Resumo: Este trabalho é fruto de um relatório de estágio desenvolvido na área de Psicologia Comunitária. Tal área propõe o trabalho com grupos, com o objetivo de resgatar as histórias de vida dos sujeitos, para que estes possam tornar-se protagonistas de suas histórias, ou seja, indivíduos capazes de resolver seus problemas, para que assim, tenham a oportunidade de melhorar suas vidas, bem como a de suas comunidades. O estágio foi realizado em uma escola pública, nas oficinas de arte-educação, desenvolvidas por arte-educadores contratados pela organização não-governamental a qual a universidade mantém convênio. Foi observada uma demanda inicial junto aos arte-educadores, caracterizada pela falta de diálogo entre estes e as instituições envolvidas: a escola e a ONG que os contrata. A partir dela, foi elaborado um projeto de intervenção com a arte-educadora acompanhada pelas estagiárias, com o objetivo de proporcionar à profissional, um espaço no qual pudessem ser discutidas as experiências vivenciadas por ela em seu cotidiano com as crianças; tais discussões teriam por base, a realização de uma interface entre teorias da Psicologia e da Educação. Porém, percebeu-se a dificuldade da arte-educadora em participar deste projeto e assim, procurou-se atender a outras demandas observadas, desta vez, junto às crianças da turma desta educadora. O objetivo deste segundo projeto foi desenvolver o tema da cooperação, visando proporcionar uma melhor convivência entre as crianças e entre estas e a arte-educadora. A intervenção ocorreu durante 14 semanas, com dois grupos de aproximadamente 12 crianças, cujos encontros foram alternados quinzenalmente. Os recursos utilizados foram: materiais gráficos e áudio-visuais. Ao final, percebeu-se que o grupo conseguiu apropriar-se do conceito de cooperação, fato que ficou evidenciado pela diminuição dos conflitos existentes entre as crianças e pela maior capacidade delas de compartilhar os materiais. Paralelamente à intervenção com as crianças, percebeu-se a necessidade de continuação do estágio e de uma intervenção dirigida à relação entre os arte-educadores e a instituição, visto que foram observadas nas reuniões e em relatados feitos pelos educadores, uma falta de espaço para discutir as dificuldades, bem como para favorecer a realização de um planejamento de oficinas que leve mais em conta a habilidades e o desejos dos arte-educadores. O que fica evidente é que não importa se a intervenção é realizada com as crianças ou com os educadores, pois os benefícios que ela traz, afetam positivamente as relações entre ambos. Palavras-chave: Psicologia Comunitária, Crianças, Cooperação. FACILITANDO A COOPERAÇÃO: RELATO DE ESTÁGIO DE PSICOLOGIA COMUNITÁRIA COM CRIANÇAS Renata Pereira da Silva Renata Rossi Supervisora: Prof. Adriana Rodrigues Domingues 1 INTRODUÇÃO Este trabalho relata um estágio de intervenção baseado nos pressupostos teóricopráticos da Psicologia Comunitária. Esta é uma área da psicologia na qual o profissional atua com o objetivo de realizar um trabalho que promova a mudança das condições sociais de uma determinada população ou grupo de indivíduos, mas mais ainda, o que se busca realizar é um trabalho no qual o psicólogo tenha o papel de facilitador para que o grupo em questão descubra novas maneiras de relacionar-se entre si, para que, assim, aprendam a resolver seus problemas de forma mais consciente e autônoma e possam tornar-se protagonistas e agentes de sua própria história de vida. Mas, para que este trabalho seja efetivo, é necessário que ele seja realizado em conjunto com os sujeitos envolvidos, para que ele faça sentido tanto para o grupo quanto para os profissionais que o realizarão. Assim, como primeira parte do trabalho, a Psicologia Comunitária propõe que o profissional use dos instrumentos de que dispõe, como por exemplo, as entrevistas e a observação, para conhecer o espaço no qual irá trabalhar. O psicólogo deve evitar pré-julgamentos ou definir objetivos a priori, mas por outro lado, deve aproveitar o momento inicial para construir vínculo com as pessoas envolvidas, pois este é um grande facilitador do trabalho. O estágio foi realizado na EMEI PABL1, cuja porta de entrada das estagiárias foi a AM, uma organização não-governamental (ONG) que possui um convênio de estágio com a Universidade Presbiteriana Mackenzie e que realiza um trabalho de arte-educação com as crianças da escola no horário posterior ou anterior à educação formal. A princípio, o trabalho das estagiárias foi conhecer a forma de funcionamento e as relações das duas instituições envolvidas – a escola e a ONG, bem como, a maneira como ambas relacionam-se entre si. Os arte-educadores da AM realizam oficinas destinadas às crianças que ficam o dia todo na escola. Durante as observações iniciais realizadas, pôde ser percebido que os arteeducadores encontram dificuldades geradas por vários fatores para realizar este trabalho, como por exemplo, o espaço físico da escola e o grande número de crianças em cada turma: o pátio da escola é pequeno e as salas de aula localizam-se ao redor, assim, as turmas não 1 Os nomes das instituições e pessoas envolvidas no estágio foram abreviados para evitar a identificação dos mesmos. podem utilizá-lo ao mesmo tempo e as atividades realizadas fora prejudicam as realizadas dentro das salas, devido ao barulho das crianças no pátio. Porém, pareceu às estagiárias que a maior dificuldade dos arte-educadores está situada na maneira como se dão as relações entre eles, a AM e a direção da escola, além da relação entre eles e os professores do período regular de aulas. Através da participação em algumas reuniões na ONG e das falas de alguns arte-educadores, percebeu-se que a ONG possui uma grande necessidade de controlar o trabalho dos arte-educadores, tal necessidade tende a transformar os estagiários quase como agentes deste controle, na medida em que pedem a estes relatórios