RESUMO DIFERENÇAS ÉTNICO-RACIAIS NO CONTEXTO ESCOLAR: questões para discussão Regina Pahim Pinto Esta comunicação discute alguns acontecimentos que integraram o processo pelo qual a escola brasileira foi se conscientizando da necessidade de abordar as diferenças étnico-raciais no currículo do ensino fundamental e que culminou com a publicação, em 1997, dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Concomitantemente, comenta as dificuldades de tal empreitada e os problemas subjacentes às propostas curriculares em vigor. Estas reflexões, embora digam respeito à educação formal, certamente poderão ser de utilidade para trocar idéias com os profissionais da área de comunicações interessados em desconstruir imagens estereotipadas de minorias sociais, mas, sobretudo, de representar as diferenças étnicoraciais de modo não estereotipado e não preconceituoso. DIFERENÇAS ÉTNICO-RACIAIS NO CONTEXTO ESCOLAR: questões para discussão Regina Pahim Pinto* No nível internacional, principalmente nos Estados Unidos e, mais recentemente, nos ex países europeus colonialistas, em que há uma presença significativa de descendentes de imigrantes nas escolas, já há algum tempo se assiste a um empenho não só em discutir as diferenças étnico-raciais no contexto educacional mas de tornar a educação escolar um momento efetivo de reflexão, valorização e respeito a essas diferenças.1 Nos Estados Unidos essas preocupações reportam-se ao século passado quando professores negros começam a abordar questões de interesse para os afro-americanos. Esse movimento, primeiramente circunscrito às escolas negras, aos poucos vai se incorporando ao sistema de ensino devido à pressão de jovens afro-americanos para que a educação reconheça o patrimônio cultural de seus ancestrais. Várias universidades criam programas e departamentos dedicados aos estudos negros, os Black Studies, processo, que por sua vez, irá incentivar reinvidicações semelhantes de outros grupos étnicos como mexicanos, índios. Posteriormente, também por influência de professores de origem africana, em geral dedicados aos Estudos Sociais, esse processo se amplia, configurando-se então o que se chama de perspectiva multiculturalista na educação, a educação multicultural “uma tentativa de tornar mais visível e audível rostos e vozes que até então pernaneceram no silêncio” (Rosenfeld, 1997). No entanto, a articulação entre diversidade e educação está relacionada a concepções filosóficas e pedagógicas, a opções políticas e ideológicas e, ainda, à especificidade de cada sociedade, o que implica obviamente em objetivos e estratégias de atuação diferente, e, conseqüentemente, de sentidos atribuídos à educação multicultural. * Do Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas Segundo Montero (1997, p. 232), a imigração é um dos fenômenos mais reveladores da natureza das tensões que envolve o convívio das diferenças culturais. Essa tensão é particularmente crucial nos países europeus que receberam um grande contingente de imigrantes, como a França, por exemplo, e que enfrentam hoje as questões decorrentes da multiplicidade de culturas que nem o mercado, nem a tecnologia, nem o direito ou a política são capazes de ordenar integralmente numa “vontade nacional” coesa. (aspas originais). Isso, sem falar no recrudescimento do racismo baseado principalmente nas diferenças de cultura, na rejeição a outras culturas em nome da pureza e da especificidade de cada cultura particular. 2 1 Nesse amplo espectro, pode-se identificar uma série de iniciativas e propostas: modificações nos conteúdos curriculares com a finalidade de incorporar contribuições de outros grupos culturais aos conceitos abordados nas diferentes disciplinas e, conseqüentemente, enfatizar a influência de pessoas, grupos étnicos e classes sociais no processo de construção do conhecimento; introdução de conteúdos específicos visando combater preconceitos ou de metodologias que garantam o sucesso dos alunos independentemente de sua origem e classe social; propostas de criação de disciplinas específicas. Mas há também as ações que procuram atingir a dinâmica dos relacionamentos intra escolares como as que visam dimensionar as atitudes e expectativas de professores e funcionários com o objetivo de criar um ambiente em que os estudantes de diferentes grupos étnicos e sociais sintam-se valorizados e participem efetivamente das experiências educativas. Mais recentemente, com o fenômeno da globalização, a internacionalização da vida, a educação multicultural passou a ser pensada também em função de uma realidade em que o contato com a diversidade toma dimensões nunca antes exprimentadas. Trata-se de uma situação inusitada em que pela primeira vez os alunos vivem verdadeiramente no mundo. Se de um lado tal situação exige preparo para aceitar as outras civilizações, ou seja, uma pedagogia da troca e circulação, do partilhamento e do diálogo, enfim, uma forma inédita de solidariedade e tolerância, de outro, é um contexto que em função da intensidade desse contato, exige também o fortalecimento das próprias referências. A escola seria a instituição encarregada de fornecer ao indivíduo o equilíbio para lidar com as exigências de ambas as dimensões, vizinhança e planeta. (Abdalla-Pretceille e Porcher, 1996) Na sociedade de hoje há uma constante circulação de informações, de trocas, portanto, uma intensa relação com o outro, eventualmente desconhecido, e que muitas vezes se encontra do outro lado da terra. A comunicação é fundamentalmente exterioridade, ou seja, algo que não mostra diretamente a identidade vivida. Tal processo não só pressupõe um preparo dos alunos mas também um espaço para se afirmarem, se expressarem, viverem a sua singularidade. Nesse contexto, a aprendizagem da autonomia pessoal, da experiência própria, do domínio da sua identidade se impõem para ajudá-los a se equipar de meios que lhes possibilitem serem eles próprios e, ao mesmo tempo, se abrirem para espaços de 3 liberdade, de subjetividade. Por outro lado, o aumento e a diversificação da população escolar, fenômeno que se iniciou há cerca de 50 anos, engendrou novas relações no contexto da instituição escolar. Cada um traz consigo seu próprio capital cultural, seus hábitos, sua herança, enfim, aquilo que o define como indivíduo, instalando-se a alteridade no mundo da escola. A população escolar já não é mais uma massa indiferenciada nem, tampouco, uma camada selecionada da população global. A relação com o outro se torna constante no recinto escolar sendo necessário, portanto, que os alunos tenham a sua identidade assegurada (construída segundo uma lógica de abertura e não de fechamento), tomem consciência da mesma e a aceitem. O ensino é uma troca intersubjetiva múltipla entre professores e alunos, entre os alunos, entre os diversos protagonistas da instituição, visando introduzir uma coerência na diversidade. Nesse sentido, o contexto educativo pressupõe, ao mesmo tempo, uma orientação para o outro e uma plena consciência de si. Ou seja, a identidade integra o outro, mas é a consciência da unicidade, da subjetividade que permite essa relação com a alteridade. O sentimento de pertencimento e de referência forma a argamassa do público escolar de hoje, levado a viver em um mesmo lugar, a conduzir projetos comuns, sem entretanto renunciar à sua identidade pessoal. O trabalho pedagógico se desenvolve de maneira a permitir que cada um desempenhe o seu papel de modo a não se confundir com o do vizinho, mas em orquestração com ele. É neste contexto que os autores propõem a pedagogia intercultural, que tem como base um ensino que privilegia a troca, o partilhamento, que mistura as diversidades e enriquece cada uma delas com a contribuição da outra. Uma transação permanente em que os benefícios são recíprocos e em que as aprendizagens se efetuam complementarmente, sob a responsabilidade de cada aprendiz e a orientação dos professores. Ela repousa sobre um princípio simples: o outro é ao mesmo tempo idêntico a mim e diferente de mim. Se falta um dos termos, mergulha-se num ensino de exclusão ou de desprezo. É uma proposta que embora tenha como base a pluralidade cultural pretende ultrapassá-la, na medida em que instaura a comunicação no seio da diversidade, e, conseqüentemente, o enriquecimento recíprocos, processo, no qual, entretanto, ambas as 4 partes mantêm a sua identidade. Nesse sentido, cada um está inscrito em uma circulação em direção à alteridade e vice -versa. Muitas questões suscitadas pelas reflexões que articulam a diversidade da população/ alunado com a educação, são pertinentes para a nossa realidade. Sem falar no fenômeno da globalização, há que se considerar a grande diversidade regional, a presença de populações de origem indígena e africana e, ainda, a presença de inúmeras crenças religiosas na nossa população. Essa diversidade de tipos físicos e de tradições culturais embora sempre tenha merecido a atenção de intelectuais, inclusive ligados ao sistema educacional, que refletem sobre a nacionalidade brasileira bem como de representantes de determinados segmentos da população, só mais recentemente vem merecendo uma atenção mais sistemática dos estudiosos da educação. Sem a intenção de realizar um estudo abrangente sobre a articulação entre educação e diversidade