Cardiopatias Congênitas Acianóticas com Hiperfluxo Pulmonar Ciglinda Martins G. Lino Helyda Crystina R. Dias Coordenação: Sueli R. Falcão Internato em Pediatria - 6º ano ESCS/HRAS/HMIB Brasília, 3 de outubro de 2012 Caso Clínico Identificação • MSD, sexo masculino, 3 meses. Natural e procedente de Santo Antônio do Descoberto – GO. Queixa Principal • Sopro a/e. História da Doença Atual • Lactente com 3 meses de idade compareceu à consulta de CD. Foi auscultado sopro cardíaco e identificada dispnéia, sendo, então, encaminhado ao PS do HMIB para investigação diagnóstica. • A mãe relata que, no segundo mês de vida, passou a interromper as mamadas devido a cansaço, que se intensificou no último mês. Antecedentes • A mãe relata que menor nasceu de parto normal a termo, gestação sem intercorrências, peso de 2.350g, Apgar 9 no quinto minuto. Recebeu alta no segundo dia de vida sugando o seio materno e sem apresentar qualquer sintomatologia. Exame Físico Criança apresentava-se taquipneica (FR: 68 irpm), saturando 94 % em ar ambiente, enchimento capilar preservado. Pulsos periféricos palpáveis nas 4 extremidades com forma e amplitude normais. Tórax calmo, ausência de frêmitos. Ictus palpável no 5o espaço intercostal, na linha axilar anterior. ACV: RCR em 2T, FC 158 bpm, B2 apresentando desdobramento fisiológico, bulhas normofonéticas. Sopro holossistólico +++/6+, audível no 3o espaço intercostal, na linha paraesternal esquerda com irradiação para a direita. AR: presença de sibilos difusos. ABD: fígado palpável a 4 cm do RCD. História Patológica Pregressa • Um episódio de sibilância aos 35 dias de vida tratado com nebulização (SIC). História Familiar • Pai, 33 anos, e mãe, 25 anos, hígidos. • Dois irmãos, de 2 e 5 anos, hígidos. • Uma prima paterna, 6 anos, submetida a cirurgia cardíaca aos 4 anos de idade. Exames Complementares Exames Complementares Achados • Sopro: holossistólico +++/6+, audível no 3o espaço intercostal, na linha paraesternal esquerda com irradiação para a direita.; • Baixo peso (2.350g); • Taquipnéia, FR: 68 irpm (> 50 irpm); • Taquicardia, FC 158 bpm (120 – 140 bpm); • Ictus palpável no 5o espaço intercostal, na linha axilar anterior; • Presença de sibilos difusos; • Fígado palpável a 4 cm do RCD; • Sibilância aos 35 dias de vida tratado com nebulização; • Uma prima paterna, 6 anos, submetida a cirurgia cardíaca aos 4 anos de idade. Cardiopatias congênitas Cianóticas Acianóticas Shunt Shunt Direita-esquerda Esquerda-direita CARDIOPATIAS CONGÊNITAS ACIANÓTICAS + HIPERFLUXO PULMONAR Cardiopatias Acianóticas com Hiperfluxo Pulmonar • Comunicação Interventricular (CIV) • Comunicação Interatrial (CIA) • Persistência do Canal Arterial (PCA) • Defeito do septo AV (DSAV) Circulação Fetal Circulação Neonatal Persistência do canal arterial (PCA) Incidência - Mais comum em crianças prematuras; - Maior quanto menor o peso corporal ao nascimento (Quase 100% nos < 1Kg); - ♀ 2:1 ♂, exceto na síndrome da rubéola congênita, em que a incidência é igual para os sexos. Aspectos Fisiológicos Aspectos Fisiológicos • Fechamento natural: - Após as primeiras 12 horas do nascimento no RN a termo, podendo se retardar mais no RN pré-termo; - Por volta da 2ª ou 3ª semanas de vida, com a obliteração anatômica pela formação de tecido conjuntivo fibroso. Aspectos Fisiológicos • Aumento da oxigenação X músculo da parede do ducto arterioso (prematuros: menor camada muscular) contratura muscular e fechamento do vaso (vasoconstrição) fechamento funcional necrose da íntima do vaso fechamento anatômico . Aspectos Fisiopatológicos • RN a termo: perviedade do canal por defeito na camada endotelial e na camada muscular média canal arterial não fecha espontaneamente ou por medicamento. • RN pré-termo: perviedade do canal por hipóxia e imaturidade. Relação com doença da membrana hialina. Aspectos Fisiopatológicos • Conseqüências hemodinâmicas e clínicas dependem de: - Comprimento e diâmetro do conduto; - Diferença de