A: /Sua bênção.../
2. B: /Deus os abençoe/
3. A: /Dê- me licença/
4. B: /Licença dad a/
5. A: i) /Eu t enho a per missão com Deus Pai, Deus Filho , Deus Esp ír it o
Santo/
ii) /Dê- me licença...que faz o orixá/
6. B: /Sejam abençoados po r Deus/
7. A: /Que eu seja abençoada co m o Pai, o Filho e o Esp ír it o Sant o /
8. B: /Assim seja/
Fo rma
Do po nt o de vist a for mal, o t ext o est á compost o po r o it o part es, cujo r it mo
é mar cado por paralelis mos e asso nâncias.
Os p aralelis mo s aparecem nas falas dos int er locut ores em q ue u m ret o ma a
palavra do o ut ro, em respost a a u ma saud ação o u ped ido. Na pr ime ira frase, o
int er lo cut or A diz: "mocoiú..." e o B responde: "mocoi ú..."; em seguida:
151
int er lo cut or A: "uananguê" e o B respo nde "an anguê" e, no vament e, o
int er lo cut or
A
ret oma
os
vo cábu lo s
"ananguê,
an anguê...";
d epo is,
int er lo cut or B: "jira..." e o int er lo cut o r A "jira ê ji ra ê...".
Há o co rrências de parale lismo s co m as expressõ es: "marás catu mandarás"
que ap arece na 5 a frase e depo is na 8 a ; e "zambi a pongo " qu e apar ece 5 a , na 7 a
e na 8 a frases.
As assonâncias o correm na 5 ª e na 8ª fr ases: "ananguê...combanda
zam bi..." // "marás...mandará s".
Conteúdo
O co nt eúdo desse diálo go é a fo r mula ção de pedidos de bênção s do
int er lo cut or A para o int er locut o r B.
Contexto
O cont ext o no qual essa int er lo cução est á inser ida é o dos rit uais pú blico s
e pr ivado s e em difer ent es níveis dent ro do s rit o s, sendo pro fer ido t ambé m
ent re d iferent es int er lo cut ores.
3.1.4 Saudações à s divindades
As saudaçõ es às divindad es serão analisad as pela ordem em que elas
aparecem nos r it uais.
Aluvaiá
Tatagongá: Laroiê! / Todos: Laroiê Exu!
Incosse
Tatagongá: Ogunhê patacori! / Todos: Ogunhê!
Burunguro.
Tatagongá: Oquê arô! / Todos: Oquê arô!
Tariazaze
152
Tatagongá: Caô cabiecile! / Todos: Caô cabiecilê!
Caiangô.
Tatagongá: Eparrei Oiá! / Todos: Eparrei!
Tempo
Tatagongá: Zara tempo! / Todos: Tempuiú!
Cavungo
Tatagongá: A tô tô ajuberô! / Todos: A tô tô!
Catendê
Tatagongá: Euê euê! / Todos: Aça!
Dandaluna
Tatagongá: Ora iêiê ô! / Todos: Ora iêiê ô!
Gangazumbá
Tatagongá: Odoiá! / Todos: Odoiá!
Taraquizunga
Tatagongá: Saluba Nanã! / Todos: Saluba Nanã!
Angorô
Tatagongá: Arroboboiu! / Todos: Arroboboiu!
Lemba
Tatagongá: Epa babá! / Todos: Epa babá!
Fo rma
153
Do po nto de vist a for mal, as saudações se est rut uram pela exclamação ,
co m car act er íst icas int er jet ivas, pr ime ir ament e d e u m int érpr et e (tatagongá)
e, em seguid a, a exclamação do coral, co mpo st o pelos out ro s me mbro s d a
co munidade. A voz do coral r epet e as p alavras do int érpret e co m pequenas
var iaçõ es, ora acr escent ando vo cábu lo s, como na saudação a Aluvaiá: la roiê!
/ laroiê Exu!; ora supr imindo -o s, co mo na saudação a Incosse: Ogunh ê
patacori ! / Ogunhê!; ora, à maneir a de co mp le ment ação , co mo na saud ação a
Catendê: euê euê! / Aça!; ora de mo do quase t ot alment e d iferent e, co mo na
saud ação a Tempo: zara Tempo! / Tempuiú !
Conteúdo
O co nt eúdo desses t ext os é o de saudar, louvar e, ao mes mo t empo, cha mar
as divindades. O t empo e o espaço po dem ser divid ido s em duas et apas: a
pr imeir a é a saudação feit a, geralment e, p elo tatago ngá, mas não so ment e po r
ele, e a saud ação pelo coral, co mo em respost a à prime ir a.
Contexto
O co nt ext o no qual essas saud açõ es est ão inser idas é o de se prest ar
ho menagens e reverências às divindades no s r it u ais, sejam eles pú blico s o u
não.
3.1.5 Cantigas
No Cando mblé, dá-se o no me d e cant iga a t o das as mús icas ent o adas no s
r it uais (cf.cap.2-2.1.2). O t ermo, geralme nt e, vem aco mpanhado pelo no me da
d ivindad e, da ent idade ou da sit uação à qual se refer e. Assim, se d iz: cant ig a
de Oxum, cant iga de Oxosse, cant iga de Caboclo, cant iga de f undamento et c.
No Inzó Dandalu na, foram co let adas cant igas d ed icadas ao s 1 3 inqui ces:
Aluvaiá, Incosse, Burungu ro, Taria zaze, Caiangô, Tempo, Cavung o, Catend ê,
Dandaluna, Ganga zumb á, Taraquizunga, Angorô, Lemba ; e t ambé m cant igas
refer ent es à abert ura e preparação das cer imô nias púb licas e de in ic iação .
Serão, aqu i, regist radas algu mas das cant igas ana lisadas, co mo u ma
amo st ragem do repert ório invent ar iado na co mu nidade. E las ser ão t ranscr it as
at ravés da ortografia da língua port uguesa, bu scando ser fiel à pronú ncia do s
154
int érpret es; e, ao lado, co locarei a “fó r mu la r ít mica” 22 (cf.cap.2-2.1.2) e o seu
sent ido para a co munidade.
a) Cantigas ref erentes à def umação
São ent oadas duas cant ig as de defuma ção em que a seg u nda é u ma
co mplement ação da pr imeira.
Ritmo: congo-de-ouro
Sentido na comunidade: ato de purificação
através do incenso.
1 a ca n ti ga
Nossa senhora
2 incensou seus bentos filhos
3 Incensou,
4 deu para cheirar
5 E eu incenso essa aldeia
6 Pro mal sair
7 e a felicidade entrar
1
Fo rma
Essa pr ime ir a cant iga, ent o ada em língu a port uguesa, est á est rut urada em
u ma única est ro fe de set e versos irregular es, cu jo r it mo est á marcado po r uma
única r ima nos ver sos 4 e 7 (cheira r/ent ra r) e pelo par alelis mo do verbo
incensar no s ver so s 2, 3 e 5 (incenso u/ incenso u/ incenso ).
Conteúdo
A cant iga refer e-se ao ato de purificação do amb ient e. O espaço e o t empo
são expressos po r ver bos no present e e no passado , int er lig ando do is
aspect os: memór ia e present e.
O pr imeiro ver so apresent a os ver bo s em t erceira pesso a : “No ssa Senhora
incenso u" (passado). No t erceiro ver so , a mã e-pequ ena d a Casa é que m
prat ica a ação d e incensar: verso 5 "E eu incenso essa aldeia". E la incensa
(present e) a “alde ia”, espaço da memó r ia ancest ral, lo cal sacr ament ado (no
present e) pelo aro ma das er vas.
O t empo ver bal e as pesso as do d iscur so sofrem u ma alt eração , do pret érit o
per fe it o para o present e do ind icat ivo e da 3 a para a 1 a pesso a do singu lar :
versos 1 “Nossa S enhora"; 2 "incensou seus bent o s filhos" e verso 5 "e eu
incenso essa aldeia”. A mãe-pequena se assemelha, nesse mo ment o , à sant a
22
Expressão utilizada por Vatin (2005), para referir-se ao ritmo específico da cantiga.
155
cat ólica
ma is
difund ida
no
Brasil,
reafir mando
o
sincr et is mo
co m o
cat olicis mo .
O t empo ver bal t em impo rt ância funda ment al na cant ig a. Os verso s 2, 3 e
4, respect ivament e, "incensou seus bent os filho s, // I ncensou, // deu par a
cheirar," possuem o ver bo no passado ; o que, simbo licament e, se refere ao
t empo e espaço da memó r ia; ao passar p ara o t empo present e, no ver so 5 "E
eu incenso essa aldeia, " sit ua as p essoas no ambient e at ual.
Est ando o ver bo na 3 a pesso a, most ra a d ist ância das p essoas em r elação à
cer imô nia. E la est á co meçando e será necessár io incluir a t o dos no esp ír it o do
r it ual. Aos poucos, muda- se do passado para o present e e da 3 a para a 1 a
pesso a.
Ritmo: congo-de-ouro
Sentido na comunidade: continuação do
ato de purificação através do incenso.
2 a can t i ga
Estou louvando
Estou incensando
3 A casa de tateto Ogum
1
2
Essa segunda cant iga é uma cont inu idad e da pr imeir a e nela ap arecem do is
t ermos de línguas negro-afr icanas: tateto e Ogum.
Fo rma
O t ext o dessa segunda cant iga é co mpost o po r uma est ro fe de t rês versos,
cu jo r it mo é marcado pelo paralelis mo no 1° e 2 ° versos, at ravés da repet ição
do ver bo est ar "est ou" e pela r ima ent re as duas fo r mas no minais d e gerúndio :
"louvando/ incensando", o que caract er iza u ma ação cont ínua. Esse r it mo é
quebrado pelo últ imo ver so "A casa de tat eto Ogum", mas qu e se rest aura pela
repet ição.
Conteúdo
O cont eúdo da cant ig a est á lig ado ao da pr imeira, o u seja, ela dá
co nt inuid ade ao ato de pur ificação do ambient e; ent ret ant o, o espaço e o
t empo se refer em ao present e.
O t empo ver bal p er manece no present e e na 1 a pesso a do sing ular no s do is
versos: ver so 1 “est ou louvando" e ver so 2 "est o u incensando ”, dando a
impressão simbó lica d e que a mã e-pequena fala e age, expressando a
156
linguage m enqu ant o ação; é o falar e o fazer a u m só t empo , po is enquant o a
cant iga vai afir mando e reafir mando o ato de incensar, ela vai execut ando a
ação .
No verso n° 3 "A casa de tateto Ogum", ocorre uma mudança na concepção
do espaço. Se na pr imeir a cant ig a, o espaço refer ido era a “ald eia”; nessa
segu nda, aquele espaço se t ransfo r ma em u m esp aço co ncret o e at ual: é o
lo cal o nde t odo s se enco nt ram no t empo present e e esse espaço t em u m no me
pró prio : é a “casa de tatet o Ogum”, marcando a presença do s vo cábu lo s tateto
e Ogum de línguas negro-afr icanas.
Contexto
O cont ext o no qual as duas cant ig as est ão inser idas é o do ato da
defu mação pela mãe-pequena. É u m mo ment o em que t o dos, membro s d a
co munidade e ass ist ência, são envo lv ido s pela fu maça per fumad a das er vas; e
o s moviment os de se levant ar, esfreg ar as mãos uma na out ra e sent ar-se
co nst it uem uma exper iência co rpo ral facilit ado ra da int eração co m o to do do
r it ual.
b) Cantigas de louvação à pemb a
Ritmo: muzenza
Sentido na comunidade: A pemba é o pó
branco usado nos rituais da casa para trazer
a harmonia para o ambiente.
1 a can ti ga
Ô qui pembê
2 Ô qui pemba
3 Auenda cassanje
4 Auenda de angola
5 Ô qui pembê
6 Samba angola
1
Ritmo: muzenza
Sentido na comunidade: essa cantiga é
dirigida diretamente às mulheres,
revelando que a pemba é de axé.
2 a can t i ga
Pemba dilê mona mona
2 Ô qui pembê
3 Pemba dile mona mona
4 Ô qui pemba
1
Fo rma
157
A pr imeir a cant iga é const it u íd a po r uma est ro fe de seis verso s e o seu
r it mo é marcado pelo parale lismo , havendo apenas os ver so s 3 e 4 co m o
mesmo número de sílabas poét icas.
Toda a cant iga cont ém p aralelis mo s: o verso 2 "ô q ui p embê" r eafir ma o
verso n° 1 "ô qui pembê ", havendo u ma mudança do fo nema /-b e/ do verso 1
para /-ba/ do verso 2, marcando o rit mo da cant ig a. Os ver so s 3 e 4 repet em o
t ermo "auenda". O ver so 5 t raz, no vament e, o t ermo "pemba" e o verso 6, o
t ermo "angol a".
Os ver sos 3 e 4 são redo ndilhas meno res:
3 a/uen/da/ca/ ssan/ ji
4 a/uen/da/de an/go/ la
A segunda cant iga po ssui u ma est ro fe de quat ro versos que se repet em,
o correndo a var iação nos fo nemas /- be/ /- ba/: nos verso s 1 "pemba ..."; 2 "...
pembê" e quat ro "... pemba" que marca o rit mo d e maneira d ifer ent e.
Conteúdo
O co nt eúdo das duas cant igas é o de lo uvação à pemba.
Contexto
O cont ext o no qual as duas cant igas est ão inser idas é o da realização do s
at o s de pur ificação nos r it os. A pr ime ir a cant iga é ent o ada algumas vezes,
dando seqüência à segunda no mesmo r it mo musical: muzenza.
c) Cantigas de louva ção à Bandei ra da Nação Angola
Ritmo: congo-de-ouro
Sentido na comunidade: faz-se a reverência
à Bandeira da Nação Angola, pendurada no
mastro, na entrada da Casa.
Bandeirá-á, bandeira branca
2 É bandeira angola
3 Bandeira branca é bandeirá ...
4 Bandeira branca é angola real
1
Fo rma
Essa cant ig a est á est rut urada em uma est ro fe de quat ro versos, marcado s
pelo parale lismo.
158
O t ext o todo é co mpost o pela repet ição das palavr as: bandeira, branca e
angola, num jogo so noro cont rast ivo. No verso 1 há u m pro lo ngament o do
segment o fônico "bandeirá- á" cont rast and o co m a seqüência do mesmo ver so
"bandeira branca"; o mesmo o co rrendo no ver so 3, mas, inver sament e,
"bandeira branca é bandeir á...", co m deslo cament o do acent o para a ú lt ima
sílaba, r imando co m “real”. A est ro fe possui 24 fo nemas /-a/, suger indo u m
visual de abert ura, de clar idad e, análo go à cor da bandeira.
Conteúdo
O co nt eúdo é a reverênc ia à Band eir a d a Nação Ango la em qu e t empo e
espaço podem ser analisados segundo duas per spect ivas: uma perspect iva
d iacrô nica e out ra sincrônica.
No últ imo verso "Bandeira branca é angola real" sugere u m t empo e u m
espaço hist ór icos, podendo est ar se refer indo ao ant igo reino de Ango la
(=Ndongo) (cf.cap.1), de onde fo ram t razido s para o Brasil inú meros cat ivo s;
mas, o t empo e o espaço podem ser sincrô nico s, po is o s Cando mb lés de Nação
Ango la podem ser co nsiderados co mo pequeno s r eino s, pela sua est rut ura
hier árqu ica, o nde ficam hast eadas bandeiras brancas represent at ivas, marco s
da nação , podendo o Inzó Dandaluna, simbo licament e, ser u ma ext ensão do
reino da Nação Angola Tombensi.
Contexto
O co nt ext o no qual a cant iga est á inser ida é o do iníc io d as f est as públicas
em que se lo u va a bandeir a da nação . To do s o s freq üent adores das f esta s
sabe m que se t rat a de u ma bandeira branca que ocupa um lugar de d est aque na
ent rada da Casa.
d) Cantigas para a divi ndade Aluvaiá/Exu
Ritmo: cabula
Sentido na comunidade: Esta cantiga se
refere a Exu, cujo nome seria bombojila. É
um convite para que Exu venha visitar a
Casa.
1 a ca n t i ga
Pombojira jamucanguê
2 oia o rê rê
3 Pombojira jamucanguê
1
Ritmo: cabula
Sentido na comunidade: é uma saudação a
2 a ca n t i ga
159
É um góia, é um góia
É um góia ê
3 É um góia, é um góia
4 É um laroiê
Exu, dizendo que ele é o rei da sala.
1
2
Ritmo: barravento
Sentido na comunidade:
reverência a bombojila.
3 a ca n t i ga
Tenda tendá Pombojira tendá
2 Tenda tendá Pombojira
3 tendaió
1
e
Ritmo: barravento
Sentido na comunidade: pede-se a Exu que
retire todos os carregos, toda a parte
negativa que estiver na casa.
4 a ca n t i ga
Mavulu tango naquata ilê
2 Mavulu tango naquata ilê
3 Mavilê
1
resp.
louvação
Tango naquata ilê
Ritmo: congo-de-ouro
Sentido na comunidade: faz-se o
agradecimento pela presença da divindade.
5 a ca n t i ga
1
Ê mavile é mavambu
resp.
Recompensuê ia ia ia
Recompensuá
Ritmo: congo-de-ouro
Sentido na comunidade: a divindade Exu
está observando as oferendas antes da sua
entrega.
6 a ca n t i ga
1
Exu ganga no aro
resp.
É de tê tê tê
Ritmo: congo-de-ouro
Sentido na comunidade: formula-se um
pedido de desculpas a Exu por tê-lo tirado
do seu local para vir na casa. Lonan é o
senhor de todos os caminhos. E se entrega
a ele as oferendas do padê.
7 a ca n t i ga
Agô eleguebá
2 Leguebara Lonan
1
Fo rma
Do po nto de vist a fo r mal, o r it mo desses t ext os é marcado pelo para lelis mo
e pela r ima.
160
A pr imeira cant iga é co mpost a po r dois ver so s que são repet idos pelo
int érpret e e, em seguida, t ambém rep et idos pelo coral, co m uma pequena
alt eração no rit mo melódico .
A r ima ocorre nos ver so s 1 e 2, repet indo -se no s verso s 3 e 4: jamucanguê
/ rê rê.
A segunda cant iga r epet e o s t er mo s: “É um góia”, nos t rês pr imeiro s
versos, modificando-se no últ imo ver so p ara “É u m la rioi ê”, r imando co m o
verso 2 “É um góia ê”.
A t erceira cant iga é for mada po r u ma est rofe de t rês ver so s compost a pelas
palavras: t enda e pombojira, t endo, no últ imo ver so o t ermo /ió/ que par ece
ser int roduzido co m o pro pósit o de marcar o rit mo . O mesmo p arece se dar na
var iação de acent o em: “tenda/ tendá ”. Essa alt er nância da sílaba tônica
pro voca uma r ima int er na no pr imeiro e no segundo verso s “tendá/tenda”.
A quart a cant iga se co mpõe de u ma est rofe de t rês verso s e a respo st a. Os
versos 1 e 2 t êm a mesma co nst rução “mavulu t ango naquata ilê”, r imando
co m o ver so 3 “mavil ê”. A cadência é marcada no final de t o dos os ver so s e
respost a pelo fonema /-ê/.
A quint a cant iga é co mpost a por u m verso e respo st a, t endo, na respo st a, a
var iação dos segment o s fô nico s na palavr a recompen su ê/recompensuá. Nessa
cant iga, o co ral co mp let a o enunciado “recompensuê iá iá iá // reco mpen suá ”,
o correndo a r ima “iá/reco mpensuá ”.
A sext a cant iga é co mpo st a por u m verso e respo st a, marcado pela
repet ição dos fo nemas /-t ê/, t ambém t end o o seu enu nciado co mp let ado pelo
co ral “É de tê tê tê”.
A sét ima cant iga é co mpost a por uma est rofe de do is versos, cuja cadência
se dá at ravés do parale lismo do t ermo “leguebá”. Nessa cant iga, o co ral
retoma t odo o enunciado.
Conteúdo
No seu co njunt o, é possível se o bser var o co nt eúdo dessas cant igas pela
seqü ência t emát ica at ravés da gradação, compo ndo uma dia lo gicid ade:
1. convit e à divindade;
2. saudação (rei da sala) ;
3. lou vação e reverência;
4. ped idos para ret irar forças negat ivas;
161
5. agradeciment os pela presença d a d ivindad e;
6. a divindade obser va as o ferendas (se são do seu agrado ou não );
7. ped ido de desculpas à div indade e ent rega das oferend as.
Essa seqüência t emát ica é est abelecida po r u ma o rganização espaço t emporal em relação ao d iálogo , aliada ao esquema meló d ico e à duração de
cada cant iga.
Contexto
O co nt ext o no qual elas est ão inser idas é o da ent rega das oferend as do
padê a Aluvaiá/Exu (cf.cap.2).
e) Cantigas para a di vindad e Incosse/ Ogum
Ritmo: congo-de-ouro
Sentido na comunidade: Ogum é o pai
maior e os olhos de seus filhos.
1 a ca n t i ga
1
Incosse panzo tará mensá gongá
resp.
Góia ê a ê,
góia ê a ê
góia ê
Ritmo: congo-de-ouro
Sentido na comunidade: as senzalas
(braceletes de palha da costa) são usadas
por amor à divindade.
2 a can t i ga
1
2
Senzala senzá o dilê
Senzala senzá o dilê aê Incosse
resp.
É puramô
Ritmo: barravento
Sentido na comunidade:
misericórdia à divindade.
3 a ca n t i ga
Fala Ogunhê
2 é de malembale
3 Ai, ai Ogum á,
4 é de malembale
1
Ogunhê é meu pai,
2 Venha me vale(r)
3 Ai, ai Ogum á
4 É de malembale
1
162
pedido
de
Os t ext os dessas cant igas dedicadas a I ncosse, t ambém desig nado como
Ogum, const it uem u m código em que há, clarament e, uma mist ura ent re
t ermos de línguas negro -afr icanas co m a líng ua po rt uguesa.
Fo rma
Do po nt o de vist a for mal, o r it mo é marcado pelo mo viment o repet it ivo do s
segment o s fônico s, pelo paralelis mo e pela asso nância.
A pr ime ir a cant iga é co mpo st a po r um ú nico verso e pela respo st a
co mplet ada
pelo
co ral,
cujo
r it mo
é
marcado
pela
asso nância
“t ará /mensá/gongá”, pelo parale lismo “g óia ê”, marcando o co nt rast e so no ro
do verso com a respost a /...gongá/ /...góia ê/.
A segunda cant iga é co mpo st a por do is verso s, cu jo r it mo é marcado pelo
paralelis mo “senzala/senzá/dilê” e p elos / -o/; /-aê/.
Na t erceira cant iga, co mpost a por duas est ro fes de quat ro versos cada u ma,
fica clara a mist ura ent re o s có d igo s lingü íst ico s, co mo no ver so 1 d a segu nda
est rofe : "Ogunhê é meu pai".
O r it mo se dá at ravés:
- do s paralelis mo s, sobret udo , no s ver sos 3 e 4 da pr ime ira est ro fe "ai ai
Ogum á // É de mal embal e" que se repet em nos versos 3 e 4 da segund a
est rofe ;
- do mes mo número de sílabas mét r icas:
os versos 1 e 2 da pr imeira est rofe são t etrassílabo s:
1 fa/ la o /gu/ nhê/
2 ve/ nha/ me/ va/ le(r)/
os ver so s 3 e 4 da pr imeira e segu nd a est rofes são redond ilhas
menores:
3 ai/ ai/o /gu m/ á/
4 é/de/ ma/ le m/ ba/ lê
Conteúdo
O cont eúdo pode ser int erpret ado pela organização espaço -t emporal e m
relação à duração de cada cant iga. Essa d uração, ent ret ant o , var ia de uma para
163
o ut ra e depende de aco nt eciment o s esp ecífico s. Po r exemp lo , a pr imeir a
cant iga marca o espaço e o t empo est abelecidos p ela ação dos cu mpr iment o s
das pessoas aos espaço s fu ndament ais da Casa; é o mo ment o em q ue
“o fic ialment e” se inicia o xirê. As dema is cant igas vêm nu ma seqü ência em
que o t empo e o espaço podem est ar lig ados a o ut ro s fat o res: t ranse de
possessão , pedidos à divindade et c.
Contexto
O co nt ext o no qual elas est ão inser id as é o de lo uvação, saudação e
chamament o da div indade Ogum. A 3 a cant iga, no 1 ° verso da 2 a est ro fe:
“Ogu nhê é meu pai”, revela u ma das par t icular idades do Ogum cu lt u ado no
Inzo Dandal una, o u seja, ele é o pai da comu nid ade (cf.cap. II - I ; 2 -2.1 ).
Compa ração textual
Todas as cant igas regist radas fo ram analis adas d e for ma similar.
Fo i possível per ceber a exist ência de poucas cant ig as so ment e em língu a
port uguesa; algu mas possuem uma mist ura de t ermo s em port uguês e e m
línguas negro-afr icanas; out ras, co m t er mos so ment e em línguas negroafr icanas.
Do po nt o de vist a da expressão , pude const at ar, nas d ifer ent es cant ig as
invent ar iadas, as mesmas caract er íst icas: os paralelis mo s, a d ist r ibuição da
sílaba t ônica, os pro longament o s dos segment os fônicos. E nqu ant o po ema
escr it o o bser va-se o rit mo const ant e, as r imas, as assonâncias, a melod ia, o
so m.
O cont eúdo revela a mit o log ia present e no s Cando mblés Ango la e o
co nt ext o no qual essas cant igas se inser em é o so cioreligio so.
Assim, a análise da for ma, cont eúdo e cont ext o per mit iu o bser var as
caract er íst icas pr incipais do repertó rio mu sical dessa co mu nidade.
3.1.6 Lenda
Uma lenda fo i r egist rada por o casião dos rit o s do Congoluandê realizado s
durant e o mês de agost o, mo ment o em qu e u m dos co nvid ados, t ambém tatet o
de uma o ut ra Casa de Nação Ango la, cujo no me iniciát ico é Tolo mitalang üesi,
co nt o u a lenda abaixo numa ro da, em que est avam present es o tateto
164
Roxitalamim e alguns dos seus f ilhos-de-santo nas dependências do Inzó
Dandaluna.
1. .... segundo lendas,
2. segundo histórias,
3. segundo lendas,
4. é é é...
5. nas a...
6. regiões ou aldeias,
7. vamos dizer assim,
8. aonde,
9. cada um,
10. tinha sua é é é
11. sua moradia,
12. suas terra pra plantá,
13. então ele,
14. cada um...
15. daqueles mandante aquele povo,
16. aqueles povos daquela aldeia,
17. fazia seu plantio,
18. uns plantava o milho,
19. outros,
20. a mandioca,
21. outro a a a a...
22. o feijão,
23. outros,
24. enfim,
25. cada um fazia seu plantio,
26. outro cará,
27. outro inhame,
28. e quando é é é...
29. o pessoal da aldeia,
30. cada um juntava na sua colheita,
31. que era em agosto,
32. começava a colheita,
33. fazia aquela festa,
34. só que todos pessoal,
35. de cada aldeia,
36. quando fazia festa,
37. todo mundo se reunia naquela casa,
38. porque ali ia ser servido,
39. todos os alimentos,
40. de todos,
41. de todos os orixás,
42. pra que o povo comesse,
43. era oferecido ao orixá,
44. e também ao povo,
45. como um remédio,
46. um alimento do corpo e da alma,
165
47. é é é...
48. pra que,
49. aquele ano não ocorresse a peste,
50. nem a miséria,
51. dentro do plantio,
52. dentro da lavoura,
53. fosse um ano progressivo,
54. fosse um ano de fartura,
55. segundo lendas,
56. quando eles deixaram de fazer isso,
57. sempre tem algum...
58. na,
59. na nossa casa,
60. sempre tem algum que não acredita muito,
61. né?
62. que um dos chefes das aldeias,
63. de uma das aldeias,
64. deixô de fazê-lo,
65. porque achô...
66. que era bobage,
67. aí...
68. foi aquele desastre né?
69. foi um ano de fome né?
70. deu gafanhoto,
71. deu peste,
72. deu miséria,
73. destruíram a lavoura,
74. destruíram tudo,
75. aííí...
76. aqueles que conseguiram,
77. ainda tirá um pouquinho de alimento,
78. ao invés de fazê,
79. de guardá pra se alimentá,
80. foi pidi misericórdia a Obaluaê,
81. a Omolu,
82. e a Tempo,
83. vamos colocá isso,
84. que tá tudo ligado,
85. tá entendendo?
86. aí,
87. fizeram a festa com o pouquinho,
88. e...
89. todo mundo comeu,
90. foi servido em nome de todos orixás,
91. todos os orixás participa,
92. mas,
93. nem todos se vestem tá?
94. então,
95. que que acontece?
96. aí,
166
97. fizeram a mesa,
98. oferecendo aos orixás,
99. no outro ano,
100. o ano foi próspero,
101. e farto,
102. então,
103. começaram a entendê,
104. que não poderia deixá de fazê o conguluandê,
105. o olubajé,
106. o tabuleiro do Omolu tá?
107. aí,
108. quer dizer,
109. isso é uma das coisas que é feito,
110. que é pra podê,
111. não reiná a miséria,
112. nem a a a a...
113. desgraça...
114. porque,
115. a fome é uma desgraça,
116. Deus queira me perdoá,
117. nos perdoá dentro da casa...
118. então,
119. é feito esse o o o...
120. conguluandê e o tabuleiro pro orixá para que,
121. seja um ano próspero,
122. como o nosso ano começa,
123. exatamente em agosto,
124. costuma as más línguas dizê,
125. que agosto é o mês do desgosto,
126. mas não é isso,
127. é o início de tudo.
Essa
lenda,
em
língua
po rt uguesa,
po ssu i
element o s
ling üíst ico s
caract er íst ico s da expressão po pular e po uco s t ermo s de líng uas negroafr icanas, aparecendo so ment e o no me da divindad e o ra Omolu, o ra Obaluaê.
Fo rma
Do po nto de vist a for mal, o tateto To lomitalangüesi, int érpret e dessa
lenda, co nst rói o seu t ext o num r it mo qu e se caract er iza pe la frag ment ação ,
pelos paralelis mo s, pelo s pro lo ng ament os em alguns seg ment o s fônico s e pela
enumeração.
Os parale lismo s ocorrem para refo rçar o que fo i d it o ant es, po r exemplo :
linhas 15 e 16 "daqueles mandant e aquele po vo // aque les po vos daq uela
aldeia"; linhas 90 e 91 "fo i ser vido em no me d e t o dos o rixás, //t odo s o s o rixás
167
part icipa, "; e, em alguns mo ment o s da nar rat iva, par ece querer d eixar claro se
t rat ar de um t ext o cont ado por o ut ros int érpret es, co mo po r exemp lo : nas
linhas 1, 2 e 3 "....segundo lendas // segu n do hist ó rias // seg u ndo lendas".
A enu mer ação é ut ilizad a co mo fo r ma de explicação , por exemp lo : linha s
18 "uns p lant ava o milho "; linha 19 "out ros"; linha 20 "a mand io ca"; linha 2 5
"cad a um fazia seu plant io "; linha 26 "outro cará; linha 27 "out ro inhame".
Os pro lo ngament os em seg ment os fônico s par ecem oco rrer pela busca de
t ermos apropr iado s pelo int érpret e, co mo por exemp lo : linha 4 "é é é..."; linh a
10 "t inha sua é é é"; linha 21 "o ut ro a a a a..."; linha 27 "e q uando é é é...";
linha 74 "aííí..." linha 118 "é feit o esse o o o...".
Conteúdo
O assunt o abordado pelo tat eto Tolomitalangüesi é a lenda so bre as
aldeias, pro vavelment e, e m Est ado s afr icano s, sobre o s r it uais do plant io e da
co lheit a pelo s aldeões.