no nosso país, pode-se detectar como acontecimentos importantes nesse processo, as preocupações, na década de 30, de lideranças, entre as quais, eminentes educadores, com a presença de descendentes de imigrantes no sul do país e com a influência das tradições africanas no povo brasileiro. Ainda que inspiradas pelo culturalismo, corrente de pensamento da Antropologia que propugna o respeito à diversidade cultural, esses intelectuais propõem ações no sentido de anular essa diversidade, no caso, as matrizes culturais italianas, alemãs e africanas. Consorte (1997), cita como acontecimentos importantes dessa política o plano de auxílio federal aos estados onde se apresentava a questão da nacionalização do ensino, elaborado na gestão Lourenço Filho à frente do INEP, e as reflexões de intelectuais ligados ao sistema de ensino sobre o papel da educação na superação da mentalidade denominada pré-lógica então identificada a certos setores da população onde é grande o contingente de negros. No caso, as reflexões de Arthur Ramos sobre os dados da pesquisa que coordenou sobre a população proletária e os centros de feitiçaria do Rio de Janeiro, quando exercia funções junto ao Serviço de Hygiene Mental instalado nas escolas daquela cidade. Reflexões, que no entender da autora significavam a ausência no currículo escolar da escola primária da época de 5 conteúdos que afirmassem a presença africana em nossa formação. Mas como foi dito, essa questão também sempre esteve em pauta entre os segmentos marginalizados, ainda que os seus posicionamentos tenham variado no decorrer da história. Tomando-se como base o movimento negro que ocorreu na cidade de São Paulo, pode-se identificar um primeiro momento, início do século, em que não se cogitava de qualquer especifidade cultural que lembrasse as origens africanas no âmbito da educação. Pelo contrário, essa particularidade era repudiada, uma vez que considerada como empecilho para a educação do segmento negro e a sua integração ao mundo dos brancos, uma das principais preocupações dos que refletiam sobre os seus problemas educacionais. Basta olhar para a imprensa negra da época, porta-voz de tais movimentos, para se perceber essa posição. Valorizava-se a educação, mas a África, as tradições culturais de origem africana não eram consideradas como elementos importantes no processo educacional, embora sempre houvesse uma preocupação em desconstruir imagens negativas do africano, processo esse muitas vezes carregado de ambigüidades, pois nos seus próprios escritos tais imagens também estavam presentes. Essa posição iria se modificar paulatinamente, a medida que esses grupos passsam a reivindicar com mais veemência a necessidade de o sistema educacional encarar de frente a diversidade étnico-racial do seu alunado, seja sugerindo a introdução nas disciplinas já existentes de conteúdos que contemplem o segmento negro, sua origem e especificidade cultural, sua contribuição para a sociedade brasileira, seja preconizando novas disciplinas ou mesmo uma postura pedagógica que valorize a diversidade, combata os preconceitos. Paralelamente, pode-se identificar também uma extensa ação educacional realizada pelas associações negras visando a valorização das tradições afro, ação essa cujos efeitos a nível de rendimento escolar, aceitação e reforço de identidade na população alvo ainda está para ser pesquisado. Embora essa ação venha sendo desenvolvida predominantemente pelas associações não se pode deixar de registrar outras iniciativas de integrantes do segmento negro inspiradas por uma perspectiva de educação multicultural. Nesse sentido, há que se registrar o trabalho de um grupo de professores negros de uma cidade do interior de São Paulo, cujo objetivo é discutir problemas que lhe são específicos, pesquisar a história de seu 6 povo, elaborar materiais destinados a resgatar o seu valor, ajudar alunos deste segmento a construirem uma identidade positiva, superarem situações de racismo ou possíveis defasagens educacionais, ou ainda os seus esforços visando conscientizar e conquistar colegas para a luta (Gonçalves (1995). 7 Também no âmbito da academia percebe-se uma preocupação crescente com a diversidade cultural/racial em trabalhos que têm como fulcro, a articulação da educação e segmentos étnico-raciais. Nessa linha, pode-se identificar estudos, principalmente a partir da década de oitenta, sobre a representação das minorias étnico raciais e sua cultura na literatura didática e paradidática, as relações que se estabelecem no interior da escola, envolvendo alunos de diferentes origens, a postura dos professores, bem como do pessoal dedicado à parte administrativa em relação a essa diversidade, as repercussões de tais abordagens e situações sobre os alunos das chamadas minorias. É importante salientar que, embora tais reflexões, em geral efetuadas por estudiosos das relações raciais, não terem tido grande repercussão nos meios educacionais, fato já apontado em artigo publicado anteriormente (Pinto, 1992) não se pode negar a existência de uma crescente sensibilidade no cenário educacional para com a diversidade do alunado. Assim, entre as atividades que tiveram lugar no contexto da Conferência Nacional de Educação Plano Decenal para Todos realizada em 1994, destaca-se o Seminário “O Plano Decenal e os compromissos com a cidadania” que reuniu educadores e estudiosos das relações raciais, ocasião em que foram debatidos vários aspectos relativos às diferenças étnico-raciais. Por sua vez, no último Encontro Anual da Associação Nacional de PósGraduação – ANPED, realizado em 1998, a diversidade cultural também foi tema de um debate2. Inclusive nas propostas curriculares elaboradas pelos estados nos anos 80, já se observa uma preocupação com alunos e grupos com características étnicas ou socioculturais específicas ou vivendo em condições especiais, entre os quais destacam-se as populações indígenas e os negros, embora o tratamento dado às diferenças locais e regionais e à diversidade sociocultural dos alunos tenha sido bastante pobre. (Barretto, 1998) Os temas que apresentam maior complexidade como o convívio social, violência, incorporação não estereotipada dos pontos de vista e contribuições culturais de outros grupos com características de exclusão, não recebem um tratamento pedagógico mais aprofundado, ficando diluídos em compromissos genéricos, tais como a atenção às especifidades regionais, 2 Trata-se de uma mesa “A universidade e as pesquisas sobre a educação e diversidade cultural”, realizada no XXI Encontro Anual da ANPED. 8 a valorização de experiências de vida dos educandos, a inserção social de segmentos marginalizados. Outro indício dessa maior sensibilidade para com as diferenças pode ser percebido nas orientações curriculares formuladas na década de 90 por alguns municípios como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, cujos princípios ordenadores estão fortemente ancorados em problemáticas da sociedade contemporânea, entre as quais a construção da identidade, o respeito à diversidade das expressões culturais e a condenação de quaisquer formas de discriminação. Ainda no que diz respeito aos currículos pode-se detectar essa mudança se considerarmos tendências que vêm despontando nas propostas curriculares de algumas disciplinas para o ensino fundamental de alguns estados. Na História, por exemplo, percebese um empenho em valorizar segmentos da população brasileira até então tratados de forma secundária e dar maior ênfase ao espaço americano. Segundo Bittencourt (1998), o espaço europeu não aparece mais como o “lugar” de nascimento da nação, surgem tentativas, ainda que esparsas, de se estudar as culturas africanas. Tentativas que apontam para a necessidade de superação do tratamento metodológico utilizado para o estudo da formação da população brasileira, entendida como “mistura de raças” na qual o elemento português é a matriz e as outras “raças” aparecem como influenciadoras de alguns hábitos da vida cotidiana. 3 Já a questão do “outro”, embora presente, é tratada de modo pouco aprofundado, a despeito dos pressupostos mais gerais que presidem os textos oficiais introdutórios e que enfatizam a construção da cidadania em um sistema democrático. Por sua vez, as diferenças étnicas aparecem em todas as propostas, embora a maioria se refira à formação da população de forma harmônica, sem conflitos, sem menção às questões de alteridade e de reciprocidades no processo de contato. (Bittencourt, 1998, p. 151) Mais recentemente, nos Parâmetros Curriculares Nacionais, elaborados pelo Ministério da Educação e que deverão servir de referencial para a formulação das 3 As observações a respeito das propostas curriculares de História, tomaram como base um estudo efetuado em propostas de 21 estados publicadas entre fins dos anos oitenta e início da década de noventa. A autora (Bittencourt, 1998) não especifica em quais estados ocorreram essas mudanças aqui mencionadas. 