Caso Clínico: Cardiopatia congênita acianótica Patrícia de Mello Faria Ana Carolina Matos Coordenação: Dra. Sueli R. Falcão www.paulomargotto.com.br Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS)/SES/DF Brasília, 24/5/2010 História Clínica • ID: KSS, 4 meses • QP: ‘’Rostinho torto’’ há 2 dias • HDA: Há 2 dias, mãe refere que a criança apresentou desvio da comissura labial para a direita, de início súbito, sem fator desencadeante ou fator de melhora ou piora, observado com o despertar da criança. Além disso, observou contratura da mão direita que melhorou com ‘’massagem’’ do membro. • RS: Mãe refere que criança apresenta dificuldade de sugar o seio desde o início do quadro. • APF: Nascido de parto normal, a termo (IG: 38s5d), PN: 2720g. PC: 34cm. Comp: 47cm. Apgar: 9. Mãe realizou 6 consultas pré natais. Não sabe informar sobre exames realizados no pré natal. • APP: foi encaminhado pelo Posto de saúde ao Cardiologista, por déficit no ganho de peso. Em consulta cardiológica, realizada há uma semana, foi diagnosticado sopro, ainda em investigação. • Hábitos de vida: recebendo seio materno, complementado com NAN. Vacinação em dia. • AF: ndn PESO X IDADE (meses) ESTATURA X IDADE (meses) 61cm 4300g 3350g 2720g 54cm 47cm Exame Físico • REG, normocorado, hidratado, acianótico, anictérico. • AR: MVF sem RA. Presença de tiragem subcostal e intercostal. FR: 53 irpm • ACV: RCR em 2 tempos. Sopro sistólico 3+/6+. Ausência de frêmito. 2ª bulha hiperfonética. Desdobramento fisiológico da 2ª bulha. • Abd: inocente • Neurológico: desvio da rima labial para a direita. Dificuldade de oclusão completa do olho esquerdo. Preensão palmar e plantar presentes. Não sustenta cabeça. Listagem de problemas • Atraso de crescimento • Paralisia facial • Sopro sistólico 3+/4+ e 2ª bulha hiperfonética • Tiragem subcostal e intercostal Exame Complementares • Hemograma: Leuco 6240. Neu 18%. Bast 00 % Linfo 63%. Mono 05%. Eos 10%. Hgb: 11,2. HT: 34,3. PLT: 342000. • ECG: Ritmo sinusal. Sugere sobrecarga biventricular. • TC de crânio: sem alterações. Exame Complementares • Ecocardiograma: – – – – – – – – – – – – – – – – – Situs solitus em levocardia Conexões AV e VA concordantes Importante dilatação de câmaras esquerdas Contratilidade do ventrículo esquerdo normal. Grande PCA com 4,8mm de diâmetro em sua extremidade pulomonar e 7,9mm na extremidade aórtica e 4,3mm de comprimento Arco aórtico à esquerda Sem coarctações Forame oval patente Retificação sistólica do septo interventricular Dilatação da artéria pulmonar Valvas normais Shunt E/D pelo FOP Shunt E/D pelo PCA com pouco componente diastólico e gradiente sistêmico/pulmonar estimado em 39mmHg Fluxo retrógrado em aorta abdominal Refluxo mitral leve Escape tricúspide Conclusão: grande PCA com importante repercussão hemodinâmica. Forame oval patente. Insuficiência mitral leve. Discussão Cardiopatias congênitas acianóticas Cardiopatia congênita: quando suspeitar? • Diagnóstico precoce: prever a possível evolução clínica e evitar complicações • Principais sinais para suspeitar de cardiopatia congênita: Sopro cardíaco, cianose, taqui/dispnéia e arritmia cardíaca Sopro • Na presença de sopro: inocente ou patológico? • sopro inocente em neonatos é menos freqüente que em outras faixas etárias (aconselha-se investigá-lo). • caracterização do sopro patológico: frequentemente são rudes (não necessariamente cardiopatia grave), quase sempre sistólicos e usualmente localizados. • Cardiopatia grave pode se manifestar com sopro sem sintomas. • Ausência de sopro não exclui cardiopatia grave. Cardiopatias congênitas • Classificadas pela presença ou não de cianose – Cianóticas – Acianóticas • Geralmente os shunts direito-esquerdo cursam com cianose e os esquerdodireito com insuficiência cardíaca Circulação fetal Persistência do canal arterial (PCA) • O canal arterial (CA) une o ramo esquerdo da artéria pulmonar com a aorta descendente. • Na vida fetal 90% do débito do ventrículo direito é canalizado para o CA, mantendo-se patente devido aos altos níveis de prostaglandinas (principalmente a PGE ) • Em recém-nascidos (RN) de termo o CA geralmente encerra entre as primeiras horas e o 3º dia de vida, o fechamento anatômico completa dentro de 14 a 21 dias após o nascimento • Oxigênio: principal fator para fechamento do canal após o nascimento Maior associação com sexo feminino e rubéola congênita • Quadro clínico • Sopro sistólico irradiando para dorso, podendo ser contínuo • Precordio