pressão entre a aorta e a artéria pulmonar; - Grau de imaturidade do paciente. Canal arterial grande: acarreta hiperfluxo pulmonar com aumento da pressão pulmonar + grande sobrecarga de volume do AE e VE desenvolvimento de ICC e doença vascular pulmonar. Manifestações Clínicas • - PCA pequena: Assintomático; Achado ocasional de sopro; Pulsos amplos; Sopro contínuo (na área pulmonar). • - PCA grande: ICC; Pulsos amplos; Sopro contínuo; 2ª bulha hiperfonética. Manifestações Clínicas • Ausculta: - Sopro sistólico na região infraclavicular esquerda com boa irradiação para dorso torna-se contínuo (em maquinária) com a diminuição da resistência pulmonar. - Pode ser perceptível na primeira semana de vida. • Pulsos amplos e cheios: - PCA de maior magnitude: pulsos rápidos, de amplitude aumentada, e pressão arterial divergente à custa do abaixamento da PA diastólica. OBS: Cianose em MMII surge se a resistência pulmonar sobrepor a sistêmica inversão do fluxo pelo canal arterial sangue insaturado na aorta descendente. RN a termo: menos sintomático (resistência vascular pulmonar é mais alta que no prematuro magnitude do shunt E-D torna-se menor). Exames Complementares • Radiografia de tórax: - Aumento da vascularização pulmonar e da área cardíaca, principalmente à esquerda (varia com as repercussões). • ECG: - Sobrecarga ventricular E ou biventricular (dependendo da magnitude do fluxo E-D); - Sobrecarga ventricular D está relacionada ao desenvolvimento de doença vascular pulmonar. • - Eco Doppler: Diâmetro do canal; Está em processo de fechamento? Qual a direção do shunt e a repercussão hemodinâmica; Resposta ao tratamento instituído. Tratamento FECHAR O CANAL ARTERIAL! • - Medidas gerais: tratar ICC, se necessário Restrição hídrica; Evitar anemia; Assistência ventilatória; Farmacológico. • Fechamento farmacológico: Considerar no RN pré-termo - Indometacina (potente inibidor da síntese das prostaglandinas) ou - Ibuprofeno (redução do risco de oligúria). • Fechamento cirúrgico: indicado antes do primeiro ano de vida - Cateterismo: alta taxa de sucesso, principalmente em crianças maiores. Cardiopatias ducto-dependentes 1. TGVB; 2. Atresias pulmonares (com septo integro e comunicação interventricular); 3. Atresia tricúspide com estenose pulmonar severa; 4. Coarctação da aorta do recém nascido; 5. Interrupção do arco aórtico; 6. Tetralogia de Fallot (hipóxia grave no período neonatal); 7. Estenose aórtica grave. Defeito do Septo Atrioventricular (DSAV) Alterações nos coxins endocárdicos levam a malformações que podem envolver os septos atrial, ventricular e as valvas atrioventriculares. • Características: - Alterações desproporcionais entre os eixos das câmaras de entrada e saída do VE; - Deslocamento anterior da via de saída do VE e valvas atrioventriculares em um mesmo nível. Tipos anatômicos • Forma parcial: presença de 2 orifícios independentes (mitral e tricúspide). • Forma total: presença de orifício único com valva atrioventricular única + CIA ostium primum + CIV de via de entrada. Tipos anatômicos Normal DSAV Parcial CIA Valva AV 2 orifícios Fenda valva AV esq. DSAV Total CIA e CIV Valva AV 1 orifício Pediatric Cardiology for practitioners Myung K. Park Incidência • 0,9% - 5% das cardiopatias congênitas. • ♀ 1:1 ♂. • Síndrome de Down: 40% têm cardiopatias e 40% destas são DSAV (geralmente forma completa). Aspectos Fisiopatológicos • - Principais alterações hemodinâmicas: Shunt em nível atrial e ventricular; Insuficiência valvar AV; Hipertensão pulmonar precoce. Diante da acentuada insuficiência AV, a ICC se torna proporcionalmente maior e mais precoce. Manifestações Clínicas • Os sintomas iniciam comumente no final do 1º mês. - Abaulamento precordial difuso + impulsões sistólicas para-esternais + vigoroso impulso apical. - A CIV gera um sopro holossistólico na borda esternal esquerda baixa, em regurgitação, mas quando a comunicação é muito ampla, o sopro diminui de intensidade (passa a ser