9 orientações curriculares de estados e municípios, o tema está presente de modo bastante enfático nos Parâmetros Curriculares Transversais. A justificativa para a sua formulação é de que as áreas convencionais ministradas pela escola, como Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História e Geografia, embora necessárias, não são suficientes para alcançar os princípios que consubstanciam o compromisso da educação com a cidadania tais como: dignidade da pessoa humana, igualdade de direitos, participação, co-responsabilidade pela vida social. Para tanto, há necessidade de se tratar de questões não diretamente contempladas por essas áreas como violência, saúde, uso de recursos naturais, preconceito. Tendo em vista o fato de que a construção da cidadania e a democracia envolvem múltiplos aspectos e diferentes dimensões da vida social foi necessário estabelecer critérios para defini-los e escolhê-los. Nesse sentido, os Temas Transversais procuram contemplar questões que se apresentam como obstáculos para a concretização da plenitude da cidadania, na medida em que afrontam a dignidade da pessoa e deterioram a sua qualidade de vida. Além de serem pertinentes a todo o país e ao alcance da aprendizagem nessa etapa da escolaridade, possibilitam ao aluno não só uma visão ampla e consistente da realidade brasileira, mas a sua inserção no mundo e participação social. Muitas das questões que dizem respeito à diversidade étnico-racial estão presentes tanto nos objetivos a serem alcançados como nos conteúdos a serem trabalhados em alguns dos temas transversais, especialmente ética e pluralidade cultural. Assim, o trabalho a ser realizado em torno da ética deve organizar-se de forma a possibilitar que os alunos sejam capazes de: compreender o conceito de justiça baseado na eqüidade e sensibilizar-se pela necessidade da construção de uma sociedade justa; adotar atitudes de respeito pelas diferenças entre as pessoas, respeito esse necessário ao convívio numa sociedade democrática e pluralista; adotar, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças e discriminações; compreender a vida escolar como participação no espaço público, utilizando e aplicando os conhecimentos adquiridos na construção de uma sociedade democrática e solidária; valorizar e empregar o diálogo como forma de esclarecer conflitos e tomar decisões coletivas; construir uma imagem positiva de si, o respeito próprio 10 traduzido pela confiança em sua capacidade de escolher e realizar seu projeto de vida e pela legitimação das normas morais que garantam, a todos, essa realização. (Brasil, 1997a, p. 65) Para alcançar tais objetivos propugna-se o trabalho com conteúdos que contemplem as diferenças entre as pessoas, derivadas de sexo, cultura, etnia, valores, opiniões ou religiões; o respeito a todo ser humano independentemente de sua origem social, etnia, religião, sexo, opinião e cultura; o respeito às manifestações culturais, étnicas e religiosas; o respeito mútuo como condição necessária para o convívio social democrático: respeito ao outro e exigência de igual respeito para si; as formas legais de lutar contra o preconceito; a utilização das normas da escola como forma de lutar contra o preconceito (Brasil, 1997a, p. 71). Já o tema Pluralidade Cultural tem como objetivo contribuir para a construção da cidadania na sociedade pluriétnica e pluricultural e, nesse sentido, propõe o desenvolvimento de capacidades como: o conhecimento da diversidade do patrimônio étnico-cultural brasileiro, tendo atitude de respeito para com essas pessoas e grupos que a compõem, reconhecendo a diversidade cultural como um direito dos povos e dos indivíduos e elemento de fortalecimento da democracia; a valorização das diversas culturas presentes na constituição do Brasil como nação, reconhecendo sua contribuição no processo de constituição da identidade brasileira; o reconhecimento das qualidades da própria cultura, valorando-as criticamente, enriquecendo a vivência de cidadania; o desenvolvimento de uma atitude de empatia e de solidariedade para aqueles que sofrem discriminação; o repudio a toda discriminação baseada em diferenças de raça/etnia, classe social, crença religiosa, sexo e outras características individuais ou sociais; a exigência de respeito para si, denunciando qualquer atitude de discriminação que sofra, ou qualquer violação dos direitos de criança e cidadão; a valorização do convívio pacífico e criativo dos diferentes componentes da diversidade cultural; a compreensão da desigualdade social como um problema de todos e como uma realidade passível de mudanças. (Brasil, 1997c) Também nos subsídios previstos para balizar o trabalho pedagógico com o tema transversal Pluralidade Cultural seja no campo da ética, dos conhecimento jurídicos, geográficos, históricos, sociológicos, antropológicos, psicológicos, pedagógicos, nos estudos populacionais, nas linguagens e representações, há uma série de questões que dizem respeito à diversidade étnico-racial. (Brasil, 1997c) 11 Embora todo esse processo evidencie uma abertura, uma preocupação com as diferenças não significa, entretanto, que os problemas tenham sido resolvidos. Pelo contrário, as intensas críticas que o Documento vem sofrendo por parte de estudiosos que apreciaram as suas versões preliminares, mostram que essa é uma questão polêmica, que demanda ainda muita reflexão. Moreira (1996, p. 106)4 questiona a possibilidade da construção da diferença e da identidade, tendo-se como pano de fundo a adesão a uma democracia radical. Nesse sentido, ele aponta a incongruência entre a proposta transcultural de um lado e a postura assimilacionista presente nas posições defendidas no Documento na medida em que se preconiza uma escola transmissora de conhecimentos científicos historicamente produzidos e aceitos, enfim, uma escola voltada para o desenvolvimento de competências necessárias a todos para viver e conviver na sociedade, concomitante à defesa da integração e assimilação de todas as diferenças à cultura hegemônica, ainda que se reconheça as diferenças culturais. Com base no fato de o Documento se referir a valores culturais que nos são próprios, conteúdos essenciais que devem ser ensinados em todas as escolas concomitante ao reconhecimento da diversidade cultural indaga “A que grupos tais valores são próprios? Trata-se de reforçar valores já existentes ou de promover a construção de valores comuns? Que critérios norteiam a escolha do que dever ser preservado ou construído? Como determinar a essencialidade e a relevância de alguns conteúdos?” Chama a atenção também para a preocupação com o que é comum e a não consideração dos conflitos e das desigualdades presentes na sociedade brasileira que, no seu entender, acaba criando uma zona de sombra pouco propícia ao desenvolvimento de um processo de escolarização comprometido com a justiça social. Manifesta ainda temor quanto às conseqüencias dessa ênfase no comum. Ela tenderia a reforçar a hegemonia do conhecimento de “alto status” e, conseqüentemente, a reforçar o processo de reprodução das desigualdades sociais. Por outro lado, mostra-se cético quanto às possibilidades de contemplar as especificidades locais, diversificar a cultura escolar e dialetizar diferentes leituras de mundo que os vários grupos elaboram 4 As observações deste autor referem-se à versão preliminar dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino fundamental, datada de novembro de 1995 12 Numa postura ainda mais radical. Cunha (1996) denuncia a concepção individualista de sociedade subjacente aos Parâmetros5, concepção que no seu modo de ver se configuraria em orientações psicopedagógicas pertinentes ao relacionamento intra-escolar e na ignorância da sociedade em que a escola está inserida. Concomitantemente, propugna uma reorientação de caráter sociológico nos valores elencados no texto sobre ética, em detrimento do ponto de vista psicológico. Nessa mesma linha Canen (1997) analisando o discurso presente no Documento6 chama atenção para a ênfase em categorias referentes à construção do conhecimento em termos individuais e não sócio-culturais, o que mostra que o aluno é visto em termos psicológicos, descontextualizado de sua inserção histórica, política e cultural. A diversidade cultural, por sua vez, é identificada como conhecimento e respeito aos padrões culturais do “outro”, sem que se questione, por exemplo, a influência dos diversos padrões culturais sobre a cultura que a escola pretende veicular e sem que se enfatize a influência das desigualdades sócio-econômicas na valorização diferencial das culturas. Além disso, tomando como parâmetro a concepção de educação multicultural que defende, a educação intercultural crítica, aponta várias contradições discursivas pelas quais o tema é tratado. Assim, o Documento7 ao mesmo tempo que pretende desafiar estereótipos e preconceitos contêm afirmações que reduzem a discriminação a uma manifestação psicológica do medo e a diversidade cultural a um conjunto de identidades “homogêneas”; consideram a identidade nacional como reflexo de uma “brasilidade” idealizada e não problematizada e a educação multicultural como mero conhecimento de manifestações culturais e ritos diversificados. (Canem, 1999). Por outro lado, ainda que se tenha de um lado autores que propugnam a educação multicultural, inclusive com propostas concretas sobre a maneira de viabilizá-la8, observa-se 5 Segundo informações do autor as suas observações referem-se à versão preliminar dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino fundamental, datada de dezembro de 1995. 