que descrevam o que acontece nas oficinas. No entanto, isso ocorre de forma velada: a ONG parece preocupar-se com as dificuldades encontradas tanto pelos arteeducadores quanto pelos estagiários e para discuti-las, organiza supervisões quinzenais, porém, o que ocorre de fato, é que o espaço destes encontros não é aproveitado e torna-se dispensável para os arte-educadores e estagiários. A AM parece estar muito mais preocupada em atender as exigências da escola e com isso, acaba deixando de levar em conta as capacidades e as idéias dos arte-educadores. Uma das principais exigências da escola é que os arte-educadores realizem atividades que sejam diferentes das que ocorrem no período regular de aulas, assim, a todo momento, os arteeducadores são solicitados pela ONG para que modifiquem seu modo de trabalhar. Não ocorre entre escola e arte-educadores um diálogo direto, todos os pedidos da escola são enviados à ONG que os repassa aos arte-educadores. Estes, por sua vez, queixam-se de que a direção da escola não tem um conhecimento adequado sobre quais são as atividades realizadas por eles, pois nunca conversaram diretamente sobre isso. Assim, para os arte-educadores, as constantes exigências de mudanças são injustas e acabam por prejudicar o trabalho e desmotivar o profissional. Outro aspecto que também surgiu durante as observações realizadas pelas estagiárias diz respeito ao modo como se estabelecem as relações entre os arte-educadores e os professores da escola, permeadas por uma grande competição entre eles: é como se os primeiros sentissem que seu espaço é invadido pelos arte-educadores. Durante as oficinas, as crianças não podem utilizar os materiais a que têm acesso com os professores durante o período regular de aulas; os professores, por muitas vezes, criticam os arte-educadores alegando que estes deixaram as salas sujas, por exemplo. Foi neste ambiente que as estagiárias tiveram que se inserir a fim de realizarem seu estágio. Conseguiram constituir com os coordenadores da ONG uma relação cordial: apesar das constantes tentativas destes de controlar, receberam bem as propostas apresentadas e não se opuseram a sua realização. Com os professores e diretores da escola, a relação também era cordial, porém distante. Com uma das arte-educadoras cujas oficinas foram acompanhadas, pôde ser constituído um vínculo mais próximo. Porém, no início, a arte-educadora sentia-se muito ameaçada com a presença das estagiárias, a todo momento justificava suas ações com as crianças e, na tentativa de manter o controle da situação, colocava as estagiárias como suas ajudantes e pedia-lhes para brincar com as crianças. Com o passar do tempo, no entanto, foi possível estabelecer-se um vínculo de confiança e a arte-educadora passou a dividir com as estagiárias, suas dúvidas e dificuldades, porém, o sentimento de ameaça, muito embora diminuído, não deixou de existir. O relacionamento entre as estagiárias e as crianças que faziam parte das oficinas foi construído muito facilmente: rapidamente as crianças aproximaram-se e apegaram-se às estagiárias e vice-versa. Com base em todos estes dados, em um primeiro momento, a idéia foi realizar um trabalho com a arte-educadora, no qual ela pudesse falar de suas dificuldades e dúvidas referentes ao dia-a-dia com as crianças e pudesse encontrar espaço para analisar as dificuldades institucionais que atravessavam seu trabalho. Os aspectos trazidos pela arteeducadora seriam discutidos com as estagiárias à luz de teorias tanto da psicologia como da educação. Com este trabalho, tinha-se o objetivo de beneficiar também as crianças, já que as discussões poderiam modificar a maneira como a arte-educadora relacionava-se com a turma. Embora a arte-educadora tivesse se mostrado interessada em participar, não foi possível conciliar os horários dela e das estagiárias, pois a profissional dizia que estava com um acúmulo muito grande de outras atividades. Sendo assim, houve a necessidade de pensar em uma nova forma de atuação, desta vez destinada às crianças que faziam parte da turma da arte-educadora. Baseadas na observação realizadas da forma como funcionavam as oficinas, das preferências e necessidades das crianças, bem como da maneira como elas relacionavam-se entre si, pôde ser constatado que as crianças, embora se relacionassem bem, eram bastante individualistas e competitivas. Desta forma, as estagiárias elaboraram um projeto cujo principal objetivo era trabalhar o conceito de cooperação. Seguindo os passos de atuação propostos pela Psicologia Comunitária, as estagiárias conseguiram identificar as demandas existentes no grupo de trabalho e, a partir delas, desenvolveu-se um projeto que possibilitou o trabalho em conjunto e que certamente, contribuiu de alguma forma para um melhor desenvolvimento das crianças. Nos itens a seguir, segue mais detalhadamente, como se deu a realização do projeto e quais foram os resultados obtidos, bem como as dificuldades enfrentadas pelas estagiárias durante a execução. 2 APRESENTAÇÃO DO LOCAL E DAS CONDIÇÕES EM QUE A ATIVIDADE DE ESTÁGIO ACONTECEU O estágio ocorreu durante o ano de 2008, durante os meses de março a novembro. Neste período foram realizadas vinte e três visitas à escola e seis reuniões ocorridas na sede da AM. Portanto, somadas as visitas e as reuniões, o estágio encerrou-se após vinte e nove encontros. As visitas a escola eram realizadas às segundas-feiras e tinham duração de duas horas e meia, em média. O estágio foi dividido em duas etapas: no primeiro semestre do ano, as estagiárias realizaram um diagnóstico institucional, levando em consideração tanto aspectos observados na escola PABL, quanto na AM. Tal diagnóstico tinha por objetivo, reconhecer as principais demandas, para que um projeto de intervenção pudesse ser proposto e realizado. Porém, por uma dificuldade de execução do projeto inicial junto a arte-educadora, foi elaborada outra proposta