inaudível). - A hiper-resistência pulmonar tende a ser precoce, a ponto de se tornar irreversível entre o primeiro e o segundo ano de vida (a cianose torna-se permanente. Sopro diastólico de insuficiência pulmonar pode aparecer. Exames Complementares • ECG: bloqueio divisional ântero-superior em 95% dos casos e sinais de sobrecarga biventricular com predomínio de VD. - Pode ocorrer: bloqueio AV de 1º grau ou BRD. • Radiografia de tórax: aumento global da área cardíaca e acentuação da trama vascular e do tronco pulmonar. • Ecocardiografia: revela os detalhes anatômicos das comunicações e das valvas AV e detalha seus subtipos. Tratamento • Correção cirúrgica total precoce: primeiro ano de vida. DSAV Total Comunicação Interatrial (CIA) • Septum primum: membrana delgada, localizado inferiormente, voltado para o AE. • Septum secundum: membrana muscular, cresce na parede ventroencefálica do átrio. Classificação CIA Ostium primum Ostium secundum Tipo seio venoso Comunicação Interatrial (CIA) • Podem ocorrer em qualquer parte do septo atrial. • O defeito do ostium secundum é a forma mais comum de CIA (7% das cardiopatias congênitas). • A persistência do forame oval (PFO) não é considerada uma CIA, pois não apresenta repercussões hemodinâmicas. Comunicação Interatrial (CIA) Medcel Shunt esquerda-direita O grau de shunt depende de: • Tamanho da CIA • Complacências relativas de VD e VE. • Resistência vascular pulmonar • Resistência vascular sistêmica Comunicação Interatrial (CIA) Medcel Sangue oxigenado adicionado ao retorno venoso para o AD Comunicação Interatrial (CIA) Medcel Crescimento do lactente ↓ resistência vascular pulmonar ↑ shunt hiperfluxo sanguíneo em câmaras D ↑ AD e VD/ ↑ AE VE e aorta com diâmetros normais. Na idade adulta: ↑ resistência vascular pulmonar inversão do shunt cianose clínica. Manifestações Clínicas • Frequentemente assintomática. • Dispnéia, palpitações, intolerância aos esforços, infecções respiratórias e déficit ponduroestatural. • Manifestações tardias: hipertensão pulmonar, arritmias atriais, insuficiência tricúspide ou mitral e ICC. • ICC rara. Manifestações Clínicas Exame Físico • Desdobramento fixo e amplo de B2. • Sopro sistólico mais audível em borda esternal E média e alta. • Sopro diastólico em foco tricúspide (CIA grande). Diagnóstico RADIOGRAFIA DE TÓRAX • Aumento AD e VD. • Aumento do tronco da pulmonar. • Aumento da trama vascular pulmonar. Diagnóstico ELETROCARDIOGRAMA • QRS alargado – bloqueio incompleto de ramo D. • Desvio do eixo para direita. • Retardo da condução no ventrículo D (rsR nas precordiais direitas) . Diagnóstico ECOCARDIOGRAMA • Evidencia a posição e o tamanho da CIA • Aumento de AD e VD • Quantificação entre o fluxo pulmonar (Qp) e sistêmico (Qs), repercussão hemodinâmica. Prognóstico • Bem tolerada na infância, geralmente os sintomas não surgem antes da terceira década. • Manifestações tardias: hipertensão pulmonar, arritmias atriais, insuficiência tricúspide ou mitral e ICC. • Endocardite é raríssima. Complicações • • • • • Insuficiência mitral e tricúspide ICC Arritmias atriais Hipertensão pulmonar Endocardite infecciosa raríssima Tratamento CIRÚRGICO • Crianças sintomáticas após 1 ano. • Assintomáticas com relação Qp:Qs maior que 2:1. Comunicação Interventricular (CIV) O grau de shunt E-D depende de: • Tamanho da CIV • Resistência vascular pulmonar • Resistência vascular sistêmica Comunicação Interventricular (CIV) Medcel Nas CIV grandes as pressões ventriculares se igualam e a direção do shunt é determinada pela proporção entre as resistências vascular pulmonar (Qp) e sistêmica (Qs). Comunicação interventricular (CIV) Medcel Shunt pequeno (Qp:Qs < 1,75:1): câmaras normais e leito vascular pulmonar normal. Comunicação interventricular (CIV) Medcel Shunt grande (Qp:Qs > 2:1): sobrecarga de volume AE e VE hipertensão VD e AP ↑ AE, VE e AP ICC Manifestações clínicas • CIV pequena (relação Qp:Qs entre 1-1,5:1) PRESSÃO EM VD NORMAL • Assintomático • Bom desenvolvimento ponderoestatural • Sopro holossistólico alto, rude, mais audível na borda esternal esquerda inferior Manifestações clínicas • CIV moderada (relação Qp:Qs entre 1,5-2:1) HIPERFLUXO PULMONAR/AUMENTO DOS VENTRÍCULOS • Sintomas de ICC • Infecções respiratórias de repetição • Déficit ponderoestatural Manifestações clínicas • CIV grave (relação Qp:Qs maior que 2:1) GRAVE CONGESTÃO PULMONAR/GRANDE AUMENTO DAS CAVIDADES ESQUERDAS • • • • • • • Dispnéia Sudorese profusa ICC Sopro holossistólico menos rude Hiperfonese de B2 Dificuldades alimentares Atraso de crescimento Manifestações Clínicas Exame Físico • • • • • Ictus deslocado lateral e inferiormente. Frêmito paraesternal, na borda esternal E. Sopro holossistólico na borda esternal E inferior. Hiperfonese de B2 (CIV grande). Desdobramento fisiológico de B2. Diagnóstico RADIOGRAFIA DE TÓRAX • Cardiomegalia com proeminência dos dois ventrículos, AE e AP. • Aumento da trama vascular pulmonar. - Área cardíaca aumentada. - Trama vascular pulmonar aumentada. - Duplo contorno no arco atrial E. Hiperfluxo pulmonar, tipo CIV. Diagnóstico ELETROCARDIOGRAMA • Pode sugerir hipertrofia ventricular E • Hipertrofia biventricular - Sinais de sobrecarga biventricular. - Eixo de QRS desviado para a direita a +110°. - Ondas RS amplas de V2 a V5 e polifásicas em V1. Diagnóstico ECOCARDIOGRAMA • Evidencia a posição e o tamanho da CIV • Estima o valor do shunt Diagnóstico CATETERISMO • Casos de dúvidas persistentes quanto à magnitude do shunt • Suspeita de associação com outros defeitos • Estudo da pressão pulmonar. Prognóstico • 30-50% das CIV pequenas fecham-se espontaneamente até os 2 anos de idade. • 8% das moderadas e graves fecham-se totalmente. Complicações • • • • • Endocardite infecciosa Insuficiência de valva aórtica Arritmias Estenose subaórtica Intolerância ao exercício Tratamento clínico Objetiva o controle da ICC e a prevenção de doença vascular pulmonar • Restrição hídrica • Medicamentos para controle de ICC (diuréticos e IECA) Tratamento cirúrgico • Sintomas não controlados clinicamente. • Lactentes entre 6 e 12 meses com defeitos significativos e hipertensão pulmonar. • Menores de 2 anos com relação Qp:Qs maior que 2:1. • Crianças com comunicações grandes (maior que 1cm²). Doença vascular pulmonar grave é uma contra-indicação ao fechamento cirúrgico da CIV! Referências Bibliográficas • • • • • • • • • • Moore, K. L. Persaud, T. V. N. Embriologia básica. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000. Behrman, R. E., Kliegman, R. M., Jenson, H. B. Nelson: tratado de pediatria. 16. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. Ebaid, M. Cardiologia em pediatria: temas fundamentais. 1. ed. São Paulo: Rocca; 2000. História, Exame Físico e Diagnóstico Diferencial das Cardiopatias na Infância. Disponível em: <http://www.sbp.com.br/historia.pdf> Acesso em: 17 de setembro de 2012. Curso de Cardiologia e Cirurgia Cardíaca em Cardiopatias Congênitas – 2009. Disponível em: < www.sbccv.org.br/.../AulaCursosABRECCV/7-... > Acesso em: 15 de setembro de 2012. Cardiopatia Congênita Acianótica com Hiperfluxo Pulmonar. Disponível em: <www.sbcsc.org.br/.../11-DrMarcoAntonio_cardiopatiacongenita.pdf> Acesso em: 15 de setembro de 2012. PERSISTÊNCIA DO CANAL ARTERIAL (PCA). Disponível em: <www.paulomargotto.com.br/documentos/PCA.doc> Acesso em: 15 de setembro de 2012. Caso 5/2011 - Lactente de 17 Meses de Idade, com Tetralogia de Fallot em Franca Insuficiência Cardíaca por Dominância Hemodinâmica da Comunicação Interventricular. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0066-782X2011001200016&script=sci_arttext> Acesso em: 13 de setembro de 2012. Caso 1/2005 - Lactente com 4 meses de idade, portador de comunicação interventricular. Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0066-782X2005000400016> Acesso em: 13 de setembro de 2012. Medcel – Curso preparatório para residência médica. 2012. Entendeu?