6 A análise da autora incide sobre a versão preliminar do Documento datada de 1996. 7 Tais observações se basearam na versão preliminar dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o terceiro e quarto ciclos do ensino, datada de 1997. 8 Entre esses autores, Candau (1995) considera a perspectiva intercultural como a única maneira de a escola comprometer-se com a construção de uma sociedade participativa, democrática, igualitária; Coutinho (1996) preconiza a educação multicultural , no seu entender, uma educação comprometida com a democratização das relações sociais e raciais e com a emancipação das classes populares; Canen (1997) defende uma linha 13 também os que se mostram mais reticentes ao apontar inconsistências teóricas subjacentes às propostas de educação multicultural. Ana Lúcia Farah Valente no cenário nacional9, é uma das autoras que vem chamando atenção para tais questões. Tomando como base as críticas de estudiosos que vêm refletindo sobre a educação intercultural10 proposta nos países de língua francesa e na Europa em geral, aponta várias inconsistências teóricas entre as quais a noção de cultura utilizada, a orientação subjacente à formação dos profissionais que trabalham junto à população estrangeira e que no entender dos seus críticos coloca em risco qualquer possibilidade de compreensão do “outro”; o apoio que a ideologia interculturalista reclama da Antropologia para se justificar uma vez que a inspiração culturalista que predominou na Antropologia norte-americana dos anos trinta além de ultrapassada é também renegada por seus representantes, sobrevivendo no interior da disciplina devido a vocação explicitamente comercial. Por outro lado, ao definir uma etnia por sua cultura e esta para caracterizar uma etnia, a ideologia interculturalista pretende reabilitar o “indígena”, a partir de um retrato que constrói dele. Essa imagem imutável serve ao controle e à dominação. Além disso, a bibliografia francesa sobre a questão intercultural é abundante e de difícil compreensão à medida que este campo de estudos se formou em função de interrogações de origens múltiplas e não a partir de uma ciência social constituida. Nessa mesma linha, chama atenção para o caráter militante da literatura sobre escola e imigração, para o comprometimento das pessoas que a produzem com experiências de escolarização dos filhos de imigrantes e, finalmente, para o público a que se dirige, em geral, aqueles que estão convencidos da sua necessidade. Outra dificuldade da educação intercultural residiria no fato de se acreditar que o conhecimento da cultura a que se pertence resolveria uma série de problemas. Com base em todas essas considerações Valente (1998) conclui que a de educação multicultural, a perspectiva intercultural crítica, inclusive sugerindo conteúdos e procedimentos pedagógicos a serem adotados, bem como a maneira de atuar do professor para promover uma educação para a diversidade cultural. 9 Xavier Lluch (1998) é um outro autor que trata da educação intercultural levantando questões intrigantes como: qual a concepção de interculturalidade que se está usando, quais os valores para uma sociedade intercultural, de que modo se produz o contato e a interação cultural, como tornar compatível a realidade multicultural com as tradições baseadas em modelos monoculturais. 10 Os autores citados são Carmel Camilleri; Margalit Cohen-Emerique; Maurice Mauviel; Claude Liauzu; Jean-Pierre Gaudier; Françoise Henry-Lorcerie 14 educação intercultural é falaciosa por propor uma conotação nova e positiva ao fenônomeno das relações entre as culturas que sempre esteve marcado pelo signo da dominação. Segundo suas palavras “Negar a existência de forças sociais que se impõem ante o desejo de construção de uma ‘sociedade feliz’ não basta para transformá-la”. (p. 15) Além disso, os textos sobre educação intercultural, deixam de considerar de qual sociedade estamos falando. Outros autores, por sua vez apontam questões que precisam ser melhor dimensionadas na propostas de educação multicultural como a não consideração das correlações de força que impregnam as relações entre os grupos (Valente, 1998), o fato de ter-se transformado numa ideologia da instituição escolar em países como os Estados Unidos, Inglaterra e Espanha (Oliveira, 1996), a conotação positiva de que vem se revestindo o multiculturalismo, sem se levar em conta os seus aspectos dramáticos (Oliveira, 1996, p. 65), os limites e possibilidades de uma política multicultural num país miscigenado como o Brasil (Oliveira, 1996 p. 66-7); a necessidade de se equacionar o papel do Estado na formulação de políticas de currículo e formação do professor tendo em vista as questões postas pelo multiculturalismo, bem como a formulação de modelo de análise destinado a explicar a relação entre Estado e movimentos étnicos e culturais em sociedades segregacionistas e sociedades assimilacionistas como a nossa (Gonçalves, 1996, p. 69). Sem dúvida, são questões que merecem atenção e o objetivo desta apresentação foi justamente o de compartilhar com as pessoas aqui reunidas essas inquietações que, acredito, são do interesse de todos os que se preocupam com as diferenças étnico-raciais. Como se observa, embora na área da educação tenha se observado alguns progressos, pelo menos a nível de propostas curriculares, ainda há muitas questões que precisam ser melhor equacionadas, como também as de difícil solução. Mas não se pode negar que têm havido avanços e o momento demanda de todos criatividade e reflexão para enfrentar a difícil tarefa de abordar a diversidade. 15 BIBLIOGRAFIA BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais : apresentação dos temas transversais, ética / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília : MEC/SEF, 1997a. __________. Parâmetros curriculares nacionais : introdução aos parâmetros curriculares nacionais / Secretaria de Educação Fundamental. 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Petrópolis : Vozes, 1995. p. 7-20 __________. Os parâmetros curriculares nacionais mais uma vez em questão. In: BICUDO, Maria Aparecida Viggiani, SILVA JR., Celestino Alves da (orgs.). Formação do educador: 16 dever do estado, tarefa da universidade, v. 3. São Paulo : UNESP, 1996. p. 97-110. (Seminários e Debates) PINTO, Regina Pahim. Educação e raça: uma articulação incipiente. Cadernos de Pesquisa, n. 80, fev. 1992, p. 41-50. SACRISTÁN, J. Gimeno. Currículo e diversidade cultural. In: SILVA, Tomaz tadeu da Silva, MOREIRA, Antonio Flávio. Territórios contestados: o currículo e os novos mapas políticos e culturais. Petrópolis : Vozes, 1995. p. 82-113 SIlVA, Petronilha Beatriz Gonçalves e. Quebrando o silêncio: resistência de professores negros ao racismo. In: SERBINO, Raquel Volpato, GRANDE, Maria aparecida Rodrigues de Lima. A escola e seus alunos: estudos sobre a diversidade cultural. São Paulo : UNESP, 1995 (Seminários e debates) SILVA, Tomaz Tadeu da Silva. Os novos mapas culturais e o lugar do currículo numa sociedade pós-moderna. In: TOZZI, Devanil A. et al (orgs). Currículo, conhecimento e sociedade. São Paulo : FDE, 1995, p. 29-41. (Série Idéias, 26) VALENTE, Ana Lúcia Eduardo Farah. Para além do multiculturalismo: a educação intercultural na Europa. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. v.1, n.1, jul. 1944, p. 7-18. 17 ==Um dos indícios dessa mudança é a intensificação do debate sobre a educação multicultural, contexto em que se observa posições favoráveis, inclusive com propostas concretas sobre a maneira de viabilizá-la, mas também posturas bastante críticas, sobre a maneira como vêm sendo preconizada. Segundo Candau (1995), embora a relação entre educação e cultura/s seja intrinsica ao fato educacional, os acontecimentos deste final de século, de um lado a mundialização das questões e, de outro, a afirmação do que é local, próprio, específico a cada povo, colocam novas questões aos educadores e a única maneira de a escola enfrentar essa nova realidade é adotar uma perspectiva intercultural. Coutinho (1996) propugna uma educação multicultural comprometida com a democratização das relações sociais e raciais e com a emancipação das classes populares, que se viabilizaria pela apropriação crítico-social dos conteúdos, progressiva eliminação do fracasso escolar das etnias excluídas, melhoria da qualidade do ensino. Canen (1997) defende uma linha de educação multicultural, a perspectiva intercultural crítica, inclusive sugerindo conteúdos e procedimentos pedagógicos a serem adotados, bem como a maneira de atuar do professor para promover uma educação para a diversidade cultural. Mas há também os que se mostram mais reticentes ao apontar inconsistências teóricas subjacentes às propostas de educação multicultural inspiradas pela teoria culturalista. Ana Lúcia Farah Valente no cenário nacional, é uma das autoras que vem chamando atenção para tais questões. Tomando como base as propostas de educação intercultural desenvolvidas na França, ela reconhece que houve um avanço em relação às propostas etnocêntricas e evolucionistas do início do século, mas aponta inconsistências teóricas na perspectiva multiculturalista. Segundo Valente 1998, p. 13 apud Gaudier 1990, p. 34), a ideologia interculturalista embora reclame o apoio da Antropologia para se justificar, não se