O t empo e o espaço podem ser div id idos em: at ual e da memó r ia, havendo
u ma mist ura ent re o s do is, po is, ao mesmo t empo em que sit ua a lenda no
t empo e no espaço da aldeia, t empo da memór ia, rep ent inament e, a co lo ca no
present e e no espaço daqu ela co munidade. Isso pode ser obser vado das linhas
55 à 60 "segundo lendas, // qu ando eles d eixaram de fazer isso , // sempre t e m
algum...// na, // na nossa casa, // sempre t em algu m que não acred it a mu it o,".
Dent ro desse cont eúdo , ele insere u m d it ado popu lar: linha 124 "ago st o é o
mês do desgost o" e uma crença popu lar nas linhas 131 "a fo me é u ma
desgraça,"; linha 132 "Deu s qu eira me perdo á,"; lin ha 1 33 "no s perdo á dent ro
da casa...” Essas linhas refer em- se à crença po pu lar de que não se deve falar a
palavra "desgraça" dent ro de casa po rque a at rai.
Contexto
Essa lenda, co nt ada de for ma impro visada, pelo tat eto Tolomit alangüesi,
est á inser ida no cont ext o dos rit uais do Congolu andê q ue o co rrem durant e o
mês d e ago st o. Ele co nt a a lenda, de maneira bast ant e info r mal, para u m
grupo de pessoas do Inzó Dandal una, num mo ment o de int er valo de u m do s
r it uais secret os.
168
3.1.7 Exp ressões uti li zadas no cotidiano
Essas expressões foram reco lhidas em co nver sas info r ma is durant e o s
int er valo s de diferent es f estas de cando mb lé e em co munidades d iferent es.
Nesses mo ment os, havia info r mant es de diversas co mu nidades de Cando mblé
t ant o de Nação Ango la co mo de outras Nações.
Expressões
Sobre a obrigação
Vô fazê a minha cabeça
Vô raspá o meu santo
Vô tomá minha obrigação
Vô dá minha obrigação
Vô recebê minha obrigação
Vô tomá meu oiê
Vô recebê meu oiê
Vô tomá meu decá
Vô recebê meu decá
Vô tomá minha cuia
Vô recebê minha cuia
Sobre a linguagem
Falá na língua do santo
Falá na língua de zâmbi
Sobre a incorporação
Ele deu santo
Ela virô no santo
É cantá essa cantiga e meu santo baxa
mesmo
O santo catô a cabeça
Ela bolô no santo
Ela é iaô, roda no santo com certeza
Ele é rodante
Tenho dois anos de santo
Ele dá equê de caboclo
Sobre as oferendas
Vou dá comida pro meu santo
O santo tá comendo
Sentido na comunidade
Trata-se de alguém que vai se iniciar em
alguma casa de candomblé.
Trata-se de alguém já iniciado e que vai se
preparar para um recolhimento espiritual em
homenagem aos anos de iniciação que pode
ser de um, de três, de cinco anos, de sete, de
catorze ou de vinte e um anos.
Trata-se de alguém iniciado há mais de sete
anos e que vai se preparar para um
recolhimento espiritual, ocasião em que
obterá o título de "irmão mais velho".
Essas expressões significam que a pessoa
conhece termos de línguas negro-africanas.
Pessoa iniciada que entra em transe de
possessão de sua divindade
Pessoa não iniciada que entra em transe de
possessão de sua divindade
Diz-se de pessoa ainda não iniciada e que
entrará em transe de possessão
Refere-se ao tempo de iniciação
Pessoa que finge o transe de possessão da
entidade de caboclo
A pessoa vai fazer oferendas à sua
divindade pessoal
Essa expressão pode ter dois sentidos:
1° as oferendas foram feitas para uma
169
O santo vai comê
divindade e ainda se encontram dentro da
casa no local onde foram colocadas;
2° as oferendas não estão mais naquele
local, mas faz pouco tempo que foram
ofertadas à divindade, tempo esse variável
de acordo com cada casa.
Essa expressão significa que alguém vai
fazer oferendas à sua divindade pessoal.
Sobre as comunidades
O toque vai começar
Vamo começá essa macumba
Refere-se ao início de uma festa de
candomblé
Sobre cantigas
O ogã tirô uma cantiga
Pode azuelá, meu cumpade
O ogã cantou
Dando permissão para cantar
Sobre as pessoas
Aquele iaô colocou o nome do pai-de-santo
na praça
Eu não vô discuti com mona de erê
O povo do santo
As mona tava tudo ouriçada
Sô iniciado pro orixá Ogum
Sô raspado e catulado
Sou feito-de-santo
Os meus orixá tão todos assentados
Essa frase se refere a alguém que provocou
a maledicência em relação ao seu pai-desanto
Essa expressão refere-se à mulher grávida
São todas as pessoas com vínculos
estabelecidos, sobretudo, pelos processos
iniciáticos com alguma casa de candomblé.
Essa expressão refere-se aos homossexuais
Trata-se de alguém que já passou pelos
processos iniciáticos
Trata-se de alguém que possui um ou mais
utensílios com objetos especiais das
divindades ligadas à sua essência de
natureza mítico-religiosa.
Sobre a morte
O axexê dele vai ser na outra semana
Ritual referente à pessoa morta
Ele tem que tirá a mão de vumbi da mãe dele Trata-se de alguém que precisa se submeter
a determinados rituais com uma mãe ou paide-santo para se desligar da mãe-de-santo
falecida.
Fo rma
170
Do po nto de vist a for mal, essas expr essõ es se caract er izam p elo t o m
co loquia l e pelo po rt uguês popu lar, com alguns t er mo s de língu as negro afr icanas.
Conteúdo
O cont eúdo ver sa so bre os diferent es assunt os, t ais co mo : a obri gação, a
linguage m, a inco rpo ração , as ofer end as, as co mu n idades, cant igas, as
pesso as, a mo rt e; e se referem às exper iências vividas pelos int er lo cut o res no
cando mblé.
Contexto
Essas expressões est ão inser idas no co nt ext o das co nversas infor mais ent re
d ifer ent es int er lo cut ores. Elas ocorrem na vivência e na int eração do s grupo s
de difer ent es co munidades que sempr e se enco nt ram nas f esta s de cando mblé.
3.2 Terrei ro Lo abá
No
Terrei ro Loabá foram reco lhidos quat ro t ipo s de t ext os orais:
d iscur so s, saudações, cant igas e expressõ es ut ilizad as no co t id iano. A o rde m
de apresent ação se dará co nfo r me regist ro e cro no lo gia do r it ual.
3.2.1 Discu rso s
Serão analisados do is discur sos pro fer ido s, dent ro do rit ual, pela mameto
Indandalacata: u m, na cerimônia públic a do s r it o s de reno vação e o out ro ,
u ma das part es de elocuções pro fer id as, especifica ment e, no s r it uais do Di a
do Indumbe.
a) Discurso 1: f esta ref erent e aos ritos de renova ção
Esse pr imeiro discurso fo i profer ido no início d a f esta pública, ú lt ima fase
dos r it os de reno vação. A f esta é d ed icad a ao s inquices ligado s à agr icult ura:
Incosse, Muta calambo e Catend ê. A ma meto pro fer iu-o, em pé, pró xima d e
sua cadeira.
171
1. Data de passagem de ano,
2. de colheita do inhame.
3. É a primeira festa do ano.
4. A árvore leva um ano dando flores,
5. folhas,
6. frutos,
7. se fortalece,
8. brota novamente,
9. e dá frutos:
10. é a passagem do ano.
11. Que não seja pra nós só as perdas,
12. mas que nos fortaleçamos
13. e acreditemos sempre no recomeço.
14. O Sol nasce todos os dias.
Fo rma
Do ponto de vist a for mal, o t ext o se const ró i at ravés d a met áfora, do
paralelis mo e da enumeração.
A met áfo ra de co lher o que se plant ou est á caract er izada, sobret udo , no s
versos 10 "é a p assagem do ano ." e 11 "Que não seja pra nós só as perdas,".
Essa linha 10 const it u i um paralelis mo em r elação ao pr ime iro ver so "Dat a
de passagem de ano" e t ambém exp lica a enu meração das linhas ant er io res, 4
à 9, respect ivament e, “A ár vore leva u m ano dando flo r es, // fo lhas, // frut os,
// se fort alece, // brot a novament e e dá fr u to s:”.
Conteúdo
O co nt eúdo dessa elocução é a met áfo ra da passagem do ano . E la é
est abelecida num t empo configurado pelo espaço de um ano .
As linhas 2 "de co lhe it a do inhame. " e 3 "É a pr imeira fest a do ano " liga m
a co lheit a do inhame co m a f esta: o inh ame fo i p lant ado e é co lh ido, assi m
co mo foram feit os o s r it uais d e renovação que culmina na f esta. É a passage m
do t empo ent re o plant io e a co lheit a do inhame; é a passagem do t empo ent re
o final de um ano lit úrgico e o início de out ro para a comunidade.
A linha 11 "Que não seja pra nó s só as perdas," refere- se t ant o ao colet ivo
quant o ao individu al. No per ío do de um ano, ent re o ferendas e r it o s, se
p lant o u e se colheu: é a vida co let iva qu e se reflet e na ind iv idu al.
A mameto fala da esperança que renasce a cada novo ciclo : linhas 13 "e
acredit emos sempre no reco meço " e 14 "O so l nasce t odos o s dias."
172
Contexto
O cont ext o desse discurso é o da f esta pública que d á início ao calendár io
lit úrg ico no Terrei ro Loabá. Essa f esta faz part e dos r it o s de renovação d a
Casa e marca o recomeço de suas at iv idad es.
Po r t rás da sua palavra est á a int enção d e most rar às p esso as o s c iclo s da
vida t ant o religiosa quant o pessoal, ligando -o s, met afor icament e, ao s ciclo s
da nat ureza.
b)Discurso 2: Dia do Indumbe
Durant e as at ividades do Dia do Indumbe, a ma meto pro fer iu alguns
d iscur so s. Analisarei, aqui, o segu int e dis curso :
1. Ao entrar aqui e ver um dia de Indumbe,
2. muitas pessoas poderiam perguntar:
3. mas,
4. pra que isso?
5. Pra que ficar falando,
6. ah,
7. bota as pessoas na roda,
8. toca o atabaque,
9. elas dão santo e deu,
10. é isso que elas querem.
11. Mas,
12. neste manzo,
13. mameto Loabá,
14. mameto Indandalacata,
15. não pensam assim,
16. porque,
17. ao entar nessa roda,
18. ao vir tentar conhecer a casa do santo,
19. vocês não estão conhecendo só uma casa de candomblé,
20. vocês estão resgatando a sua história,
21. então,
22. quando eu venho aqui
23. e digo o que eu quero,
24. eu tenho que saber
25. que o que eu vou aprender,
26. aqui dentro,
27. antecede a palavra,
28. é a religiosidade de matriz africana,
29. é a religião dos meus ancestrais,
30. é aquilo que os meus ancestrais
173
31. foram arrancados de sua terra de origem,
32. jogados aqui
33. e tiveram que manter,
34. sabe,
35. fosse embaixo de esteira,
36. fosse embaixo de alguma madeira,
37. sabe,
38. dentro da senzala,
39. seja no meio do mato,
40. em alguns momentos escondido,
41. fosse num período em que tivesse roça...
42. eu tenho que ter essa valorização.
43. Se hoje eu consigo dizer a palavra có macuiú,
44. se eu consigo falar,
45. em outra nação:
46. o mojubá,
47. o motumbá,
48. o colofé...
49. alguém trouxe isso pra nós,
50. alguém guardou isso.
51. Gente...
52. são 505 anos pra gente conhecer essas palavras!
53. Então,
54. eu não posso vir numa casa de candomblé,
55. botar uma saia e dançar,
56. simplesmente,
57. sem conhecer a sua história
58. porque,
59. quando as pessoas vão pra alguma coisa,
60. elas têm que saber o porquê e pra quê,
61. porque senão,
62. não tem sentido.
63. Então,
64. vocês têm que saber por que e pra quê.
65. Por que eu vim?
66. Vocês poderiam responder:
67. ah,
68. porque eu gosto.
69. Não!
70. Há um grito ancestral dentro de cada um de nós,
71. que estamos aqui dentro desta sala,
72. então,
73. há um grito ancestral.
74. Viemos,
75. primeiramente,
76. por isso.
77. Pensamos nós que estamos aqui porque,
78. ah,
79. achei bonito...
80. não,
174
81. existe algo que antecede,
82. que está acima da nossa cabeça,
83. que dirige e permite que a gente faça as coisas
84. e,
85. esse algo,
86. esse grito ancestral,
87. fez com que viéssemos.
88. Então,
89. eu tenho que conhecer essa história.
90. Então,
91. quando eu digo quem sou,
92. eu tenho que dizer o meu nome sim,
93. tenho que dizer quem são os meus pais biológicos sim,
94. tenho que dizer quem é minha família de santo sim,
95. e tenho que saber que sou também de onde,
96. tá,
97. de onde,
98. e,
99. se a gente busca as pessoas,
100. sabem a sua origem,
101. então,
102. nós temos que saber a nossa origem,
103. entendeu?
104. Eu posso dizer:
105. nasci no Brasil,
106. minha origem é africana.
Fo rma
Nesse discurso , o código ling üíst ico ut ilizado pela ma meto é o da líng ua
port uguesa, aparecendo nove t er mos de língu as negro -afr icanas: indumb e,
manzo, mameto, Loabá, Indandala cata, có macuiú, mojubá, motumbá, colof é.
Do pont o de vist a for mal, o r it mo d o t exto se const ró i at ravés d e
paralelis mo s e enumer ações.
Os paralelis mo s da linha 5 “pr a que ficar falando ,” reforça a linha 4 “pra
que isso?”; das linhas 13 “ma met o Loabá” e 1 4 “mamet o Indandalacat a”
aco mpanham o s seus no mes iniciát ico s, at ribu indo - lhes u m carát er de
aut o ridad e; da linha 29 “é a relig ião do s meu s ancest rais” explica, refo rça e
co nfir ma a linha ant er io r 28 “é a relig ios idade de mat r iz afr icana,”; a linha 36
“fo sse emba ixo de a lguma madeira,” reforça a linha 35 “fosse embaixo d e
est eir a,”.
Nas linhas 70, 73 e 86 aparece a expressão “gr it o ancest ral”, bu scando
enfat izar e deixar clar a a impo rt ância da ancest ralidade.
175
Da linha 92 à 94, a expressão “t enho que d izer” refo r ça a palavr a t ambém
at ravés d a enu meração. Da linha 46 à 48, o corre a enumeração “o mo jubá // o
mot umbá, // o co lofé...”
Conteúdo
No cont eúdo dessa elocução é possíve l se perceber u m t ema cent ral: as
o rig ens; e out ro s secu ndár io s, co mo: a maneira co mo o Terrei ro Loab á
co ncebe uma iniciação, o resgat e dos co nheciment o s hist ó r ico , ling üíst ico ,
social e relig io so.
Contexto
O cont ext o no qual essa elocu ção est á in ser ida é a do “Dia do Indumbe”,
em que a mameto bu sca dest acar par a os pré- noviço s a impo rt ância do
co nheciment o de suas or igens bio lóg icas e mít icas.
Compa ração ent re o s textos dos discu rsos
O pr ime iro discur so fo i pro fer ido pela mameto Indandalacata no iníc io d a
f esta pú blica que encerrou os rit o s de renovação do Terrei ro Loabá, mar cando
o in ício do ano lit úrgico. Esse d iscurso se caract er iza pela fo r ma po ét ica d e
sua pro fer ição, ut ilizando a met áfo ra para mo st rar a passage m do ano
lit úrg ico na co munidade e o iníc io de u m out ro co m o s cic lo s da nat ureza.
O segundo discur so fo i pro fer ido dur ant e o s r it uais do Dia do Indumbe,
cu ja simbo logia é a in iciação . Esse discur so se caract er iza pela maneir a
pedagóg ica de su a elocução, em que a mameto co meça a exp lanação so bre as
o rig ens e a hist ó r ia da Casa e d a relig ião, buscando inst ig ar a busca do s
co nheciment os sobre as origens de cad a u m, a co mpr eensão das quest õ es
ancest rais, fir mando co mpro missos co m as div indades, co m a Casa e co m a
co nt inuid ade da relig ião.
3.2.2 Saudações à s divindades
As saud ações às divindades serão ana lisadas de aco rdo com a sua o rde m
dent ro dos rit uais.
Inzila
176
Tata : Inzila ê! / Todos : Inzila ê!
Incosse
Tata : Incosse ê! / Todos : Incosse ê!
Mutacalombo
Tata : Acumeneqüena Mutacalombo! / Todos :
Mutacalombo ê!
Zaze
Tata : Quiuá Zaze! / Todos : Zaze ê a!
Matamba
Tata: Quiuá Matamba! / Todos : Quiuá Matamba!
Quitembu
Tata: Zara Tempo Tempo Quissinavuru! / Todos: Zaraa
Tempo!
Caviungo
Tata: Quiuá Caviungo! / Todos: Aê Caviungo!
Catendê
Tata : Alambá Catendê! / Todos : Catende ê!
Dandalunda
Tata : Dandalunda ê! / Todos : Dandalunda ê!
Caiá
177
Tata: Caiá mê! / Todos : Caiá mê!
Gangazumba
Tata: Zumbá mê! / Todos : Zumbá mê!
Angorô
Tata: Angorô avimba quiambote! / Todos : Angorô lê!
Vunje
Tata: Vunji cucala pafundi! / Todos : Vunji ê a!
Lemba
Tata : Pembelê Lembá! / Todos : Pembelê Lembá!
Fo rma
Do po nto de vist a for mal, caract er izam- se por serem expressões gr it adas
para lo uvar, chamar e saudar as div indades de fo r ma excla mat iva.
Essas expressões são grit adas ou pela ma meto, ou pelo tata Inquacanji o u
por o ut ro int érpret e que t enha per missão para isso ; e o coral respo nde. E las
o correm da segu int e maneira:
i) a saudação e a respo st a são iguais: Inco sse ê! / Inco sse ê!
ii)a saudação e a respost a são diferent es: Acumeneqüena Mut acalo mbo! /
Mutacalombo ê!
E m t o das as saudaçõ es em que aparecem o fonema [e] so zinho o u
aco mpanhado
de [a]
[’ea],
[a’e]
aparecem para
marcar
o
r it mo
das
exclamaçõ es.
Conteúdo
O co nt eúdo desses t ext os é o de saudar, louvar e, ao mes mo t empo, cha mar
as div ind ades.
Contexto
178
O cont ext o no qual essas saud açõ es est ão inser id as é o início de qualquer
at iv idad e para prest ar ho menagens e reverências às d ivindades no s r it uais,
sejam e les pú blicos ou não.
3.2.3 Cantigas
Serão regist radas algumas das cant igas analisadas, co mo uma amo st ragem
do repert ór io invent ar iado na co mu nid ade. E las ser ão t ranscr it as co m a
o rto grafia da língu a port uguesa, bu scando ser fie l à pro núncia do s int érpret es.
Ao lado , indicarei a “fór mu la r ít mica”; o seu sent ido não fo i for nec ido pela
co munidade.
a) Cantigas para a divi ndade Inzila
1 a ca nt i ga
Rit mo : barravent o
Mavilê ...
mavilé tango jacotailê
Mavilé tango jacotailê
Mavilê
Tango jacotailê
Mavilê
2 a ca n t i ga
Rit mo : cabu la
Pambujira jamucanguê
Ara o rê rê
Pambujira cujacujanjo
Pambujira jamucanguê
Ara o rê rê
3 a ca n t i ga
Rit mo : co ngo-de-o uro
Mavile mavile mavambu
Sangurapensuê ae ae ae
Sangurapensuê
4 a ca n t i ga
Rit mo : barravent o
Pambujirê
pambu pambu pambu pambu jirê
Pambujirê
pambu pambu pambu pambu jirá
179
5 a ca n t i ga
Rit mo : co ngo-de-o uro
Izamuvila mavile
mavambu Pambujira
Aê aê aê mavile é pambujira
6 a ca n t i ga
Rit mo : co ngo-de-o uro
Aê pambujirê
Aê pambujirê
Aê pambujirê
Pambujirê pambujira
7 a ca n t i ga
Rit mo : cabu la
Qui cangá gangaiô
Gangaiô leqüê pambujirê
Qui cangá gangaiô
Gangaiô leqüê pambujirá
8 a ca n t i ga
Rit mo : cabu la
Qui gangaiô ô ô
Pambu pambujila
Qui canga gangaiô ô
Qui gangaiô ô
Pambu Pambujila
Qui canga gangaiô ô ô
Fo rma
Do po nt o de vist a for mal, po ssuem um r it mo baseado , so bret udo , em
paralelis mo s; o correm algu ns pro lo ngament o s de opo siçõ es fô nicas e m
segment o s fina is.
Na pr ime ira cant iga, oco rre paralelis mo das palavras mavil ê, tango e
jacotailê que se repet em alt er nadamen t e e for mam r imas emparelhadas
/ mav ilê e jacot ailê/.
O t ermo é mavilê nos verso s 1, 4 e 6 e é mavi le nos verso s 2 e 3,
t ransfer indo o acent o de lê para vi ( mavilê / mavi le), refo r çando a linha
meló dica.
A segunda cant iga possui a co nst rução do 2° ver so "ara o rê rê" par a
mar car o rit mo, fazendo a r ima co m o 1° ver so "Pamb ujira ja muca nguê". O
r it mo é, mo ment aneament e, quebr ado no 3 ° ver so "Pambuji ra cujacu janjo",
180
porém rest abelecido pelo parale lismo dos versos 4 e 5 qu e repet em o s mesmo s
versos 1 e 2.
Na t erceira cant iga, o r it mo é mar cado pelo p aralelis mo do s t er mo s mavi le
e sangu rapensuê e pela repet ição do s fo nemas /aj/ no segundo verso.
A quart a cant iga possui par alelis mo s em que o t ermo pamb ujira aparece:
no 1 ° e 3° versos co mo pambujirê; no 2° ver so , o t ermo é r epet ido quat ro
vezes pela met ade pambu pamb u pambu e fina liza jirê, repet indo a mesma
co nst rução no 4° ver so, mas fina liza jirá, est abelecendo a o po sição r ít mica e
a cadência.
A qu int a cant iga t em o seu r it mo const ruído p elo p aralelis mo dos t er mo s
mavile e pambuji ra e pelo s fo nemas /a’ e/.
A sext a cant iga r epet e o t er mo pambuji rê, fazendo u ma opo sição r ít mica,
no últ imo verso para pambujirá; e, no s t rês pr ime iro s verso s, mar ca o r it mo
o s fo nemas /a’e/ diant e do t ermo pambujirê.
A sét ima cant iga repet e os mes mo s t er mos nos ver sos 1 e 3 "Qui cang á
gangaiô ", havendo oposição ent re surda e so nora [kan’ga], [gangaj’o] ; e no s
versos 2 e 4 repet e o s t ermos pambuji rê/pambuji rá t ambém em o posição
so nora nas duas últ imas sílabas, ent re [e] e [a].
A o it ava cant iga r et oma o s t er mo s da sét ima, havendo pro longament o s nos
seg ment o s fô nicos da palavr a ga ngaiô, o correndo uma var iação em r elação ao
t ermo pambuji ra, mudando o final para pa mbujila, alt er nando /r/ e /l/.
Conteúdo
O co nt eúdo dessas cant igas é o de estabelecer a co mu nicação com o
guardião da co munid ade para que ele pro picie a abert ura da cer imô nia.
Contexto
O co nt ext o ao qual essas cant igas est ão inser idas é o da abert ura da
cer imô nia at ravés da saudação e ho menag ens à Inzi la.
b) Cantiga s para a divi ndade Mutacalombo
1 a ca n t i ga
Rit mo: cabula
Bambi ê ê ê
Bambi ê avimba tauá
Bambi ê avimba tauamim
181
Bambi ê avimba tauá
2 a ca n t i ga
Rit mo : cabu la
Eauenda cangira mucongo inganga
Ae tumba
Tauamin ae tauamin
E bambieua dibelembe
3 a ca n t i ga
Rit mo : cabu la
Cauanajira mutanenganga
ê zumbá
Tauamim aê tauamim
4 a ca n t i ga
Rit mo : cabu la
Cauanajira mutanenganga
é Mutalambô ô
Aê tauami
5 a ca n t i ga
Rit mo : cabu la
Adê cutala zinguê
Cóia zinguê mi a iza cutala
Cóia zinguê ô
Ai ai ai ai ai ai
Adê cutala zinguê
Cóia zinguê ô
6 a ca n t i ga
Rit mo : cabu la
Como xauerá á
Como xauerá mi a iza cutala
Como xauerá á
Ai ai ai ai ai ai
Adê cutala zinguê
Cóia zinguê ô
Fo rma
182
Do pont o de vist a fo r ma l, o r it mo se const ró i p elos par alelis mo s e
element o s lingü íst icos que marca m a cad ência: alt er nância de sílabas fo rt es,
fracas, asso nâncias.
A pr imeir a cant ig a possui quat ro versos, no s quais se obser va a repet ição
dos t ermos "bambi/avimba/t aua". O seu r it mo é mar cado t ambém pelo fo nema
/e/ que apar ece em t odos o s verso s.
Na segunda cant iga, além do paralelis mo, o rit mo é mar cado t ambém pelo
fo ne ma /aê/ no 2° e 3° verso s.
A t erceir a e quart a cant igas possuem os mesmo s t er mo s, mud ando apenas
no s segundos ver sos: (1 a cant iga) "ê zu mbá" par a (2 a cant ig a) "é Mut alambô
ô ", ocorrendo, nessa segunda, um pro lo ngament o no seg ment o fô nico . As duas
cant igas são int erpret adas pelo so list a em seus do is pr imeiro s versos e são
co mplet adas, no t erceiro ver so , pelo co ral, havendo a var iação: na pr ime ir a,
"t auamim aê t auamim"; na segu nda, "aê t auami".
A qu int a e sext a cant igas são seqüenciais e ambas possu em duas est ro fes
sendo que, as pr ime iras são int erpret adas pelo so list a e, na respost a co nt id a
em suas segund as est rofes, o coral co mp lement a at ravés do s mesmo s t er mo s
"ai ai ai ai ai ai // adê cut ala zinguê // có ia zing uê ô". O r it mo é marcado p elo
paralelis mo, pelo s fo nemas /aj/, /o/ e pelo pro lo ng ament o na pr imeir a est rofe
da 2 a cant iga "...xau erá á".
Conteúdo
O cont eúdo dessas cant igas se refer e à d iv indade d a caça, sit uando -o ,
mit o log ica ment e, como pro vedor do mund o.
Contexto
O cont ext o no qual essas cant ig as est ão inser idas é o de saudação ,
lo uvação e chama ment o do inquice Mutacalombo.
c) Cantigas para a di vindad e Zaze
1 a ca n t i ga
Rit mo : co ngo-de-o uro
Ô Zaze ê
183
Ô Zaze a a
Ô Zaze ê maiangolê maiangolá
Rit mo : co ngo-de-o uro
2 a ca n t i ga
Zaze é macucuandembo
Zaze é macuandembo ô
Aê aê Zaze é macucuandembo
Rit mo : muzenza
3 a ca n t i ga
Cassuté mam terra muzambô
Cassuté lembá terra muzambô
Cassuté é é é
Rit mo : muzenza
4 a ca n t i ga
Tata biribi o gangazumbá
A aruê ê tata biribiribi gangazumbá
A aruê ê ê tata biribiribi
Rit mo : muzenza
5 a ca n t i ga
Ize lemba canjanja cuara que malembe
Zaze cundembe que malembe
Rit mo : muzenza
6 a ca n t i ga
Vulaê dundum ê cóia dundum
Ê vulaê dundum
Cóia dundá
Fo rma
Do po nt o de vist a fo r mal, essas cant ig as po ssuem parale lis mos d e palavras
e de fo nemas que marcam o seu r it mo.
A pr imeira cant iga r epet e os t er mo s "zaze" e "ma io ngo lê" se o pondo a
"maio ngolá", marcando o rit mo at ravés dos fo nemas [o], [a], [e].
A segu nda cant iga t em o seu r it mo marcado, além do paralelis mo , t ambém
pelos ele ment os aê e ô.
A
t erceira
cant iga
repet e
os
t ermos
"cassut é/t erra/ mu zambô ".
É
int erpret ada pelo so list a e a respo st a do coral co mp let a a cant iga, repet indo o
t ermo "cassut é", ocorre um pro lo ngament o do fo nema [] marcando o rit mo .
184
A quart a, a quint a e a sext a cant igas t êm o r it mo marcado pelo paralelis mo .
Conteúdo
O cont eúdo dessas cant igas se refer e à div indade do t rovão , do raio e do
equilíbr io do co smo .
Contexto
O cont ext o no qual essas cant ig as est ão inser idas é o de saudação ,
lo uvação e chama ment o do inquice Zaze.
d) Cantigas para a divi ndade Angorô
1 a ca n t i ga
Rit mo : cabu la
Quimba conga pemba de Angorô
Quimba co ê sa amê
Si tem ganga na muxima
Diga catengoiô
2 a ca n t i ga
Rit mo : cabu la
Angorô sinhô ô
Si tem ganga ja untale
Angorô sinhô ô
3 a ca n t i ga
Angorô casimbi dia invula
casimbi dia invula
inzingalumbondo dia invula
cansimbi dia invula
4 a ca n t i ga
Angorô casimbi dia invula
invulaio lese
Angorô casimbi dia invula
invula inganga sese
5 a ca n t i ga
Quata zimba Quicuzu simbenganga
185
Angorô dia calunga
Rit mo : co ngo-de-o uro
6 a ca n t i ga
Ê Angorô ê ê Angorô ô
Ê Angorô tá no cajungongo
Ja quimbandá cóia quimbandá
Rit mo : co ngo-de-o uro
7 a ca n t i ga
Cangasala angolá
Sibu alelecongo
Fo rma
Do pont o de vist a for mal, qu ase t o das as cant ig as po ssuem seu r it mo na
base do paralelis mo.
Na pr imeira cant iga, o paralelis mo do t ermo "qu imba"; na segu nd a, o
pr imeiro e segundo ver sos repet em a mesma co nst rução "Angorô sinhô ô ",
o correndo o prolongament o do seg ment o fô nico do vo cábulo "sinhô ô"; a
t erceira repet e o s t er mo s "casimb i d ia invu la"; a qu art a cant iga repet e o s
t ermos da t erceira co m alguma var iação , dando - lhe o carát er de co nt inu idade;
na sext a cant iga, alé m do parale lismo dos t er mos "ango rô e quimband á", há
t ambém o fo nema [e] marcando o r it mo .
Conteúdo
O cont eúdo dessas cant igas se refere à d iv indad e da t ransfo r mação , da
chuva, do arco-ír is.
Contexto
O cont ext o no qual essas cant ig as est ão inser idas é o de saudação ,
lo uvação e chama ment o do inquice Angorô.
3.2.4 Exp ressões uti li zadas no cotidiano
1a
2a
Combanda jila
Jira ê
3a
Ô Mona Ricumbi!
Pedido de licença
Resposta ao pedido de
licença
Alguém chama pela
186
4
a
5a
Mona Ricumbi
Resposta: eu estou
aqui
Saudação de boas
vindas a visitantes
Lecongo
Quizua Quiambote
Fo rma
Do
ponto
de vist a
for mal,
essas expressõ es po dem ser
analisadas
deco mpo ndo os it ens lex icais para a id ent ificação do có digo :
1ª Combanda jila
Mbanda. Sub. Preceit o; mand ament o /.../ licença. (Assis Ju nio r, 1941:18)
Njìlà. Sub./.../caminho /.../ percurso ; g iro ... (Assis Ju n io r, 1941:69)
Os do is t er mos são do quimbu ndo . Co mo esses do is t er mo s, na co munid ade,
adqu ir iram
o
sent ido
de
“ped ir
licença”?