de intervenção junto às crianças. Nas visitas realizadas à escola, inicialmente, as estagiárias acompanhavam apenas a turma de uma arte-educadora, seguindo o critério de divisão de estagiários da AM. A partir do mês de setembro, porém, instalou-se na escola um esquema de rodízio entre os arteeducadores, no qual a cada semana, durante uma hora, cada arte-educador dirigia-se para uma turma diferente e retornava para sua própria sala quando esta hora se encerrasse. Desta forma, as estagiárias puderam ter contato com todas as turmas que realizavam as oficinas. A turma com a qual as intervenções foram realizadas era formada por uma média de trinta crianças de ambos os sexos, com idades entre cinco e seis anos. As intervenções ocorriam sempre a partir da segunda hora da oficina, momento no qual a arte-educadora e as estagiárias retornavam à sala. A turma era então, dividida: uma parte permanecia com a arteeducadora e a outra parte dirigia-se para uma outra sala com as estagiárias. A atividade realizada com a primeira parte da turma era sempre repetida com a segunda na semana seguinte, para que assim, todas as crianças tivessem oportunidade de participar. Optou-se por dividir a turma devido ao grande número de crianças, aspecto que interfere na realização das atividades, podendo até mesmo comprometê-las. Assim, a divisão foi feita pensando em promover às crianças um melhor aproveitamento das atividades e também, para que a arteeducadora não se sentisse excluída, retirada de seu espaço e de sua autoridade. As intervenções eram realizadas em uma sala que foi reservada pelas estagiárias, com a autorização do assistente de direção da escola. Ao final de cada atividade, as crianças eram levadas de volta à sala onde ficavam originalmente e depois, as estagiárias voltavam à sala que utilizavam a fim de organizá-la. Apenas em uma ocasião a intervenção não pôde ser realizada, pois a sala que era sempre utilizada não estava disponível, pois já havia sido limpa pelas faxineiras da escola. Porém, após uma conversa na qual as estagiárias pediram para que as faxineiras limpassem a sala somente após as 17 horas, horário que se encerravam as intervenções, isto não voltou mais a acontecer. Na primeira quinzena do mês de outubro, a arte-educadora que as estagiárias acompanhavam foi demitida pela AM2 e a turma passou a ser acompanhada por uma arteeducadora que já atuava na escola e que, portanto, já era conhecida das estagiárias. A arteeducadora não se opôs ou interferiu na realização da intervenção, que pôde continuar normalmente. De modo geral, pode-se dizer que os estágios ocorreram sem maiores problemas. Mais detalhes de como se deu sua realização, seguem nos itens subseqüentes. 3 DESCRIÇÃO DO TRABALHO O trabalho realizado com as crianças tinha como objetivo principal trabalhar a cooperação, já que através do diagnóstico institucional realizado no semestre anterior, verificou-se que a relação entre elas era permeada pela competição e anulação do outro. A proposta realizada com as crianças teve como eixo norteador a Psicologia Comunitária, proposta esta que tem por objetivo promover uma maior integração entre os grupos e trabalhar a conscientização através de experiências coletivas. As intervenções eram realizadas em grupos, pois para Bleger (1989), o psicólogo deve passar da atividade psicoterápica (com ênfase na doença/cura) para a psico-higiene (promoção da saúde) e, desta forma, promover uma mudança do enfoque que deixa de ser individual para ser social. O autor afirma que essa mudança de enfoque exige que se desenvolvam novos instrumentos de trabalho, os quais só podem ser construídos através da tarefa e por isso, as 2 A situação da demissão da arte-educadora será analisada posteriormente. intervenções realizadas eram planejadas com base na intervenção anterior, a partir de temas e questões surgidas nestes. Ainda de acordo com Bleger (1989), a instituição permite que o indivíduo se enriqueça ou se empobreça e se esvazie como ser humano, assim, os psicólogos que atuam em instituições devem realizar tarefas que sirvam de meios para enriquecer e desenvolver os sujeitos. Na sociedade atual, a escola é a responsável pelo reconhecimento da constituição do cidadão produtivo; é através da educação formal que o sujeito se legitima na sociedade; é através da parceria entre a família e a escola, a criança aprende o funcionamento do sistema social. Sem a escola, o cidadão não conseguiria crescer ajustado ao sistema, porém toda essa tradutibilidade gera também um aprisionamento - desde pequenas, as pessoas aprendem o que é certo e errado, a ocupar papéis e tudo acaba tornando-se natural. As pessoas perdem a capacidade de fazer análises críticas sobre as coisas, e assim, as tradições podem se manter. No entanto, a educação enquanto processo não é linear, não segue a lógica da causa e efeito; ela permite o movimento, a reflexão, a desconstrução, a criação e a inclusão do novo; ela acaba com as dicotomias entre teoria e prática, sujeito e objeto, construindo assim, uma nova maneira de relacionamento entre as pessoas. Sendo assim, a intervenção proposta, tinha por objetivo também, criar um espaço onde as crianças pudessem ser mais autônomas e criativas (ROCHA, 2000). As experiências das crianças na escola são de extrema importância na constituição desses indivíduos. Segundo Cord (1997), a escola possui um papel social e um espaço pertinente à articulação de práticas positivas que visem a promoção de cidadania. Segundo Heller (1985 apud CORD, 1997), a constituição do pequeno grupo é um momento importante de passagem da particularidade para a individualidade e, portanto, para o próprio processo de mudanças sociais radicais. Se “a construção do conhecimento é forjada em experiências grupais de inter-ação, considerou-se como parte dessa construção o ‘aprender sobre essas experiências’” (CORD, 1997, p. 156). Assim, o grupo torna-se um elemento mediador