sustentaria, primeiro, pelo fato de o culturalismo estar ultrapassado e, inclusive, já ter sido renegado pelos seus formuladores, e, segundo, pela maneira como concebe a cultura, ou seja, como “coisa”, e como tal, desprovida de qualquer dinamismo, imune ao processo de transformação. Por outro lado, ao definir uma etnia por sua cultura e esta pelo fato de que caracteriza uma etnia, a ideologia interculturalista pretende reabilitar o “indígena”, a partir de um retrato que constrói dele. Essa imagem imutável serve ao controle e à dominação. Ainda, apoiando-se em vários autores que vêm se dedicando a examinar criticamente a 18 bibliografia sobre a questão intercultural como Claude Liazu e Maurice Mauviel essa autora coloca em evidência várias outras questões subjacentes às propostas de educação intercultural, como por exemplo, a dificuldade advinda do fato de a questão intercultural constituir-se em um campo de estudos que se formou em função de interrogações de origens múltiplas e não a partir de uma ciência social constituída (Valente apud Liazu 1989) e à impregnação das reflexões sobre o tema pelo militância. A propósito Françoise HenryLorcelerie (1989) aponta para o fato de que a literatura sobre escola e imigração seria produzida por pessoas engajadas em experiências de escolarização dos filhos de imigrantes e dirigida àqueles que estão convencidos de sua necessidade. Outra dificuldade apontada por tais críticos diz respeito ao fato de que subjacente à educação intercultural está a crença de que se conhecendo uma cultura os problemas estariam resolvidos. Com base em todas essas considerações Valente conclui que a proposta de uma educação intercultural é falaciosa por propor uma conotação nova e positiva ao fenônomeno das relações entre as culturas que sempre esteve marcado pelo signo da dominação. Segundo suas palavras “Negar a existência de forças sociais que se impõem ante o desejo de construção de uma ‘sociedade feliz’ não basta para transformá-la” Além disso, os textos sobre educação intercultural, deixam de considerar de qual sociedade estamos falando. Outros autores, por sua vez apontam questões que precisam ser melhor dimensionadas como a diversidade dos grupos a que se dirigem (Canem, 1999, p. 6, artigo que está sendo apreciado), a não consideração das correlações de força que impregnam as relações entre os grupos (Valente, artigo para RBEP ou resenha), o fato de ter-se transformado numa ideologia da instituição escolar em países como os Estados Unidos, Inglaterra e Espanha (Oliveira, 1996), a conotação positiva de que vem se revestindo o multiculturalismo, sem se levar em conta os seus aspectos dramáticos (Oliveira, 1996, p. 65), os limites e possibilidades de uma política multicultural num país miscigenado como o Brasil (Oliveira, 1996 p. 66-7); a necessidade de se equacionar o papel do Estado na formulação de políticas de currículo e formação do professor tendo em vista as questões postas pelo multiculturalismo, bem como a formulação de modelo de análise destinado a explicar a relação entre Estado e movimentos étnicos e culturais em sociedades segregacionistas e sociedades assimilacionistas como a nossa (Gonçalves, 1996, p. 69). 19 Como se observa, são questões que merecem considerações. Por outro lado, este debate tende a se intensificar com a proposta do Ministério da Educação e Desporto de implantar um currículo nacional, e que se configuraria na elaboração de um documento, os Parâmetros Curriculares Nacionais11 onde o tema está presente de modo bastante enfático nos Parâmetros Curriculares Transversais. Nas reflexões dos estudiosos que deram parecer ao documento, como de outros que comentaram as suas várias versões percebe-se a preocupação com o enfoque de multiculturalismo subjacente à proposta curricular e, conseqüentemente, com as questões que dizem respeito às diferenças. Nesse sentido, Moreira (1996, p. 106)12 questiona a possibilidade da construção da diferença e da identidade, tendo-se como pano de fundo a adesão a uma democracia radical. Identifica no multiculturalismo proposto no documento tanto uma postura transcultural tendo em vista a consagração de uma escola transmissora de conhecimentos científicos historicamente produzidos e aceitos, enfim, de uma escola voltada para o desenvolvimento de competências necessárias a todos para viver e conviver na sociedade, como uma postura assimilacionista tendo em vista a defesa da integração e assimilação de todas as diferenças à cultura hegemônica, ainda que reconheça as diferenças culturais. Assim com base no fato de o documento se referir a valores culturais que nos são próprios, conteúdos essenciais que devem ser ensinados em todas as escolas concomitante ao reconhecimento da diversidade cultural ele indaga “A que grupos tais valores são próprios? Trata-se de reforçar valores já existentes ou de promover a construção de valores comuns? Que critérios norteiam de fato a escolhado que dever ser preservado ou construído? Como determinar a essencialidade e a relevância de alguns contúdos?” 11 Os Parâmetros Curriculares são citados neste trabalho em função da sua preocupação com questões importantes para se discutir e compreender o tema “diferenças étnico-raciais”. Não é meu objetivo efetuar uma apreciação crítica a seu respeito. Para tanto, remeto o leitor para as questões levantadas por estudiosos da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em maio de 1996, entre as quais, a pertinência de um currículo nacional para um país com as características diversas como o Brasil; a concepção psicológica e psicopedagógica que lhe é subjacente, e, que inclusive impregna a abordagem da diversidade; a ignorância das importantes contribuições da Sociologia da Educação e do Currículo, da Filosofia da Educação, dos Estudos Culturais; a maneira como foi elaborado, ignorando “múltiplas e diversas vozes que teriam algo a dizer sobre essa questão”; a maneira como vem sendo implantado. (Faculdade, 1996, p. 130) 12 As observações deste autor referem-se à versão preliminar dos Parâmetros curriculares nacionais para o ensino fundamental, datada de novembro de 1995 20 Para ele, as posturas transculturais e assimilacionistas se evidenciam em ambigüidades tais como o fato de o documento se referir a valores culturais que nos são próprios, conteúdos essenciais que devem ser ensinados em todas as escolas concomitante ao reconhecimento da diversidade cultural. Nesse sentido, tece uma série de indagações, entre as quais: “A que grupos tais valores são próprios? Trata-se de reforçar valores já existentes ou de promover a construção de valores comuns? Que critérios norteiam de fato a escolha do que dever ser preservado ou construído? Como determinar a essencialidade e a relevância de alguns conteúdos? Por fim, argumenta que o fato de o documento evidenciar uma preocupação com o comum, não levando em conta os conflitos e as desigualdades presentes na sociedade brasileira, acaba por criar uma zona de sombra pouco propícia ao desenvolvimento de um processo de escolarização comprometido com a justiça social. Mostra-se também temeroso quanto às conseqüencias dessa ênfase no comum. Ela tenderia a reforçar a hegemonia do conhecimento de “alto status” e, conseqüentemente, a reforçar o processo de reprodução das desigualdades sociais. Ainda no que diz respeito à ênfase no comum, mostra-se cético quanto às possibilidades de contemplar as especificidades locais, diversificar a cultura escolar e dialetizar diferentes leituras de mundo que os diferentes grupos elaboram Numa postura ainda mais radical. Cunha (1996) denuncia a concepção individualista de sociedade subjacente aos parâmetros13, concepção que no seu modo de ver se configuraria em orientações psicopedagógicas pertinentes ao relacionamento intra-escolar e na ignorância da sociedade em que a escola está inserida. Concomitantemente, propugna uma reorientação de caráter sociológico nos valores elencados no texto sobre ética, em detrimento do ponto de vista psicológico. Nessa mesma linha Canen (1997, Ensaio v5, out/dez, 1997) analisando o discurso presente no documento chama atenção para a ênfase em categorias referentes à construção do conhecimento em termos individuais e não sócio-culturais, o que mostra que o aluno é visto em termos psicológicos, descontextualizado de sua inserção histórica, política e cultural. Além disso, tomando como parâmetro a concepção de educação multicultural que defende, 13 Segundo informações do autor as suas observações referem-se à versão preliminar dos Parâmetros 21 a educação intercultural crítica, questiona várias posições e concepções presentes nos Parâmetros e aponta a abordagem que estaria em concordância com a perspectiva preconizada; a inconsistência teórica de determinados aspectos de que trata, a sua aplicabilidade à realidade nacional, a sua impregnação por questões que dizem respeito a outras realidades, ora para pontuar questões que precisam ser melhor dimensionadas nas propostas que começam a se introduzir no cenário educacional como a diversidade dos grupos a que se dirigem (Canem, 1999, p. 6, artigo que está sendo apreciado), a não consideração das correlações de força que impregnam as relações entre os grupos (Valente, artigo para RBEP ou resenha), ou ainda, o papel do Estado na sua aplicação (Gonçalves, 1996, p. 69) Enfim, está se instalando um debate bastante profícuo para se pensar questões importantes que esses próprios trabalhos vêm apontando, como a especificidade do nosso país, tendo em vista a influência das reflexões que se engendraram em contextos muito diferentes dos nossos nas reflexões sobre o tema no nosso país, ou ainda a necessidade de se especificar a que educação multicultural estamos falando, uma vez que não existe educação multicultural, mas propostas de educação multicultural com conotações, objetivos, concepções e pressupostos teóricos diversos. os contextos muito diferentes que engendraram as discussões mais alentadas sobre a educação multicultural, principalmente Estados Unidos e Europa (p. 93 e 94, Sacristan) muitas discussões sobre em que tais completamente diferente dos Mas a despeito desse debate acadêmico suscitado pela publicação dos Parâmetros, é importante reconhecer que já algum tempo observa-se no cenário educacional uma certa atenção com as questões que dizem respeito às diferenças étnico-raciais. Nas propostas curriculares elaboradas pelos estados nos anos 80, já se observa uma preocupação com alunos e grupos com características étnicas ou socioculturais específicas ou vivendo em condições especiais, entre os quais destacam-se as populações indígenas e os negros, embora o tratamento dado às diferenças locais e regionais e à diversidade sociocultural dos alunos tenha sido bastante pobre. (Barretto, 1998) Os temas que apresentam maior complexidade como o convívio social, violência, incorporação não estereotipada dos pontos curriculares nacionais para o ensino fundamental, datada de dezembro de 1995. 22 de vista e contribuições culturais de outros grupos com características de exclusão, não recebem um tratamento pedagógico mais aprofundado, ficando diluídos em compromissos genéricos, tais como a atenção às especifidades regionais, a valorização de experiências de vida dos educandos, a inserção social de segmentos marginalizados. Um outro indício dessa maior sensibilidade para com as diferenças pode ser percebido nas orientações curriculares formuladas na década de 90 por alguns municípios como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, cujos princípios ordenadores estão fortemente ancorados em problemáticas da sociedade contemporânea, entre as quais a construção da identidade, o respeito à diversidade das expressões culturais e a condenação de quaisquer formas de discriminação. Ainda no que diz respeito aos currículos pode-se detectar essa mudança se considerarmos tendências que vêm despontando nas propostas curriculares de algumas disciplinas para o ensino fundamental de alguns estados. Na História, por exemplo, percebe-se um empenho em valorizar segmentos da população brasileira até então tratados de forma secundária e dar maior ênfase ao espaço americano. Segundo Bittencourt (1998), o espaço europeu não aparece mais como o “lugar” de nascimento da nação, surgem tentativas ainda que esparsas de se estudar as culturas africanas. Tentativas que apontam para a necessidade de superação do tratamento metodológico utilizado para o estudo da formação da população brasileira, entendida como “mistura de raças” na qual o elemento português é a matriz e as outras “raças” aparecem como influenciadoras de alguns hábitos da vida cotidiana. 14 Já a questão do “outro”, embora presente, é tratada de modo pouco aprofundado, a despeito dos pressupostos mais gerais que presidem os textos oficiais introdutórios e que enfatizam a construção da cidadania em um sistema democrático. Por sua vez, as diferenças étnicas aparecem em todas as propostas, embora a maioria se refira à formação da população de forma harmônica, sem conflitos, sem menção às questões de alteridade e de reciprocidades no processo de contato. (Bittencourt, 1998, p. 151) Portanto, a despeito das polêmicas, das discussões o que mostra a necessidade de uma 14 As observações a respeito das propostas curriculares de História, tomaram como base um estudo efetuado em propostas de 21 estados publicadas entre fins dos anos oitenta e início da década de noventa. A autora (Bittencourt, 1998) não especifica em quais estados ocorreram essas mudanças aqui mencionadas. 23 discussão profunda sobre como tratar a questão das diferenças no contexto escolar, é inegável que há um cenário favorável, que entretanto demanda muito mais do que a formulação de currículos. Há que se pensar na linguagem dos professores, nos exemplos que utilizam, nas suas atitudes para com as minorias, as culturas, nas relações sociais entre os alunos, nas formas de agrupá-los, nas práticas de jogo e brinquedo fora da sala de aula, nos estereótipos que são transmitidos através dos livros, naquilo que é exigido na avaliação. Por outro lado não se pode esquecer que a escola é uma instituição que se insere numa sociedade, daí a responsabilidade dos setores da sociedade, e neste evento, chamo atenção para a responsabilidade dos meios de comunicação no trato desta questão. Como nos alerta Sacristán (1995, p. 85-7) o conhecimento se contretiza no processo de conhecer, em que o que conta é o contexto externo e interno de quem conhece, ou seja, a experiência vivida em torno do conhecimento. Experiência onde se entrecuzam crenças, valores, atitudes e comportamentos, porque são sujeitos reais que lhes dão significados, a partir de suas vivências como pessoas. curriculo multicultural exige, pois, mudanças muito profundas em mecanismos de ação muito mais sutis. A justificativa para a formulação dos Parâmetros Curriculares Transversais é de que as áreas convencionais ministradas pela escola, como Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História e Geografia, embora necessárias, não são suficientes para alcançar os princípios que consubstanciam o compromisso da educação com a cidadania, tais como: dignidade da pessoa humana, igualdade de direitos, participação, co-responsabilidade pela vida social. Para tanto, há necessidade de se tratar de questões não diretamente contempladas por essas áreas como violência, saúde, uso de recursos naturais, preconceito. Tendo em vista o fato de que a construção da cidadania e a democracia envolvem múltiplos aspectos e diferentes dimensões da vida social foi necessário estabelecer critérios para definilos e escolhê-los. Nesse sentido, os Temas Transversais propostos procuram contemplar questões que se apresentam como obstáculos para a concretização da plenitude da cidadania, que afrontam a dignidade da pessoa e deterioram a sua qualidade de vida. Além de serem questões pertinentes a todo o país e ao alcance da aprendizagem nessa etapa da escolaridade, possibilitam ao aluno não só uma visão ampla e consistente da realidade brasileira, mas a sua inserção no mundo e participação social. Por outro lado, devido ao tipo de questões que abordam, os Temas Transversais atravessam diferentes campos do conhecimento e, portanto, devem integrar as áreas convencionais de modo a estarem presentes em todas elas, relacionando-as às questões da atualidade. A integração, extensão e profundidade dessa tarefa podem se dar em diferentes níveis, segundo o domínio do tema e/ou a prioridade que se eleja nas diferentes realidades locais, o que se efetiva mediante a organização didática eleita pela escola. (Brasil, 1997a, p. 21-9) 24 Muitas das questões que dizem respeito à diversidade étnico-racial estão presentes tanto nos objetivos a serem alcançados como nos conteúdos a serem trabalhados em alguns dos temas transversais, especialmente ética e pluralidade cultural. Assim, o trabalho a ser realizado em torno da ética deve organizar-se de forma a possibilitar que os alunos sejam capazes de: • compreender o conceito de justiça baseado na eqüidade e sensibilizar-se pela necessidade da construção de uma sociedade justa; • adotar atitudes de respeito pelas diferenças entre as pessoas, respeito esse necessário ao convívio numa sociedade democrática e pluralista; • adotar, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças e discriminações; • compreender a vida escolar como participação no espaço público, utilizando e aplicando os conhecimentos adquiridos na construção de uma sociedade democrática e solidária; • valorizar e empregar o diálogo como forma de esclarecer conflitos e tomar decisões coletivas; • construir uma imagem positiva de si, o respeito próprio traduzido pela confiança em sua capacidade de escolher e realizar seu projeto de vida e pela legitimação das normas morais que garantam, a todos, essa realização. (Brasil, 1997a, p. 65) Para alcançar tais objetivos propugna-se o trabalho com os seguintes conteúdos: • as diferenças entre as pessoas, derivadas de sexo, cultura, etnia, valores, opiniões ou religiões; • o respeito a todo ser humano independentemente de sua origem social, etnia, religião, sexo, opinião e cultura; • o respeito às manifestações culturais, étnicas e religiosas; • o respeito mútuo como condição necessária para o convívio social democrático: respeito ao outro e exigência de igual respeito para si; • as formas legais de lutar contra o preconceito; • a utilização das normas da escola como forma de lutar contra o preconceito (Brasil, 1997a, p. 71) Já o tema Pluralidade Cultural tem como objetivo contribuir para a construção