Pro vavelment e
ho u ve
uma
assimilação dos sent idos em quimbundo . O acréscimo do s fo nemas [kõ] po de
t er aparecido como um apo io à pré-nasal, mbanda.
2ª Ji ra ê
O t ermo jira é u ma var iação de jila, po is os falant es o ra d izem re o ra le. O
fo ne ma final [e] aparece, marcando o rit mo .
As expressõ es Combanda jila e Ji ra ê são u m pequeno t ext o de int er locução .
3ª Ô Mona Ricumbi !
Mona. Su b. Filho ; filha. ( Ass is Ju nio r, 1941:290)
Riku mbi. Sub. O so l; o d ia. Or igem da luz so lar. (Assis Ju nior, 1941:344)
Os do is t er mos são do quimbu ndo e junt os for mam o no me inic iát ico de
u ma das filha-de- sant o da comun idade, filha do so l. O fo nema /ô / é do
port uguês e dá um carát er apo sit ivo à expr essão.
4ª Lecongo – o t er mo não fo i enco nt rado na bib liografia de refer ência.
5ª Qui zua Qui ambot e
A expressão pode ser deco mpo st a da seguint e fo r ma:
187
a) kizúa. S. Dia. P l. Izua. (Cordeiro da Matt a, 1893:33)
b) Mbot e. /.../ Adv. Bem...(Assis Ju nio r, 1941:24)
Confo r me Assis Ju nior e Co rdeiro da Mat t a, o s do is t er mos são do
quimbundo.
Na co munidade, os t er mos apar ecem em fo r ma d e expressão e possuem a
segu int e for mação:
Kizúa + mbot e = kizua kia mbot ê
Kizua po ssui o prefixo da classe no min al /-k i/ q ue co rrespo nde à classe 7
(cf.Pedro,1993:22) que marca o singu lar.
Kia mbo t ê adquire o prefixo /kia-/. Seg undo Assis Ju nio r (1941:1 09), esse
t ermo pode ser:
Ad j. e pron.poss.empr egado na 3ª pesso a pl.: seus, su as;
Prep. Que une ao no me o seu co mp le ment o ;
Pro n.relat ivo. que, quem, cujo
Obser vando os significados em qu imbund o, é po ssível supo r que os t er mo s,
na co mu nidade, t enham sido (re)sig nificados para expressar a saudação de
bo as vindas aos vis it ant es. Essa expressão não é so ment e o ral, ela aparece
escr it a em convit es, co m o reg ist ro bast ant e próximo do qu imbu ndo : Kizu a
Kia mbo t ê, cujo sent ido é “bem- vindo ”. E ssa orto grafia qu imbu ndo co mpro va
que o Terrei ro Loaba passa pelo pro cesso de (re)afr icanização .
Conteúdo
Essas
expressões
possuem d ifer ent es
cont eúdos:
pedido
de
licença,
respost a ao pedido de licença, int erpelação de alguém, respo st a para esse
chamado , saudação de bo as vindas ao s vis it ant es.
Contexto
Essas expressões est ão inser idas no co nt ext o das co nversas infor mais ent re
d ifer ent es int er locut ores e oco rrem na fala quo t id iana dos adept o s do cult o.
188
3.3 Comparação ent re os textos das duas comunidades
Os t ext os reg ist rados nas duas co munid ades de Cando mblé Ango la
possuem seme lhanças e difer enças qu e serão ver ificad as em cada t ipo de
t ext o.
No Inzó Dandaluna for am reg ist rado s set e t ipo s de t ext o s: d iscurso s,
preces, diálogos, saud ações, cant igas, lendas e expressõ es ut ilizadas no
co t idiano.
No Terreiro Loabá fo ram reg ist rado s q uat ro t ipo s d e t ext os: discur sos,
saud ações, cant igas e expressõ es ut ilizad as no cot id iano .
A co mpar ação ser á feit a e m relação aos quat ro t ipo s de t ext o s reg ist rado s
nas duas co mu nidades e pela o rdem em qu e fo ram analisado s.
Discu rso s
Os discur so s analisado s foram t odos profer idos pelo s dir igent es das
co munidades. O t ateto Roxitalamim o s pr ofer iu, de pé, no cent ro do barracão .
A ma meto Indandalacat a est ava de p é, pró ximo de su a cade ir a.
O cent ro do barracão e a cadeir a dos dir igent es das co munidades t êm
grande impo rt ância para as du as casas. Nas duas pro fer ições, po de-se no t ar o
co nt eúdo socioreligioso . Ambo s, tat eto R oxitalami m e ma meto Indandalacata
demo nst ram em suas elocu ções a preo cupação em r elação à co nt inu idade do
Cando mblé, porém, sob ót icas d ifer ent es:
- o tateto Roxitalami m evidencia o modu s operandi dos cando mb lés e vincu la
a quest ão da co nt inuid ade do Cando mblé à ad esão e à part icip ação das
pesso as: "E nqu ant o nas casas de cando mblé, t iver t ant a gent e /.../ ali o ori xá
vai se cr iando, se procriando, crescendo , e evo lu indo ."
- a mamet o Indandal acata concebe a relig ião enquant o inst rument o de
resist ência, de resgat e hist ór ico , polít ico e lingü íst ico : "Gent e ... são 505 ano s
pra gent e conhecer essas palavras! /.../ quando eu adent ro ao quarto de
inquice, eu est ou dizendo a ele que eu estou resgat ando a minha hist ór ia, qu e
eu t enho compro misso com essa hist ó ria e que t udo far ei pr a que eu assu ma a
sua co nt inu idade."
Saudações
189
As saudações às div indades são seme lhant es quant o à maneira int er ject iva
de profer i- las, mas possuem uma d ifer ença fu ndament al:
- no Inzó Dandal una, as saud açõ es são feit as co mo nas co munidades d e
Cando mblé Quet o (cf.cap.1), o que evid encia um pro cesso hist ó r ico de co relação ent re as muit as co munid ades de Cando mblés Qu et o e Ango la.
- no Terrei ro Loa bá, as saudaçõ es rep et em o no me da divindade, o que
evidencia um processo pelo qual mu it as co munidades de Cando mblé bu sca m
já há algu m t empo : a reafr icanização , em q ue o pr incip al element o é,
ju st ament e, a língua r it ual ( cf.cap.1).
Cantigas
As cant ig as possuem as mes mas caract eríst icas, so bret udo em relação às
"fó r mu las
r ít micas"
( cf.cap. II - I ; 2 ),
d iferenciando-se
a lgu mas
apenas
na
pro núncia dos int érpret es.
As semelhanças e as diferenças lexicais ser ão dest acadas at ravés de
quadros co m os t extos das cant igas, nas duas co mu nidades, acrescent ando à
t ranscr ição os t ext o s de cant ig as co nt ido s em Co ssard (1970) regist rad as no
Rio de Janeiro e Vat in (2005), regist radas na Bahia 23. Esses do is aut o res
fo ram esco lhidos porque as suas o bras t razem as cant igas dos Cando mblé s
Ango la.
Gisele Cossard pesquiso u o s cando mblés do Rio de Janeiro e sua t ese d e
doutorado Contribution à l’étude des ca ndomblés au Brésil. Le Candombl é
Angola, defend ida em 1 970, apresent a cant ig as do s Cando mblés Ango la,
pr incipalment e aque las que eram cant adas no t erreiro de João zinho da Go méia
que fo i (e ainda é) o pai-de-sant o de Candomb lé Ango la ma is conhecido pelo
povo-de- santo.
Xavier Vat in, esp ecia list a em mús icas r it uais da diáspo ra afr icana no
Brasil, em sua t ese de dout orado Rites et musiq ues de possession à Bahia,
publicada em 2005, apresent a cant igas de t rês na ções em Salvado r/ BA :
Ango la, Quet o e Jeje.
A o rganização dos quadro s é a segu int e:
23
Na transcrição ortográfica, busquei ser fiel o mais possível à pronúncia dos informantes e grafei os vocábulos de acordo com as regras da
língua portuguesa. Nas cantigas transcritas por Cossard e Vatin, respeitei a grafia utilizada por eles.
190
- serão o it o quadros co m as cant igas que aparece m no s quat ro regist ro s;
deixei de lado as cant igas que aparecem so ment e em do is ou t rês reg ist ro s, a
fim de est abelecer uma co mparação mais co mp let a;
- as duas co munid ades, t emas de minha pesqu isa, est ão nas duas pr ime iras
co lunas, obedecendo à ordem de análise: Inzó Dandaluna e o Terrei ro Loabá ;
a segu ir as cant igas regist radas pela dat a de publicação: Co ssard e Vat in;
- No final de t odos os quadros, farei os co ment ár io s.
Quad ro 1
Inzó Dandaluna
Terreiro Loabá
Cossard (RJ)
Vatin (BA)
Aluvaiá/Exu
Inzila
Exu
Bombonjira
Pombojira jamucanguê
oia o rê rê
Pombojira jamucanguê
oia o rê rê
Pambujira jamucanguê
Ara o rê rê
Pambujira cujacujanjo
Pambujira jamucanguê
Ara o rê rê
Bombomzila za mukongue
a a olele
Bombomzila za mukongue
a a olele
Bombomzila kuza kuzanzo
Bombomjira ja mukanguê
a-ia O-rê-rê
Bombomjira ja mukanguê
a-ia O-rê-rê
Mavulu tango naquata ilê
Mavulu tango naquata ilê
Mavilê
Tango naquata ilê
Mavilê
Mavilê ...
mavilé tango jacotailê
Mavilé tango jacotailê
Mavilê
Tango jacotailê
Mavilê
Emabile
tanguzagwataile
e mabile
Mavilê
mavilê tango jakota ilê
Mavilê
Ê mavile é mavambu
Recompensuê ia ia ia
Recompensuá
Mavile mavile mavambu
Sangurapensuê ai ai ai
Sangurapensuê
Mabile mabile kimavambu Unjirê unjirê lê ma
E kompensue a a a a a e
vambô
kompensue
Iê compensuê a-a-a-a
Iê compensuê
Quad ro 2
Inzó Dandaluna
Terreiro Loabá
Cossard (RJ)
Vatin (BA)
Incosse/Ogum
Incosse
Ogun
Inkoci/Mukumbi
Incosse panzo tara mensá Ê roxi mocumbe
aeaeae
gongá
paramesendauê
Inkosi mukumbe sere mona
Góia ê a ê, góia ê a ê góia Góia ê a ê góia ê a ê góia ê dile
ê
191
Nkoci nkumbi tara mesó
denguê
Goyaê-aê, goyaê-aê-ê,
Go-o-yaê
Senzala senzá o dile
Senzala senza o dile ae
Incosse
é puramô
Consenzala Incosse
Conserê mona caiá
Consenzala Incosse
a senza roS ko mu de le a tu
ja mo
ka mu sen da na senza roS
ko mu de le a jo jo
Como senzala senza roxo
Komunderê, aturamô,
Como senzala senza roxo
Komunderê aê-ô
Quad ro 3
Inzó Dandaluna
Terreiro Loabá
Cossard (RJ)
Vatin (BA)
Burunguro/Oxosse
Mutacalombo
oSos
Mutalambô
Adê cutala zinguê
Adê cutala zinguê
Olha zinguê ô
Ai ai ai ai ai ai
Adê cutala zinguê
Adê cutala zinguê
Olha zinguê ô
a ze ku ta la zin ge o ja zin A deskutalá zinguê
Adê cutala zinguê
Cóia zinguê mi a iza cutala ge o
oyô zinguê-ô
Cóia zinguê ô
mi a za ku ta la ka i za ku ra A deskutalá zinguê,
a ja a ja a ja ze ku ta la zin oyô zinguê
Ai ai ai ai ai ai
ge
Miya ezakutalá ka
ze ku ta la zin ge o ja zin ge inakora
Adê cutala zinguê
Adê cutala zinguê
in da re wa in da re wa
Ayá ayá á deskutalá
Cóia zinguê ô
mi a za ku ta la ka i za ku ra zinguê
A deskutalá zinguê
oyô zinguê
Quad ro 4
Inzó Dandaluna
Terreiro Loabá
Cossard (RJ)
Vatin (BA)
Tempo
Tempo / Quitembu
Tempo
Tempo
Tempo rê rê rê rê rê
Tempo ra ra ra ra ra
Tempo de ingana zambi
Tempo de gangá zumbá
Tempo rê rê rê rê rê
Tempo ra ra ra ra ra
Tempo de ingana zambi
Tempo de gangá zumbá
tem po e a tem po da mi la (Tempo ê-a, Tempo da
gõn ga
milagonga)
tem po di ga ga jõm ba
Tempo da molagonga,
Tempo de gagazumba
Tempo ê-a, Tempo da
milagonga
Quad ro 5
Inzó Dandaluna
Terreiro Loabá
Cossard (RJ)
Vatin (BA)
Cavungo/Omolu/
Obaluaiê
Cavungo
Obaluae
Insumbo
192
Sumbu ê
Ê sumbu nanguê
É sumbu samuqüenda
É lembadilê
Maió que fita fita
Maió que samuqüenda
Sumbu e sumbunangue
E sumbu besetuqüenda e
lemba dile
Sumaio que fitam quita
Sumaio quesetuqüenda
sum bu e e su mu zãn ge
sum bu de se ti kwen da e
lem ba di le
ko ma jo ke fi te nki ta
ko ma jo ke fi te kwen da
Insumbo-ê, ê Insumbo
nangwê-ê-ê
Insumbo-ê-ê Insumbo
nangwê, Insumbo sambo
kuenda
Iê Lemba dilê,
kimayó kifitê kita
kimayó kisambo kuenda
Quad ro 6
Inzó Dandaluna
Terreiro Loabá
Cossard (RJ)
Vatin (BA)
Catendê/Ossaim
Catendê
Osein
Katendê
Catendê ê ê
Catendê catendengoma
Catendê na aruanda ê
E Catendê eue Catendê
Catende inganga
Catendê de aruanda
Ka ten de e e ka ten de ngãn Katendê-ê-ê-ê, Katendê
ga
Katendê nganga,
ka ten de lu ãn da e
Katendê da Luanda
Quad ro 7
Inzó Dandaluna
Terreiro Loabá
Cossard (RJ)
Vatin (BA)
Dandaluna/Oxum
Dandalunda
oSun
Dandalunda
Lexoquê lexoquê ô mãe Axoquê lexoquê ô mãe
Dandá
Dandá
Ela é Dandaluna
É de Dandalunda
a So ke a So ke o mãn dãn Lexokê lexokê ô mãe
da
Danda,
o mu kwen de lun da
ela é Dandalunda
Quad ro 8
Inzó Dandaluna
Terreiro Loabá
Cossard (RJ)
Vatin (BA)
Angorô/Oxumarê
Angoro / Hongolo
oSumare
Angorô
Angorô ô ô Angorô
Ê Angorô ê ê Angorô ô
ãn go lo e ãn go lo
Angorô ta no cajiungongo Ê Angorô ta no cajungongo ãn go lo ta no kajzan go mu
Jacondondô meu
Ja quimbandá cóia
za kum dãn da
quimbandá
quimbandá
o ja kum bãn do
ãn go lo ta no kajzan go mu
za kum dãn da
bo ke u a so ba
ãn go lo ta no kajzan go mu
za kum dãn da
o ja kim bãn da
193
(Angorô-ô, ê-ê Angorô
Angorô ta no kajungungo
da kundando oiá kibanda)
Angorô ta no kajungungo
lembarengongo tibuco
asoba
Angorô ta no kajungungo
da kundando oiá kibandaa
Angorô-ô, ê-ê Angorô
Angorô ta no kajungungo
da kundando oiá kibanda
Angorô sinhô ô
Angorô sinhô ô
Angorô sinhô ô
Se tem ganga ja untale
Se tem ganga já untale
Angorô sinhô ô
Toma a bença de Angorô
ãn go lo si njo ke me gãn ga Angorô meian
za mu ta le
simbenganga ja untalê
ãn go lo jo jo ke me gãn ga Angorô sinhô
za mu ta le
Simbenganga ja untalê
Comentários
As quat ro pesquisas podem ser obser vadas d e duas fo r mas: i) o pção
o rto gráfica e ii) as var iações dos vo cábu lo s co m base no reg ist ro ort o gráfico .
i) a opção ortográfica
No s meus regist ros, com base na pronúncia do s info r mant es, busquei
ut ilizar a ortografia do po rt uguês. Além da pronúncia, o bser vei os reg ist ro s
escr it os nas co munid ades: apost ilas, convit es para fest as, info r mat ivo s et c.
No s regist ros de Cossard (1970), per cebe-se uma t ent at iva de t ranscr ição
fo nét ica, po is na grafia dos no mes de divindades do pant eão io ruba, a aut o ra
o ra conser va a grafia do po rt uguês –Exu – o ra bu sca apro ximar dos símbo lo s
fo nét icos –oSun– em que o s maiúsculo se aproxima da t ranscr ição fonét ica d a
fr icat iva pós-alveo lar [].
A língua ioruba possui uma est rut ura fo no lóg ica bem diferent e da língu a
port uguesa. É u ma língua mar cad a por t rês tons: alt o , baixo e méd io . Do
pont o de vist a mor fo ló gico, caract er iza- se pelo pro cesso de co mpo sição po r
ag lut inação, em que são supr imidos fo nemas no int er io r do s vo cábu lo s. Po r
exemplo : Yèyé mn ja
Ym nja
/mãe/ filho s/peixes/
/mãe, cu jos filho s são peixes/
Os fo nemas vocálico s são o s mesmo s do po rt uguês: /a, , e, i, , o, u/. Na
grafia o s fo nemas // e // são t ranscr it o s , . Os t ons são marcado s pelo s
d iacr ít icos:
/ ´/ – t om alt o
/`/ – t om baixo
194
O to m médio /-/ não é marcado na escr it a.
As consoant es são : b, d, f, g, g b, h[], j[dä], k, l , m, n, p, r, s, [], t ,
w[w], y[ j] (cf. Abraham, 1958).
Assim, pode-se obser var, no s reg ist ro s de Cossard, o s seg uint es po nt o s em
relação aos no mes das d ivindades:
os t ermos Exu, Ogun e Obalua e est ão grafado s de acordo com as
nor mas do po rt uguês, co m exceção da let ra n no fina l da p alavr a
Ogum;
há uma t ent at iva d e represent ar o so m d e [] dos t ermo s oSos, oSun e
oSuma re co m a grafia do s maiú scu lo ;
embora o t er mo Osei n est eja u m po uco mais d ifícil d e ent end er a
orto grafia, pode ser int erpret ado co mo Ossaim p ela seqüência das
divindades e pelo s regist ros do s t ext os das cant ig as que ind icam
t rat ar-se dessa div indade.
Po de-se perceber t ambém u ma int enção de t ranscr ição fonét ica pelo uso
especial do s maiúsculo, pela não ind icação da sílaba t ô nica e pela t ent at iva
de t ranscr ições co m base na língua io ru ba. É pro vável que, na ma ior ia do s
t ermos,
Cossard
t enha t ent ado
uma adapt ação
ent re a fala do s seus
in for mant es e uma orto grafia ora co m base na t ranscr ição fonét ica, o ra co m
base na fono logia da língua ioru ba.
No s reg ist ros de Vat in (2005), os t ext o s parecem se apro ximar da
pro núncia
dos
infor mant es
e,
segund o
o
pró prio
auto r,
ele
busco u
“...t ranscrever co m a ajuda de uma grafia que fosse o mais pró ximo po ssível
daquela do port uguês do Brasil”; ent ret ant o , grafo u t er mo s co m “k ”, “y” e
“w” que não são let ras empregadas em po rt uguês. Além d isso, em alguns
t ermos, aparece a pré- nasal, mar ca das línguas do grupo bant o , como e m
“nkoci, nku mbi”.
As línguas do grupo lingü íst ico bant o caract er izam- se pelo sist e ma de
classificação no minal, segundo o qual t odo s o s su bst ant ivo s d a língua est ão
inc luídos numa classe de singular e nout ra de p lur al; cada classe sendo
caract er izad a por um prefixo . As classes se o rganizam ao s pares; e m
quimbundo há 18 classes no minais co m 9 emp arelhament os singu lar/p lural.
Por exemp lo: dì (prefixo da classe 5/ sg.) + kòtà
mà (prefixo da classe 6/p l.) + kòtà
dìkòtà
màkòtà
(cf.Pedro, 1993:121 e 123)
195
Do ponto de vist a fo no ló g ico, no níve l segment al dest aca-se a presença
das pré- nasais nd, ng (ngoma), em qualqu er sílaba d a palavr a. Po r exemp lo :
ndongo: ndo – ngo
ndande: nda – nde
No nível supra- segment al o bser va- se a presença d e do is t o ns po nt uais: alt o
e baixo , além do acent o que dist ing ue o infin it ivo do s no mes co mo em:
Kú-‘dyà
‘co mer’
‘kú-dyà
‘co mid a’
(Pedro , 1993:29)
O que se obser va nos r eg ist ro s escr it os d as co mu nid ades, pr inc ipalment e,
no Terreiro Loabá, há uma t ent at iva de recuperar as pré- nasais na escr it a,
co mo: Nzambi Npungu, Ndandalund a ; algumas vezes, a grafia desses t er mo s
reflet em uma hiper co rreção .
ii) as va riações do s vocábu los co m base no regist ro ortog ráfi co
As var iações ocorrid as no regist ro do s vocábu lo s po dem ser o bser vadas em
relação aos no mes das div indades e aos t ext o s das cant igas:
1. Os no mes das d ivindades d ividem-se em do is grupos. U m grupo refere- se
ao s inquices e out ro, ao s orixás:
a) inquices:
Inzila,
Mutacalombo,
Bombonji ra,
Mutalambô,
Inco sse,
Tempo,
Mukumbi,
Quitembu,
Burunguro,
Cavungo,
In sumbo,
Catendê, Dandaluna(da), Angorô ;
b) orixás: Aluvaiá, Exu, Ogum, Oxosse, Omolu, Obaluaiê, Ossaim, Oxum,
Oxumarê.
Os no mes at r ibuído s aos inquices são de línguas negro -afr icanas do grupo
bant o , sobret udo a quimbundo e a qu ic ongo e o no me do s orixás são das
línguas do grupo benuê-co ngo, os falares iorubas.
As células em que const am o s no mes das divindad es mo st ram as var iaçõ es
lex icais de uma para out ra pesqu isa. Po r exemp lo:
Inzó Dandal una
Te rre i ro Loabá
Burunguro/Oxosse
Mutacalombo
Cossa r d
oSos
196
Va t in
Mutalambô
No Inzó Dandaluna, se obser va as co rrespo nd ências ent re inquices e
orixá s. No Terrei ro Loabá, há o s no mes dos inqui ces, sem correspondência
co m o ioruba. E m Cossard (1970), o s nomes refere m- se a ori xá s. E m Vat in
(2005), os nomes são os dos inquices.
Po de-se not ar a nít ida difer ença ent re os meus regist ros referent es às
d ivindad es do Inzó Danda luna, quant o ao no me do s orixás, e os de Co ssard.
Por exemplo: Oxosse e oSos. E m relação aos no mes dos inquices há uma
apro ximação maio r ent re os meus regis t ro s e os de Vat in. Po r exemp lo :
Catendê (In zó Dandaluna), Catendê ( Terrei ro Loab á), Osein (Co ssard)
K atendê (Vat in).
2. A seg uir, os t ext os das cant igas serão analisado s em su as var iaçõ es
fo nét icas e o rtográficas.
a) Quadro 1
Po mboji ra ja mucangu ê (Inzó Dandal una )
Pa mbuji ra jamu canguê (Terreiro Loabá) .
Bombomzi la za mu kongue (Co ssard)
Bombomji ra ja mu kanguê (Vat in)
Var iação ort ográfica: / jamucanguê, za mu ko ngue, jamu kanguê/
A var iação ortográfica o corre na t roca da let ra c pela k .
Var iação fo nét ica:
1. [põbo’äira, pãbu’ä ira, bõbõ’zila, b õbõ’äira]
Pode-se obser var a var iação da língu a fa lada [põ], [pã], [bõ], [zi], [äi].
É possível que a t ro ca de fo ne mas nos t er mos p omboji ra, bo mbomji ra
t enha ocorrido pela semelhança do s so ns [p], [b] o u por uma t ent at iva
de reafr icanização do t ermo .
2. [äamukã’ge, zamukõ’ge]. Var iação
[kã] ~ [kõ] e su bst it u ição do
fo ne ma [ä] ~ [z].
Mavulu tango naquata ilê (Inzó Dandal u na)
Mavilé tango jacotai lê (Terrei ro Loabá)
197
Emab i le tangu zagwatai le (Co ssard)
mavi lê tango jakota i lê (Vat in)
Var iação ort ográfica: /t ango, t angu/
Subst it uição da let ra c pela k, / jacot ailê, jako t ailê/
Var iação fo nét ica:
1. [ma’vul, mavi’l, ema’b ilj, /mavi’le]
Var iação tot al [vu], [vi], [bi], [l], [l], [lj], [le] alt er nando so ns
abert o /fechado / fo rt e/fr aco/ant er ior/po st erior.
2. [nakwataj’le, äakotaj’le, zagwataj’le]
Ocorre dit o ngação [kwa], [ko], [gwa]; var iação no início da palavr a
[äa], [za] e aparece um fo nema na pr ime ir a for ma co mp let ament e
difer ent e [n].
Ê mavi le é ma va mbu (Inzó Dandalu na)
Mavile mavi le ma vambu (Terrei ro Loabá)
Mabile mabi le ki mavambu (Cossard)
Unjirê unji rê lê mavambô (Vat in)
Var iação o rto gráfica: / mavile, mab ile/. Ocorre a t ro ca do v pelo b. Esse
fat o é freqüent e t ambém em port uguês.
Var iação fo nét ica:
1. [ma’vilj, ma’bile]
Ocorre var iação fonét ica pelo modo de art icu lação das bilab iais
oclusiva / fr icat iva [v] ~ [b].
2. [ma’vãb , kimavã’b u, mavã’bo]
Var iação do modo de art iculação, apar ecendo no iníc io do seg undo
t ermo os fo nemas [ki] que não aparece no s o ut ro s do is. E ssa for ma
[ma’vãb] pode ser uma t ent at iva d e aproximar a grafia da pro núncia.
198
No regist ro de Vat in, aparece u m t er mo co mplet ament e d iferent e: unjirê.
E mbora a cant iga seja int roduzida po r um o ut ro t er mo , pode-se not ar que se
t rat a da mesma cant iga pela respo st a do coral: Iê compensuê a-a-a, pelo t er mo
mavamb ô ; e o som final de [mabi’le] se assemelha ao so m de /!ä i’re/.
Recompen suê ia ia ia (Inzó Dand aluna)
Sangu rapen suê ai ai ai (Terrei ro Loabá)
E kompen sue a a a (Cossard)
Iê compen suê a-a-a (Vat in)
Var iação fo nét ica:
[ekõpe s ue, sa ukõpe s ue, e kõpe s ue, je kõpe s ue]
O que chama a at enção em relação a esses quat ro reg ist ro s é a
manut enção [pe s ue].
Nas repet ições fina is de cad a verso [j’a], [’aj], [a], [a] o corre o
deslo cament o do acent o [j’a], [’aj] em relação ao s do is pr ime iro s e a
manut enção nos do is últ imos [a].
b) Quadro 2
Incosse pan zo tara men sá gongá / góia ê a ê (Inzó Dandalun a)
Ê ro xi mocumb e paramesendauê /góia ê a ê (Terreiro Loa bá)
In kosi mu ku mbe sere mona dile / a e a e a e (Co ssard)
Nkoci nku mbi tara mesó denguê / goya ê-aê (Vat in)
Var iação ort ográfica: na t ro ca da let ra c pela k e do s pelo c:
/Incosse, Inkosi, Nko ci/
/Mo cumbe, mukumbe, nkumb i/
Var iação fo nét ica:
1. [mo’ku b j, mu’ku b j, i k u b j]
A var iação o corre na pr ime ira sílaba [ mo] , [ mu] e a inserção do fo nema
[i ] .
2. [me’sa, me’se, me’s]
199
Ocorre alt ernância ent re som abert o e fechado [sa], [se], [s]
c) Quadro 3
Adê cutala zinguê (Inzó Dandalu na)
Adê cutala zinguê (Terreiro Loabá)
a ze ku ta la zin ge (Co ssard)
A deskuta lá zingu ê (Vat in)
Var iação ort ográfica:
1. /adêcut ala, azekut ala, adescut ala/
Ocorre a troca –k– –c– para o som [k].
Var iação fo nét ica:
1. [adeku’tal, azeku’tal , adesku’tal]
Percebe- se a alt er nância d ~ z e a epênt ese nos fo nemas [ades].
2. Em Cossard não est á claro se é /zi’e/ ou /zi ’ e/.
Olha zingu ê ô (Inzó Dandal una)
Cóia zinguê ô (Terrei ro Loab á)
O ja zin gue o (Co ssard)
Oyô zin guê-ô (Vat in)
Var iação fo nét ica: [’$a, ’kja, oja, oj’o]
A palat al se vocalizou [$a], [kja] oco rrendo o acréscimo do fo nema
[k] e o deslo cament o do acent o [’$a], [oj’o].
E m Cossard não fica claro se o acent o o corre no [o] o u no [a].
d) Quadro 4
Tempo de gangá zu mbá (Inzó Da ndaluna )
Tempo de gangá zu mbá (Terrei ro Loab á)
Tem po di ga ga jõm ba (Cossard)
Tempo de gangazu mba (Vat in)
Var iação ort ográfica: /zu mbá, jõ mba, zumba/.
200
Ocorre var iação –o –, –u–.
Var iação fo nét ica:
1. [gã’ga, gaga,’gãg]
Ocorrem do is fat os: i) deslo ca ment o do acent o [gã’ga], [’gãg] ;
ii) nasalização / desnasalização [gã’ga[, [gaga].
2. [zu ’ ba, jõba, ‘zu b ]
Alt er nância da fr icat iva alveo lar e pós alveo lar [z] ~ [ä] e das nasais
/o / ~ /u / . E o deslocament o do acent o em [zu ’ ba], [‘zu b ].
e) Quadro 5
Sumbu ê ê su mbu nanguê (Inzó Dan daluna)
Sumbu ê su mbu nanguê (Terrei ro Loabá)
sum bu e e su mu zãn ge (Co ssard)
Insu mbo-ê, ê In su mbo nangwê-ê-ê (Vat in)
Var iação fo nét ica:
1. [’su b u], [i ’ su b u]
Ocorre a var iação pela inserção do fo nema [i ] .
2. [nã’ge, zã’ge, nã’gwe]
Ocorre a alt ernância dos fo nemas [ n]~[z] e a d it o ngação [ge] – [gwe].
É su mbu sa muqüenda (Inzó Da ndaluna)
E su mbu besetuqü enda (Terrei ro Loabá)
sum bu de se ti kwen da (Cossard)
Insu mbo samb o kuend a(Vat in)
Var iação fo nét ica:
As var iações ocorrem em:
i) [’sam] e [’sãbo]. Assimilação tot al d a nasal, o fo nema [b] assu miu
a nasalidade.
201
ii) [b ezetu] e [de ze ti]. Var iação ent re [b]~[d] e [u]~[ i], pro ximidad e
ent re as t rês sílabas regist radas po r Co ssard [de ze ti] e o meu regist ro
no Terrei ro Loabá [ beset u].
E a manut enção nos quat ro reg ist ros de /’kwe d a/.
f) Quadro 6
Catendengoma (Inzó Dandalun a)
Catende inganga (Terreiro Loa bá)
K a tem de ngãn ga (Cossard)
K atendê nganga (Vat in)
Var iação ort ográfica nas t ro cas de c para k, e de n para m :
Cat ende, kat emde, kat endê
Var iação fo nét ica: /kate d e g om/, /kate d e g ãg/
Ocorre var iação no final da pr imeira fo r ma em relação às out ras três:
[gom]~[gãg].