na produção de normas e usos sociais, um micro-universo organicamente articulado à realidade social mais ampla. De acordo com Vygotsky (1984 apud CORD, 1997, p. 163), “todas as funções do desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro no nível social e, depois, no nível individual, primeiro entre pessoas (interpsicológica) e, depois, no interior da criança (intrapsicológica)”. É função do educador intervir no processo de apropriação do indivíduo das funções interpsicológicas que estão presentes nas relações sociais, o que possibilita que estas sejam transformadas em funções intrapsicológicas. O estilo de mediação do educador resulta em mudanças no movimento do grupo que facilitam ou dificultam o processo de construção de atitudes mais cooperativas e autônomas ou mais competitivas e dependentes por parte dos componentes da classe. Alguns educadores se preocupam mais com o controle dos corpos, ritmos, da fala e do silêncio, ou seja, valorizam a disciplinarização dos alunos. Outros valorizam a criatividade, a espontaneidade, sendo que as crianças podem desempenhar seu papel de forma mais autônoma e criativa; tal experiência constitue um processo em que o grupo assume formas mais dinâmicas, pautadas na cooperação. No entanto, as experiências que têm um processo de construção grupal baseado em relações de competitividade e dependência, fazem com que as crianças tendam a desempenhar papéis mais rígidos e esteriotipados (CORD, 1997). Na vivência dos grupos se está constantemente “aprendendo a aprender”, isto é, a organizar e significar experiências, emoções e pensamentos; pode-se depreender que esta é uma aprendizagem implícita, profunda e estruturante do sujeito enquanto sujeito cognoscente. É preciso considerar que esses processos se imbricam na formação da subjetividade, constituindo modalidades de ser-no-mundo, bem como formas de entendimento de “como o mundo é” (CORD 1997). Assim, pensando no papel social que a escola tem e na importância da interação na construção do conhecimento e de valores sociais, foi que se optou por trabalhar o valor da cooperação entre as crianças. Correia (2006) afirma que a competição não apenas reforça a relação de dominação entre perdedores e ganhadores, mas também tenta justificar e banalizar essa relação. As classes desfavorecidas acabam aceitando a condição de dominação como natural. Segundo Maturana (2002 apud CORREIA, 2006), a competição é um fenômeno cultural e não biológico e se constitui na negação do outro. Os jogos cooperativos buscam eliminar o confronto, a disputa, a vitória a qualquer custo e evidencia valores como cooperação, respeito mútuo, alegria e união. Busca-se, através desses jogos, a formação de valores mais humanitários (CORREIA, 2006). Os jogos cooperativos são uma importante proposta para valorizar a solidariedade, enquanto que nos jogos competitivos, os objetivos são mutuamente exclusivos, só alguns se beneficiam e as ações são individualistas. Jogos como esse são muito presentes nas escolas porque são uma representação dos valores sociais vigentes na cultura. Portanto, os jogos cooperativos se tornam uma importante ferramenta para se romper com esse paradigma, considerando que as experiências sociais da criança são importantes e influenciam no processo de formação de valores e princípios. Através da interação entre elas, pode-se afirmar a individualidade, o egoísmo e a competição ou a cooperação, o coletivismo e a solidariedade. Segundo Correia (2006), através dos jogos cooperativos é possível aproximar as pessoas. Para Orlick, não é possível manter um ambiente humanitário ao se reproduzir um sistema social que se baseia em recompensas e punições. O autor diz ainda que devemos trabalhar para mudar o sistema de valores, de modo que as pessoas controlem seus próprios comportamentos e comecem a se considerar membros cooperativos da família humana. (...) Talvez, se alguns adultos mais destruidores hoje, tivessem sido, quando crianças, expostos ao afeto, à aceitação e aos valores humanos, o que tento promover com os jogos cooperativos, teriam crescido em outra direção (Orlick, 1989 apud Correia, 2006, p. 43). Brotto (2000 apud CORREIA, 2006) afirma que as formas de percepção, vivência e ação nos jogos cooperativos são princípios de que tem para todos, os objetivos são comuns e não exclusivos, se ganha com o outro e não do outro, a confiança é mutua, todos fazem parte, ninguém fica excluído, há solidariedade e não rivalidade, e a diversão é para todos e não a custa de alguns. Desta forma, as estagiárias elaboraram as atividades a serem realizadas com as crianças baseadas nesses pressupostos. As intervenções tinham sempre o objetivo de proporcionar que as crianças estivessem juntas, compartilhando os materiais e as tarefas em vez de competir entre elas. Foram realizadas duas modalidades principais de atividades: atividades gráficas (desenhar, pintar, compor) e jogos cooperativos. Os jogos cooperativos foram utilizados em menor proporção, já que se percebeu um maior interesse das crianças por atividades gráficas. Mais detalhes sobre as intervenções realizadas se encontram no próximo tópico, em que se faz uma apreciação sobre o desenrolar das atividades. 