da cidadania na sociedade pluriétnica e pluricultural e, nesse sentido, propõe o desenvolvimento de capacidades como: o conhecimento da diversidade do patrimônio étnico-cultural brasileiro, tendo atitude de respeito para com essas pessoas e grupos que a compõem, reconhecendo a diversidade cultural como um direito dos povos e dos indivíduos e elemento de fortalecimento da democracia; a valorização das diversas culturas presentes na constituição do Brasil como nação, reconhecendo sua contribuição no processo de constituição da identidade brasileira; o reconhecimento das qualidades da própria cultura, valorando-as criticamente, enriquecendo a vivência de cidadania; o desenvolvimento de uma atitude de empatia e de solidariedade para aqueles que sofrem discriminação; o repudio a toda discriminação baseada em diferenças de raça/etnia, classe social, crença religiosa, sexo e 25 outras características individuais ou sociais; a exigência de respeito para si, denunciando qualquer atitude de discriminação que sofra, ou qualquer violação dos direitos de criança e cidadão; a valorização do convívio pacífico e criativo dos diferentes componentes da diversidade cultural; a compreensão da desigualdade social como um problema de todos e como uma realidade passível de mudanças. (Brasil, 1997c) Também nos subsídios previstos para balizar o trabalho pedagógico com o tema transversal Pluralidade Cultural seja no campo da ética, dos conhecimento jurídicos, geográficos, históricos, sociológicos, antropológicos, psicológicos, pedagógicos, nos estudos populacionais, nas linguagens e representações, há uma série de questões que dizem respeito à diversidade étnico-racial. (Brasil, 1997c) Portanto, o cenário mostra a necessidade da mobilização do sistema educacional nos seus mais diferentes âmbitos para atender às demandas de uma educação que contempla a diversidade, o que engloba a confecção de material didático, a atenção à maneira como vem sendo formados os agentes educacionais, a necessidade de reciclar os que já estão na ativa. No entanto, não basta apenas mudar a escola há necessidade de todo um trabalho conjunto da sociedade Portanto, o cenário aponta para a necessidade de um professor capacitado para compreender e desenvolver esses conteúdos e alcançar esses objetivos, contexto este em que a reflexão sobre as diferenças étnico-raciais torna-se essencial. Uma formação que contemple esta questão, certamente dará ao professor maiores possibilidades de abordá-los de forma proveitosa. Os próprios Parâmetros Curriculares, tendo em vista a complexidade que envolve a problemática social, cultural e étnica destinados a fundamentar o tema Pluralidade cultural, apontam para a necessidade de a escola instrumentalizar-se para fornecer informações mais precisas para questões que vêm sendo respondidas, de modo indevido, pelo senso comum, ou ignoradas por um silencioso constrangimento. Neste contexto, a formação do professor é colocada não só como necessária, mas como um exercício de cidadania. Essa questão torna-se tanto mais crucial, tendo em vista a concepção abstrata de aluno que os cursos de formação de professores tendem a transmitir aos futuros professores. Não se discute as condições concretas enfrentadas pelos diferentes grupos de alunos, parte-se do pressuposto de que a nossa sociedade é homogênea. (Canen, 1997, p. 478). Cabe indagar, portanto, até que ponto essa dificuldade de “ver” e de se “posicionar” perante as dificuldades enfrentadas por alguns segmentos no contexto da escola está relacionada com a formação que os cursos de magistério proporcionam ao futuro professor. No entanto, se posicionar perante as diferenças étnico-raciais ou abordá-las não é uma tarefa fácil dada à carga ideológica de que se reveste esta questão, à multiplicidade de aspectos e crenças arraigadas subjacentes à sua percepção, ao fato de se lidar com conceitos e acontecimentos sobre os quais não existe consenso e, sobretudo, que só podem ser devidamente dimensionados por uma ótica multidisciplinar. Falar sobre as diferenças étnicoraciais implica em dominar conceitos, fatos históricos, políticos, ter consciência das relações 26 de poder dentro da sociedade, enfim, conhecimentos dos mais diversos campos e formulados com as mais diversas perspectivas. Nesse sentido, quando se fala em diferenças étnico-raciais é importante que se tenha consciência de que o que se nomeia como diferente, bem como de que o significado que lhe é atribuído, têm variado no decorrer da história. Conhecer as diferentes conotações da percepção a respeito das diferenças ao longo da história, os fatores que contribuíram para essas mudanças, é indispensável para que se adote uma postura crítica sobre a maneira como alguns dos seus aspectos vêm sendo abordados. Nesse contexto, a questão da biologização das diferenças, processo em que a noção de raça encontra um referencial e que o signo “racial” passa a ser sinônimo do outro, é um aspecto que, sem dúvida, precisa ser conhecido, refletido e ponderado. Esta questão é particularmente destacada por Guillaumin (1972) no contexto de um estudo comparativo de textos antigos e atuais com a finalidade de detectar as feições de que vai se revestindo o racismo e em que a autora constata uma diferença no tratamento dos “outros”, particularidade que define como uma biologização do pensamento social, na medida em que se percebe uma tentativa de colocar como absoluta toda diferença constatada ou suposta. Uma identidade de tratamento verbal entre categorias cujo denominador comum era o fato de serem “alterisadas”, ou seja, não somente as raças no sentido corrente, mas os sexos, as classes sociais, situações legais (alienados, criminosos, marginais sexuais ou sociais, menores) a idade (velhos, jovens e crianças). Mas essa identidade de tratamento é entendida em termos de alteridade, não se estabelecendo ligação com o racismo. Devido à tendenciosidade da alteridade aí não se vê nada mais do que um reflexo da distribuição do poder em nossa sociedade e não o critério da biologização. É nesse contexto, que ela passa a reconsiderar o problema da alteridade não apenas na sua relação com o poder objetivo, mas nas ligações que pode manter com a crença biológica e que preconiza a urgência de se adotar uma perspectiva sociológica ao que normalmente é abordado como fenômeno biológico mas com repercussões sociológicas. Mesmo a negação desta “realidade biológica” (aspas originais) tem efeito semelhante, na medida em que situa o problema no mesmo nível de realidade. Essa posição que, segundo a autora, procura mostrar aos praticantes de atos racistas que eles estão enganados, que não existe raça, no seu modo de ver, reintroduz na prática social um racismo de tipo intelectual, na medida em que se supõe que a existência material das raças poderia ser a causa do mecanismo social. (p. 2/3) Com base nesse paradoxo que parece estar na origem de certas inadequações e insuficiências da luta antiracista, ela tenta redefinir o problema, preconizando que não se utilize a raça como realidade biológica, mas sobretudo como forma biológica utilizada como signo (marca). É neste contexto que se situa o trabalho que aqui apresento, ou seja, verificar como está sendo efetuada a formação do professor para compreender algumas das questões fundamentais que certamente são subjacentes a uma educação multicultural, qualquer que seja a sua orientação. As questões explicitadas nesse breve apanhado a respeito de como a percepção das diferenças foi se modificando ao longo do tempo, ou seja, a sua relatividade, o essencialismo 27 biológico que lhe é subjacente15, os aspectos políticos e sociais que informaram essa mudança, nortearam a análise crítica que efetuei a formação que o curso de magistério vem proporcionando a respeito das diferenças étnico-raciais. Esse estudo, por outro lado, tem implícita a expectativa de que um professor que recebeu informações sobre como a percepção sobre as diferenças étnico-raciais é relativa, influenciada por fatores políticos e sociais, que foi alertado para as questões decorrentes das diferenças étnico-raciais, que teve oportunidade de discutí-las provavelmente não só estará mais atento e mais apto a lidar com as mesmas de modo menos preconceituoso como poderá transmitir essa postura aos alunos. Deste modo, terá maior possibilidade de tornar a escola um ambiente mais propício à formação de alunos tolerantes, abertos às diferenças e, sobretudo, favorável ao desenvolvimento da auto-estima de crianças pertencentes a segmentos estigmatizados. Obviamente uma formação que pretende alcançar esse objetivo, além de multidisciplinar, exige mais do que o conhecimento de conceitos, de fatos, pois, por tratar de questões que mexem com as emoções, com crenças invariavelmente arraigadas, pressupõe a mudança de posturas. Vários desafios então se colocam para aqueles que se empenham nessa tarefa: que informações privilegiar, sob qual perspectiva, e, sobretudo, como abordá-las. Desafios que estão longe de serem resolvidos. O estudo que aqui proponho embora não tenha a pretensão de resolvê-los, tendo em vista a complexidade desta questão e as suas múltiplas dimensões, pretende oferecer alguns indícios de como essa formação vem se efetuando. Por outro lado, ainda que as considerações aqui presentes não possam ser generalizadas para todos os cursos de formação de magistério, certamente poderão subsidiar uma reflexão sobre o tema e, quiçá, sensibilizar os educadores para a necessidade de incorporar esse tema na formação do futuro professor. Conforme já foi explicado na introdução foram avaliadas quatro dimensões do curso de formação de magistério. Os currículos e os livros didáticos de quatro disciplinas do curso que em função dos seus conteúdos, dos problemas que abordam, teriam maiores possibilidades de suscitarem reflexões sobre o tema ou seja, História, Biologia, Sociologia da Educação e Psicologia da Educação. Embora tais disciplinas não esgotem as múltiplas questões suscitadas pelas diferenças étnico-raciais certamente poderão oferecer subsídios importantes para discutí-las. Nesse sentido, o estudo sobre os livros didáticos procurou: 1. Verificar se o enfoque dado a determinados temas e tópicos possibilitam ao aluno formar uma visão não estereotipada e racista das diferenças. 