Os regist ros de Cossard e Vat in aproximam- se mais da fo nt e afr icana
pela presença da pré- nasal em ng anga.
g) Quadro 7
Lexoquê lexoquê ô mãe Dandá (Inzó Dandaluna)
Axoquê lexoqu ê ô mãe Dand á (Terrei ro Loabá)
A So ke a So ke o mãn dãn da (Cossard)
Lexokê lexokê ô mãe Danda (Vat in)
Var iação ort ográfica:
1. /axoquê, aSoke/. Subst it u ição do –x– pelo –S– para o som [].
Co ssard emprega o s maiú scu lo co mo uma t ent at iva d e grafar o ioruba, cujo so m é de [].
2. / mãe, mãn/. Subst it u ição do –e– pelo –n–.
Var iação fo nét ica:
1. [leoke, aoke]. Subst it uição da sílaba inic ial [le], [a].
202
2. [mãj, mã]. Presença do d it ongo nasal.
3. [dã’da, ‘dãda]. Deslo cament o do acent o .
h) Quadro 8
Angorô ta no cajiungongo (Inzó Da ndalu na)
Ê Ango rô ta no cajungongo (Terrei ro L oabá)
ãn go lo ta no kaj zan go (Cossard)
Angorô ta no kajungungo (Vat in)
Var iação fo nét ica:
1. [ãgo’ro, ãgo’lo]. Var iação r/l.
2. [kaäju ’ gõgu, kaäu’gõgu, kaj’zãgo, kaäu ’ gu g o].
Ocorrem as segu int es var iaçõ es:
i) [kaäju ] ~ [kaäu ] . Inser ção do fonema [ j] ;
ii) [kaäj] ~ [kajz]. Inversão e subst it u ição do s fo nemas [äj]~[ jz] ;
iii) [gõgu], [zãgo], [gu g o]. Subst it u ição de [g]~[z];
iv) [gõgu], [gu g o]. Alt er nância das nasais [õ]~[u ] .
Jacondandô meu quimband á (Inzó Dand aluna)
Ja quimbanda cóia qui mbandá (Terreiro Loabá)
Za ku m dãn da o ja ki m bãm da (Co ssar d)
Da kundando oiá ki mbanda-a (Vat in)
Var iações o rtográficas o co rrem pelo emprego de–c–, – q–, –k– co m o
so m de [k]: i) jaco ndandô/ ja qu imbanda/ zaku mdãnd a/daku ndando .
ii) meu qu imband a / có ia quimbanda / ojakimbã mda/
oiá kimbanda.
Var iação fo nét ica:
1. [äakõdã’do, äa ki ’ bãd, zaku’dad, daku d ã’do].
Alt er nâncias [o ] ~[i ] ~[u ]
[äa]~[za]~[da]
[bã]~[dã]
Nasalização / desnasalização [dã]~[da]
203
Se tem ganga ja untale (Inzó Dan daluna)
Se tem ganga ja untale (Terrei ro Loabá)
K e me gãn ga za mu ta le (Co ssard)
Simbengan ga ja untalê (Vat in)
Var iação fo nét ica:
i) [si te , ke me, si b e]. Var iação tot al;
ii)[äau ’ tal, zamuta’le, äau t a’le].
Alt er nância dos fonemas [ä]~[z];
Deslo cament o do acent o [’tal]~[ta’le] ;
Inserção da sílaba –mu–.
As var iações fo nét icas obser vadas revela m uma t ent at iva de apro ximação
da fo r ma so nora afr icana e result a da t ransmissão o ral. Por u m lado , ela
resu lt a d a t ransmissão oral e, por out ro, ind ica uma t ent at iva de apro ximação
de or igem afr icana; ela t ambém não é purament e aleat ó ria. E xist e a var iação
co nscient e pela t ransmissão oral e a var iação co nscient e das co munid ades e m
bu scar for mas afr icanas, como nko si.
A inser ção de t er mos do po rt uguês co mo /meu/ e /o lha/ pode result ar dessa
t ent at iva de aproximar- se de u ma p alavr a afr icana qu e não se co nhece.
Considerações finai s
Nas duas co mu nidades específicas: In zó Dandaluna e Terreiro Loabá, o s
t ext os invent ar iado s se caract er izam pela t ransmissão o ral, por isso mesmo ,
fo ram organizado s de maneira esp ecial. Esses t ext o s fo ram analisado s e m
relação à for ma, ao cont eúdo e ao co nt ext o.
Quant o à forma, po de-se not ar, nos t ext os das duas Casas, a oco rrência
bast ant e acent uada dos parale lismo s.
Quant o ao cont eúdo, esses t ext os revela m a hist ória do s mit o s e do s rit os
aprend ido s, co nt ados e recont ados, at ravés do t empo e do espaço o rganizado s
d iacrô nica e sincronicament e.
Quant o ao cont ext o, eles se inser em no so ciorelig io so e reúnem o s
d ifer ent es conheciment os adqu ir ido s pela exper iência do grupo .
204
Essa análise per mit iu u m levant ament o t ipo lóg ico do s t ext o s: discur so s,
d iálogos, lendas, preces e cant igas.
Alg uns po nt o s import ant es se dest aca m:
- esses t ext os são co nst it uído s p ela oralidade em sit uações de co mun icação ,
lig adas às esferas sociorelig iosas de cada uma dessas co mu nidad es;
- a aná lise dos t rês aspect os: fo r ma, co nt eúdo e co nt ext o per mit iu cheg ar à
t ipo lo gia desses t ext os;
- a t ipo logia est abelecida nos t ext o s das duas co mu n idades específicas, pode
ser um par âmet ro de análise para se co mpreender o repert ório ling üíst ico das
co munidades de Cando mblé de Nação Angola de mo do geral.
- embora se at est em d ifer enças em seus t ext os, é po ssível ent end er esses
mesmo s t ext os como agent es at ivo s da palavra co mu nit ár ia nas Casas d e
Cando mblé de Nação Ango la.
205
4. O LÉXICO NOS TEXTOS DOS CANDOMBLÉS DE NAÇÃO ANGOLA
. . . a tradi ção oral , tomada no s eu todo, não s e res ume à
trans mi s s ão de narrati vas ou de determi nados conheci mentos . E l a é
geradora e formadora de um tipo pa rticular d e homem .
( A . H a mp a t ê Ba, 1 98 2)
Est e cap ít ulo t rat ará dos t er mo s de líng uas negro -afr icanas que fazem part e
dos t extos co let ados nas duas co munid ades de cando mblé ango la.
O o bjet ivo é analisar t er mo s relevant es p ara a r it u alíst ica d e cada u ma das
co munidades, em separado, buscando ident ificar as línguas, co m base na
lit erat ura específica, a fim de ver ificar o que se t ransfo r mo u, o qu e
per maneceu e o que se (re)sign ifico u. Os t er mo s qu e co nst arem nas duas
co munidades serão marcados por u m ast er isco .
Os t er mos analisado s serão aqueles em que fo i po ssíve l a id ent ificação de
u ma
língua
negro -afr icana
pela
consu lt a
à
bibliografia
de
refer ência
d isponível.
Esses it ens lexicais serão apresent ado s num qu adro, em que se descreve
seu regist ro :
i)
na co mu nidade: o sent ido dado pelas co munidades part iculares;
ii)
na bibliografia de referência:
1. no Brasil: co mo o s pesqu isado res t rat aram esses t er mo s sob a
perspect iva afro-brasile ir a;
2. na
Áfr ica:
co mo
os
pesqu isadores
t rat aram
esses
t er mo s
t ransplant ados pelo s po vo s t razidos ao Brasil co mo escr avo s.
iii)
co ment ár ios lingü íst ico s e ant ropo ló g icos segu irão a análise de cad a
vocábulo.
A esco lha da refer ência dar- se-á po r apro ximação em r elação ao s dado s
invent ar iado s nas duas co munidades: o Inzó Dandaluna e o Terrei ro Lo abá.
206
Haverá mais de u m aut o r cit ado quando as in for maçõ es fo rem d iferent es o u
co mplement ares.
4.1 In zó Danda luna
Abiã
Na comunid ade
Noviça(o ). Pessoa que freqü ent a a casa na qualidade d e "asp ir ant es" à
in ic iação .
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
Cacciat o re (1988):
Abi ã : Pr é-i n i ci a da n o ca n dom bl é, ger a l m en t e jovem , em est á gi o a n t eri or
à in i ci a çã o, t en do cum pri do a pen a s uma par t e dos r i t ua i s. É o post o
fem i n in o m ai s ba i xo n a esca l a h i er ár qui ca do t err eir o. F. p. – i or .
Novo Aurélio Século XXI (2000):
abi ã. S. f. Br a s. , BA. F ol cl . Ca n di da t a a o n ovi c i a do n os ca n dom bl é s qu e
cum pr e só a l gun s r it os pa r ci a i s.
Pessoa de Cast ro (2001:136) reg ist ra:
AB IÃ / . .. / –s. 2. gen. pessoa d esi gn a da pel a s di vi n da des pa ra ser in i ci a da;
pr é-n ovi ça / . . . / yor . A biy amon, m ulh er que t em um be bê pa r a al ei t ar .
Câmara Cascudo (2001:5)
AB IÃ. Na esca l a da h i er ar quia fem i n in a, n o ca n dom bl é ba i a n o, a bi ã é a
m en in a ou m oça em e st a do d e i n i ci a çã o r i t ua l , sob a r esp on sa bi l i da de d a
Mãe ou da Mãe -pe que na ou de um a fi l ha mai s v el ha, desi gna da pel a Mãe.
2. Na Áfr ica
De aco rdo co m o dicio nár io Abr aham (195 8:6-8) 24, o t er mo é do io ru ba:
àbí A. (< à I + bi A): em pr ega do em c om bi n a çõe s.
24
Abraham (1958:6-8) Abi A. (< à I + bi A): used in compounds.
A bí – ('we gave birth to' : < bi A) used in names. Nós damos à luz.
A-bí-
-lá male and female name.
Abi-
nn (1) name for male or female child born while the mother was absent from home.
A-bí-dè-mìí name for child born during the absence of the father.
207
A bí – ('n ós da m os à l uz ' : < bi A) em pr ega do em n om es.
A - bí- - lá n om e fem i n in o ou m a scul i n o.
A bi- nn (1) n om e da do pa r a cr i an ça do s ex o m a scul i n o ou d o sex o
fem i n in o, n a sci da en quan t o a m ã e est a va a usen t e de ca sa .
A - bí- dè-m ìí n om e da do pa ra cri an ça n a sci da duran t e a a usên ci a do pai .
Comentário
O t ermo em ioruba possui sent ido relacio nado a nasciment o. O d icio nár io
Abr aham t raz a raiz [àbí] e reg ist ra algu mas co mbinações para a for mação
dos no mes. Trat a-se de no mes dados ao s recém- nascidos, cu ja sig nificação se
refer e aos acont eciment os oco rrido s no mo ment o mesmo do nasciment o ; o u
podem est ar relac io nados ao papel social a ser d esempenhado pelo seu
possuido r.
No Brasil, esse t er mo po ssui uma relação com o nasciment o . A in iciação d e
u ma pessoa, no cando mblé, co nst it ui u m (re)nasciment o e é co mp arado , de
fat o, ao nasciment o de uma cr iança. O t ermo é empregado para as pessoas qu e
ainda não passaram pelo s pro cesso s inic iát ico s e adquir iu uma fo r ma
nasa lizada abiã. É provável que essa nasa lização t enha o corr ido, e m
port uguês, por assimilação de algu ma das co mbinações do iroruba. Po r
exemplo , o t ermo Abi-nn parece est ar próximo da fo r ma nasalizada, po is a
vo gal /-/ vem depo is do /-n/.
O t er mo abiã, ent ão, no Bras il, fo i ressig nificado co mo "a lguém que va i
nascer para a relig ião", reve lando u ma rest r ição e especialização de seu
sent ido afr icano.
Adjá
Na comunid ade
Inst ru ment o ut ilizado para chamar o orixá na cabeça do iaô.
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
Pessoa de Cast ro (2001:141) reg ist ra:
ADJÁ s. m . i de ofon e, ca m pa inh a de m et a l ou c ampa, usa da dur a nt e a s
cel e br a ções l i t úr gi ca s a fr o-br a si l ei ra s. Var, aja, adi já, adi xá.
2. Na Áfr ica
208
De aco rdo co m o dicio nár io Abr aham (195 8:36) 25, o t ermo é do io ruba:
ààjà (1) t i po de ch oca l h o usa do em c er i m ôn i a s má gi ca s.
Comentário
Do po nto de vist a lingüíst ico, em po rt uguês, há o acr ésc imo do /d/ na grafia
ant es do /ä/ ; mant eve-se, po rt ant o, a mesma pronúncia do ioru ba, [dä],
grafado j no ioruba padrão .
O sent ido do t ermo per maneceu. Trat a-se de u m inst rument o ut ilizado nas
cer imô nias religio sas t ant o na Áfr ica co mo no Brasil.
Agô
Na comunid ade
Pedido de licença.
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
Pessoa de Cast ro (2001:144) regist ra:
AG Ô pedi do d e l i c en ça , per m i ssã o, a t en çã o. Resp ost a : a goê. / . . . / Fon
agoò/ Yor . àgò( é) .
2. Na Áfr ica
De aco rdo co m o dicio nár io Abr aham (195 8:30) 26, o t ermo é do io ruba:
àgò / .. ./ (b) ~ O nílé! (di t o por a l guém n a por t a de a l gum a ca sa ) E u t enh o
l i cen ça par a en tr ar ?/ .. . / àgòó yà o por fa vor , entr e!
Comentário
No int er ior das Casas d e Cando mblé, o t ermo é empregado para so lic it ar
licença para: ent rar em algum espaço ; falar, d ir igindo -se aos mais velho s;
fazer quaisquer at os lit úrgicos; manusear objet o s sagrado s; dent re o ut ros.
A expressão àgòó yà o, regist rado pelo d icio nár io Abraha m, em respost a ao
pedido de licença, é t ambém empr egado pelo s adept o s dos Cando mblés no
Brasil: "ago iá" co m o sent ido de co nsent iment o , o co rrendo var iaçõ es agoi ê o u
agoê (cf.Pesso a de Cast ro).
25
26
Abraham (1958:36) ààjà (1) type of rattle used in magic ceremonies.
Abraham (1958:30) àgò /.../ (b) ~ Onílé! (said by P. at door of another's house) have I your leave to enter? /.../ àgòó yà o please enter!
209
Ala
Na comunid ade
Pano br anco.
Bibliografi a de referência
1. No Brasil
Pesso a de Cast ro (2001:148) regist ra:
ALÁ t e ci d o br a n co qu e en c obr e e pr ot eg e O xal á, espe ci a l m en t e em
a par i çõe s públ i ca s r i t ua i s.
2. Na Áfr ica
De acordo co m o dicio nár io Abr aham (1958:46) 27, o t ermo é do ioruba:
àlà (1) (a ) a ~ ti po de pa n o br an co.
Come nt á rio
O t er mo regist rado pelo d ic io nár io Abraham possu i o t om baixo nas duas
vo gais:
/àlà/.
No Brasil, o vocábu lo assume as car act er íst icas acent ual do
po rt uguês br asile iro, tornando -se u ma o xít ona.
Dent ro das co mu nidades de cando mblé, alá é empreg ado para desig nar
qualquer t ecido branco e possui uma relação co m o cult o a Oxalá. Po r ser
esse ori xá co nhecido co mo o "do no de t odas as cabeças", são chamado s de
alá t ambém os co mpr idos panos br anco s que o s prat icant es do cando mblé
enro lam em suas cabeças.
Aluvaiá
Na comunid ade
Aluvaiá é o nosso Exu, e em dias de at ividade, Aluvaiá vem na frent e, t ir ando
to das as negat ividades da Casa.
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
27
Abraham (1958:46) àlà (1) (a) a ~ type of white cloth.
210
Car neiro (1991:143):
. . . ci t ei os ver sos d o de spac ho d e E xu n os ca n dom bl és de ca bocl o d a
Ba h i a / .. . / O pa i -de-sa n t o Ma n uel Pa i m , a quem i n t err oguei s obr e e ss e
de spac ho, m e gar an ti u que Al uva i á é um E xu da naç ão An gol a . . .
2. Na Áfr ica
De aco rdo co m o dicio nár io Abr aham (195 8:53) 28, o t ermo é do io ruba:
àlùwàlá o c er i m on i al de pur i fi ca ç ões, fei t a p or m uçul m an os, a nt es da
or a çã o et c.
Comentários
Pode-se perceber as alt erações oco rrid as: o vo cábu lo p asso u de àlùwàlá para
aluvaiá, a co nso nant ização de o /w/ em /v/ e a semivo calização / l/ em / j/ ;
fo r mando um t rit ongo, no final da p alavra. O tom alt o na ú lt ima sílaba fo i
int erpret ado como acent o tônico, to rnando a palavra o xít o na.
Gener icament e, o sent ido do vo cábu lo est á ligado a u m co nju nt o de
pro cediment o s co m a finalidade de p ur ificação . Esse é, exat ament e, o sent ido
que t em, nas co mu nidad es de cando mblé, o "despacho de Exu". Nessa s
co munidades, o bser vei a pur ificação do amb ient e ant es d e se iniciarem o s
r it uais, at ravés de uma cer imô nia desig nada de "p adê". O "padê" é dedicado a
Exu e co nsist e em t ornar o ambient e pro piciat ório ao s rit uais. Nesse co nt ext o ,
é possível ligar o sent ido genér ico do vo cábulo ent re o que fo i t razido co m o s
povo s io rubas e o que per maneceu nas comun idades relig io sas de cando mblé
no Brasil; ent ret ant o, o que se po de o bser var t ambém é qu e o seu sent ido
específico se alt erou, vist o parecer, pelas int erpret açõ es da co mu nid ade e d e
Car neiro , t rat ar-se de u ma das caract er íst icas da d iv indad e: "Aluvaiá é o
no sso Exu..." // "Aluvaiá é um E xu da nação Ango la..."
Axé
Na comunid ade
Para o tateto Roxital amin do Inzó Danda l una, “axé é a fo rça, o gunzu de t udo
que se faz para os orixá s e que se recebe deles t ambé m. É o que mo viment a
t udo e é t ambém o t erreiro”. E par a cad a um do s seus filhos, a palavra axé
28
Abraham (1958:53) àlùwàlá the ceremonial ablutions done by Muslims before prayer etc.
211
possui do is ou mais significados, co mo po r exemp lo: é o barracão , as part es
dos animais co nsagr adas ao s orixá s, é o f undamento do barracão , são o s
assent ament os, é a força do po vo-de-sant o et c.
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
De aco rdo co m Cacciat ore (1988:56):
For ça di n â m i ca da s di vi n da des, poder de r ea l i z a çã o, vi t a l i da de que s e
i n di vi dua l i z a em det er m in a dos obj et os, c om o pl a nt a s, sí m bol o s
m et á l i cos, p edr a s e out r os qu e c on st i t uem segr e do e sã o en t err a dos s ob o
post e cen t r a l do t er r eir o, t or nan do-se a s egur ança e spi r i t ual do m esm o,
poi s r epr es en t a m t odos os or i xá s. E sses obj et os sã o ch a m a dos a xés. O s
fi xa dor es, r evi t a l i z a dor es por exc el ên ci a do a xé sã o a s fol h a s sa gra da s e
o sa n gue, usa dos, a ssi m , em t oda s a s c er i m ôn ias de ' a ss en t a m en t o' dess a
for m a espi r it ua l, seja n os obj et os, s eja n a ca be ça dos i n i ci a dos. V.
ofer en da s. F. p. – i or. : ' àe' (a xé) – or dem , com a n do si gn. poder .
2. Na Áfr ica
De aco rdo co m o dicio nár io Abr aham (195 8:71), o t ermo é do io ruba:
à – or dem , com a n do, for ça e pod er .
Comentários
A pro nú ncia do t er mo à, em ioru ba, é /a/, o que não se alt ero u,
adapt ando-se apenas a grafia para axé, e int erpret ando-se o tom méd io fina l
co mo sílaba t ônica.
Houve, no Brasil, ressign ificaçõ es em r elação ao t ermo: axé é a força das
d ivindad es; a força das pesso as; a fo rça co nt ida nos o bjet os sagr ados, no s
assent ament os, nos objet os fixado s na ent rada d as co mu nid ades, no s pot es,
no s alg uidares, nas quart inhas; a fo rça dos ele ment o s da nat ureza, do s quais
cada div indade é do na; a força do s an imais (so bret udo , as part es r it u ais) e d as
p lant as; a fo rça dos r it mo s e dos t ambo res; a força do s mo viment os circu lar es
e das danças; a força da palavra; a força da Casa; a força do barracão. Axé é a
pró pria co munidade e repr esent a a força gerado ra de t o das as co isas; é a
felic idade, a prosper idade, o amo r, a fé, a genero sidade, o agradeciment o , a
saúd e, a paz. Axé é o t odo e precisa ser sempre reno vado at ravés do s
sacr ifício s r it uais.
212
A
palavr a
vem
axé
sendo
empregada
fora
do
ambient e
r elig io so,
pr incipalment e, nas art es desig nando um r it mo mus ical e uma d ança. O u so d e
t ermos lit úrgicos pela sociedade t em d ividido as o p in iõ es das p esso as ligad as,
d iret ament e, às religiõ es afro -brasileir as:
Tateto Roxital amim do Inzó Dandaluna não vê nenhum pro blema em relação
ao emprego dos t ermos lit úrg ico s fora do amb ient e religio so; ele acredit a qu e
pode ser uma for ma po sit iva de divulg ação do cando mblé.
Mona
Rikumbi
do
Terrei ro
Loabá
vê
co m
preo cupação
o
emprego
indiscr iminado pela sociedade br asile ira de t er mos d a lit urg ia. E la d iz : “...
in feliz ment e, a palavra axé fico u muit o banalizada. Po lit ica ment e, t emo s qu e
to mar cu idado para não deixar mo s banaliz ar o ut ras expr essões”;
Bori
Na comunid ade
De aco rdo co m o Tateto Roxitalamim:
Da r com i da à ca be ça . O bor i é um r it ua l fei t o pa r a h om en a gear e
for t a l ecer a ca be ça . Ori é a ca be ça . An t es de se fa z er qua l quer coi sa pra
o or i xá da pessoa , cui da -se d o or i , cujo d on o é Oxa l á , se fa z o r i t ua l do
bor i que é o r i t ual que se dá com i da pr a ca be ça da pess oa .
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
De aco rdo co m Cacciat ore (1988:195):
Or i ¹
Ca be ça ; a l m a or gâni ca , per ecí vel , cu ja s ede é a ca beça –
i nt el i gên ci a , sen si bi l i da de et c. , em c on tr a -posi çã o a o em i , espí r i t o,
i m or t al . F. – i or . : "orí" – ca be ça .
2. Na Áfr ica
O dicio nár io Abr aham (1958) reg ist ra o s t ermo s ori e bori, co mo sendo do
io ru ba:
1. Ori p.480-481 29
O rí, A Ca beça , é a m or a da un i ver sa l da di vi n dade, a dor a da por a m bos os
sex os c om o o d eus d o d e st i n o, da sor t e. Acr e di t a -se que a boa ou m á
for t una depen der á de a cor dos e st a bel e ci dos c om ess e deu s; dessa m or a da ,
29
Abraham (1958:480-481) Orí, The Head is the universal household deity worshipped by both sexes as the good of Fate. It is believed that
good or ill-fortune attends one according to the will of this god: hence, he is propitiated in order to bring good luck to his votary.
213
el e pr opi ci a i n str uçõe s pa r a tr az er boa ou m á sor t e a os s eus de vot os.
2. Bori p.114-115 30:
B
rí v. b
B. 2 / .. . / (b) ó fi obì b nun el e com e n oz de col a .
Comentários
O reg ist ro do it em 2 de Abraham per mit e compreender o vo cábu lo bori d a
segu int e for ma:
B (comer) + Orí (cabeça) = Brí ‘co mer cabeça’ [dar co mida à cabeça].
Po de-se per ceber a co mpo sição por ag lut inação do t er mo em io ruba,
per manecendo sem muit as alt eraçõ es, no Brasil.
O t er mo ori é mu it o ut ilizado ent re os ad ept o s do s Cando mblés e assu me uma
represent at ivid ade
de t udo
o
que est á
ligado
à
cabeça
das pesso as:
int eligência, sabedor ia, o bem e o mal, o bo m e o ruim, a energia vit al, a
d ivindad e ou as divindades, o sagrado e o pro fano et c. O ori é t ão import ant e
que é co nsiderado t ambém uma d iv indade e t em seu cu lt o específico .
No Inzó Dandaluna e em algumas o utras co munidades de cando mb lé, o cult o
ao ori é dedicado a Oxalá, pelo seu car át er de Deus da cr iação, o "pai d e
to das as cabeças".
O cu lt o ao ori é feit o segundo os f undamentos de cada co mu nidade, porém, a
caract er íst ica pr inc ipal em r elação ao seu cult o é de se "dar co mida à cabeça".
Cons ist e em r it ua l de reco lhiment o seg uido de o fer endas à cabeça co m a
finalid ade de fort alecê- la. A esse r it ual se dá o no me d e bori.
Dijina*
Na comunid ade
Nome.
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
Pessoa de Cast ro (2001:222) regist ra:
DIJINA ( ba n t o) (P S) –s. f. den om i n a çã o c or r en te pa r a o n ome -de -sant o,
30
Abraham (1958:114-115) B
rí v. b
B.2 /.../ (b) ó fi obì b nun he put kolanut into his mouth.
214
ger a l m en t e r efer en t e à or i gem ou a um a q ual i dade da di vi n da de. C f
or uc ó. Ki k. / Ki m b. Di ji na, n om e.
2. Na Áfr ica
De acordo co m P edro (1993:121-122), o t ermo é qu imbundo e pert ence à
classe 5 que corresponde, for malment e, ao prefixo no mina l /di-/, no singu lar.
dì + jìn à = dì jì nà
"n om e"
Na classe 6, no plural, o autor regist ra co m o prefixo no mina l / ma-/.
m à + jí nà = mà jí nà
"n om es"
Comentários
Obser vando as duas classes no mina is, p ode-se not ar a alt er nância ent re o s
to ns alt o e baixo: dìjì nà / màjí nà na dist inção de nú mero . Tal d ist inção não
o corre, nas co munidades, que empr egam apenas o t er mo co m a for ma do
singular em quimbu ndo, marcando o plural de aco rdo com as no r mas do
port uguês, ou seja, co m o acréscimo do –s no final da p alavra. O po rt uguês
at ribu iu o acent o à penúlt ima sílaba, conforme a t endência geral d essa língua.
Exu
Na comunid ade
De aco rdo co m o tateto Roxitalamim:
E xu segur a a s for ça s n ega t i va s da ca sa , el e est á na en tra da e é o h om em
que n os l i vr a de t udo que for m a l . É o h om em que quan do t em pess oa
c om pr obl em a de m a gi a , el e já a vi sa a o z el a dor , já s egur a do l a do d e for a
da por t a da ca sa .
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
Dicio nár io Aurélio Sécu lo XXI:
exu. (ch ) [D o i or uba . ] S. m . 1. Br a s. Ori xá que r epr esen t a a s pot ên ci a s
c on tr ár i a s a o h om em , é a ssi m i l a do pel os a fr o- ba i a n os a o D em ôn i o d os
ca t ól i c os, por ém cul t ua do por el es, p or que o t em em . [Si n. , bra s. , RS:
ba r á . ] 2. Br a s. N. E . V. dia bo(2 ). 3. Br a s. Fol cl . Men sa gei r o i n di spen sá vel
en tr e os h om en s e a s di vi n da des; h om em -da -r ua. 4. Br a s. Fol cl . Or i xá que
pr esi de à fecun di da de, cuja da n ça r efl et e ess e a t o vi t a l . Vir ar exu. Bra s.
1. Re ce ber o sa n t o, ou ca i r em tran se, na ma cum ba . 2. Ser t om a do d e
215
c ól er a ; en fur ecer -se.
2. Na Áfr ica
Abr aham (1958: 166) 31, regist ra o t ermo do ioruba:
È ù ( 7) /.../ Há um a for t e c on vi c çã o em s eu pod er e pr on t i dã o par a
c on fer i r os ben e fí ci os a os s eus a dor a dor es…
De acordo co m P ierre Verger (2000: 119 ), o t ermo é do io ruba. Trat a-se d e
u ma das divindades io rubanas e o
auto r enu mera as suas pr inc ipa is
caract er íst icas:
E u é o m en sa gei r o dos out r os O ria e n a da se pod e fa z er sem el e.
É o guar di ã o dos t em pl os, da s ca sa s e da s ci da de s.
É a cól er a dos O ria e da s pess oa s.
T em um ca r át er suscet í vel , vi ol en t o, i r a scí vel , a st uci os o, gr oss ei r o,
va i dos o, i n decen t e.
Comentários
Exu é u m dos vo cábu lo s ioru ba já inco rpo rados à língua port uguesa. E m
io ru ba, o t em o som de [], e o s t o ns aparecem so ment e no reg ist ro do
Abr aham; ass im, ver ifica-se não t er o co rrido muit as mud anças lingüíst icas no
vo cábulo .
Do po nt o de vist a ant ropológ ico, Exu é um dos orixás que po ssui o poder da
t ransfo r mação; é o guardião , o prot etor das co mu nidad es, po r isso nada se faz
sem a sua per missão, consegu ida at ravés das o ferend as. E le é t ambém o
mensageiro ent re os seres humano s e o s out ro s orixás.
O seu do mín io é a nat ureza hu mana; ele rege o sexo t ant o mascu lino co mo
feminino e é represent ado por um grand e falo ; esse é u m do s mot ivo s pelo s
quais, ainda na Áfr ica, o associam ao diab o.
Gunzu *
Na comunid ade
Para o tateto Roxitalamim:
Gunzu é a for ça d os i n qui ces, d os o ri x ás; é t ud o que s e fa z pa r a os ori x ás
e que s e r ec e be del e s t a m bém . É o que m ovi m e n ta e t ran sfor m a o n oss o
di a -a -di a; é o ax é .
31
Abraham (1958:166) Èù (7) There is a strong belief in his power and readiness to confer benefits on his worshippers…
216
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
Pessoa de Cast ro (2001:245) regist ra:
G UZO ( ba n t o) (LS) –s. for ça , ax é . Cf. gor ô. Ki mb. nguzu.
2. Na Áfr ica
De aco rdo co m Assis Junior (1941:4 7-48), o t ermo é do quimbu ndo:
Ngúzu, sub. (IX)
Fa cul da de d e op er ar , de ex ecut a r , de m over / fôr ça / va l en t i a / vi gor /
r i jez a ; poder da m uscul a t ur a: kubeka kua'- m bua, ngúzu m u ifuba.
Fi r m esa ; en er gia ; kuxinjika ni ngúzu; esfôr ç o; resi st ên ci a ; vi ol ên ci a .
O gr oss o ou a pa r t e pr in ci pal de a l gum a cousa : ngúzu ia poko ku
m ubinhi; sol i dez .
Di r ei t o l ega l m en t e est a bel eci d o d e se fa z er obede c er : o m uri'a kim i
ukala ni ngúzu ia kutum ina; fa cul da de; poder . Pl . Jingúzu.
Comentá rios
O t ermo qu imbu ndo ngúzu aparece na co mu n idad e co mo gunzu, po dendo-se
perceber o deslocament o da nasal para o int er io r da palavr a.
Na co munidade, o t er mo io ruba à é sinô nimo d e gun zu, cujo sent ido
genér ico per manece.