4 APRECIAÇÃO SOBRE O DESENROLAR DAS ATIVIDADES E DOS DESAFIOS ENFRENTADOS O primeiro semestre da realização do estágio, no qual ocorreram as observações que possibilitaram a identificação das demandas e, a partir delas, a criação de um projeto de intervenção, encerrou-se com uma devolutiva na qual o projeto foi apresentado tanto para a AM quanto para a arte-educadora a quem ele era destinado. A partir desse diagnóstico, chegou-se a conclusão de que tanto a AM, quanto a escola apresentavam dificuldades nas relações que podiam ser trabalhadas por um psicólogo comunitário. Dentre elas estavam: o desamparo dos arte-educadores frente as dificuldades de trabalho, já que não havia um espaço onde pudessem efetivamente compartilhar seus conhecimentos e construir um saber coletivo; as dificuldades de relação entre a direção da escola e os arte educadores, já que acabava por haver um trabalho dissociado, em que a escola considerava que o trabalho realizado não era o esperado e os arte-educadores sentiam falta de reconhecimento no que realizavam, sendo que não havia um diálogo entre eles; a dificuldade na relação entre os arte-educadores e a AM, pois, apesar de haver reuniões pedagógicas para os arte educadores, percebeu-se que esse não era um espaço que permitia que os conflitos surgissem e fossem elaborados, as reuniões acabavam por se tornar mais uma dentre todas as outras obrigações do arte-educador. Essas dificuldades de relação sugeriram às estagiárias, que existiam várias demandas que necessitariam de um psicólogo comunitário atuando como um facilitador, a fim de se propiciar uma maior integração entre todas as partes envolvidas na realização do projeto. A princípio, a AM aprovou o projeto, mas na primeira reunião realizada no segundo semestre, colocou a ressalva de que a realização do projeto dependeria da disponibilidade da arte-educadora em ceder uma hora de seu tempo para a intervenção; a ONG disse também, que este deveria ser um acordo feito diretamente entre as estagiárias e a educadora, sem a possibilidade de haver qualquer envolvimento da instituição, no sentido de remunerar a arteeducadora pela hora dispensada à participação no projeto. Sendo assim, as duas primeiras visitas realizadas à escola no segundo semestre do estágio tiveram o objetivo de retomar o contato com a arte-educadora e com as crianças, mas também, foram destinadas a conversar com a profissional a fim de combinarem-se os dias e horários da intervenção. Quando soube do projeto, no semestre anterior, a educadora considerou-o bastante interessante, no entanto, durante as duas primeiras visitas, ela mostrouse um tanto resistente em falar no assunto: organizava as atividades com as crianças de modo a manter-se ocupada e não comparecia ao horário combinado. Foi somente na terceira visita que se conseguiu conversar com ela a este respeito e então, a profissional respondeu que, apesar de achar o projeto interessante e ter interesse em participar, não poderia fazê-lo pois não possuia tempo disponível para isso. Como as estagiárias já contavam com tal possibilidade, devido ao movimento da arteeducadora nas semanas anteriores, haviam pensado em outro projeto a ser realizado com as crianças e, nesta mesma conversa, foi perguntado a ela sua opinião a respeito da realização da intervenção com sua turma, a qual ela não se opôs. Então, ficou combinado que as atividades iniciar-se-iam na semana seguinte. O projeto realizado com as crianças foi sendo construído ao longo de sua execução, porém, com base nas observações realizadas anteriormente, considerou-se um objetivo principal: trabalhar a cooperação e proporcionar um ambiente onde não precisasse haver competitividade. Os meios utilizados na tentativa de atingir tais objetivos também foram escolhidos a partir das observações. Através delas, pôde-se perceber que a turma gostava da utilização de recursos como histórias e materiais gráficos, além de gostarem de jogos corporais e materiais como bexigas e massinhas. Com a utilização destes recursos, o conceito e a importância da cooperação, bem como a questão de que é possível divertir-se sem competir foi enfatizado em todas as intervenções. Mas, além disto, também foram trabalhados alguns temas paralelos a estes e que surgiram ao longo da realização das intervenções. Um exemplo foi o tema do preconceito. As estagiárias decidiram encerrar a intervenção abordando tal temática devido a um fato ocorrido durante a realização de uma das atividades, nela, as crianças deveriam pintar em duplas, mas um dos meninos não foi aceito como dupla por dois dos colegas pelo fato de usar óculos: os colegas alegaram que ele não enxergava direito e, portanto, não pintava bem, o que faria com que o desenho ficasse feio. Foram realizadas, ao todo, três atividades diferentes, mais a devolutiva. Cada atividade com cada um dos grupos durava dois encontros, pois o tempo de uma hora, que tinha sido combinado com a arte-educadora, a princípio, foi diminuído logo na primeira atividade para uma média de 45 minutos: a arte-educadora chegou a interromper a atividade, em alguns momentos, alegando que as crianças deveriam retornar à sala, pois seria iniciado o horário de saída. Essa diminuição do tempo, somada à dificuldade das estagiárias em acalmar as crianças para que o trabalho pudesse ser iniciado, fez com que cada atividade tivesse que durar dois encontros, o que diminuiu o número total de atividades possíveis de serem realizadas. O primeiro dia das intervenções se iniciou com a realização do contrato, no qual foi explicado às crianças que elas realizariam atividades conosco a cada quinze dias. Após isso, foi feita uma rápida apresentação, na qual cada criança deveria dizer o nome do colega que estivesse ao seu lado. Como as crianças já se conheciam, a apresentação facilitou que as estagiárias pudessem certificar-se dos nomes de cada criança e para que as crianças pudessem perceber o outro. Em seguida, foi contada uma história, esta era interrompida a cada momento e as crianças eram estimuladas a darem suas opiniões a respeito do que aconteceria a seguir. Quando a narrativa terminou, foi solicitado que as crianças desenhassem a parte da história que mais houvesse chamado sua atenção: neste momento, as estagiárias grudaram várias cartolinas uma a outra, formando um grande espaço para o desenho; as crianças deveriam dividir este espaço, bem como os materiais gráficos disponíveis para realizarem seus desenhos. Para encerrar, foi proposto que as crianças brincassem de “vivo ou morto”, mas aquele que errasse não era desclassificado da brincadeira. Esta intervenção teve como objetivo