hiperdinâmico em 20% dos casos • Pode haver desconforto respiratório (taquipnéia, dispnéia, tiragem intercostal), apnéia e/ou cianose • Em casos mais graves: congestão pulmonar, hipoperfusão tecidual, hipotensão PCA no pré-termo • Ocorre em: – 40% dos neonatos com peso de nascimento inferior a 2000g – 80% dos neonatos com peso de nascimento inferior a 1200g • Os mecanismos funcionais de fechamento do canal arterial não são efetivos, levando à PCA (prematuros estão mais sujeitos à hipóxia devido à imaturidade pulmonar). • Tratamento: antiinflamatórios; cirurgia. PCA em neonatos a termo • Incidência: 0,04% • Segunda causa de cardiopatia congênita • Corresponde a 10% de todas as cardiopatias em neonatos à termo • Anormalidade estrutural do ducto – Musculatura defeituosa – Ausência de fibras simpáticas na parede do ducto • Não responde às influências bioquímicas que normalmente induzem o fechamento • Tendência a não responderem à indometacina Diagnóstico • Exame clínico • Exames complementares: – Rx tórax (geralmente normal) – ECG (geralmente normal no RNT e semelhante à CIV em crianças maiores) – Ecocardiograma: mede a repercussão hemodinâmica e o tamanho do canal (pequeno: até 1,5mm; médio: de 1,5 a 2mm ; grande: > 2mm) Tratamento do PCA • Clínico: – Medidas de suporte (suporte respiratório, controle do balanço hídrico, diuréticos, aminas vasoativas, correção de distúrbios hidroeletrolíticos etc) – Inibidores de prostaglandinas • Ibuprofeno • Cirúrgico: quando não há resposta ao tratamento clínico, depende da gravidade, ideal nos 6 primeiros meses de vida. Diagnóstico diferencial • Comunicação Interventricular (CIV) • Comunicação Interatrial (CIA) • Defeito do canal atrioventricular (DSAV) • Cardiopatias Acianóticas Obstrutivas (VD e VE) – Ex: coarctação da aorta, estenose aórtica, estenose pulmonar, insuficiência mitral etc. Comunicação Interventricular (CIV) • Mais comum das cardiopatias congênitas (25 a 30%) • Classifica-se em – Pequena: em geral não apresenta sintomas – Moderada: geralmente há dispnéia e maior suscetibilidade para infecções pulmonares; – Grande: apresenta taquidispnéia, sudorese, infecções pulmonares de repetição, hipodesenvolvimento físico (costumam evoluir com ICC ) Diagnóstico • Exame clínico • Exames complementares – ECG: de acordo com o tamanho da CIV pode variar de normal à sobrecarga biventricular – RX tórax: de acordo com o tamanho da CIV pode variar de normal à cardiomegalia importante – Ecocardio Comunicação Interatrial (CIA) • 10 a 15% das cardiopatias congênitas acianóticas • maior incidência no sexo feminino (2:1) • Comunicações com pequeno shunt quase sempre são assintomáticas • Pode haver fadiga e dispnéia aos exercícios, além de maior propensão às infecções • Casos mais graves: edema periférico e cianose (inversão do shunt para direita – esquerda). • Manifestações mais evidentes na 3° ou 4° década de vida Diagnóstico • Exame clínico: • Exames complementares: – ECG: desvio do eixo para direita; sobrecarga de átrio e ventrículo direitos; depressão de ST com onda T bifásica – Rx tórax *Aumento da trama vascular pulmonar *Abaulamento do arco pulmonar *Aumento da área cardíaca (câmaras direitas) – Ecocardiograma Defeito do septo atrioventricular (DSAV) • Cardiopatia que compromete de forma parcial, intermediária ou total o septo interatrial ou interventricular • Forma parcial: manifestação semelhante à CIA • Na forma completa: – somam-se os efeitos de CIA, CIV e incompetência AV Diagnóstico • Exame clínico: precórdio hiperdinâmico, sopro sistólico regurgitativo (CIV e valva AV), hiperfonese de B2. • Exames complementares – Eco: identifica as malformações que compõe ou estão associadas – Cateterismo: avaliar níveis de pressão e resistência pulmonares Coarctação da aorta • Estreitamento da junção do arco aórtico com a aorta descendente • 98% localizam-se após a emergência da artéria subclávia esquerda • Maioria assintomática • Precordio pulsátil, pulsos de circulação colateral, componente aórtico de B2 hiperfonético, sopro diastólico aspirativo em foco aórtico acessório Diagnóstico • Exame clínico * Diferença entre pulsos de MMII e MMSS • Exame complementar – – – – Rx de tórax ECG ECO Arteriografia Localização mais frequente é no ponto de inserção do canal arterial, abaixo da subclávia esquerda Consultem: Persistência do Canal Arterial (PCA) Autor(es): Viviana I. Sampietro Serafin, Alessandra, Alessandra de Cássia Gonçalves Moreira, Paulo R. Margotto Obrigada