Iaô
Na comunid ade
De aco rdo co m o tateto Roxitalamim:
Iaô é um a pes s oa i n i ci a da pr o ori x á c om m en os de set e a n os d e sa n t o.
E n quan t o el a n ã o r ece ber a sua cui a , m esm o c om m a i s de set e a n os, el a é
ch a m a da de i aô. É ch a m a da t am bém d e esp osa d o o ri x á. Ag or a , depoi s d e
set e a n os e d e r ec e ber a sua cui a , de i aô el a passa pr a ebom i . Iaô t an t o
pod e ser um a m ulh er com o um h om em .
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
217
Dicio nár io Aurélio Sécu lo XXI:
i a ô. [D o i or uba Ya wo. ] S. f. Br a s. , BA. 1. N oi va e e sp osa m a i s j ovem . 2.
Novi ça de um ca n dom bl é.
2. Na Áfr ica
De aco rdo co m o Abr aham (1958: 333) 32, o ter mo é do ioruba:
ìyàwo (1) (a ) esposa x ìyàwóòm i m inh a esposa / …/
Comentários
O t ermo iaô em ioruba é empreg ado para pesso as do sexo femin ino . E m
port uguês, confor me Auré lio t ambém é femin ino ; ent ret ant o , na co mu nidad e,
( mas não so ment e nessa co munid ade esp ecífica) o t er mo se refere aos do is
gênerosm (o/a iaô).
Iaô adqu ir e um sent ido dir ecio nado para o compro misso que o s adept o s do
cando mblé, t ant o ho mens co mo mu lheres, assu me m co m as su as divind ades; é
u ma aliança, um casament o.
Iemanjá
Na comunid ade
Um do s no mes da d ivind ade do s oceano s.
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
Dicio nár io Aurélio Sécu lo XXI:
Ie manjá. S. F. Br a s. Or i xá fem i n in o, a m ã e-d' água [q. v. ] dos i or uba n os ,
ou o pr ópr i o m ar di vi n iz a do; ja na ín a; r ainh a do m ar .
2. Na Áfr ica
De aco rdo co m o Abr aham (1958: 680) 33, o ter mo é do ioruba:
Ym nja (1) deusa dos r i os / . .. / Yèyé- m n- ja
Verger (2000:293) regist ra:
Yem já é a di vi n da de da s á gua s doc es e sa l ga da s.
Seu pr in ci pa l t em pl o si t ua -se em Abokuta, n o ba i rr o de Iba r a . /. . ./ é a
di vi n da de do r i o O gun. Era a m ulh er que t inh a o h á bi t o d e s en t ar -se n o
l ugar on de, a t ua lm en t e, exi st e um a pon t e. É n esse l uga r que s eus a d ept o s
32
33
Abraham (1958:333) ìyàwo (1) (a) wife x ìyàwóòmi my wife /…/
Abraham, 1958:680 Ymnja (1) The goddess of rivers /.../ Yèyé-mn-ja
218
vã o fa z er -l h e ofer en da s de ca r n ei r o (agbo), m ilh o (egbo) e obi. E l a é a
m ã e de t odos os O ria.
Comentários
E m ioruba, o vocábulo resu lt a de uma co mpo sição po r ag lut inação . O
d icio nár io Abraham r eg ist ra a deco mposição da palavr a. As t raduçõ es do s
t ermos que a co mpõem podem ser enco nt radas nas páginas 678, 518 e 182,
respect ivament e: Yèyé ‘mãe’ + mn ‘filho’ + ja ‘peixe’ ( mãe, cu jo s filho s
são peixes).
O t ermo fo i aport uguesado e co nst a nos d icio nár io s de língu a port uguesa.
Iemanjá é uma das div indades co m o cu lto mais expressivo t ant o nos países
io ru bas quant o no Brasil. Or ig inar ia ment e, essa d iv indad e t inha o s seu s
domín ios
apenas
nas
águas
do ces,
porém,
essa
caract er íst ica
fo i
se
t ransfo r mando, e, mesmo, nos países io ru bas, o s fiéis lhe prest am ho menagens
nas águas do mar. O seu cult o, em S ão Paulo , o corre nas praias do lit ora l
paulist a no dia 08 de dezembro e leva milhares de fiéis q ue lhe prest a m
ho menagens à beira do
mar, cant ando e tocando
at abaques e o ut ro s
inst rument os musicais; alg uns levam o s present es a I emanjá em p equenas
embarcações em alt o- mar.
Ilê*
Na comunid ade
Casa. A casa de cando mblé, a co mu nidade.
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
Dicio nár io Aurélio Sécu lo XXI:
i l ê. [Do i or uba . ] S. m . Br a s. Ca sa de Can dom bl é; t err ei r o.
2. Na Áfr ica
De aco rdo co m o Abr aham (1958: 302) 34, o ter mo é do ioruba:
ilé (1) (a ) qua l quer ca sa .
34
Abraham, 1958:302 ilé (1) (a) any house.
219
Comentários
Excet o a int erpret ação do to m alt o pelo acent o, o vocábulo não so freu
alt eraçõ es na passagem para o port uguês.
O t ermo ilê, nos cando mblés, desig na a própria co mu nidad e e, em mu it as
delas, faz part e do no me o ficial da casa: I lê Axé Oni Xangô ( Casa d e Força do
Senhor Xangô).
Inzó*
Na comun idade
Casa.
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
Pessoa de Cast ro, 2001:348:
UNZÓ ( ba n t o)(LS) – s.
Ki k. / Ki m b. / Um b. (o )n zo.
ca sa ,
te r r e (i )r o.
Cf.
c anz uá,
ilê,
r unc ó.
2. Na Áfr ica
De aco rdo co m Assis Junior (1941:378), o t ermo é do quimbu ndo:
Nz o, sub. (IX) A br ev. de Inzo. / E di fí ci o; m or a dia ; ca sa .
Pedro (1993:127 e 133): o t er mo é do quimbu ndo e p ert ence à classe 9 qu e
co rresponde, fo r malment e, a do is prefixo s: zero (ausência fo r mal de marca) e
o prefixo no minal / i-/. Esse prefixo mar ca o sing ular:
ì nzò ‘ca sa ’
No plur al, o t ermo pert ence à classe 10, com o prefixo no mina l / ji-/:
Jì + n z ò (jìn z ò) ‘a s ca sa s’
Comentários
Na co munidade, há algumas var iações na pronúncia do s in for mant es: unzó,
enzó, inzó ; e t o das o xít onas.
Assim co mo o t er mo io ruba ilê, o vocábulo qu imbundo inzó, em alg u mas
co munidades d e cando mblé, t ambém faz part e do no me o fic ial da casa, co mo
220
por exemplo: Inzó Inquice Mameto Danda luna Quissimbi Quiama ze.
Lemba*
Na comunid ade
Lemba é o do no das cabeças, o pai da cr iação e é t ambém co nsiderado co mo o
orixá qu e t raz a paz. Correspo nde a Oxalá .
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
Pessoa de Cast ro (2001 :264) reg ist ra :
LE MBA (ba n t o) (PS) –s. di vi n da de da pr ocr i a ção, da pa z, pa i de t odos os
i n qui ces, equi va l en t e a Li sa e Oxa l á . Va r. Lem bá . Nom es :
Ca m ba r an guan je, Ca çum becá , Ca çum ben ca , Ca çut e, Ca nz an za , Ca t am ba ,
Ga n gaz um bá ,
Gon ga pem ba ,
Gon gan i umba n da ,
Lem ba fur a m a ,
Lem ba fur an ga, Lem ba r en gan ga, Za m a fura m a, Za m a fur a m o. Nom e s
i ni ci á t i cos: Der em um bi di , Qui m but o. Ki k. / Ki m b. / Um b. Lem ba .
2. Na Áfr ica
De aco rdo co m Oscar Ribas (1994:14 4), o t ermo é do quimbu ndo:
Le mba. s. f . E spí r i t o fem i n i n o que pr om ove a pr ocr i a çã o. E n t i da de
espi r i t ua l da pr ocr i a çã o.
Comentários
Lingü ist icament e, o vocábu lo não so freu alt erações, po rém, em algun s
mo ment o s da lit urgia, os fiéis o pro nu ncia m co mo u ma o xít ona: lembá.
Inquice
considerado
o
"pai
da
cr iação ".
É
conhecido
Lembar enganga, Lembafuranga, Cassut é, Lembad ilê.
Maçangango
Na comunid ade
Cant iga ded icada a Tar iazaze:
Maçangango maçangango
Maçangango é de car io lé
221
t ambém
co mo:
Bibliografi a de referência
1. No Brasil
O t ermo não fo i enco nt rado .
2. Na Áfr ica
No mapa de Randles (1968:22) co nst a a pro víncia Massangano no reino
de Ndo ngo.
Comentários
Os do is t er mo s / massangano, maçang ango / só diferem na var iação
ortográfica: ss, ç par a o som de [ s] e a inserção do fo nema [g]. A cant iga
repet e t rês vezes o no me ma çangango. A pro víncia d e Maçang ano se sit uava
bem próxima ao r io Cuanza, reg ião d e maio r concent ração de cat ivo s
t raficados ao Brasil. A cant iga po de est ar se refer indo a essa provínc ia d e
onde, provavelment e foram t razidos mu it o s desses cat ivos.
Macota*
Na comunid ade
Macot as são as p essoas iniciadas há mais de set e ano s co m o br ig açõ es
to madas e, por isso mesmo, t êm mu it o prest íg io dent ro do axé.
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
Dicio nár io Aurélio Sécu lo XXI :
mac ota. [Do qui m b. m a ' kot a , ' os m a i or es' . ] S. m . Br a s. Hom em de pr est í gi o
e i n fl uên ci a n a sua l oca l i da de, por di nh eir o ou posi çã o p ol í t i ca . Br a s. O
m a i or de t odos; o m a i s i m por t an t e; ma cot ei r o. Adj. Br a s. Gran de;
m a cot ei r o: " vi r a m que uma out ra coi sa t a mbém se for a a junt an do,
cr esc en do s em que el es r epa r a ssem , e er a en or me a gor a , gua çu, m a c o t
a , gi gan t esca !" (Má r i o de An dr a de. Os Con t os de Bel a sa r t e, p. 37).
Cacciat o re (1988)
Ma kot a : Auxi l i ar dir et o do ch e fe do t er r eir o, n o cul t o ca bul i st a . F. –
ki m b. : 'm a kot a ' – pl ur al de ' di kot a ' – ma i or al , pess oa i m por t ant e.
222
2. Na Áfr ica
De aco rdo co m Pedro (1993:121 e 123), o t ermo é do quimbu ndo :
mà + k òt à = màk òt à - ‘pr im ogên i t os, pr i m ogên it a s, os m a i s vel h os, a s
m a i s vel h a s’, pl ur a l, pr efi xo n om i n a l da cl a sse 6 / m a -/ .
dì + k òt à = dì k òt à - ‘pr im ogên i t o, pri m ogên i ta , o m a i s vel h o, a m a i s
vel h a ’, sin gul ar, pr efi xo n om i n a l da cl a sse 5 / di -/ .
Comentários
Os prefixo s de classe ma- / di- fazem a d ist inção de classe e número e m
quimbundo; e, só fo i t ransp lant ada p ara o Brasil, a fo r ma do plural, co m
sent ido de singular. É provável q ue o vo cábu lo sing u lar di cota t enha se
perd ido co m a t ransmissão oral, per manecendo apenas o plur al macota.
O vo cábulo
macota aparece mu it o po uco, na fala das pesso as dess a
co munidade; o que usam co m maio r freqüência é o correspo ndent e io ru ba
ebome.
Esse vocábu lo faz part e do po rt uguês br asileiro (cf. Aur élio), t endo adqu ir ido
o sent ido de ‘p essoa import ant e’, que não est á mu it o d ist ant e do seu
significado para o s po vos ambu ndo s, pela impo rt ância so cial e po lít ica da s
pesso as mais velhas dent ro e fo ra do núcleo familiar.
As co mu nidades de cando mblé vão repro duzir esse va lor ancest ral d e respeit o
e reverência aos mais velho s; po r isso , as pesso as co m mu it o t empo d e
in ic iação no cando mblé são reverenc iadas pelas co mu nid ades religio sas afro brasileir as de mo do geral.
Mona*
Na comunid ade
Filho ou filha-de-sant o.
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
Pessoa de Cast ro (2001:288):
MONA ( ba n t o) 1. ((L S) –s. i r m ã o ou i r m ã n a r el igi ã o. Cf. m on a dejé. Ki k .
m wa n a / Ki m b. m ona , ir m ã, irm ã o. 2. (LS) –s. cr i an ça , m enin o-m a ch o.
223
Cf. m uan a . Ki k. m wa na / Ki m b. m ona .
2. Na Áfr ica
Coelho (1987:126-127) 35, no capít u lo em que t rat a da fa mília ext ensa do s
Ndongo, explica o conceit o do t ermo qu imbu ndo mona:
O t er m o m on a desi gna : cri an ça (fi l h o ou fi l h a ) /. . ./ Par a os Ndongo, be m
c om o pa r a t oda a com uni da de ét n i ca Am bun do, a di ya l a (de h om em ) ou
a m uh a t u (de m ulh er ) a pós o n om e d esi gn a o gên er o. / . . ./ Assi m , m ona wa
m uha t u (m enin a ); m ona m i wa m uha t u (m inha men in a ) e m on a wa di ya l a
(m en in o) m on am i wa di ya l a (m eu m enin o). Um be bê, m en in o ou m en i na ,
se di z ka m on a . Par a desi gn ar um a cr ian ça da i da de de d oi s a n os s e di z
ka m on a ka wi su, a o pa ss o qu e pa r a desi gna r um a cr ian ça , m enin o ou
m en in a, a par t ir de sei s a n os s e di z m on a n den ge. Qua n do um m en i n o ou
um a m en in a est á na puber da de, sã o ch a m a dos m uz an ga la e ki l um ba ,
r espect i va m en t e.
De aco rdo com Pedro (1993:118), o t ermo é do quimbu ndo e pert ence à classe
1, que corresponde, for ma lment e, ao prefixo no minal (sg.) / mu-/:
m u + àn à = m òn à ‘cr ian ça ’
E o prefixo no minal (pl.) /a-/ que correspo nde, for malment e, à classe 2:
à + n à = ànà ‘cri an ça s’
Comentários
E m relação aos regist ros dos do is aut ores, po de-se o bser var a marca do s tons
apenas em Pedro.
Na co munid ade, o vocábulo é nasalizado e, no s reg ist ro s escr it os, o s to ns
baixo s das duas vogais não são marcados.
Quant o ao sent ido, o t ermo não se alt ero u para a co mu nidade, que o t raduz
por filho ou filha; ent ret ant o , em algu mas o casiõ es, pude p erceber um sent ido
feminino ‘mu lher ’; e o sent ido de ‘cr iança’ quase não aparece.
Nengü adengüê
Na comunid ade
Mãe pequena.
35
Coelho (1987:126-127) Le terme mona désigne: enfant (fils ou fille) /.../ Chez les Ndongo, ainsi que dans toute la communauté ethnique
Ambundu, adiyala “d’homme” ou amuhatu “de femme” après un nome désigne le genre. Ainsi, mona wa muhatu = fille monami wa muhatu,
“ma fille” et mona wa diyala = garçon monami wa diyala, “mon garçon”. Un bébé, garçon ou fille se dit kamona: pour désigner un enfant
âgé de deux ans on dit kamona ka wisu, tandis que pour désigner un enfant, fille ou garçon, à partir de six ans, on dit monandenge. Quand un
garçon ou une fille a atteint l’âge de la puberté, ils sont appelés muzangala et kilumba, respectivement.
224
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
Pessoa de Cast ro (2001:297) reg ist ra u ma part e do t er mo:
NÊ NG UA (ba n t o)(O S) –s. f. Ver ma me to. Ki k. Ne ngua, m ã e.
2. Na Áfr ica
Na abo rdagem fe it a po r Co elho (1987: 116) 36 so bre a família ext ensa do s
Ndongo, apar ece o t er mo quimbundo nd enge que exp lica o sent ido de uma
part e do t er mo nengüadengüe.
/ . .. / um h om em pol í ga m o (hongo) e sua s m ul h er es (ak aj i ). A pr im ei ra
esp osa d e um h om em pol í ga m o é c on h eci da com o k ot a dy a hongo “a
gr an de m ulh er de um h om em pol í ga m o” ou, si m pl esm en t e, “a gr an de
m ulh er ” e a s out r a s e sp osa s sã o c on h eci da s c om o j i nde nge j a hongo (a s
pequen a s esp osa s d e um h om em pol í ga m o).
Comentários
Junt ando os regist ros de Pesso a de Cast ro nêngua ‘mãe’ + o de Co elho ndeng e
‘pequena’, t emos o vocábulo nengüadeng üê que apar ece na co munid ade co m o
sent ido de ‘mãe pequena’.
Ogum
Na comunid ade
Um dos no mes da divindade do s caminhos, do ferro, da guerra e da
t ecno lo gia.
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
De aco rdo co m Cacciat ore (1988:188-189):
Ogun : Or i xá na ci on a l i or ubá , fi l h o de Yem a n já e Or a nhi ã , ou, em cer t os
m i t os, de Odudua (m a sc. ) Na Áfr i ca é o deus d o fer r o, da a gri cul t ura ; da
guer ra , da ca ça , pr ot et or de t od os os que t r a ba l h am em ar t es m an ua i s e
c om i n str um en t os de fer r o. No Br a si l é dos or i xá s m a i s cul t ua dos, m a s
36
Coelho (1987:116) Coelho (1987 :116) /.../ un homme polygame (hongo) et ses femmes (akaji). La première femme est connue sous le
nom de, c’est-à-dire “la grande (femme) d’un polygame”, ou, simplement “la grande femme”, et les outres épouses jindenge ja hongo (les
“petites femmes d’un homme polygame”).
225
foi r essa l t a do s eu a sp ect o d e deu s gu er r eir o. F. – i or . : "Ò gún" – deus d o
fer r o e da guerra et c. ("ogun " – guerr a ).
2. Na Áfr ica
De aco rdo co m o Abr aham (1958: 456) 37, o ter mo é do ioruba:
Ò gún – deus n a ci on a l i or uba / .. . / E l e é o deus do fer r o e da guer ra e é
t a m bém o deus d os ca ça d or es e dos s ol da dos.
Comentários
O sent ido do t ermo não sofreu alt erações significat ivas: t rat a-se de u ma
d ivindad e,
cujas caract er íst icas
aparecem nas duas
bib lio grafias e
na
co munidade.
Cacciat o re colo ca em evidência as caract er íst icas mais import ant es d a
d ivindad e, pr ime ir ament e, na Áfr ica e dep o is no Brasil, ressalt a seus aspect o s
de nat ureza d ivina e evid encia a sua popular id ade ao dizer qu e essa d iv indade
é u ma das ma is cult uad as no Brasil. Id ent ifica o t er mo co mo sendo da língu a
io ru ba.
Orixá
Na comunid ade
No Inzó Dandaluna, o t er mo orixá desig na to das as div indades cu lt uad as na
Casa.
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
Dicio nár io Aurélio Sécu lo XXI:
or i xá. S. m . Br a s. Fol cl . Di vi n da de a fr i ca na (especi a l m en t e je j e-n a gô) da s
r el i gi ões a fr o- br a si l ei r a s; gui a ; en can t a do. [Cf. ca bocl o (7). ]
De aco rdo co m Cacciat ore (1988:197-198) :
Or i xá s: Di vin da des i nt er m edi ári a s i or uba na s, excet ua n do Ol ór un, o Deu s
Supr em o. Na Áfr i ca er a m cer ca de 600. Pa r a o Br a si l vi er a m ta l vez 50
que e st ã o r eduz i dos a 16 n o ca n dom bl é (a l gun s t en do vá r i os n om es ou
"qua l i da des") / . .. / F. – i or . : “òrìà” – di vi n da de i or uban a (excet o
Ol ór un ).
37
Abraham (1958:456) (12)(a) Ògún is a national god of the Yorùba /…/ He is the god of iron and of war and is therefore, the god of
hunters and soldiers
226
2. Na Áfr ica
De aco rdo co m o Abr aham (1958: 483), o ter mo é do io ruba:
Ò rìà = à – a l gun s deuses i or uba à par t e de , lrun.
, lrun – Deus cr i a dor .
Comentários
Orixá é um t er mo que fo i aport uguesado , co nst ando nos d icio nár ios da língu a
port uguesa, no Brasil, t endo so fr ido alt er ações apenas na escr it a, a co nso ant e
// do ioruba fo i subst it u ída pela co nso ant e –x– do po rt uguês; além d isso ,
at ribu iu-se acent o à últ ima sílaba em po rt uguês. Quant o às co nso ant es
cit adas, ambas po ssuem o so m de [] e o [*] é brando no io ruba e no po rt uguês
brasileiro.
O seu sent ido per maneceu: o rixá é o co njunt o das divind ades de or ige m
io ru ba.
Oxosse
Na comunid ade
Um do s no mes d a d ivindade do s caçado res. Represent a a fart ura e a
abu ndância.
Bibliogra fi a de referência
1. No Brasil
Cacciat ore (1988) regist ra:
Oxóssi : Or i xá i or ubá da ca ça , pr ot et or dos ca ça d or es, fi l h o de Y em a n já .
Na Áfr i ca er a uma di vi n da de do cl ã de Ogun . É t a m bém ch a ma do Od é
(ca ça d or ).
2. Na Áfr ica
De acordo co m o Abr aham (1958: 529) 38, o ter mo é do io ruba:
- sì (1) o deus dos ca ça d or es.
Verger (2000:32) regist ra:
O osi, di vi n da de dos ca ça d or es. T ra z um ar co, fl e ch a s e sua da n ça
38
Abraham (1958:529) -sì (1) the god of hunters.
227
r epr esen t a a ca ça .
Comentários
No regist ro de Verger, pode-se no t ar a ausênc ia do s tons, embo ra se perceba
uma grafia do io ruba.
No Brasil, o t ermo fo i apo rt uguesado , const ando no s d icio nár io s de língua
po rt uguesa co mo o dicio nár io Aurélio e o dicio nár io Ho uaiss. E o sent ido de
“deu s do s caçadores” per maneceu no s culto s afro -brasile iro s. O t o m alt o fo i
int erpret ado como sílaba t ônica em po rt uguês.
Oxum
Na comunid ade
Divindad e das águas doces: r io s, lago s, cacho eir as. Represent a a fert ilid ade
das mu lher es.
Bibliografi a de referência
1. No Brasil
Pesso a de Cast ro (2001:312) regist ra:
OX UM / . . ./ –s. f. or i xá que com a n da os r i os e t oda s a s á gua s doc es. . .
2. Na Áfr ica
De acordo co m o Abr aham (1958: 528) 39:
- sun (1) n om e do r i o que c or r e di r et o pa ra a Proví n ci a de Iba da m . / …/
(f) - sun é, par ti cul ar m ent e, o or i xá de Oxobô, seu fest i va l c om eça em
a gost o.
Verger (2000:33) regist ra:
, un, di vi n da de da s á gua s doc es.
Comentários
Os regist ros do dicio nár io Abraha m -sun e de Verger ,un po de- se
obser var as seguint es d iferenças: i) no Abraham não há o sinal gráfico
39
Abraham (1958:528) -sun (1) name flowing through Ìbàdn Province. /…/(f) -sun is particulary the òrìà of 1ogbo, her festival being
in August.
228
embaixo do -s que lhe dá so m de [] ; ii) marca o t om baixo na vo gal /-o /.
O t er mo Oxum est á aport uguesado e co nst a nos dic io nár io s da líng ua
po rt uguesa, co mo o Aurélio e o Ho uaiss.
No Brasil, o seu sent ido pr incip al não fo i alt erado : Oxum é a div ind ade das
águas doces, porém ho uve uma (re)sig nificação , passando a r epresent ar
t ambém a fert ilidade.
Oxumarê
Na comunid ade
Divindad e do arco -ír is e das águas das chuvas. É represent ada pela serpent e
de duas cabeças que faz a ligação ent re o céu e a t erra.
Bibliogra fi a de referência
1. No Brasil
Cacciat ore (1988) regist ra:
Oxum a r ê: Or i xá do a r co-í r i s, pr esi de o bom t em po. É r epr esen t a do por
um a ser pen t e. (Na Áfr i ca o a r co-í r i s é con si der a do a gr an de ser pen t e
da s pr ofun dez a s que vem be ber o c éu, sen do t a m bém r epr esen t a do p or
um a ser pent e m or den do a pr ópr ia ca uda, sím bol o d e et er n i da de e
c on t in ui da de. ) A ser pen t e "boa " l h e é c on sa gr a da . E sse or i xá par ece s er
de or i gem da om ea n a , a dot a do pel os i or ubá .
2. Na Áfr ica
De acordo co m o Abr aham (1958: 492) 40, o ter mo é do io ruba:
òùm àr/ (1)(a ) ar co-í r i s / .. . / (2) Ò ùmàr/ o de us d o a r co-í r i s, o a r coí r i s é con si der a do c om o um a en or m e c obr a do m un do subt er r ân eo qu e
va i be ber n o céu: a ser pen t e (erè) é sa gr a da para Ò ùm àr/.
Comentários
No regist ro do Abraham, per cebe-se uma difer ença ent re o subst ant ivo
co mu m e o própr io: o pr imeiro é escr it o co m let ra minú scu la e o segu ndo ,
co m maiúscu la, para ind icar o no me da d ivindade.
O t er mo do io ruba passa para o po rt uguês brasileiro co m uma grafia de
40
Abraham (1958:492) òùmàr/ (1)(a) rainbow /…/ (2) Òùmàr/ the rainbow-god, the rainbow being considered the great snake of the
underworld who comes up to drink the sky: the python (erè) is sacred to Òùmàr/.
229
acordo
com
as
suas
nor mas
ort o gráficas.
Co nfo r me
já
at est ado
ant er io r ment e, a consoant e do io ruba é g rafada – x– em po rt uguês.
Na co munidade, o t ermo so fre var iações na pro nú ncia da vogal /-e/ final:
ora o so m é fechado: Oxumarê; o ra, aberto : Oxumaré. E o seu sent ido de
“deu s do arco-ír is” per maneceu no s cult o s afro-brasileiros.
Pemba*
Na comunid ade
O tatet o explicou que a pemba é o pó branco usado nos r it uais da casa. É
preparad a, u ma vez por ano, no rit ual do Gongá.
( c f . C A P . I I - I ; 2 -2 . 3 )
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
Pessoa de Cast ro (2001 :315) reg ist ra :
PE MBA ( ba n t o) 1. (PS) –s. f. ca ul i m r eduz i do a pó, de l a r go uso
r i t ua l í st i co. Ver efum . Va r . pem ba -br a n ca , pó-d e-pem ba . Cf. pem ba ver m el ha . Ki k. / Kim b. m pem ba .
2. Na Áfr ica
Randles (1968:44-47) regist ra o t er mo do qu ico ngo Mpemba co mo uma arg ila
branca ut ilizada no cult o aos ancest rais, pelo s Bakon go, co m a finalidade d e
t razer a har mo nia e a paz. O aut o r enco nt rou, no s t extos de ant igo s
missio nár io s, os t er mos nkadi mpemba e caria mpemba co m u ma sig nificação
vo lt ada par a o mal e relacio nados ao diabo. Cit a ainda que o t ermo Mpemba
(pp.20-22) era t ambém o no me de uma das provínc ias do ant igo reino do
Congo (ver mapa no cap.1).
Oscar Ribas (1975:40) regist ra o t ermo do qu imbu ndo :
/ . .. / a pem ba é um ca l cá r i o m ar goso, e spé ci e d e gess o. C om el a se t r a ça a
l inh a ver t i ca l da cr uz , e por vez es, a pr ópr i a cr uz . Ser ve pa r a a tr air a
gr a ça di vi na . /. .. / a pem ba é o pur i fi ca dor p or ex cel ên ci a . Al ém de en t rar
n a for m a çã o da cr uz , a in da des obst r ui o a m bi en t e de ca r ga s fl uí di ca s
n oci va s, s opr a n do-se um a pi ta da par a o a r ou pa ra a l guém.
Comentários
O t er mo pemba so freu alt eração na p erda da pré- nasa l do qu icongo , mas não
230
alt erou o seu sent ido de o r igem: é o pó br anco so prado co m a int enção d e
pur ificar o ambient e.
Tata quimbanda
Na comunid ade
T ít ulo do pai-de-sant o.
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
O dicio nár io Houaiss (2001) regist ra:
q ui mbanda s. m. 1 ANG Ch efe r el i gi os o, sa c er dot e, cur a n deir o 2 B
sa cer dot e de cul t os r el i gi os os d o cul t o a n gol a -con go 3 B segm en t a çã o da
um ba n da que ut i l i za esp. exus em sua s pr á t i ca s, n a s qua i s se i n cl uem
supost os m a l efí ci os en der eça d os a pes s oa s, a ni ma i s et c. [A den om on a çã o
é-l h e a t r i buí da pel os a d ept os da umbanda de l i n ha branc a; em l i n gua gem
l ei ga , seus cen t r os e a t i vi da des sã o ch a m a dos de mac umba. ] 4 p. me t . B o
c on jun t o d os r i t ua i s des se cul t o. E T IM qui m b. k i mbanda ch e fe r el i gi os o,
sa cer dot e; umbanda e qui mbanda sã o a m bos vocá bul os ba n t os (e m
esp eci a l , qui m bun do) e si gni fi ca m , or i ginar i amen t e, ‘gr ã o-sa cer dot e’ e ,
por ext en sã o, ‘l uga r de cul t o on de os sa c er dot e s a t ua m ’; n o Br a si l ,
segun do Ar t ur Ra m os (1903-1949), o voc. qui mbanda e seu s d er i va do s
umbanda e e mbanda a m pl i ar am o sen t i do or i gina l , pa ssan do a si gn i fi ca r
t an t o ‘sa c er dot e, fei t i c ei r o’, c om o ‘a r t e, l ugar de m a cum ba , pr oc es s o
r i t ua l ’.
Pessoa de Cast ro (2001:324) regist ra:
Q UIM BAND A
( ba n t o)
(PS)
–s. m .
cur an deir o,
vi den t e,
ocul t i st a ,
sa cer dot e d e m a cum ba ; (pe j or a t i vo) fei t i ç o, fei t i cei r o. Va r . em ba n da ,
i m ba n da, qui am bo, um ba n da. Cf. ba ba l a ô, n i xegum , t at a -quim ba n da. Ki k.
/ Ki m b. kim ba n da / Um b. (ovi )m ba n da .
2. Na Áfr ica
A expressão ut ilizada pelo tateto Roxital amim: “min ist ros da Casa” para se
refer ir aos tata s, à nen güadengüê, às co tas e às macota s ( cf.cap.2). Oscar
Ribas (1975:29-39), regist ra no s cult os I lundo , a exist ência de quat ro
minist ro s do cult o: quilamba, mulôji múcua-bamba e q uimban da. S int et izando
a sua descr ição:
q ui l amba: i n t ér pr et e da s ser ei a s, sa c er dot e e spe ci a l i st a a o cul t o da s
ser ei a s; o qui l a m ba n a sce c om a m i ssã o de c om un i car -se c om es se s ser e s
231
sobr en a t ur a i s;
mul ôji : ocul t i st a que s ó s e d edi ca à pr á t i ca do m a l . Por t ant o o fei t i c ei r o,
o br uxo, n o m a u sen t i do da pa l a vra ;
múc ua- bamba: sa c er dot e qu e per segu e e pun e os fei t i cei r os, ut i l i zan do
um ba st ã o c om o i n str um ent o, por i ss o é c on h eci do c om o o home m-doc hi c ote .
q ui mbanda: a di vi n h o-cur an dei r o. Sa cer dot e que t r at a en fer m i da des,
de bel a os a z a r es, r est a bel ec e a h ar m on ia c on juga l ou pr ovoca a
i ni m iz a de; con ced e p oder es pa r a o dom í n i o n o a m or ou par a a an ula çã o
de dem a n da s. Na s ma t a s ou ca m pos, a on de va i em bus ca de pl a n ta s
m edi ci n a i s, ofer en da, an t es da c ol h ei t a , à r egiã o e a o s ol o, i st o é, a o s
ser es s obr en a t ur ai s, que h a bi t a m esse s l uga r es , um a m oeda , ou vi nh o
di z en do: “An t epa ssa d os, t r i but ei - vos, vi m , de sven da r r em édi os. ” / . . . /
Qua n do t ra t an do a l guém ou di r i gin do um r i t ua l , a ssum e a qua l i fi ca çã o d e
pai ou mãe -de -umbanda.