estimular a criatividade e a imaginação das crianças, por isso, foi-lhes pedido que dessem suas opiniões a respeito do que aconteceria na história. A realização dos desenhos também possuiu este objetivo, mas com ela, o que se quis trabalhar principalmente, foi a cooperação, a necessidade de perceber seu próprio espaço e respeitar o do outro e o compartilhar tanto do espaço, quanto dos materiais. A retirada da regra da desclassificação da brincadeira de “vivo ou morto” teve como objetivo proporcionar às crianças um ambiente não competitivo, no qual elas pudessem apenas brincar juntas. Na segunda atividade do projeto, as estagiárias contaram às crianças outra história que trabalhava diretamente com o tema da cooperação. Foi através da história que se explicou a elas o conceito de cooperação e iniciou-se uma discussão sobre o tema, na qual as crianças contaram momentos em que cooperaram com outras pessoas. Em seguida, foi pedido para que as crianças formassem duplas e distribuiu-se para cada dupla, um desenho que representava uma das partes da história; solicitou-se que as duplas deveriam pintar as cenas e, ao final, todas foram coladas em uma cartolina e foi enfatizado com as crianças a importância de se trabalhar em equipe, pois o trabalho de cada um, quando foi somado ao de todos foi capaz de reconstruir a história. Por fim, as crianças tiveram a oportunidade de escolher entre fazer uma brincadeira usando bexiga, na qual deveriam passá-la um ao outro sem deixar cair no chão ou se queriam continuar desenhando. Cada criança teve a possibilidade de fazer o que quisesse, dentro destas opções. Isto foi feito com a intenção de estimular a autonomia e a capacidade de escolha da turma. A última atividade tinha como objetivo trabalhar o preconceito, devido à ocorrência do fato já citado anteriormente envolvendo as crianças, mas pretendia também trabalhar a cooperação. Para isto, as estagiárias levaram uma gravação em áudio da história do “patinho feio”, as crianças deveriam ouvi-la deitadas em colchonetes no chão, numa tentativa de criar um ambiente mais calmo, no qual pudessem prestar mais atenção à história. No entanto, devido ao fato de as crianças terem assistido um filme na oficina de outro arte-educador, isso não foi possível, as crianças não conseguiam se concentrar e ouvir a história, já que estavam muito agitadas, por isso, suspendemos a atividade e optamos por realizar naquele dia jogos cooperativos que os permitissem movimentar-se pela sala. Após a história, pretendíamos realizar uma rápida discussão sobre a história, enfatizando a importância de respeitarem as diferenças existentes entre as pessoas e como uma forma de ilustrar essa discussão, seria realizada uma dinâmica, na qual cada criança recebia um cartão com um desenho e deveria procurar entre os colegas, aquele que tivesse o desenho igual. No entanto, não havia desenhos iguais, o que reforçaria o fato de que as pessoas são todas diferentes e, por isso, devem ser respeitadas. Diante da agitação das crianças, optou-se por realizar outros jogos, então, realizou-se a dança da cadeira cooperativa, que é uma variação da brincadeira original, em que as cadeiras vão sendo retiradas a cada rodada, mas nenhuma criança é eliminada, devendo o grupo arrumar formas para que todos consigam se sentar. Em seguida, as estagiárias encheram duas bexigas e propuseram ao grupo um jogo em que as crianças não deveriam deixar que a bexiga caísse. Para completar essa última atividade, as crianças foram divididas em subgrupos de 4 alunos, em média, e cada grupo enfeitou as cenas da história utilizando massa de modelar. O fato de não terem ouvido a história inteira no encontro anterior, não representou um empecilho para que essa atividade fosse realidade, já que as crianças conheciam a história completa. A devolutiva para os dois grupos e para a professora, se deu na última visita à escola. Com a arte-educadora, foi explicado um pouco sobre o trabalho, além de apontar aspectos positivos de sua atuação com as crianças, como o fato dela reforçar a autonomia das crianças, permitindo que elas criem brincadeiras em vez de impor as atividades que ela deseja que as crianças façam e não aceitar que os colegas contem a ela o que a outra fez de errado, para que a mesma seja punida. Além disso, também se elogiou o fato da arte-educadora reforçar o estar junto, ao unir a mesa para que as crianças realizem as atividades. Em seguida, entregou-se um relatório, que seria entregue também a ONG e pediu-se que ele fosse lido, para que ela pudesse ver se continha algo que ela achasse que pudesse comprometer seu trabalho. A arteeducadora concordou com tudo e gostou das observações feitas com relação à falta de infraestrutura da escola e a falta de espaço dos arte-educadores na escola. Com as crianças, a devolutiva aconteceu nesse mesmo dia. A turma foi dividida em duas e a arte-educadora suspendeu o seu rodízio para que as estagiárias pudessem ficar com as crianças o tempo necessário. Na devolutiva, relembrou-se que era o último dia em que as estagiárias estariam ali e que o objetivo do projeto era o de fazer atividades em que eles pudessem brincar juntos, sem brigar, compartilhando os materiais, o espaço. Inicialmente, foi feita uma brincadeira em que cada criança deveria pular igual pipoca e quando a música parasse, cada criança deveria se unir com outra criança e pular junto, quando a música parasse novamente, cada dupla se unia com outra dupla e assim sucessivamente, até todo o grupo estar pulando unido. Em seguida, foi realizada uma atividade gráfica, em que as crianças deveriam pintar juntas, uma faixa em que estava escrito “cooperação”. Após isso, elas se uniam para segurar a faixa, para que o trabalho feito pudesse ser fotografado. Quanto às reuniões na sede da AM, como dito anteriormente, ocorreram seis durante o ano de 2008. Na primeira de cada semestre, ocorreu a apresentação dos novos