Transferência de cuidados hospitalares para os cuidados de saúde primários como contributo para a sustentabilidade do SNS Escoval, A.*; Barbosa, P.**; Bragança, F***. *Profª Auxiliar Escola Nacional de Saúde Pública / UNL **Investigadora e Doutoranda Escola Nacional de Saúde Pública / UNL ***Investigadora e Doutoranda Escola Nacional de Saúde Pública / UNL; Laboratórios Pfizer Introdução No âmbito das linhas de investigação em desenvolvimento desde 2006 na Escola Nacional de Saúde Pública, da Universidade Nova de Lisboa, sobre cuidados de saúde primários, a equipa de investigação em Políticas e Administração de Saúde, com o apoio financeiro da Pfizer, desenvolve, atualmente, um projeto de investigação/ação dedicado ao estudo aprofundado da temática da descentralização e desconcentração de serviços para os cuidados de saúde primários. Para tal, tem como ponto de partida um estudo sobre Transferência de Áreas Terapêuticas dos Hospitais para Cuidados Primários e Cuidados Continuados: Identificação de Oportunidades e Impacto Financeiro, da responsabilidade do Centro de Estudos Aplicados da Universidade Católica e do Centro de Estudos de Medicina baseada na Evidência da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, desenvolvido pelo Prof. Miguel Gouveia e pela Drª. Margarida Borges. As necessidades de saúde da população têm sofrido grandes alterações nos últimos anos, quer por fatores associados ao envelhecimento e às doenças crónicas, quer por aspetos relacionados com os estilos de vida. Estas alterações traduzem-se numa pressão cada vez mais elevada para a procura de respostas efetivas de promoção da saúde e prevenção da doença, e de meios para controlar a despesa em saúde onde os gastos são cada vez mais avultados e o orçamento disponível progressivamente mais reduzido. É, portanto, fundamental procurar percorrer caminhos que promovam a responsabilização, o cumprimento de objetivos comuns e uma utilização racional e eficiente dos recursos disponíveis. A gestão descentralizada e a autonomia administrativa e financeira dos cuidados de saúde primários (CSP), assim como a desconcentração de serviços, assumem neste âmbito, um papel crucial. Objetivos Facilitar a discussão pública sobre o tema e solicitar contributos a um grupo selecionado de atores chave do setor da saúde, para que, sobre o tema da transferência de atividade haja uma reflexão e um acumular de conhecimentos que permitam uma melhor decisão política e contribuam para efetivos ganhos de eficiência. Metodologias As metodologias utilizadas centraram-se na pesquisa documental e em técnicas de consenso, nomeadamente a técnica de grupo nominal. A pesquisa documental compreende a análise de documentos relevantes sobre a matéria em estudo, sendo, por isso, um método adequado à identificação do estado de arte. O Grupo Nominal é um método que combina técnicas qualitativas e quantitativas e que tem por objetivo consensualizar informação relevante sobre uma determinada matéria ou questão, no sentido de apoiar e facilitar a tomada de decisão. Resultados e discussão Na realização desta técnica, que contou com a participação de sete peritos (profissionais de saúde e gestores) da área hospitalar e dos cuidados de saúde primários, foram colocadas questões sobre a transferência de consultas externas, de algumas atividades do internamento e a administração de medicamentos no hospital e sobre a recetividade dos cuidados de saúde primários. De acordo com a opinião dos peritos, os pontos fortes atribuídos à metodologia utilizada para a transferência de consultas externas para os cuidados de saúde primários, mostraram ser: Exigência de uma gestão orientada para resultados em saúde (governação clínica); Definição de um “racional” lógico para a análise; Benchmarking de práticas, potenciador de normas de referência; Diferenciação pelas especialidades. À mesma metodologia, foram atribuídos como pontos fracos: Foco excessivo na produção, descurando aspetos tácitos, organizacionais, estruturais e de prestação; O facto de nem todas as consultas em excesso preencherem o conceito de transferibilidade para os cuidados primários; Considerar todas as especialidades com o mesmo potencial de transferência; Não permitir uma representação suficiente das especificidades de instituições de níveis diferentes. As três condicionantes em que o problema da prescrição de MCDT, escolha de medicamentos ou outros tratamentos, mostraram ter implicações relevantes para a decisão de internamento (ou manutenção de internamento) e não transferência de atividade para os CSP, apesar de poderem ter consequências negativas em termos de ganhos de saúde ou ganhos económicos em alterar as estruturas logísticas e institucionais atuais, que obtiveram maior consenso, foram: Desconfiança e não reconhecimento de competência; Administração assistida e monitorização terapêutica; Ausência de alternativas ou manter o internamento por razões sociais/familiares. Relativamente às formas de atuação dos CSP, em que uma nova realidade de transferência de cuidados e/ou reorganização baseada na integração de cuidados, mostraram maior consenso: A definição de processos de cuidados num contexto de comorbilidades; Os cuidados hospitalares disponibilizarem consultoria e ajudas a melhores decisões clínicas na prevenção; Integração e partilha de registos e decisões clínicas. Conclusões A evidência científica parece demonstrar que existem serviços atualmente prestados nos hospitais, que terão condições de ser transferidos para outros níveis de cuidados, nomeadamente cuidados primários e cuidados continuados e / ou apenas reorganizados com integração entre os diferentes níveis de cuidados. Porém, é necessário, por um lado, garantir que esta transferência não trará mais desvantagens que benefícios e que, retirando atividade aos hospitais, não contribui para o aumento da atividade global do sistema de saúde sem com isso se promoverem e assegurarem níveis de qualidade e de eficiência económica e clínica iguais ou superiores. Por outro lado, é imprescindível a comprovação de que os outros níveis de cuidados estão recetivos e motivados para esta transferência e estão dotados de todas as condições, competências e recursos necessários para que o mesmo se verifique com sucesso. Tal exige que se faça uma avaliação séria, criteriosa e exaustiva das atividades e serviços atualmente prestados em meio hospitalar com potencial e vantagem da sua reorganização, sem custos de transação demasiado elevados, mas que tivesse como prioridade máxima a centralidade no doente e na sociedade, assim como a otimização do funcionamento do Serviço Nacional de Saúde. Para completar estes dados, interessa ouvir todos os profissionais de saúde e todos aqueles que não o sendo, trabalham diariamente no setor e saber o que têm a acrescentar a esta questão "Que cuidados/serviços poderiam ser transferidos dos hospitais para os CSP sem prejudicar a qualidade e contribuindo para a sustentabilidade do SNS?" Porque a sua opinião nos interessa, deixamos aqui este espaço para que partilhe connosco a sua opinião. Se pretender, poderá também utilizar o nosso endereço [email protected], para nos fazer chegar criticas, comentários ou sugestões. A Equipa agradece a sua colaboração! Bibliografia BOWLING, A. – Research methods in health: investigating health and health services. 2ª Edição. Philadelphia: Open University Press, 2002. ISBN 0-335-20643-3. QUIVY, Raymond; CAMPENHOUDT, Luc Van – Manual de investigação em ciências sociais. 5ª Ed. (1ª Ed. em 1992). Gradiva: Lisboa, 2008. SALTMAN, R.; RICO, A.; VOERMA, W. (ed). - Primary Care in the driver’s seat? 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