/ . .. / n ã o se de ve c on fun dir , com o ger a l m en t e a c on t ece en t r e a gen t e
eur opéi a , qui m ba n da com fei t i cei r o. O qui m ba n da - n ot e-se bem – é o
m édi c o t r a di ci on al , o h om em que ess en ci a l m en t e t em por objet i vo a
pr om oçã o d o bem , a o pa ss o qu e o fei t i c ei r o, em r epel en t e n a t ur ez a de se u
ca r á ct er , excl usi va m en t e se c on sa gr a à dest r uiçã o da fel i ci da de a l h ei a
/ . .. /
O q ui l amba, o mul ôji e o múc ua- b umba pod em t er o pod er d o
sa cer dóci o p or von t a de pr ópr i a ou por r evel a çã o em s on h os ou d oen ça e,
c on for m e qua l quer um dos ca s os pa r a o m i n i st ér i o de s eu sa c er dóci o, o
seu p od er pa ra exer cê-l o ser á sem pr e c on fer i do p or um qui m ba n da ou
pel a a l m a de um an t epa ssa do; por i ss o, dos q ua tr o sa c er dot e s, o m a i s
i m por t ant e é o q ui mban da. Seu p od er espi r i t ual l h e é c on fer i do a t r a vé s
do en si n o, da a pr en diz a gem .
Comentários
No Brasil, o regist ro de Pesso a de Cast ro po de ser ent end ido nu m sent ido
mais do r it ual; já o dicio nár io Houaiss apresent a u ma sínt ese dos diferent es
significados do t er mo, so bret udo as suas t ransfo r mações no Brasil, ma s
sempre apont ando o seu sent ido religio so.
De t odos os quat ro ministro s do cult o apont ados po r Oscar Ribas, apenas o
quimbanda par ece t er vindo para o Brasil. Pela d escr ição do vo cábulo
quimbanda para os povos ambu ndos, po de-se per ceber a sua supremacia so br e
o s demais e, t alvez, por isso mesmo, o t ermo t enha se inco rporado ao
port uguês brasile iro co m as caract er íst icas apo nt adas pelo d ic io nár io Ho uais s
e por Pessoa de Cast ro.
232
Tateto*
Na comunid ade
Pai. Nosso pai.
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
Pessoa de Cast ro (2001:341) regist ra:
T AT E T O (ba n t o) (PS) – s. n oss o pa i , t ra t am en t o a o t a t a . Cf. t a t et o-d(e)i n qui ce. Ki k. / Ki m. ta t et u dya n ki si .
2. Na Áfr ica
Cordeiro da Mat t a (1864:143-144):
T à t a, s. Pa e. Pl . Ji t â ta .
T à t ’en u (t ât a í en u). Voss o pa e.
T a t ’et u (tâ t a í et u). Meu ou n oss o pa e.
(si c)
Comentários
O t er mo tateto é uma co mposição po r aglut inação: tata ‘pai’ (su bst .) + iet u
‘nosso’ (pron.poss.) - tateto (cf.Co rdeiro ).
Na co mu nidade, o t er mo fo i ressign ificado e é ut ilizado co mo u m t ít u lo do
d ir ig ent e da Casa: tateto Roxitala mim e t ambém aco mpanha o no me da s
d ivindad es, co mo tateto Ogum. E m o ut ras comu nidad es o t er mo t em a mesma
função, ist o é, vem na frent e do no me do pai-de-san to e da d ivindade.
Zâmbi*
Na comunid ade
Deus.
Bibliogra fi a de referência
1. No Brasil
Cacciat ore (1988:255) regist ra:
Zâ m bi : Deus Supr em o dos cul t os ba n t os e da Um ba n da , Cr i a dor e
233
Sen h or T odo-P od er os o. F oi a ún i ca di vi n da de bâ n t u que pr ed om i n ou
sobr e os n om es da s di vi n da des n a gô, fa z en do p ou c o c on h eci d o o n om e
de Ol ór un (V.). F. – kimb.: "Nzambi" – Cr iado r, Deu s
Supremo.
2. Na Áfr ica
O t ermo Zâmbi aparece nos t ext o s de Hagenbucher-Sacr ipant i (1973:29), de
Ribas, (1975:23) e Coelho, (1987:144-145 ):
Nz a m bi é o cr i a dor do c éu e da t er r a, cr i ou os bak i si e os s er es
h uman os.
(Ha g en buch er -Sa cr i pan t i, 1973: 29) 41
E, ainda a respeit o do deus cr iador, o autor exp lica as designações par a
difer ent es povos:
Do sul de An gol a a o Nya nga, o c on c ei t o d e N zã :mbi é em pr ega do pa r a
desi gn ar o a r qui t et o d o un i ver s o, cr i a dor dos s er es e da s c oi sa s, qu e
r ece be den om i n a çõe s a pr oxi m a da s n a s l ín gua s de povos d o i n t er i or , do
Ga bã o a t é O gooué : pa r a os Fa n g é Nzame ; par a os E sh ira , Ba pun u,
Ba vun du e Ma sa n go, a d en om i n a çã o é Ny am bi ; pa ra os Ba dum a é
Ndzãmbi ; pa r a os Ba n z a bi é Nd ze mbi ; pa r a os Ivi l i é Manãmbi et c.
(gr i fos m eus)
(Ha g en buch er -Sa cr i pan t i, 1973: 29) 42
Zâmbi é D eus, o Cr i a dor , o Aut or da exi st ên ci a e de sua s ca r a ct er í st i ca s
dom i n an t es – o bem e o m a l .
Con qua nt o se ja o E n t e Supr em o, n ã o r ege di r ec t a m ent e os de st i n os d o
Un i ver so. N o t oca n t e a o n oss o pl a n et a , ser ve- se de i n t er m edi ár i os – os
dem a i s en t es sobr en a t ur ai s.
(Ri ba s, 1975: 23)
Os Nd on go cr êem n a exi st ên ci a de um Deus cr i a dor e di vi n da des
cr i a da s por el e. O D eus cr i a dor é desi gn a do pel o t er m o Nz a m bi . T ra t a se d e um s er t r an scen den t e que r ege d o a l t o do c éu. É des se l uga r
el e va d o que el e p ode c on t r ol ar t udo o qu e s e pa ssa n a t err a . / . .. / Os
Ndon go n ã o di r i gem sua s pr ece s e sua s súpl i ca s à Nz a m bi . E ssa s sã o,
n or ma l m en t e, en der eça da s a os e spí r i t os d os a n t i gos e é s om en t e em
úl t i ma in st ân ci a /. . ./ que el es r ec or r em a o cr i a dor .
(Coel h o, 1987: 144-145) 43
41
Hagenbucher-Sacripanti (1973:29) Nzã:mbi créateur du ciel et de la terre, a créé les Bakisi et les humains vivants.
(p.29) Du sud de l’Angola à la Nyanga, le concept de Nzã:mbi est employé pour designer l’architecte de l’univers, créateur des êtres et dês
choses, qui reçoit des denominations approchantes dans les langues des peoples de l’intérieur, du Gabon jusqu’à l’Ogooué: Nzama chez les
Fang, Nyambi chez les Eshira, les Bapunu, les Bavungu et les Masango; Ndzãmbi chez les Baduma, Ndzembi chez les Banzabi, Manãmbi
chez les Ivili, etc.
43
Coelho (1987:144-145) Les Ndongo croient en l’existence d’un Dieu créateur et des divinités créées par lui. Le Dieu créateur est désigné
par le terme Nzambi. Il s’agit d’un être transcendent qui règne en haut (bulu), dans le ciel. C’est de ce lieu élevé qu’il peut contrôler tout ce
42
234
Comentários
O t ermo Zâmbi é regist rado por Hagenbucher-Sacr ip ant i (qu ico ngo ) e por
Co elho (qu imbundo) co m a pré- nasal. No Brasil, o t er mo perdeu a pré- nasal.
O seu sent ido, ent ret ant o, per maneceu o mesmo: Deus cr iado r de t o das as
co isas. Tant o ent re os povos de língu a bant o quant o no s Cando mblés
Ango la, não exist e um cult o a Zâmbi, mas so ment e ao s in quices, seu s
int er med iár io s.
Zâmbi apongo*
Na comunid ade
Deus Supr emo .
Bibliogra fi a de referência
1. No Brasil
Cacciat ore, (1988:255):
Za m bi a m pun go: Deus Supr em o dos n egr os c on go, n om e qua se de t od o
esqu eci d o, s obr epuja d o p el o Zâ m bi a n gol a . Ta mbém di t o Za m bi a p om bo,
Za m bi a pon go, Za m bi a m pon go et c. F. – ki k. : "Zam bi -a m pun gu" – Deus.
Pesso a de Cast ro, (2001:355):
ZAM BIA P UNG O
Zambi a mp ung o,
( ba n t o) 1. (PS)
Zambi ap omb o,
–s. m . nom e d e Za mbi . Va r .
Za mbi ap ong o,
Za mbi ap unga,
Zambi up ong o, Zami ap omb o, Zamuni p ong o, Zamur i p ong o. Cf.
Angananz a mbi - op ung o, Cal unga mg ombe . Ki k. / Ki m . Nzambi ampungu,
o gr an de Deus.
2. Na Áfr ica
Assis Junior (1941:335), reg ist ra o t er mo do quimbu ndo:
Pun gu. a dj. Omn i pot en t e; que n ã o t em i gua l. sub. O gr a n de; o m a i or ;
Nz a m bi ___.
Randles (1968:30-33) faz uma reflexão so bre o t ermo ut ilizado no ant igo
reino do Congo no século XV. Pr imeir ament e, o t ermo Nzambi mpongo
desig nava o rei de Loango, cu jo sent id o era “Senho r do mundo ”. Co m a
chegada dos port ugueses, os co ngo leses ut ilizaram o t er mo para designar
qui se passe sur la terre. /.../ Les Ndongo n’adressent pas leurs prières et leurs supplications à Nzambi. Celles-ci normalement adressées aux
esprits anciens et c’est seulement en dernier ressort /.../ qu’ils ont recours au créateur.
235
t ambém o rei de Port ugal. E nt ão, a expr essão Nzambi mpo ngo era empregada
para desig nar um “ser vivo ”, quer d izer, um mo rt al. E, apó s esse per ío do , o
t ermo adquire o sent ido de “Deus celest e, o Ser Supremo” que o aut or
considera so b a influência do pro cesso de cr ist ian ização de to do o reino do
Co ngo .
Hagenbucher-Sacr ipant i, (1973:2 9) 44 precisa que:
Nzã:mbi Mphungu é o Deu s cr i a dor e or den a dor do m un do, di st an t e e
i na ba l á vel , que dom i n a a cosm og on i a de t odos os Ba c on go.
Comentários
No regist ro de Assis Junior, o t er mo quimbundo é pungu, sem pré- nasal; já,
Hagenbucher-Sacr ipant i apresent a duas grafias p ara o qu icongo : mpongo e
Mphungu. Os do is t er mos são int ro duzido s pela pré- nasal / m-/ ; o segundo se
aproxima mais do reg ist ro de Assis Junior e ambo s ant ecedem o t ermo
Zâmbi.
No Brasil, o t er mo possui as var iaçõ es: apongo, ampungo, umpu ngo. O seu
sent ido per manceu e é ent end ido so ment e ant ecedendo o vo cábu lo Zâmbi:
Zambi apongo (Deus Supremo ; Deu s Onip ot ent e et c.).
4.2 Terrei ro Lo abá
Angola*
Na comun idade
Nação , o país afr icano. Nação-de-cando mb lé: o cando mblé ango la, t ambé m
co nhecido co mo ango la-co ngo o u co ngo -ango la.
Bibliog rafi a de referência
44
Hagenbucher-Sacripanti (1973:29) Nzã:mbi Mphungu est le Dieu créateur et ordonnateur du monde, lointain et immobile, qui domine la
cosmogonie de tous les Ba-Kongo.
236
1. No Brasil
Cacciat o re (1988) regist ra:
ANGO LA ( ba n t o) 1. (BR) –s. pa í s do sude st e da Áfr i ca , n a cost a do
At l ân t i co, de p ovos d o gr upo l i n güí st i co ba nt o, en tr e os qua i s s e
dest a ca r a m n o Br a si l os d e fa l a qui m bun do, qui con go e um bun do. Sua
ca pi t a l Luan da a par ece fr eqüen t em en t e i n voca d a em cân t i cos l i t úr gi cos e
fol cl ór i c os s ob a for m a Ar uan da . / .. . / 2. (PS) –s.f. n a çã o-de- ca n dom bl é, d e
t ra di çã o e t er m in ol ogi a r el i gi osa de ba se ba n t o. Va r . con go-a n gol a .
2. Na Áfr ica
Coelho (1987:27-53) 45, no cap ít u lo em que t rat a da hist ó ria do s po vos
ambundos, explica o t er mo quimbundo Ngola co mo sendo u m t ít ulo po lít ico
dos reis d e Ndongo:
A h i st ór i a do povo Nd on go est á i n di ssol u vel m e n t e l i ga da à quel a do r ei n o
a m bun do de Nd on go, fl or es cen do en t r e os sé cul os qui n z e e dez e ss ei s, s ob
a a ut ori da de dos ch e fe s Ng ol a , que r ein am sobr e um va st o t er r i t ór i o,
ger a l m en t e, del i m i ta do pel os h i st or i a dor es en t r e os r i os Da n de, a o n or t e, e
Cua nz a a o sul .
Segu ndo o autor, o t er mo Ngola desig nava t ambém o esp ír it o da serp ent e,
lig ada ao poder dos Ndongo e à relig ião t radicio nal do s ambu ndo s. E o no me
de cada chefe do reino de Ndon go era aco mpanhado pelo t ít u lo Ngol a. Po r essa
razão, os port ugueses desig navam os seus habit ant es co mo “ana a Ngol a”
( filho s de Ngol a). Assim, Coelho exp lica a o rig em do t er mo Ango la.
Comentários
Lingü ist icament e, é bast ant e provável que o vocábulo Ango la, co mo o
co nhecemo s ho je, t enha sido for mado a p art ir da designação dad a à po pu lação
do reino de Ndongo: “Ana a ngo la”.
No Brasil, o t ermo Ango la se r efere ao país afr icano , porém d esig na
man ifest ações cu lt urais e relig io sas t razidas pelo s po vo s de língua bant o ,
sobret udo , pelos ambundos: capo eira ango la; cando mb lé ango la.
Angorô*
45
Coelho (1987:27-53) L’histoire du peuple Ndongo est indissolublement liée à celle du royaume ambundu du Ndongo, florissant entre
quinzième et le seizième siècle, sous l’autorité des chefs Ngola, qui régnaient sur um vaste territoire généralement delimite par les historiens
entre le fleuve Ndande au nord et kwanza au sud.
237
Na comunid ade
Ango rô é o senho r do arco -ír is, t raz a fert ilid ade do so lo com as su as águ as
das chuvas. É a serpent e de duas cabeças que lig a o céu e a t erra.
Bibliografi a de referência
1. No Brasil
Cacciat ore (1988) regist ra:
An gor ô: Di vi n da de cor r espon den t e a o Oxum ar ê na gô, en tr e os n egr os
a n gol a , n o Br a si l . F. – ki m b. : 'h on gol o' – a r co-í ri s.
P e s s o a d e C a s tr o ( 20 0 1 :15 4 ) r e g i st r a :
ANG O RÔ /. . ./ o ar co-í r i s; i nqui c e que pr esi de o ar co-í r i s / .. . /
Ki k. (n )kon gol o/ ki m b. a n gol o, h on gol o/ Um b. An gol o.
2. Na Áfr ica
Assis Junior (1941:52) regist ra:
Hon gol o, su b. ( I X ) Met e or o l um in os o c on h eci do por "ar co-í r i s".
Heusch (1972) reconst it ui o universo mit o lóg ico dos po vo s bant o at ravés das
gest as reco lhidas por diferent es pesquisadores (cf.cap. I - IV ;2-2.2). E le cit a:
Vansina, na p.15 46:
. . . en tr e o l a go T an gan i ca e o Al t o Ka sa i , l oca l e m que h a vi a vá ri a s
pequen a s ch efi a s, um i mi gr an t e cha m a do Nkon gol o fun dou o pr i m eir o
i m pér i o l uba .
Van Malderen, na p.52 47, uma crença do s Luba-Hemba:
o a r co-í r i s n ã o é out r o sen ã o o va p or , a fum a ça que sa i da gar gan ta de
um a en or m e ser pen t e ver m el ha cha ma da Kon gol o.
Van Aver maet , na p. 76 48:
Va n Aver m a et der i va o t er m o Nkon gol o d o ver bo k u-k onga (a jun tar ,
r eunir , unir ).
Come nt á rios
De aco rdo co m os aut ores, ocorrem mudanças em relação à grafia e t ambém
ao sent ido do t er mo:
i)
Nkongolo é o no me do fu ndador do impér io lu ba;
46
Heusch, 1972:15 ...entre le lac Tanganyka et le Haut-Kasaï comprenait une multitude de petites chefferies, um immigrant nommé
Nkongolo Fonda le premier emprire luba.
47
Heusch, 1972:52 "l'arc-em-ciel n'est autre que la vapeur, la fumée qui sort de la gueule d'un gros serpent rouge appelé Kongolo."
48
Heusch, 1972:76 Van Avermaet fait dériver le terme Nkongolo du verbe ku-konga (assembler, reúnir, amasser).
238
ii)
Kongolo é o arco -ír is e, ao mes mo t empo , u ma enor me serpent e;
iii)
Hongolo é o met eoro lu mino so , chamado 'arco - ír is'.
No Brasil, o t er mo fo i- se t ransfo r mando , dent ro das co munidades de
Cando mblé Ango la. A pré- nasal não permaneceu ; a conso ant e inic ial deixo u
de fazer part e do vo cábu lo qu e se t o rno u u ma p alavra o xít o na: de Nkongolo
passou a Ongolô. E m algumas das co munid ades p esqu isadas, vi o vo cábu lo
escr it o em apost ilas, co nfor me Assis Ju nio r, co m /-h/ in icia l mudo. O o
inic ial mudou para a e o le para re, t ransfo rmando o vocábulo para Angorô.
Assim, é possível se est abelecer a segu int e t ransfo r mação :
nkongolo > kongol o > hongolo > hongolô > angolô > an gorô
Os t rês pr ime iros t er mo s são de línguas negro -afr icanas do grupo bant o :
luba, quimbundo ; os t rês ú lt imo s referem- se às t ransfo r maçõ es afrobrasileir as, ocorrendo as mudanças no in ício do vo cábu lo hon-/an- e no fina l
-lô/- rô ; essa ú lt ima mud ança é out ra caract er íst ica d as língu as negroafr icanas do grupo bant o: /l/ e /r/ são var iant es livr es.
Nos Cando mblés Ango la, Angorô é u m i nquice cu lt uado como o “dono das
águas do s céu s e senhor do arco-ír is”; ad quir e dup la ident idade: mascu lina e
femin ina.
No Brasil, a enor me serpent e ver me lha lu ba- hemba se t ransfo r ma nu ma
grande cobra de du as cabeças; simbo licament e, lig a o céu e a t erra no
mo viment o de subida e descida d as águas das chu vas. O seu car át er
andró gino lhe per mit e adquir ir, no s Cando mb lés Ango la, u ma desig nação
femin ina: Ango romea, a fêmea de Angorô.
Cabila*
Na comunid ade
Um do s no mes da d ivind ade da caça.
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
O vo cábu lo não fo i encont rado .
239
2. Na Áfr ica
De aco rdo co m Assis Junior (1941:7 9), o ter mo é do quimbu ndo:
Ka bi l a .
Sub. Pe ss oa que gua r da , gui a e a pa scen t a ga do. | Pa st or : - ngombe .
Adj. Que fa z ou l e va vi da de pa st or .
Mi t . Deus dos r eba n h os.
Pl . j ik abi l a.
Comentários
Ocorre var iação ortográfica kabila / cabil a, k e c para o so m de [k].
A definição de Assis Ju nio r se apro xima do sent ido at ribu ído ao t ermo pelas
co munidades de Cando mblé Ango la, p ois d iz respeit o à div ind ade do s
caçadores; Cabila é um dos no mes pelo qual é co nhecido o inquice da caça e
prot etor dos caçadores.
Cangoma/ingoma*
Na comunid ade
Tambor; inst ru ment o de percussão.
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
Pessoa de Cast ro (2001:357) regist ra:
ZINGO MA ( ba n t o) (P S) –s. m . t a m bor ci l í n dr i co, de um a fa c e, fei t o d e um
t or o oc o, usa do n a s cer i m ôn i a s con go-a n gol a ; de si gn a çã o gen ér i ca pa ra os
t a m bor es d o cul t o. C f. xi ca r a n gom a. Var . en goma , in gom a . Ki k. (z i )n gom a
/ ki m b. n gom a .
2. Na Áfr ica
De aco rdo co m Assis Junior (1941:4 3), o ter mo é do quimbu ndo :
Ngóm a .
Sub. (IX) In st r um ent o m usi ca l fei t o d e c om pr i do pa u oc o, t en do n a
ext r em i da de de m a i or l a r gura um a pel e t en sa , sobr e qu e se t oca c om a
m ã o. | T a m bor | Bom bo | S om pr oduz i do pel o t an ger do t a m bor | Ru fo
Si n al de a l ar m e | - ‘a put u, m a dr uga da ; a o r om per da a ur ora | Músi ca
m a t utin a | a l vor a da | Pl . j i ngoma.
Assis Ju nior, na página 95, reg ist ra t ambém o t ermo kangóma co m o sent ido de
240
pequeno t ambor.
Comentários
Na co mu nidade, encont rei em r egist ro s escr it os a fo r ma ng oma e, na fala do s
in for mant es, ocorre a inserção da vogal i ingoma ; ent ret ant o , o t er mo mais
ut ilizado para se refer ir ao s inst rument os de percu ssão é atabaque [ do ár. aTTabaq. ‘prat o’ /.../ t ambor pr imár io ...] (cf.Aurélio ).
Caviungo/Cavungo*
Na comunid ade
Um dos no mes da divindad e do element o t erra. É t ambém o inquice
relacio nado às doenças epidêmicas e à su a cura.
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
Pessoa de Cast ro (2001:207 e 251) reg ist ra as var iações dos no mes pe lo s
quais a div indade é conhecida:
CAV UNGO ( ba n t o) (LS) –s. V er Im ba l an gan z e.
Va r . Ca van go, Ca vi un go.
ki k. ka vun gu, var í ol a .
( ba n t o (PS) –s. o i n qui ce da s doen ça s
equi va l en t e a Om ol u. Var . Ba l an guan je, Im ba l anga n je.
I M B A L A N G AN Z E
de
p el e,
Nom e s:
Ca va n go,
Ca vi un go,
Ca vun go,
In sum bu,
In t ot o-A ça bá ,
Mun gon go, Qui n con go, Qui n gon go, T i gon go, Un dun do, Un sun go. N om e s
i ni ci á t i cos: Di a l on di r ê, Di a l on guir ei , Um ba n an gua n e.
Ki k. / Ki m b. m ba l an gan z i, r epugnân ci a , r ef. à va r íol a .
2. Na Áfr ica
Assis Ju nior (1941:133) regist ra o t ermo do quimbu ndo:
Ki n gón go. sub. Bexi ga s. | Va r í ol a . ..
Hagenburcher-Sacr ipant i (1973:68) reg ist ra ntoto (=t erra), t er mo lig ado ao s
clãs pr imordia is.
Comentários
241
O t er mo Cavungo não fo i enco nt rado na bib lio grafia afr icana, mas enco nt re i
o ut ros t ermos que t êm ligação co m a divind ade: Kingóng o, t ermo quimbundo
que se refer e ao seu carát er de “Deus d a var ío la” e o t ermo do quicongo
Ntoto, co m a significação de t erra. E m P esso a de Cast ro o t er mo Quingongo
aparece co mo uma das deno minaçõ es da d iv ind ade Cavun go.
Na co mu nidad e, ele aparece co m esses nomes, exalt ados at ravés das cant igas.
E le é o Senho r da t erra, ligado às do enças ep idê micas e à sua cura, po r isso é
t ido co mo o "méd ico dos pobres".
Congo*
Na comunid ade
País. Designa os cando mb lés Ango la-Congo o u Congo -Ango la.
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
Pessoa de Cast ro (2001:211):
CONGO ( ba n t o) 1. (PS)- s. m . t oque esp e ci a l m en t e par a
Dandal un da e R oxomunc umbe . Ki k. Nk ongo.
Cong ombi r a,
2. (PS)-s. naç ão- de -c and ombl é cu ja
r el i gi osa é de ba s e es sen ci a l m en t e banto. Ver . Angol a.
t er m in ol ogi a
3. (B R )-s/a dj. Desi gn a çã o da d a a o a fr i ca n o bac ong o
pr oven i en t e do r ein o do C on go, n a s at ua i s r epúbl i ca s do C on go-Ki n sh a sa
e do C on go- Br a z za vi l l e. Cf. mani c ong o. Ki k. Koongo.
2. Na Áfr ica
De acordo com Hagenbucher-Sacr ip ant i ( 1973:23) 49, o t ermo é do qu ico ngo .
E le exp lica o seu significado :
. . . a pa l a vra ngo, que si gni fi ca pa n t era , em qui con go, sí m bol o d e for ça e
pod er , ser á, segun do a l gun s a ut or es, a ori gem do t er m o Con go. . .
Comentários
Nos Cando mblés Ango la, o t er mo se r efere aos países afr icanos, mas é
t ambém a designação dos cando mblés Co ngo -Ango la ou Ango la-Co ngo ,
embora, o ma is co mum seja Cando mb lé Ango la.
49
Hagenbucher-Sacripanti (1973:23) ...le mot ngo, qui signifie panthère en Kikongo, symbole de force et de puissance, serait, selon certains
auteurs, à l’origine du terme Kongo...
242
Cudiá*
Na comunid ade
Co mer. Co mida. Aliment o .
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
Pessoa de Cast ro (2001:214) reg ist ra:
CUDI Á (ba n t o) (LS ) –v. c om er . Var . c udi á, c un i á, c ur i á. Ver i ngui di á.
Cf. aje um. Ki k. / Kim b. k udy á.
2. Na Áfr ica
De acordo co m Pedro (1993:136), o t ermo é do quimbu ndo e pert ence à
classe 15 que correspo nde, fo r ma lment e, ao prefixo no minal /ku-/. Esse
prefixo marca o singular:
k ùdy à ‘com i da , a l im en t o’
Na classe 6, o aut or reg ist ra o prefixo nomina l / ma-/ qu e mar ca o plural do
t ermo:
Mà + k ùdy à - màk ùdy à
‘com i da s, a li m ent os’
Pedro (1993:136) regist ra t ambém o vocábu lo para exemp lificar a fu nção
d ist int iva do acent o, vist o co nsiderar a exist ência, em qu imbundo , além do
to m t ambém o acent o diferencial:
Kú – ‘dy à
‘com er ’
‘Kú – dy à
‘com i da , a l im en t o’
Comentários
Confor me já abo rdado ant er io r ment e, o s prefixo s de classe d ist inguem o
nú mero em quimbundo ; em po rt uguês, a marca de p lural se faz co m o
acréscimo do -s.
O t er mo cudia possui var iações de pro nú ncia: g udiá, ingui diá, cudi á, cúria.
E o seu sent ido per manece, po rém co m alguma ressignificação , sobret udo ,
quando se refere às oferendas às d iv indad es.
243
Dandalunda*
Na comunid ade
Senhora das águas doces, da fert ilid ade e da fecu nd ação .
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
Pessoa de Cast ro (2001:218):
DANDA L UN DA ( ba n t o) ( PS) – s. i n qui ce da s á g ua s, equi va l en t e a Oxum
e I em a n já , patr on a da s m ulh er es gr á vi da s e d os r ecém -n a sci dos. N om es:
An gol e(i )r a , Dan dá , Dan da z um ba , Gon gom be r a, Ia dal un da, Ia ma z i,
Lem ba ca l un ga , Ma l em ba , Ma m et o-Ca l un ga , Mi cá i a , Mucun ã , Mã eDa l un da ,
Pan dá ,
Quian da ,
Qui ssi m bi ,
Qui ssi m bi -Qui a m a z a,
Rem a ca l un ga, Ser e(i )a -Mucunã . Sa uda çã o: m ez aca l un ga, t err en a ca l un ga .
T oque s: a n gol a , c on go. N om es i n i ci á t i cos: D i a m az i , Lon da di al on go,
Ma z a ca l un ga, Sa m ba -Di a m on go. Ver m ã e-d' á gua . ki k./ ki m b. Ndan da
L on da .
2. Na Áfr ica
Coelho (1987:27-53), no cap. I , t rat ando da hist ó r ia do s po vo s ambu ndos do
reino de Ndongo, se refere ao r io Ndande ao no rt e e ao impér io Lu nda a
no rdest e.
Comentários
É possível que o no me at r ibu ído, no Brasil, à divindad e das águas do ces
t enha sua o r ig em no no me do r io e com o s povo s v izinhos do reino de
Ndongo. E ssa minha hipó t ese t em po r base o regist ro escr it o , no Terreiro
Loabá, co m a grafia Nda ndalunda. Há var iações quant o à pronúncia no fina l
do vo cábu lo : Dandaluna, Dandalunga, Dandalunda.
Incosse*
Na comunid ade
Nome da d ivindade do ferro , da agr icu lt ura e da t ecno lo gia.
Bibliografi a de referência
244
1. No Brasil
Pesso a de Cast ro (2001:253)
INCOCE (ba n t o) (LS) –s. Ver Rox o. Ki k. Nkosi , um gr an de in qui ce.
2. Na Áfr ica
De acordo co m Hagenbucher-Sacr ipant i (1 973:105), o t ermo Nkosi se refer e
a uma d ivindade ligada às águas.
Ndonga Mfuwa (co municação pesso al, 20 06): nkosi ‘leão’.
Comentários
Na co munidade, Incosse é o Senho r do ferro, da for ja, da t ecno lo g ia, da
agr icult ura. A ele t ambém são at ribu ído s o s caminho s, mas sob a ót ica da
"abert ura dos caminho s", po r isso mesmo possu i uma lig ação bast ant e
est reit a co m Inzila.
Nos Cando mblés Ango la, de mo do geral, há out ro s nomes pelo s qua is é
conhecido:
Roxi
reafr icanização
Mocumbi,
pelo
qual
Incosse
algu mas
Mocumb e.
comunidades
O
est ão
processo
de
passando
lhe
at ribuem o co nceit o de "o leão". De aco rdo com Ndonga Mfu wa a t radução
do quico ngo do t er mo nkosi é ‘ leão ’. É asso ciado t ambém às guerras e ao s
so ldado s, mas não à água confo r me afir ma Hagenbu cher-Sacr ipant i.
Indumbi
Na comunid ade
De acordo co m a mameto Quindand alakat a:
In dum bi si gn i fi ca a quel e que si m pa t iz a , ma s a in da n ã o per t en ce.