estagiários que iriam iniciar seus estágios na ONG, bem como o encaixe destes nas vagas existentes. Na primeira reunião do segundo semestre, os estagiários que já iniciaram os estágios no semestre anterior tiveram a oportunidade de conversar com L., a nova coordenadora dos estagiários a respeito de seus projetos. A segunda reunião (de cada semestre) tinha como objetivo que os estagiários contassem o que estava acontecendo nos estágios para que as dificuldades fossem trazidas e discutidas. A terceira e última reunião, realizada no final de cada do semestre, teve como objetivo discutir como os estágios foram encerrados e foi o momento em que se deu a devolutiva para a instituição. A devolutiva foi dada para a supervisora de projetos e foi bem aceita por ela, que concordou com a falta de espaço na escola para os arte-educadores. Ela ainda reforçou que as estagiárias haviam proporcionado que as crianças se relacionassem cooperativamente e que viver na prática uma experiência como essa, proporcionava mais aprendizado do que dizer a elas que elas devem respeitar umas as outras. Participando das reuniões, as estagiárias puderam perceber que elas poderiam ser muito mais interessantes se o espaço fosse melhor aproveitado. Como já foi dito anteriormente, a instituição possui uma grande necessidade de controlar as coisas, tudo o que acontece nas reuniões fica muito centrado nos coordenadores da ONG: eles precisam saber de tudo e têm a necessidade de dar sempre a última palavra a respeito de tudo. Tal postura limita as discussões, que ficam muito mais centradas no interesse que a AM tem de saber como estão as oficinas e os arte-educadores, do que saber, de fato o motivo pelo qual as coisas estão da forma que estão, o que pode ser feito para mudar, ou ainda, saber mais sobre os resultados dos projetos realizados pelos estagiários. Neste sentido, pode-se dizer que as estagiárias tiraram pouco proveito de tais reuniões, na medida em que sentiam como se a AM as colocasse no papel daquele que vai delatar as falhas dos arte-educadores e não de quem está ali como alguém que pode contribuir para melhorar as relações ou ajudar a entender por que as coisas acontecem da forma como acontecem. Esta necessidade de controle da instituição é conhecida pelos arte-educadores, que tendem a ver os estagiários como figuras ameaçadoras, que podem entregar à instituição suas possíveis falhas: este fato fica evidenciado quando uma das arte- educadoras que esteve presente na primeira reunião, disse claramente que não queria estagiários em suas oficinas. Isto se refletiu, também, na relação entre as estagiárias e a arte educadora que acompanharam, esta dava sinais claros, principalmente no início, de que se sentia ameaçada com nossa presença, e talvez, por isso, se preocupasse tanto em justificar cada atitude que tomava durante a oficina, chegando, em certos momentos, a perguntar a opinião das estagiárias ou se elas não concordavam com ela. A necessidade de controle pode ter sido o fator responsável pela demissão da arteeducadora que as estagiárias acompanhavam. Esta sempre se definiu como sendo uma pessoa questionadora e tal perfil pode ter gerado conflitos entre ela e a direção da ONG, principalmente após a entrada de L., quando, então, o controle tornou-se ainda mais intenso. As estagiárias pensaram nesta hipótese baseadas na resposta dada por L. para justificar a demissão da profissional: ela disse que devido a algumas questões (sem especificar quais), o trabalho com a arte-educadora tornou-se inviável. Neste sentido, pode-se pensar que tal atitude pode servir como uma forma de amedrontar os outros educadores para evitar que eles venham a se comportar da mesma forma como a arte-educadora agia. O relacionamento das estagiárias com as crianças foi facilmente estabelecido: parece que, por ficarem na escola por um período de tempo muito longo, as crianças tendem a apegar-se intensa e facilmente às pessoas novas. No entanto, as estagiárias, talvez pela falta de experiência em lidar com crianças, possuíram um pouco de dificuldade no manejo dos grupos, principalmente no início da intervenção. Porém, com o tempo, tal dificuldade diminuiu e pode-se dizer que ela não chegou a prejudicar a realização das atividades. Se considerar-se o estágio como um todo, pode-se dizer que cada visita constituiu-se em um novo desafio para as estagiárias, pois não existe uma teoria que ensine a lidar com cada um dos muitos eventos que podem acontecer quando se vai a campo, e nada é mais desafiador do que vivenciar coisas novas. Relacionado a esta questão de vivenciar a teoria na prática, está um aspecto que se constituiu em um grande desafio para as estagiárias: encontrar o seu espaço, descobrir qual o seu papel e qual o limite de atuação, tanto com relação à AM, quanto com a arte-educadora e as crianças na escola. No início do estágio descobrir isso era difícil, para tanto, fez-se necessário criar vínculos e conhecer as duas instituições as quais, por sua vez, também não conheciam as estagiárias nem sabiam o que esperar delas. Lidar com todas estas situações foi, realmente, um grande desafio que ia sendo vencido a cada visita, a cada descoberta, a cada conquista. O vínculo estabelecido entre as estagiárias e as crianças permitiu que as atividades fossem aplicadas com o envolvimento delas. As crianças mostraram-se motivadas para a realização das atividades propostas, com exceção da última, na qual o interesse e a capacidade de concentração delas estavam diminuídos. Diante das atividades, pôde-se perceber que as crianças conseguiam relacionar-se de uma forma mais solidária uma com as outras, conseguiam dividir espaço, material, trabalhar em conjunto, brincar sem eliminar o outro. No entanto, não se pode dizer que a cooperação seja um valor que elas tenham internalizado e se apropriado, já que por muito tempo, a competição foi reforçada pela primeira arte-educadora que as acompanhou por quase um ano. No entanto, as intervenções propiciaram um espaço em que a autonomia e a valorização do outro estavam presentes e, a partir disso, percebeu-se que se esses valores estiverem constantemente presente no dia a dia escolar, eles poderão basear as relações das crianças entre si, substituindo a competição e a dependência da intervenção do arte-educador. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Pode-se dizer que o estágio realizado está dentro dos moldes propostos pela Psicologia Comunitária: todas as instituições têm resistências, mas apesar delas, as estagiárias conseguiram realizar uma atuação dentro do que propõe esta abordagem, pois elas conseguiram realizar um diagnóstico institucional a partir do qual puderam conhecer as instituições e identificar suas demandas. Por não terem ido a campo com objetivos definidos a priori, conseguiram criar projetos que fizeram sentido e vieram de encontro às necessidades do grupo atendido. O projeto realizado com as crianças possui as características de um projeto da área da psicologia comunitária, pois ele envolveu um coletivo e teve caráter preventivo. Estava implícito nele uma das principais metas que a psicologia comunitária deseja alcançar em suas intervenções: desenvolver indivíduos capazes de solucionarem seus problemas e de tornaremse protagonistas de sua história. E, além de tudo isso, as estagiárias atuaram como facilitadoras da relação entre as crianças dentro de um outro contexto no qual elas tiveram de cooperar sem competir. Seria muito importante que este projeto pudesse ser continuado, ampliado e até mesmo, melhorado, para que futuramente, mais crianças possam vir a beneficiar-se dele. Assim como também seria importante que outros projetos também fossem criados para irem ao encontro de outras demandas existentes na instituição, como por exemplo, a falta de apoio e de espaço dos arte-educadores para exporem dificuldades enfrentadas nas oficinas. Neste sentido, avalia-se como positiva a manutenção do convênio de estágio entre a AM e a equipe de estagiários e supervisores de Psicologia Comunitária da Universidade Presbiteriana Mackenzie, não somente pelos motivos já apresentados, mas também, pelo fato de que os estagiários de Psicologia Comunitária poderão aprender muito intervindo em instituições. Por tudo o que viveram durante este estágio, as estagiárias consideram que a Psicologia Comunitária tem muito a contribuir com a educação, pois guardadas as devidas proporções, o que ambas desejam é contribuir para a formação de indivíduos autônomos e capazes. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGUIAR, W. M. J. . Professor e Educação : realidades em movimento. In: Tanamachi,E; Rocha,M.; Proença,M.. (Org.). Psicologia e Educação. 1 ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000, v. 1, p. 169-184. BAREMBLITT, G. Compêndio de Análise Institucional e Outras Correntes. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1998. BLEGER, J. Psico-higiene e Psicologia Institucional. Porto Alegre, Artes Médicas, 1989. CORD, Denise . A Dimensão Grupal nas Salas de Aula : Um Aspecto Pouco Investigado. In: Andrea Vieira Zanella. (Org.). Psicologia e Práticas Sociais. 19 ed. Porto Alegre: ABRAPSOSUL, 1997, v. 1, p. 155-167. DELGADO, Ana Cristina Coll. A construção de uma alternativa curricular para a préescola: A experiência do NEI Canto da Lagoa. Educ. Soc. , Campinas, v. 19, n. 63, 1998 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010173301998000200008&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 19 Mar 2008. FREITAS, Maria de Fatima Quintal de. Inserção na comunidade e análise de necessidades: reflexões sobre a prática do psicólogo. Psicol. Reflex. Crit. , Porto Alegre, v. 11, n. 1, 1998 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010279721998000100011&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 13 Fev 2008. doi: 10.1590/S010279721998000100011 PICHON-RIVIÉRE, E. O processo grupal. São Paulo: Martins Fontes, 1998. ROCHA, M. L. . Educação em tempos de tédio: um desafio à micropolítica. In: Marisa Lopes da Rocha; Elenita de Rício Tanamachi; Marilene Proença Rebello de Souza. (Org.). Psicologia e educação: desafios teórico-práticos. 1 ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000, v. 1, p. 185-207. WINNICOTT, D.W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975. VIGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. MEMORIAL As estagiárias sempre se sentiram identificadas com a visão de homem e de mundo proposta pela Psicologia Comunitária. Tal abordagem enxerga o mundo de uma maneira realista: um lugar cheio de imperfeições e peculiaridades que interferem diretamente no desenvolvimento psicossocial dos indivíduos que nele habitam. As intervenções propostas não têm um caráter assistencialista ou o objetivo de tornar as pessoas conformadas e adaptadas a suas situações. Muito pelo contrário, o que propõe a Psicologia Comunitária é que as intervenções realizadas possibilitem que os indivíduos, coletivamente, entrem em contato com sua situação real para que, a partir disto, possam desenvolver mecanismos que lhes permitam mudar tal situação. Neste sentido, a principal função do profissional não é dar receitas de como deve ser feito, mas sim, facilitar o relacionamento entre os envolvidos para que eles, por si só, encontrem seu próprio caminho. Outro aspecto, que levou as estagiárias a escolherem realizar o estágio nesta área, foi a oportunidade que ela possibilita de se vivenciar outra realidade sócio-cultural que, atuando em outras áreas, não se poderia fazer com tanta proximidade. Por tudo isto, pode-se dizer que o estágio correspondeu às expectativas das estagiárias, pois elas puderam realizar uma intervenção dentro dos moldes propostos pela abordagem, bem como, puderam conhecer outros contextos e vivenciar outras situações que, certamente, contribuirão em atuações futuras.