In dum be si gn i fi ca : o i gn oran t e. E ssa pa l a vra t em o pes o qu e é d e
i gn orar , que n ã o c on h ece, i ss o quer di z er pr a n ós: o i gn or a nt e – a quel e
que i gn or a , que n ã o con h ece, el e quer sa ber , el e quer a pr en der . . . e,
a ssi m , t udo n a vi da . T udo a quil o que eu n ã o sei , sou i gn or an t e, i gn or o.
Bibliografi a de referência
1. No Brasil
O vo cábu lo não fo i encont rado na biblio grafia d e referênc ia.
245
2. Na Áfr ica
De acordo co m Assis Junio r (1941:33), o ter mo é do quimbundo :
Ndum be. Su b. P es s oa que r e ce be i n st r uçã o r el i gi osa pa r a ser a dmi t i da
a o ba pt i sm o / . . . / n ovi ça . Adj. Que s e pr epa r a pa ra pr ofe ssa r em sei t a
r el i gi osa . Nova t o; pr in ci pi ant e; n ovi ç o.
E regist ra t ambém o plural jindumbe ‘no viços, no viças, no vat os, novat as ’
(p.72).
Come nt á rios
Esse é ma is u m t er mo quimbu ndo co m a pré-nasal e co m o prefixo no mina l
da classe 10, marcando o p lural. No po rt uguês br asile iro, o t ermo assume a s
caract er íst icas do port uguês, que não t em pré- nasais, acrescent ando
i- no
in íc io da palavra e -s para mar car o plural.
Fo i mant ido, no Brasil, o sent ido que o t ermo t em na Áfr ica.
Ingana Zâmbi*
Na comunid ade
Senhor Deus.
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
Pessoa de Cast ro (2001:153) reg ist ra:
ANGAN ANZ AM BI ( ba n t o) ( LS) –s. D eus. V er Ga n gaz am bi . Cf. a n gan a .
Ki k. / Ki m b. Ngan a Nz am bi , Senh or Deus.
2. Na Áfr ica
De aco rdo co m Assis Junior (1941:3 8), o ter mo é do quimbu ndo:
Nga . Sub. Abr ev. de ngana, sen h or ; senh or a .. .
Comentários
O t er mo, co mo se pode no t ar, perde a pré-nasal e em po rt uguês, oco rrendo a
inserção do i: ingana. O seu sent ido per maneceu.
246
Inganga*
Na comunid ade
Feit iceiro .
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
Pessoa de Cast ro (2001:240) regist ra:
GANGA ( ba n t o)1. (LS)-s. ch efe; ocul t i st a , vi den t e,
babal aô, tata. Ki k. / Ki m b. Nganga / Um b. oganga.
sa cer dot e.
Cf.
2. Na Áfr ica
De aco rdo co m Assis Junio r (1941:39), o t ermo é do quimbundo :
Nga n ga. Adj. E su b. Sa c er dot e; pr ofet a . Que t em ou r e vel a gr a n de
sa ber . ..
Hagenbucher-Sacr ipant i (1973:73-189) reg ist ra a fo r ma ngãng a para o t er mo
quico ngo e lhe at ribui alguns sig nificados. O inganga po de ser: Ngãn ga
Mvumba, o det entor do poder; ngãnga mbuka, o curandeiro; ngã nga mvula, o
feit iceiro da chuva; ngãnga kutesi, o mest re adiv inho et c.
Comentários
Na biblio grafia de referência, po de-se no t ar a perda da pré-nasal, reg ist rado
por Pessoa de Cast ro .
Na co munidade, o t er mo aparece em t ext os escr it os co m a pré- nasa l, mas na
pro núncia das pessoas ocorre a inserção do i ant es da pré- nasal. E o sent ido
est á mais pró ximo do s regist ros de Assis Junior e Hag enbucher-Sacr ip ant i.
Há, at é, uma cant iga que parece ser u ma exalt ação ao inganga: “Vunji é
quet a mona cao inganga / Ê ê ê ô ing anga”. Vunji é o esp ír it o prot eto r das
cr ianças e mona significa cr iança. E nt ão , é possível que essa cant ig a est eja
se refer indo às caract er íst icas do ingang a de pesso a sábia e que po de ensinar
as cr ianças.
Inquice*
247
Na comunid ade
Co nju nt o das divindades do cando mblé angola.
Bibliografi a de referência
1. No Brasil
Pesso a de Cast ro (2001:255) regist ra:
INQ UICE (ba n t o) (PS) –s. m . desi gn a çã o gen ér ica da s di vi n da des em
c on go-a n gol a . Cf. or i xá , vodum . Ki k. / Kim b. n kí si / Um b. eki si .
2. Na Áfr ica
Hagenbucher-Sacr ipant i (1973:30 e 105) 50 obser va a co mplexid ade em
relação à no ção de inquice, por haver uma var iedade de t er mos de
difer ent es aut ores. Apresent a uma definição de Nkisi, cu jo plur al é Baki si
do quicongo:
O Nk i si n ã o pod e s er a ssi m i l a do excl u si va m en t e a um objet o ou a um
espí r i t o. Despr ovi do d e un i ci da de, el e é dot a do d e um a t ot a l
ubi qüi da de, en ca rn a -se, i n di fer en t em en t e, na s pl an t a s, n os a n im a i s,
n os h om en s, e par ece c on st i t uir , n a m an ei ra com o el e a fet a e possui
ess es úl t i m os, um a em a na çã o vi va , a t i va e l úci da dos el em en t os t er r a
(si , nt hãdu) e á gua (ma:si ). / .. . /
As palavr as si e nthãdu se refer em ao element o t erra, po rém d iferem no
sent ido:
A pa l a vr a si r epr esen t a, sobr et udo, o pa í s, a t er ra com o en t i da de
ge ogr á fi ca e pol í t i ca , cuj os l i m i t es podem va r i a r en tr e a s di m en sõe s d e
um a a l dei a e a quel a s que for m a m o c on jun t o de um r ei n o. A pa l a vra
nt hãdu si gn i fi ca um a gr an de ext en sã o d e t er r a , um a pl an í ci e, m a s pode
si gn i fi ca r , t am bém , a ver t i ca l i da de, a pr ofun di da de m i st er i osa de um
dom í n i o desc on h eci do p el o h om em .
Comentários
Do po nto de vist a lingüíst ico, o t ermo assume as caract er íst icas do
po rt uguês brasileiro, ou seja, à pré- nasal fo i acr escido / i-/ e o /k/ fo i
subst it uído por /c/ inco sse. Opt ei pela gr afia co m do is ss e não co m c, po is
50
Hagenburcher-Sacripanti (1973:105) Le Nkisi ne peut en fait être assimilé exclusivement à un objet ou un esprit. Dépourvu d’unicité, il est
doué d’une totale ubiquité, s’incarne indifféremment dans les plantes, les animaux, les hommes, et semblent constituer dans la manière dont
il affecte et possède ces derniers, une émanation vivante, active et lucide de la terre (si, nthãdu) et de l’eau (ma :si). /…/ Le terme « si »
représente surtout le pays, la terre en tant qu’entité géographique et politique, dont les limites varient entre les dimensions d’un village et
celles de l’ensemble du royaume. Le mot « nthãndu »signifie une grande étendue de terre, une plaine. Il peut signifier aussi la verticalité, la
profondeur mystérieuse d’un domaine inconnu de l’homme.
248
é assim que aparece no s regist ro s escr it os dessa e de o ut ras comunidad es.
A co mp lexidade t rat ada por Hagenbucher-Sacr ipant i po de ser um do s
mot ivos p elos quais muit as casas de candomblé ango la ado t aram o pant eão
ioruba.
Invulaio/vulaiô*
Na c omunid a d e
Cant iga para Angorô :
Angorô casimbi d ia invu la
invu laio lese
invu la inganga sese
Bibliogra fi a de referência
1. No Brasil
O t ermo não fo i encont rado .
2. Na Áfr ica
Assis Junior (1941:375) regist ra o t ermo quimbundo :
Nvul a . Sub. Ch uva .
Nso nd é (1999:167) reg ist ra o t ermo qu ico ngo mvúla ‘chu va’.
Mfuwa (co municação pesso al, 2006) in for mo u so bre o t ermo qu ico ngo :
m vul a : ch uva
m vul a yo: est a ch uva , ch uva desse a n o, a t ual
n gan ga vul a : poder de fa z er ch over ou i m pedi r de ca i r a ch uva
Come nt á rios
Os t er mo s invul a e inganga aparecem escr it o s na co munidade co m as grafias
afr icanas quimbundo e quico ngo nvula / nganga. Esse reg ist ro co mpro va o
processo de reafr icanização pelo qual passa o Terreiro Loabá. E m seus
reg ist ro s há t ambé m as fo r mas /nvula nganga/.
A cant iga pode ser int erpret ada a part ir do mit o de Ango rô (cf.cap.1) e a
co mu nicação pesso al de Mfuwa: Ango rô é a divindade do arco- ír is e t em o
po der sobre as águas das chuvas, po rt ant o at ravés d a cant ig a pede-se a
249
Ango rô que faça cho ver, que t raga a chuva nesse ano , nesse mo ment o (a
chu va at ual mvul a yo)
Inzila
Na comunid ade
Guardião e senho r do s caminhos.
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
Pessoa de Cast ro (2001:)
POM BAJI RA ( ba n t o) (P S) –s. f. E xu fêm ea , va r i an t e de Ba m boji r a ,
r epar t e c om el e o c on tr ol e da s en cr uz i lh a da s e ca m i nh os, e ex er c e
i n fl uên ci a sobr e os n a m or os, n oi va dos e c a sa m en t os des fei t os. É
r epr esen t a da n a fi gura de um a m ulh er sedut or a, br an ca , de ca bel os
l on gos e l our os, t i da com o pr ot et or a da s prost i t ut a s. Ki k. / Kim b.
Mpem ba Nji l a , n om e de i n qui ce, a ( cr uel ) a l vur a do ca m i nh o + m pem bu
m pa m bu i a n ji l a , o en vi a do d o ca m i nh o.
2. Na Áfr ica
Cordeiro da Mat t a (1893:127):
Pâ m bu, s. At a l h o, en cr uz ilh a da, fr on t ei ra . / / k usómbôk a pambu, t r an spor
um a en cr uz ilh a da. Pl. Ji pâmbu.
Pa m bua n ji l a , (pambu i a-nji l a), s. En cr uz ilh a da.
Assis Ju nior (1941:355) regist ra o t ermo pambu do qu imbundo :
Pa m bu. Sub. At a l h o.
Cam inh o
que,
for a
da
est r a da
c om um ,
en cur t a
as
di st â n ci a s: __i a n ji l a .
Cam inh o que se sepa r a do pr in ci pal.
Pedro (1993:129 e133) regist ra o t ermo njìlà do quimbundo :
nj ì l à
-
‘ca minh o’ - cl a sse 9 - pre fi xo / z er o-/
j i + njì l à=j ì njì l à
-
‘ca m inh os’ - cl a sse 10 - pr efi xo n om i n a l / ji -/
Comentários
Do pont o de vist a lingüíst ico , pode-se perceber a ag lut inação do t er mo
pambu ia njila ( Assis Junio r), result ando pambujila, o co rrendo as var iaçõ es,
250
nas
co munidades
de
Cando mblé
Ang ola,
para:
pombojira,
pamb ujira,
pombuji ra, pamboji ra, pombaji ra, ou, aind a, mudando , de aco rdo co m as
cir cunst ânc ias da expressão oral, o -ra pelo -la.
Assim, é possível supo r a segu int e t ransfo r mação:
Pambu ia njila > pambuanjila > pamb unjila > pambujila > pa mbuji ra >
pamboji ra > pomboj ira > po mbaji ra
1ª do quimbu ndo - (subst .) pambu + (prep.) ia + (subst .) njila;
2ª do quimbu ndo - compo sição por ag lut inação pambuanjila.
A part ir da t erceira for ma apo nt o hipót eses de var iaçõ es no Brasil:
3ª pambunjila - desapar eciment o do a;
4ª pambujila - perda do n;
5ª pambujira - subst it uição l ~ r;
6ª pambojira - subst it uição u ~ o;
7ª pombojira - subst it uição a ~ o;
8ª pombajira – su bst it uição o ~ a.
Essa d ivind ade é cult uada, de modo geral, co mo o Senho r do s caminho s, das
encruzilhadas, das bifurcaçõ es, da co municação. Ele é o guardião das
co munidades e, por isso mesmo, po ssu i um a ssentamento na ent rada. E m
algumas co munidades possui u ma casa q ue é conhecid a co mo Casa de Exu,
lo cal o nde ficam o s seus assent ament o s e que pert encem aos filho s da Casa.
Alé m do no me mencio nado, ele po de ser ident ificado at ravés de out ro s
no mes, segu ndo os f undamentos de cada co munid ade: Exu, Pambujila,
Pombojila, Bombo mzil a, Aluvaiá. A maneira de cult uá- lo var ia t ambé m
segu ndo os f undamentos de cada co munid ade. E m alg umas casas consider a-se
o seu cult o enquant o d ivindade, t endo seu s filho s in ic iado s para ele; em
o ut ras, seu cult o é realizado diferent ement e, expressando u m lado não de
d ivindad e, mas de ent idade qu e ent ra em t ranse d e possessão em pesso as qu e
não lhe foram consagradas at ravés do s processo s iniciát ico s.
Essa d ivindade possui uma caract er íst ica lig ada ao sexo , à procriação e rege
251
a penet ração do ato sexual.
Devido a isso, Exu é cult uado em algumas casas de cando mblé e na Umbanda
co mo pombagi ra, ent idade feminina qu e, em t ranse de po ssessão , fu ma
cigarros finos, bebe champanhe em t aças de cr ist al, vest e-se de maneir a
exuberant e e represent a uma mu lher sensual.
Loabá
Na comunid ade
Loabá era o no me in iciát ico de Mar ia d e Lourdes Andrade.
Bibliografi a de referência
1. No Brasil
O t ermo não fo i encont rado .
2. Na Áfr ica
Jadin (1964:259) 51:
No di st r i t o de Ma ssa n gan o, há , i gua lm en t e, t r ês ca pel a s em m a dei r a,
pou c o pr ovi da s d e or n a m en t os; el a s possu em um pa dr e n om ea do pel o
bi sp o. E ssa s ca pel a s, Sã o Ba r th ol om eu da T om ba , San t a Anna de Loa ba
e N. Sr a . do Dest er r o, que sã o c om o a n exos da pa r óqui a de
Ma ssa n gan o…
Comentários
O t ermo refere-se ao no me de uma sant a cat ólica do dist r it o de Massangano ,
Sant a Anna de Lo aba. O dist r it o pert encia ao reino de Ndo ngo e ficava nas
proximid ades do r io Cuanza (cf. mapa de Randles no cap.1).
O no me inic iát ico da fu ndado ra do t erreir o Loabá t er ia sido t ransplant ado ao
Brasil po r pessoas que vier am desse dist r ito de Massangano ?
As pesso as da co mu nidade não revelar am o significado do no me Lo abá.
51
Jadin, (1964:259)"Dans le district de Massangano, il y a également trois chapelles en bois, mal pourvues d'ornements; elles possèdent un
curé nommé par l'évêque. Ces chapelles, São Bartholomeu da Tomba, Santa Anna de Loaba et N.D. do Desterro, qui sont comme des
annexes de la paroisse de Massangano…"
252
Mameto*
Na comunid ade
Mãe. Nossa mãe.
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
Pessoa de Cast ro (2001:273) regist ra:
MAME T O ( ba n t o (PS) –s. f. n ossa m ã e, t r a t am en t o pa r a sa cer dot i sa
c on go-a n gol a . Va r. m am et o-d(e )-i n qui ce. Ver ba bá , m i a cot a , z el a de(i )r a .
Cf. t a t et o. Ki k. / Ki m b. ma m et u, n ossa m ã e, sem l a ços c on sa n guín eos.
2. Na Áfr ica
De aco rdo com Assis Junio r (1 941), t rat a-se de uma ag lut inação do
quimbundo:
Ma m a . Sub. / . .. / m ã e. (p. 276)
Iet u. a dj. e pr on. poss. pl . (con t r . da pr ep. Ia e do pr on . pess. pl . et u) (p. 56)
Ma m ’et u.
Adj.
e
pr on. pess. pl . con t r .
de
m am a
e
de
et u:
n ossa
m ã e. (p. 276)
Comentários
Lingü ist icament e,
o
t ermo
mameto
caract er iza- se
pelo
pro cesso
de
co mpo sição por aglut inação : mama ‘mãe’ (subst .) + ietu ‘nossa’ (pron.poss.)
mameto.
Na co mu nidade, o t er mo fo i ressig nificado. Ele é empregado aco mpanhando
o
no me
das
mat r iarcas
do
Terrei ro
Loabá:
mamet o
Loab á,
mameto
Indandalacata e as d ivindades femin inas, co mo: ma meto Danda lunda,
mameto Caiangô et c. Em out ras comunidades t ambém aco mpanha o no me d as
d ivindad es e das mães-de- santo.
Matamba*
Na comunid ade
Um dos no mes pelo qual é co nhecida a d ivind ade do s vent o s, t empest ades e
da fert ilid ade.
253
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
Pessoa de Cast ro (2001:279) regist ra:
MAT AMBA ( ba n t o) 1. (LS) – s. i n qui ce dos r a i os , t r ovõe s e t em pest a d es,
equi va l en t e a Ia n sã. Cf. Za z i . Nom es: Am bu r ucem a , Ba m bur ucem a ,
Ca i an go, In coi ja m a m bo, Nun vur ucem a . Nom e i n i ci á t i co: Qui t em bo. Ki k.
Ma t a m ba . 2. (BR) –s. f. Ver m ut a m ba .
2. Na Áfr ica
De acordo com Assis Junior (1941: 280) e Rand les (196 8:22), Mat amba er a
u m grande reino e se sit uava na fro nt eir a lingü íst ica quico ngo -qu imbu ndo .
Sua rainha Mu nongo Mat amba era uma gu erreir a, mas fo i vencid a pela r ainh a
Jinga, de Ango la, e o reino de Mat amba foi anexado ao de Ango la em meado s
do século XVII.
Comentários
Do po nto de vist a lingüíst ico , o t ermo Matamba per maneceu t al qual fo i
t ransplant ado para o Brasil.
Do ponto de vist a ant ropo lóg ico, Matamba era um reino e não u ma
d ivindad e. Co mo Matamba se t o rno u divindade no Brasil? Uma hipó t ese
pro vável t alvez seja a de que, cat ivos or iundo s desse reino , aqu i no Brasil, a
reverenciavam de algu ma fo r ma e isso pode t er se perpet uado at ravés d a
o ralid ade, levando-a à cat egoria de inqui ce bant o .
Mutacalombo*
Na comunid ade
Senhor da caça e respo nsável p elo aliment o no mu ndo .
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
Pessoa de Cast ro (2001:294) regist ra:
MUT A LOM BÔ (ba n t o) (PS) –s. n om e de C on gom bi r a . Ki k. m uta l on go,
fuz i l sa gra do.
254
MUT AC ALO M BÔ
( ba n t o)
(LS)
–s.
n om e
de
Con gom bi r a .
Var.
Mut a cul om bô. Ki k. m ut a ka n l on go, ar co sa gr a do, in t er di t o.
2. Na Áfr ica
Oscar Ribas (1975:50):
Mut ac al ombo é o espí r i t o que sup er i n t en de n a esfer a dos a n i ma i s
a quá t i cos.
Comentários
Senhor da caça, da fart ura e da abu ndância. E le é co nhecido po r d iferent es
no mes: Mutalambô, Burunguro, Congo mb ira, Cab ila. Po r ser uma d iv indade
lig ada à flo rest a, é considerado o prot etor da nat ureza e est á lig ado ao cu lt o
dos cabo clo s bras ileiro s.
Muzenza*
Na comunid ade
Noviça, no viço; filha ou filho de sant o. Muzenza é t ambém um r it mo
musical.
Bibliogra fi a de referência
1. No Brasil
Pesso a de Cast ro (2001:293) regist ra:
MUNZE N ZA ( ba n t o) (PS) –s. f. o n ovi ç o em c on go-a n gol a . Cf. i a ô,
vodun ce. Va r . m uz en z a. Ki k. / Ki m b. m uz enz a , pagã o, est r an gei r o.
2. Na Áfr ica
De acordo co m Assis Junior (1941:3 15), o t ermo é do quimbundo :
Mun z enz a. a dj. e sub. For a st ei r o; a dven t í ci o.
Que n ã o est á h a bi t ua do a os us os da l oca l i da de: san ji i a __.
Nova t o;
Ign or an t e.
Comentários
E m port uguês, na co mun idad e, não aparece a nasalidade na segund a sílaba
255
( mu- nze/ nze) do t ermo. Em qu imbu ndo: munzenza ; no po rt uguês br asile iro :
muzenza.
O seu sent ido fo i alt erado, po is, na co munid ade, refer e-se à pesso a que já
fo i iniciada no cando mblé: é a f ilha o u f ilho-de-san to. O vo cábu lo designa
t ambém um r it mo musical e uma dança do s cando mblés ango la.
Oni
Na comunid ade
Senhor.
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
Cacciat o re (1988) regist ra:
on i : T ít ul o à s vez es da d o a Xa n gô. F. p. – i or .: "2 ni" – t í t ul o do r ei d e
Ifé; ou " on i " – possui dor , don o (si gn . senh or, r ei ).
2. Na Áfr ica
De aco rdo co m o Abr aham (1958: 521) 52, o ter mo é do ioruba:
0 ni (1) T í t ul o do g over n a dor de Ifé.
Comentários
Na co mu nidad e, o tom alt o e baixo at r ibuiu a t o nicidade à últ ima sílaba. O
seu sentido foi ressignificado no Brasil.
Quitembu
Na comunid ade
Quit embu é o senhor da at mosfera. É t ambém designado co mo Tempo.
Bibliografi a de referência
1. No Brasil
Pesso a de Cast ro (2001:328 e 341) reg ist ra:
52
Abraham (1958:521) 0ni (1) Title of the Ruler of If4.
256
Q UIT E MBE (ba n t o)(PS) –s. n om e de Te mp o. Ki k. Ki nte mbe .
Q UIT E MBO ( ba n t o)(LS ) –s. n om e i n i ci át i co de um devot o
M atamba, deusa da t em pest a de. Ki k. / Kim b. Ki t embu, t em pest a de.
de
T E MPO ( ba n t o) (PS) -s. i n qui ce qu e r esi de n um a á r vor e sa gr a da , t em
o d om í n i o do ven t o, da t em pe st a de, equi va l en t e a Ir oc o e i den t i fi ca d o
c om Sã o L our en ço. Va r . Qui t em be, T em po- Di a ba n gan ga, T em poQui a m uí l o. Sa uda çã o: z a ra t em po. Si m bol i sm o: u m a gr elh a on de a ssa o
ga l o que l h e é sa cr i fi ca do. Nom e i n i ci át i co: Qui gon go, Di n za m be,
Qui t um bo. V er Loc o. Cf. Za ca z i . Ki k./ Ki m b. T em bu, di vi n da de d o
ven t o, t em pest a de.
2. Na Áfr ica
De acordo co m Assis Junior (1941:146), o t ermo em qu imbundo :
Ki t em bu. Sub. V en t an ia . T em por a l.
Nso nd é (1999:167) reg ist ra o t ermo qu ico ngo témbo ‘vent o’.
Comentários
Inquice ligado ao t empo crono ló gico , à at mosfer a e t ambém a u m t empo
ind efin ido, mit o lógico. Em t o das as Casas de Cando mb lé d e Nação Ango la
é hast eada uma bande ir a br anca que é o seu símbo lo . É consid erado co mo
um dos inquices que pro move as t ransfo rmaçõ es na vida dos seres hu mano s
e na nat ureza.
Vunje
Na comunid ade
Inocência.
Bibliog rafi a de referência
1. No Brasil
Pessoa de Cast ro (2001:350) regist ra:
V UNJE ( ba n t o) 1. (L S) –s. i n qui ce pr ot et or da s cr i an ça s, equi va l en t e a
i bê ji . Va r . In vun je. Ver Zun z e. Nom es: An gol ê, Lum bugur o. Ki k.
m vun ji , cr i an ça . 2. (°LP) –a dj. m ui t o esp er t o, sa bi d o, a t i l a do (d e
r efer ên ci a a cri an ça s). Ver ca fun je. Ki k. (ki )vundi .
257
2. Na Áfr ica
De aco rdo co m Oscar Ribas (1975:14 5), o t ermo é do quimbu ndo:
Vúnj i , s. f. E spír i t o fem i n in o que a dm in i str a a jus t i ça . Ent i da de espi r it ua l
da just i ça . É ún i ca e sa i u de um a l a goa . Pod e m an i fest a r -se n o ven tr e
m a t ern o. ..
Comentários
Lingü ist icament e, o t ermo possui so ment e var iação o rtográfica / vúnji, vu nje/,
porém o seu sent ido fo i alt erado . De ent idade esp ir it u al da ju st iça passou a
ser u ma ent idade ligada à in fância. O fa to de ser u ma ent idad e que “pode
man ifest ar-se no vent re mat erno” (cf.Ribas) t alvez t enha co nt ribu ído para
to rná- la, no Brasil, uma ent idad e lig ada à ino cência e à infância; porém, o
carát er de just iça não per maneceu.
Zaze*
Na comunid ade
Zaze é o senhor do t rovão. Represent a o equ ilíbr io do cosmo .
Bibliogra fi a de referência
1. No Brasil
Cacciat o re (1988) e Pessoa de Cast ro (2001) reg ist ram os vár ios no mes
pelos qu ais a divindade é co nhecida no s r ito s:
a ) Za z e: Di vi n da de a n gol a do r a i o, cor r espon den t e a o Xa n gô d os n a gô.
T a m bém Za z e-Ka m ba r an guan je. F. – ki m b. : "nz aji " – r ai o, cor i sc o.
b) Za z e-m a m bem be: Ra i o d e Ia n sã , m a i s fr a co que o de Xa n gô ( U. ). F.
– ki m b. : "n z a ji " – ra i o, c or i sco; m a m bem be – (i n fer i or , sem
i m por t ân ci a ?).
c) Za z e-z a z e: Ra i o d e Xa n gô, m ui t o for t e (U. ). F. – ki m b. : "n za ji " –
r ai o.
(Ca cci a t or e, 1988: 255)
ZAZ I ( ba n t o) (PS) – s. i n qui ce dos r a i os, equi va l en t e a Sobô e Xa n gô.
Va r . In za z i.
Nom e s: Ca fel em pa n go, Im pan go, Lua n go, Lum ba m bo, Lum bom bo,
Qui a çuba n ga , Qui a çuben ga n ga , Qui buc o, Qui bur o, T a t a -Muí l o, T i bur o,
258
Za z i quel em pon go. N om es i n i ci á t i cos: Qu ei n guen gue, Qui çuba n gan da,
Qui çu ba n gan go, Um ba n guan je. Sí m bol o: ut em a . Sa uda çã o: qui buc oqui a çuba n ga . Ki k. / Kim b. Nz a zi .
(Pes s oa de Ca st r o, 2001: 356)
2. Na Áfr ica
Heusch (1972: 47-96), descreve no cap. II , o pensament o co smo gô nico bant o,
sust ent ado pelo mit o do arco- ír is (Nkon golo) e do relâmpago (Nzazi). O
mit o cont a a hist ó ria, ent re vár io s po vo s do grupo lingüíst ico bant o : Lunda,
Lu ba, Kuba, Venda, Ho lo ho lo, Yo mbe, baco ngo , dent re out ro s, sobre as
est açõ es das secas e das chuvas. O mit o reve la as desavenças ent re
Nkong olo, divindad e lig ada às águas das chuvas e o arco -ir is e Nza zi, o
chefe do céu, divindade dos raio s, dos relâmpago s. São as lut as, as qu erela s
e os pact os de aliança ent re esses do is personagens q ue explicam, par a
esses povo s, o porquê do s longos per ío dos de seca o u de chu vas t orrenciais.
Pedro
(1993:130)
regist ra
o
t er mo
qu imbu ndo,
que
correspo nde
fo r malment e à classe no minal 9 sing., prefixo zero:
Nz à jì
‘fa í sca , r a i o’
E (p.133) a classe 10 que correspo nde, fo r malment e, ao prefixo no minal pl.
/ ji-/
Jì + n zà jì = jìn zà jì
‘fa í sca s, r a i os’
Nso nd é (1999:167) regist ra o t ermo do quico ngo Nzà zi ‘raio’.
Comentários
Na co munidade, o t er mo aparece em t ext o s escr it os co m a grafia Zazi, mais
próximo do t er mo luba regist rado por Heusch Nza zi e qu ico ngo regist rado
po r Nsondé Nzàzi. Heu sch apresent a o t ermo co mo sendo o nome da
d ivindade chefe do céu, cu jo do mínio são os relâmpagos, o s raios; ele t em o
po der de colo cá- lo s em ação para que a chu va caia so br e a t erra, mas par a
isso precisa ent rar em acordo co m Nkongolo, o arco-ír is. Nso nd é regist ra o
t ermo quico ngo apenas co m o sig n ificado ‘raio ’. Pedro reg ist ra o t er mo do
qu imbu ndo e apresent a as suas caract er íst icas pura ment e ling ü ist as.
259
Assim, o t er mo luba Nzazi e q uico ngo Nzàzi fo ram o s que p er manecera m,
sem a pré- nasal apenas. O sent ido per maneceu mais próximo do reg ist ro de
Heusch que o ident ifica co mo a d iv indade do s raio s, do s relâmpago s.
Alg uns t er mos do qu ico ngo foram id ent ificado s no meu corpu s po r Ndo nga
Mfuwa, falant e dessa língua qu ico ngo , em comun icação pessoal.
1. aqüet o – akweto: os o utros
2. azuelê – kuzwela: falar
3. bio lê – bio le: duas co isas
4. caiá – kaya: oferecer, dist ribu ir
5. calunga – kalunga: mar
6. cavungo – kavungo: no me indiv idual, com co no t ação de chefe; statu s
no cont ext o do clã
7. cut ala – kut ala: o lhar
8. dilê – dila: chorar
9. incosse – nkosi: leão
10.ing anga – nganga: feit iceiro
11.ingo ma – ngo ma: t ambo r
12.int ot o – n’t ot o: t erra (nasal silábica)
13.maio ngo mbê - ngo mbe: vaca
14.male mbe: lent ament e, devagar
15.manzo – ma nzo: alguma co isa d a casa
16.mo na – mwana: cr iança
17.mo co iú – muku iu: bênção
18.panzo – mpanzu: no me de família, clã
19.pemba/pembê – Mpemba: su bst ância, cal, giz
Mpembe: qualid ade do branco
20.quandá – kwa nda: lo nge
21.qüenda – kwenda: caminhar, and ar
22.qu iamaze - k ia maza: de água
23.saquelazenza – sakila: ap laud ir
24.sa me – sa'me: meu pai
25.sibu alelê – sibu: ma ldição
260
26.qu issimbi – kisimbi: sereia, ent idad e das águas, possu i element o s
masculino s e fe minino s
27.zazi – nzazi: raio
28.zenze - nzenza: est rangeiro , visit ant e
29.zinguê – zinga: viver
4.3 Comparação ent re as dua s comunida des
As duas co mu nidade de Cando mb lé Ang ola: Inzó Danda luna e T errei ro
Loabá apresent am os t er mo s de aco rdo com a hist ór ia de seus d ir ig ent es.
O tateto Roxitalamim fo i pai-de-sa nto de Umband a ant es de ser in ic iado no
Cando mblé Ango la. Sua iniciação fo i num dos t errei ro s de Ango la mais
ant igo s da Bah ia: Candombl é de Nação Angola Tomben si. O tateto segue os
ensina ment os t ransmit idos pelo s mais velho s dessa nação, buscando mant er e
preser var a t rad ição afro -bras ileira do cu lt o às divindades do Cando mblé
Ango la. Os ensina ment os aprend idos e t ransmit ido s aos f ilhos-de-sant o visa m
t ambém à pr eser vação da nat ureza, aos est udo s das líng uas do grupo bant o e à
valor ização das raízes afro -brasileiras.
A mamet o Indandalacata bu sca co nciliar a t rad ição herdada das mu lher es
de sua família car nal, pr incipalment e de sua mãe, a mameto Loabá, co m a
busca do s valores afr icanos do s povo s do grupo lingü íst ico bant o. Ela bu sca
o rient ar a sua co munidad e não so ment e para a prát ica da religião em s i
mesma, mas a r eligião co mo um dos int r ument o s de resgat e da hist ó ria do s
afro descendent es,
bu scando
co nsc ient izar
os
f ilhos-de-santo
so br e
a
import ância da preser vação do meio -ambient e, d a educação , da p art icipação
polít ica e do exercício da cidadania.
Po de-se o bser var a predo minância de u m léx ico io ruba no Inzó Dand aluna;
no Terreiro Loabá a predo minância são os t ermo s de língu as do grupo bant o ;
o s seu s regist ro s escr it os apro ximam- se da fo nt e afr icana pela presença das
pré nasa is.
Considerações finai s
A análise de alguns t er mos ext raído s dos t ext os orais co let ado s nas duas
co munidades possibilit o u a ident ificação das líng uas negro -afr icanas: io ruba e
quimbundo , major it ar iament e; embora haja t er mo s do qu ico ngo , Mpemba; do
261
lu ba, Nkongolo. E há t ambém t er mos co mu ns às duas língu as quimbu ndo e
quico ngo , Nzambi, nganga.
Alé m da ident ificação das línguas neg ro-afr icanas, a aná lise per mit iu
ver ificar o que se t ransfor mou, o que per maneceu e o que se (re)significo u
at ravés da cad eia de t ransmissão o ral .
262
5. AS LINGUAG ENS NOS CANDOMBLÉS DE NAÇÃO ANGO LA
Como os pás s aros anunci am a aurora, os tambores no mei o da mata
mos tram o cami nho da afi rma ção da i de nti d ade medi ante as fes tas
nos qui l ombos contemporân eos .
(Moura, 1996 :55)
Os prat icant es dos cando mblés no Brasil herdaram do s povo s afr icano s
expressõ es corporais, gest os, co res, sabores, so ns que fazem part e das
exper iências
vivenciadas
e
t rocadas
ent re
os
difer ent es
grupo s
afro -
brasileiros.
As linguagens visuais, aud it ivas, o lfat ivas, t át eis, de paladar es, de mat izes
d iversas est ão ligadas d iret ament e a u ma maneir a de ser e exist ir daqueles
povo s afr icanos e se enra izaram nas exp ressõ es do po vo brasileiro, em suas
d ifer ent es manifest ações da cu lt ur a popu lar e nas relig iõ es afro -brasileir as.
O o bjet ivo dest e capít ulo é descrever os g est o s, as danças, as mú sicas e as
co res obser vadas e reg ist rad as nas duas co mu nid ades: Inzó Dandal una e
Terrei ro Loabá co mo mode lo das expressões não ver bais dos cando mb lés d e
modo geral.
E mbora essas linguagens se apr esent em int er ligad as na r it ualíst ica, elas
serão descr it as, separadament e, apenas po r uma quest ão met o do ló gica. E as
apresent arei fragment adas em quat ro part es fu ndament ais: a gest ualidade, a
dança, a música e as cores.
5.1 Gestualidade
Exist e nos cando mb lés uma sér ie de g est os que simbo lizam as d inâmicas
no s d iversos cont ext os dos r it uais, e p odem t raduzir cost umes, at it udes e
fo r mas de ver a vida qu e vieram de lo nge no t empo.
263
Ao se assist ir a uma fest a pública de cando mb lé, no Brasil, pode-se not ar
semelhanças nas difer ent es co munidades em relação : à ent rada no barracã o
dos membros relig io sos; à t roca de bênçãos ent re esses me mbros e às
at iv idad es propiciat órias.
5.1.1 Entrada
A ent rada do s membros relig io so s no barracão aco nt ece em for mat o de
caraco l e vão se posic io nando ao so m do s at abaq ues e da dança.
Essa ent rada faz part e de u ma coreo grafia especia l e é o mo ment o da
apresent ação do co rpo religio so da co mu nid ade: na frent e, vem a mãe ou paide-santo da casa, t ocando o ad já o u out ro t ipo de inst ru ment o (na fo t o abaixo ,
é o quiof i) e depo is, os o ut ros membros por ordem h ierárqu ica. Os
co mpo nent es for ma m uma grande roda, g irando em sent ido ant i- ho rár io .
Terreiro Loabá
Após essa ent rada, são fo r madas duas rodas, u ma dent ro da o ut ra. A ro da
maio r é co mpost a pelos ma is no vo s de iniciação e pelo s aspir ant es à
in ic iação ; a menor, co mpost a pela alt a h ierarquia da casa e p elos conv idado s
de outras casas.
5.1.2 Atividades p ropici atória s
Os próximo s mo viment os serão realizado s nas at ivid ades em que se prepar a
o ambient e para os r it uais; co meçam pela part e dedicad a à divindade prot eto ra
das
co mun idad es,
cujo s
do mín io s
são
a
co mu nicação ,
as
ruas,
as
encruzilhadas, o corpo humano : E xu, Aluvaiá, Inzila que é ho menageada para
per mit ir e garant ir o bo m andament o da fest a.
264
Um dos membro s da casa, na maior ia d as vezes, uma mulher, ent ra no
barracão co m o semblant e em co mp enet ração tot al; t raz nas mão s as
o ferendas para a divindade. Essas o fer endas, co mu ment e, são faro fas e m
pequenos algu idares, vela, águ a o u aguardent e nu ma quart inha de barro ;
co loca-se t udo no chão, no cent ro do barracão e acende-se a vela. Essas açõ es
são o bser vadas em silêncio.
Depo is d isso, em a lgumas casas, se faz a defumação. Alg um membro
preparado para isso, t raz um recip ient e cont endo car vão em brasa e er vas
secas. E m mo viment os lent os, jogando o s braços para um lado e para o o ut ro ,
na fr ent e do corpo, vai caminhando ent re as pesso as, incensando t o do o
amb ient e.
Na ú lt ima et apa d as at ivid ades pro p iciat órias, ger alment e, a mã e o u paide-santo pega um recip ient e que cont ém a pemb a ; caminha at é o cent ro do
barracão, despeja o pó da pemba na palma da mão d ireit a e o so pra p ara o
alt o . Repet e esse at o nos quat ro cant os do barracão e, em seguida, despeja
nas mãos dos tocadores de at abaques que esp alham o pó em cima dos
inst rument os.
Esses mo v iment os propiciat ório s, co m algu ma var iação, o co rrem em t o do s
o s cando mb lés.
5.1.3 Bênçãos e cump ri mento s
Todo s vão cumpr iment ar o s po nt os fu nd ament ais do barracão: o cent ro,
lo cal o nde há o f undamento no chão e na cumeeir a, e o s at abaques. Esses
cu mpr iment os acont ece m por h ierarquia: pr imeiro a mãe o u pai-de-santo e o s
o ut ros membros, geralment e, po r carg os hier árqu ico s e po r t empo de
in ic iação . Os iniciados há ma is de set e anos, podem so ment e to car as mão s no
chão e, em segu ida, na t est a; o s mais no vos, bat em o paó (cf.cap.2).
265
Depo is de fazerem os cumpr iment o s nos espaço s, haverá os p ed ido s d e
bênção s à mãe ou ao pai-de-santo e depois aos ir mão s, sempre por o rdem de
t empo de iniciação .
A bênção à mãe ou pai-de- santo é feit a da segu int e for ma: u ma f ilha o u
f ilho-de-santo deit a- se no chão, com as mão s em co ncha, nos pés da mãe o u
pai-de-santo, virando-se u ma vez par a o lado d ir eit o e o ut ra vez para o
esqu erdo; levant a-se, fica de joelhos e beija- lhe as duas mãos.
A bênção ao s irmãos-de-santo é recípo cr a, por isso mesmo , dá-se o no me
de “t ro car de bênção ”, em que u m beija as duas mãos do o ut ro.
Co m alguma var iação, essa part e das bênção s t ambém aco nt ece nas casas
de cando mblé de modo geral.
5.2 Dança
A dança é uma d as expressõ es corpo rais mais ant igas do mu ndo. At ravés
da dança
são
liberadas
t odas as
t ensõ es
co t idianas,
dando
lugar
ao
relaxament o int er ior.
As danças, ao lo ngo da h ist ó ria d a human idade, fo ram ut ilizadas par a
t razer a chu va e para a realização de at ivid ades hu manas de sobrevivência,
co mo a caça, a pesca, a co lheit a; d ançava-se para ped ir a int ercessão do s
deuses e para lhes agradecer as graças recebid as; havia danças sagradas e
pro fanas. Eram manifest açõ es co reo gráficas que aco nt eciam em cír cu lo s e
co let ivament e, sobret udo. E fo ram-se cr iando d iferent es t ipo s d e dança:
danças religio sas, dança da chu va, dança da guerra dent re out ras.
No Brasil, as danças po pu lares foram insp iradas pela mist ura ent re
euro peus e povo s afr icanos: a dança do divino espír it o sant o , a dança d as
co ngadas, a d ança do pau-de- fit a, a dança do t ambo r, a dança da qu adr ilh a
et c. (cf.Câmara Cascudo, 2001:178-185).
266
Os cando mblés são espaço s pr ivileg iados da dança; são locais em que o
sagrado e o profano não o bedecem às regras est abelecidas em o ut ras
man ifest ações religiosas (cf. cap.1). Trat a-se de u ma “co ncepção afr icana
g lo balizant e que se opõe à co ncepção analít ica o cident al” (Vat in, 2005 :137).
Nesses espaços, a dança pode ser divid id a em do is mo ment o s dist int o s, po rém
int er ligados:
5.2.1 A dança para as divindades
Os povos afr icanos, de modo geral, reverenciam os e lement o s da nat ureza
at ravés do cu lt o às divindades para as quais prest am ho menagens e faze m
o ferendas, co m cânt icos e danças, cu ja finalid ade é o bt erem benefício s à
co let ividade, co mo : as chuvas, em t empo s de seca o u a est iagem em t empo s
de inu ndação ; os vent o s, para suavizar o ar; as águas abu nd ant es dos r io s par a
se banhar e prover as aldeias; a cur a para os doent es; a boa caça par a o
caçador et c.
Na maior ia dos países afr icanos, além da nat ureza, as at ivid ades co t idianas
do ho mem (as pro fissões, o s o fício s) est ão t ambém ligadas às d iv indad es, cu ja
mit o log ia revela t erem sido seres hu manos que viveram na t erra e t ivera m
seus o fíc io s.
O ofíc io de ferreiro, por exemp lo , t em muit o prest íg io porque o ferro ve m
da t erra e se t ransfor ma at ravés da for ja cr iando os ut ensílio s agr íco las, as
ar mas par a a guerra e para a caça.
As d ivindades do element o ferro são cult uadas, no Brasil, co mo divindades
da guerra; e só mais recent ement e, com o s pro cessos de reafr icanização ,
adqu ir iram t ambém caract er íst icas ligadas à t ecno lo g ia e à agr icu lt ura, mas o
que predo mina é o seu carát er guerreiro . No cando mb lé, dança-se para essa
d ivindad e imit ando a lut a ent re do is guerr eiro s.
A caça é out ra at ividade bast ant e sign ificat iva para os povos afr icano s; o
caçador é o provedor das co mu nid ades.
A dança para as div indades dos caçadores, po r exemp lo , não t em o mesmo
sent ido das aldeias afr icanas; no cando mblé essas d iv indad es são invo cadas
para p edir prosper idade, numa per spect iva mu it o mais ind ividualizada do que
co let iva. Os povos afr icano s d ançavam e ainda dançam, na Áfr ica, para ped ir
prot eção e boa caça para os caçado res da aldeia, po is serão eles que t rarão o
aliment o para o povo.
267
No s cando mblés brasile iro s, dança-se para as d iv ind ades co mo u ma das
fo r mas de chamá- las para descer à t erra at ravés do t ranse d e po ssessão e
ajudar o s seres humano s em seus pro b lemas co t id iano s, t al co mo o fazia m o s
afr icanos de ant igament e, porém co m as ( re)sig nificaçõ es e (re) int erpret açõ es
at ribu ídas.
5.2.2 A dança das divindades
Nas fest as de cando mblé no Bras il, as d iv indad es dançam co m as
vest iment as caract er íst icas e co m as su as ins íg nias. Durant e as danças, vão
co nt ando a sua hist ór ia e mo st rando a sua personalidad e mít ica.
Incosse/Ogum: evidencia, na
dança, a sua nat ureza gu erreira,
t raz nas mãos uma lança e u m
escu do como um guerreiro na
bat alha.
Mutacalamb o/Oxo sse:
dança
co mo um caçador nas mat as, por
vezes, port a um arco e flecha.
268
Cavungo/Omol u,
divind ade
d as
doenças epid êmicas, vest e-se de palhas
para esco nder o corpo manchado pela
var ío la; port a u m bast ão , o xaxará, e
dança ind icando o s cinco sent idos co m
as mão s.
Angorô/Oxuma rê: dança levant ando
o dedo indicador para cima e para
.
baixo, alt er nadament e, represent ando o
mo viment o de su bida e descida das
águas.
.
Catendê/Ossaim: dança alt er nando as
mãos e os pés, em mo viment os lent o s
co mo se est ivesse nas mat as apanhando as
fo lhas sagradas.
269
Zaze/Xangô: dança jo gando o s braço s
para a fr ent e, co m gest os vigo ro so s; t raz o
machado de face dupla, represent ando a
just iça.
Caiangô / Iansã: realiza a su a dança,
rodopiando no salão , fazendo alu são aos
vent os. Po r ser t ambém uma div indade
ligada aos mort os, t raz nas mão s o
eruquerê,
inst rument o
usado
para
espant ar os maus espír it o s.
Dandalunga/Oxu m: dança co m graça
e leveza, imit ando uma mu lher faceir a
que vai se banhar no r io e que se o lha no
espe lho,
po r
isso
t raz
um
leque
espe lhado no qual se o lha durant e a
dança.
270
.
Caiá/Iemanjá: dança imit ando as
ondas do
mar, t raz t ambém u m
leque espelhado e se banha nas
águas do mar.
Gangazumba/ Nanã:
dança
co m
o
corpo me io cur vado, represent ando u ma
pesso a de idad e, vist o ser a div indade
mais ant iga par a diver sos po vo s; é
associada ao barro pr imordia l
Lemba/Oxalá: po ssu i duas fases: mo ço é
Lemba renganga
Lembaf uranga
ou
ou
Oxaguia m;
Oxaluf om.
O
velh o
é
mo ço
é
guerreiro e sua dança é vigoro sa, t raz nas mãos
uma espada e um escudo ; o velho dança
arqueado e sua dança é lent a, t raz nas mão s o
opaxorô, represent ando o ar.
271
5.3 Música
No capít ulo 2, descrevi as “fó r mu las r ít micas”, co m base em Vat in, 2005.
Nest e capít u lo abo rdarei out ro s aspect os da mu sicalidad e d ent ro do s
t erreiros e de modo mais genér ico . Trat arei dos inst rument os mu sicais e su a
import ância no s r it o s.
No s cando mblés, de modo geral, há o s inst ru ment o s de percu ssão, o s
at abaques, e out ros inst rument o s, como as sinet as d e percussão , o s
agogôs, e o s chocalho s, os xequerês.
Do s inst rument o s musicais ut ilizados no s cando mb lés, os t ambo res,
mais conhecidos co mo at abaques, merecem especial at enção . E les são
co nsiderados sagrados e desemp enham papel essencial para o t ranse de
possessão .
São três t ambores de t amanhos d iferent es, cu jos no mes são : rum, o maio r ;
rumpi, o médio ; e le, o menor. De acordo co m Verger (2000:2 8):
Os a t a ba ques, i n do d o m a i or par a o m en or , r ece bem os n om es d e ru m,
rumpi e l e , defor m a çã o da s pa l a vra s f on, hum e humpe v i para os doi s
pr im ei r os, e da pa l a vr a nago, ome l e, par a o t er cei r o.
Os t ambores são t rat ados co mo seres espir it uais o u dedicados a d iv indad es
que o habit am. Qu ando ut ilizados p ela pr imeir a vez, recebem um bat ismo
r it ual e, de t empos em t empos, de acordo co m o s fu ndament o s d e cada
co munidade,
recebe m
o ferendas,
designadas
p elo
povo-d e-sant o
co mo
‘co mer’. Esses inst rument os só podem ser percut ido s por ho mens preparados e
qualificados para a t arefa, são os to cadores, cujo s no mes var iam d e acordo
co m a nação-de-candombl é: tat a cambono, quixicarengoma, ogã, po rque são
inst rument os sagrados e, at ravés dos seus so ns, se chama as d ivindad es co m
maio r ênfase, po is a linguagem do s t ambores é a base p ara a música e p ara a
dança (cf.Verger, 2000 e Vat in, 2005).
As fo r mas de percussão var iam de nação para nação. Na Nação Ango la, são
percut ido s co m as mão s; na Nação Quet o, co m varet as, chamada aguid avi s.
Segundo Vat in (2005), o to cador do inst ru ment o grave, o rum, dá o to m
das “fó r mulas r ít micas”, int ro duzindo as var iaçõ es qu e po dem ser passagens
impro visadas ou pré-est abelecid as ent re o tocador e o s iniciado s, induz indo o s
272
gest os e o s mo viment o s relacio nados à d ivindade para a qual se est á t ocando
e, co nseqüent ement e, cant ando e dançand o.
Durant e as p esq uisas, presenciei u m fat o ocorrido co m o t ambor meno r, o
le. Nu ma das cer imô nias pú blicas, esse t ambor escapo u da sua base d e
sust ent ação e caiu, rolando no barracã o. Imed iat ament e, fez- se um silêncio
pro fundo por uns segundos apenas, quebrado pelo s ilás d as d ivindad es que
ent raram em sucessivo s t ranses d e po ssessão nos inic iados. O at abaqu e fo i
co bert o com um pano branco, ergu ido so lenement e p elos t o cado res e levado
para o int er ior da casa; em seu lu gar foi t razido u m o ut ro . So ment e mais
t arde, me fo i revelado que aqu ele t ambor não po der ia ser ut ilizado enq uant o
não passasse por um processo de sacralização .
Os t rês at abaques,
da
for ma co mo
se apresent am no s cando mblés
brasileiros, t êm or igem afr icana (cf. P ierr e Verger, 2000:27).
5.4 Cores
As cores, em t odos os cant o s do mundo , p ossuem significaçõ es impo rt ant es
na vid a humana.
De acordo com Câmar a Cascudo (200 1:158-159), as co res mant êm a
linguage m r it ualíst ica em mo ment o s difer enciado s, co mo: a mort e, a alegr ia, a
t rist eza, a honra. E são usadas co mo int erpret ação do s sent iment o s mais
pro fundo s e individuais. No sent ido relig ioso , o auto r afir ma:
273
A Igr eja Ca t ól i ca fi xou n a s c or es d os pa r â m et r os l i t úr gi cos a s expr ess õe s
da h om ena gem espi r i t ua l de t odos os fi éi s em c a da di a do a n o. Br an co é
pur ez a , a l egr ia dedi ca da a os sa n t os n ã o m a rt iri z a dos, à Vi r gem Mar i a.
Ver m el h o é sa n gue, sa n gue dos m á r t ir es, l ín gua de fog o de Pen t ec ost es .
/ . .. / Negr o, l ut o, mi ssa dos de fun t os / . . . / Os san tos a fr i ca n os (or i xá s je jen a gôs) t êm sua s c or es, que sã o u sa da s por sua s f i l has. Oxa l á é br an co.
Xa n gô é ver m el h o. Om ol u é pr et o.
Confo r me apr esent ado no cap ít u lo
I
dest e t rabalho , a igr eja cat ó lica fo i
u ma poderosa for ça de convenciment o e de impo sição de dog mas ao s po vo s
t razido s ao Br asil co mo escravo s dos ant igo s reino s afr icano s, que, ho je,
co rrespondem aos países: Ango la, Co ngo , Mo çamb ique, Benim e Nigér ia.
Câmara Cascudo refere- se à simbo log ia das co res at r ibuíd as aos sant o s
cat ólico s e, em seguid a, apont a as mesmas cores lig adas ao s o rixás: branco ,
Virg em Mar ia; Oxalá, pureza; ver melho, o s márt ires; Xangô , sangue, fo go ;
pret o, não há um sant o especificado ; Omo lu, lut o , missa do s defunt o s.
As simbo logias at ribuídas aos sant o s cat ó lico s ap arecem em relação ao s
orixá s e, esse é mais um dos aspect o s sincrét ico s ent re sant os e div indades.
No cando mblés os diferent es mat izes orient am a leit ura do cult o às
d ivindad es. A cada uma delas é at r ibu íd a uma ou mais co re na represent ação
de suas caract er íst icas ma is marcant es ou a sua nat ureza no mu ndo do s
ho mens.
Essas cores relacio nadas às div ind ades t êm var iações de t o ns de uma casa
de cult o para out ra, de acordo co m a su a hist ór ia part icular que pode est ar
lig ada às t radições afro -br asile iras, mas podem est ar relacio nadas ao s
pro cesso s d e aproximação co m países afr icano s na at ualidade. Po rém é
possível est abelecer,
ainda que gener icament e,
as co res
at r ibuídas às
d ivindad es na ma ior ia das co munid ades de cando mblé:
Incosse/Ogum: usa cores em t o m azu l índigo, t ant o nas suas vest iment as
quant o nas cont as que seus filho s t razem em for ma d e co lares co mpr ido s no
pesco ço. Usa capacet e, espada e escudo prat eado s;
Mutacalambo / Oxosse: por ser a div ind ade pro t eto ra do s caçado res, e m
mu it as casas, vest e-se co m peles de animais, usa chapéu enfeit ado co m penas
de pássaros, e arco e flecha de met al. As co res mais co mu ns para as su as
274
roupas, além das peles pode ser o verde claro e o azu l p iscina; seus co lares
são verd e ou azu l dependendo da nação .
Cavun go / Omolu: vest e-se de p alhas, mas as roupas po r baixo d as palhas,
geralment e, são em pret o e branco . As co res de seus co lares são pret o, branco
e ver melho.
Ganga zumba / Nanã: as co res de suas roupas e co lares é o ro xo, em algu ma s
casas, mesclado com branco.
Angorô / Oxumarê: d ependendo da casa, suas co res são o amarelo mesclado
co m pret o,
mas pode
vest ir-se co m
cores neut ras e enfe it ar-se co m
o rnament os imit ando serpent es, confo r me a fo to ao lado.
Catendê / Ossaim: sua cor é o verde e, por ser a divindade das fo lhas, suas
vest iment as e ins íg nias são o rnament adas co m fo lhas verdes, co nfo r me mo st ra
a foto no it em 5.2.
Zaze / Xangô: suas cores, geralment e, são o ver melho e o branco . Usa uma
co ro a de cobre, símbo lo de sua realeza e u m machado de dup la face.
Iansã / Caiangô: de acordo com cad a casa, as co res de suas ro upas pode m
var iar ent re ro sa, ver melho, vinho , mar ro m e at é mesmo o branco . E o s
co lares podem ser ver melhos o u marro ns.
Dandalunga/Oxum: a sua co r pr incipal é o do urado, mas usa vár ios t o ns d e
amarelo e, em algumas casas, vest e-se de azu l claro, rosa. Seus colares são
amarelo o uro de crist al. Todas as suas insígnias são do uradas.
Caiá/Iemanjá: sua cor é o azu l claro, t ant o para as suas roupas q uant o para o s
seus co lares, mas pode vest ir- se t ambém co m a co r prat a. Suas insíg n ias são
prat eadas.
Lemba/Oxalá: o branco é a sua co r pr imo rdial para roupas e co lares. Co mo
essa div indade possui uma fase em que represent a o mo ço e o utra que
275
represent a o velho, há u ma alt er ação no uso da co r branca e d as ins ígnias. O
mo ço usa o branco mesclado co m azu l piscina em seus co lares e em sua
vest iment a; o velho usa so ment e o br anco. As ins ígnias d as duas fases da
d ivindad e são prat eadas.
As d ivindades po ssuem um no me q ue as ident ifica e ao qual é at r ibu ído u m
o ut ro que são as ‘qualidades’ (cf.cap.1), cu ja ligação co m caract eres especia is
de cad a avat ar influencia m as nuances de suas vest iment as, co lar es e
ins ígnias. Búzio s e palha-da-cost a são mat er iais bast ant e ut ilizado s na
co nfecção das roupas e insígn ias de t o das as d iv ind ades.
Considerações finai s
As linguagens o bser vadas e aqu i reg ist radas co mpreende m u ma sér ie de
at it udes vivenciadas ent re o s grupo s afro -brasileiros, cu jas bases est ão ,
hist or icament e ligadas a uma mat r iz afr icana, revelando um un iverso qu e
expr ime a essência da sacralid ad e ancest ral nu m amb ient e de t ransferência
espaço-t emporal em que os gest os, as danças, as mú sicas e as cores co nt a m
hist ór ias mít icas que são ent endid as at ravés da d inâ mica do s r it uais.
276
CONCLUSÃO
Os cando mblés são relig iõ es que se o rganizam d ent ro do quadro das
religiõ es afro -brasileir as. E las se o r ig inam das reg iõ es afr icanas de ant igo s
reino s do Congo , de Benguela, do Dao mé e io rubas.
Os habit ant es desses r eino s fo ram t razido s ao Brasil co mo escr avo s e isso
se deu de du as for mas d ist int as: o u eram capt urados pelo s ‘cap it ães do mat o’
o u eram vendidos após sangrent as guerras int erét nicas.
Esses po vos p assaram por pro cesso s de acult uração aind a no co nt inent e
afr icano. No Brasil, aco nt eceram adapt ações mais pro fund as do seu mo do de
vida ant er ior, devido às co nd içõ es ad versas da escravidão e as for mas de
co nceber a vida e o mu ndo fo ram sendo (re)sig nificadas.
E dessas (re) sig nificações nascerão as relig iõ es afro - brasile iras e o
cando mblé adquir irá uma for ma de o rganização em nações, organizadas e m
d ifer ent es modalidades de r it o em qu e a língua será u m dos seu s element os de
est rut uração.
Est e
t rabalho
buscou
ana lisar
os
t ext os
o rais
co let ados
em
d uas
co munidades de Cando mblé de Nação Ango la: In zó Danda luna e Terrei ro
Loabá.
A
análise
desses
t ext o s
permit iu
co mpreender
a
o rganização
lingü íst ica e r it ual de cada uma das co munid ades, o bser vando -se seme lhanças
e d ifer enças, devidas à hist ór ia cu lt ual e mít ica dos seu s fu ndado res.
A aná lise da t ext ualidade d as duas co mu nidades e as co mparaçõ es
est abelecidas co m o ut ras comu nidad es per mit iram u m levant ament o t ipo lóg ico
dos t ext os dos Cando mb lés de Nação Ango la de mo do ger al, embo ra se
possam o bser var var iaçõ es, algu mas vezes apenas orto gráficas e fonét icas.
Essas var iações podem ser at r ibu íd as às t rocas ent re grupo s d e difer ent es
co munidades que se reúnem nas fest as de cando mblés, à ut ilização das
biblio grafias de referência e ao int ercâmb io co m países afr icano s.
277
Os t er mo s ext raído s desses t ext os o rais fo ram analisados co nfor me a
biblio grafia de refer ência e per mit iram a ident ificação das línguas negroafr icanas present es nos r it uais de cada co mu nidade.
A manut enção do léxico de línguas afr icanas po ssu i do is caminho s:
i) a t ransmissão
oral passada de geração em geração
co m t odas as
(re)sig nificações e t ransfo r mações e revest idas pelo s incret ismo cat ó lico ,
sobret udo ;
ii) a (re)afr icanização numa t ent at iva de busca de t er mo s mais pró ximo s das
línguas
negro-afr icanas
at ravés
de
bib lio grafias
de
referência
e
de
int ercâmbio co m o cont inent e afr icano.
A análise desses t er mos per mit iu r eco nhecer a presença major it ár ia de t rês
línguas negro-afr icanas: a quimbu ndo, a qu ico ngo e a ioruba. E fo i po ssível
pro ceder a uma reco nst rução dos sig nificado s, mesmo daqu eles que par ece m
t er permanecido, po is t rat a-se de uma co nst rução brasile ir a em o ut ro t empo e
o ut ro espaço.
A língua quimbundo fo i t ransp lant ada pelos povos ambundo s e a quico ngo ,
pelos baco ngos; elas pert encem ao mesmo grupo lingüíst ico , o grupo bant o e,
por essa razão são línguas aparent adas. Os mesmo s t er mo s, em algun s
mo ment o s, foram ident ificados co mo oriundo s do quimbu ndo , mas são
encont rados no qu icongo, sob a mesma forma ou co m algu mas mo d ificaçõ es
no s níveis segment al e supra-segment al, co mo , Nzambi (qu imbu ndo) e Nzamb i
(qu icongo); n zàzi (quico ngo) e nzàjì (quimbu ndo).
Os falar es io rubas foram t ransp lant ado s pelos io ru bas habit ant es do s reino s
que se est end ia m na região o nde ho je se sit ua m os p aíses do Benim e da
Nigér ia. Cada um desses r eino s, abordad os no capít u lo 1, se co nst it u íam em
cidades-est ados e o ioruba possu ía var ian t es de u m re ino para o o utro. Esses
falar es p ert encem ao tronco ling ü íst ico benu ê-congo, grupo io rubó ide.
Os t er mos do ioruba co let ado s nas du as co munidades se apresent am co mo
u ma fo r ma de sincr et ismo, est abelecendo co rrespo ndências dos ori xá s co m o s
inquices. Essas correspondênc ias aparecem de fo r ma bast ant e clara no Inzó
Dandaluna, já que o Terreiro L oabá t em buscado uma (re)organização de seus
t ext os a part ir de uma biblio grafia d e referência. Apesar de ser a co mu nidade
o nde se ident ificou uma maior presença d e t ermo s bant os, o no me do Terrei ro
Loabá – Cent ro Religioso e Cultu ral da s Tradi ções Bantu Ilê Azong á Oni
Xangô– conser va sua pr ime ira deno minação io ru ba. Esse fat o se exp lica pela
278
o rig em inic iát ica da fundado ra da Casa, mameto Loabá, feit a no sant o po r u m
babalo r ixá (pai-d e-santo de Cando mblé Quet o).
E mbora as t rês línguas est ejam mais present es no s t ext os das duas
co munidades, enco nt rei vocábu lo s impo rt ant es dent ro da rit ualíst ica d e
o rig em luba, povo s capt urados mais para o int er io r do cont inent e e qu e
vier am em menor número de pessoas. Os lu bas t ro uxeram o mit o do heró i
civ ilizado r Nkongolo (=ar co ír is) que se to rno u u ma das divind ades mais
import ant es do s Cando mblés Ango la, Ang orô.
Assim, o s t ext os encont rado s nas duas co munidades específicas de
Cando mblé de Nação Ango la: Inzó Dandaluna e Terreiro Loabá são de u ma
linguage m especia lizada e fazem part e de um repert ó rio lingüíst ico adqu ir ido
pelos adept os dos cando mblés at ravés da t ransmissão o ral desde o s pr imeiro s
povo s t razidos co mo escravo s das diferent es reg iões afr icanas, e fo i po ssíve l
ver ificar o que per maneceu o que se (re)sig nificou e o que se t ransfo r mo u
nessas co munidades.
279
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Línguas e linguagens nos candomblés de nação Angola