2. Sugerir como esses temas e tópicos poderiam ser melhor trabalhados para abordar essa questão 3. Apontar ausências significativas que impedem uma visão não preconceituosa das diferenças étnico-raciais e seus desdobramentos. 15 Munanga (1997) também adota esta perspectiva que enfatiza os fatos sociais, psicológicos, econômicos e político ideológicos no seu estudo sobre a mestiçagem no Brasil. 28 A investigação ainda incidiu sobre os professores que, durante o ano de 1997, estavam lecionando essas disciplinas nos cursos de formação de magistério, pois o conhecimento de suas dificuldades, anseios, posturas a respeito do tema bem como as suas sugestões são sumamente importantes para se avaliar a formação que o futuro professor está recebendo e as questões que devem ser melhor equacionadas. Complementando o estudo, foi efetuada também a análise de material destinado ao professor de primeiro grau, ou seja a Revista Nova Escola. Trata-se de uma publicação destinada ao professor, mas que também é utilizada em cursos de formação de magistério. Como foi dito, a sua análise pretende complementar as observações das outras dimensões. Não se trata portanto, de preconizar uma disciplina específica para tratar das diferenças étnico-raciais, mas sim, de trabalhar temas previstos em algumas disciplinas do curso com a preocupação de contemplar esta questão, pois dependendo da maneira como certos conteúdos são trabalhados e encaminhados no contexto dessas disciplinas,16 enfim, dependendo do seu enfoque nos livros ou do enfoque adotado pelos professores, muitos aspectos dessas questões poderão ser trazidos para a reflexão do futuro professor. É importante ressaltar ainda que embora as questões privilegiadas na análise não esgotam um tema tão amplo e complexo, certamente, espelham algumas interrogações que vêm sendo colocadas por estudiosos das relações étnico-raciais, principalmente na sua interface com a educação. Finalmente, gostaria de esclarecer que no contexto deste trabalho, optei em empregar a expressão diferenças étnico-raciais, embora talvez a expressão mais correta deveria ter sido “as chamadas diferenças étnico-raciais”, dada a sua imprecisão e o objetivo de justamente chamar a atenção para a relatividade do significado de raça/etnia e a imprecisão de ambos os termos, mesmo entre os cientistas, a despeito de serem largamente empregados. O termo raça, por exemplo, é largamente utilizado, sem que haja consciência da complexidade que lhe é subjacente. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais : apresentação dos temas transversais, ética / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília : MEC/SEF, 1997a. __________. Parâmetros curriculares nacionais : introdução aos parâmetros curriculares nacionais / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília : MEC/SEF, 1997b. __________. Parâmetros curriculares nacionais : pluralidade cultural, orientação sexual / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília : MEC/SEF, 1997c. CANDAU, Vera Maria. Educação escolar e culturais. Tecnologia Educacional, v. 24, n. 125, p. 23-8, 1995. CANEN, Ana. Formação de professores: diálogo das diferenças. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, v.5, n. 17, p. 477-94, out./dez., 1997. COUTINHO, José Maria. Por uma educação multicultrual: uma alternativa de cidadania 16 Embora a análise tenha incidido sobre essas quatro disciplinas, acredito que outras também poderão dar margem à exploração do tema. 29 para o século XXI. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, v. 4, p. 381-92, out./dez., 1996. CUNHA, Luiz Antônio. Os Parâmetros curriculares para o ensino fundamental: convívio social e ética. Cadernos de Pesquisa, n. 99, p. 60-72, nov. 1996. FIORI, Neide. 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In: BICUDO, Maria Aparecida Viggiani, SILVA JR., Celestino Alves da (orgs.). Formação do educador: dever do estado, tarefa da universidade, v. 3. São Paulo : UNESP, 1996. p. 97-110. (Seminários e Debates) PINTO, Regina Pahim. Educação e raça: uma articulação incipiente. Cadernos de Pesquisa, SACRISTÁN, J. Gimeno. Currículo e diversidade cultural. In: SILVA, Tomaz tadeu da Silva, MOREIRA, Antonio Flávio. Territórios contestados: o currículo e os novos mapas políticos e culturais. Petrópolis : Vozes, 1995. p. 82-113 SIlVA, Petronilha Beatriz Gonçalves e. Quebrando o silêncio: resistência de professores negros ao racismo. In: SERBINO, Raquel Volpato, GRANDE, Maria aparecida Rodrigues de Lima. A escola e seus alunos: estudos sobre a diversidade cultural. São Paulo : UNESP, 1995 (Seminários e debates) SILVA, Tomaz Tadeu da Silva. Os novos mapas culturais e o lugar do currículo numa sociedade pós-moderna. In: TOZZI, Devanil A. et al (orgs). Currículo, conhecimento e sociedade. 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Nos Estados Unidos essas preocupações reportam-se ao século passado quando professores negros começam a abordar questões de interesse para os afro-americanos. Esse movimento, primeiramente circunscrito às escolas negras, aos poucos vai se incorporando ao sistema de ensino devido à pressão de jovens afro-americanos para que a educação reconheça o patrimônio cultural de seus ancestrais. Várias universidades criam programas e departamentos dedicados aos estudos negros, os Black Studies, processo, que por sua vez, irá incentivar reinvidicações semelhantes de outros grupos étnicos como mexicanos, índios. A proposta de repensar a educação em uma perspectiva multiculturalista educação multicultural “uma tentativa de tornar mais visível e audível rostos e vozes que até então permaneceram em silêncio e invisíveis” (Rosenfeld, 1997), só viria mais tarde, em função das reflexões de professores doutores afro-americanos, em geral dedicados aos Estudos Sociais. Entretanto, dada a diversidade de denominações e de entendimento do que seria a educação multicultural, de aspectos enfatizados por aqueles que propuseram a sintetizar as 17 Segundo Montero (1997, p. 232), a imigração é um dos fenômenos mais reveladores da natureza das tensões que envolve o convívio das diferenças culturais. Essa tensão é particularmente crucial nos países europeus que receberam um grande contingente de imigrantes, como a França, por exemplo, e que enfrentam hoje as questões decorrentes da multiplicidade de culturas que nem o mercado, nem a tecnologia, nem o direito ou a política são capazes de ordenar integralmente numa “vontade nacional” coesa. (aspas originais). Isso, sem falar no recrudescimento do racismo baseado principalmente nas diferenças de cultura, na rejeição a outras culturas em nome da pureza e da especificidade de cada cultura particular. 18 É importante salientar que neste momento pretendo apenas assinalar a existência da educação multicultural como um marco importante de reconhecimento das “diferenças” e, não, discutir os pontos positivos ou negativos de tal abordagem das “diferenças”. A este respeito existe uma bibliografia importante para a qual remeto o leitor interessado. Outra questão para a qual gostaria de chamar a atenção é a pluralidade de rótulos utilizados para designar o que estou chamando de educação multicultural: educação pluricultural, educação multirracial. Alves (1998) emprega a expressão multiculturalismo aplicado ao currículo escolar que, por sua vez, comporta diferentes posições como o multiculturalismo unitarista que propugna um mesmo tipo de currículo, cujos conteúdos são provenientes de uma pluralidade de tradições culturais; o multiculturalismo radical ou separatista, que propugna a existência de escolas separadas para etnias diferentes. Casassus (1996) refere-se ao pluralismo, posição que teria se originado em conseqüência da confrontação de uma perspectiva que valoriza o universalismo eurocentrista como fonte privilegiada de conteúdos culturais, da identidade individual e social e dos padrões de comportamento social e à postura relativista, segundo a qual, a diversidade e, em particular, a diversidade humana é particularmente valiosa. Nesse sentido, embora o pluralismo reconheça uma natureza humana comum, também reconhece a existência de identidades diversas. 31 tendências da educação multicultural, o mais correto seria falar em diferentes propostas de educação multicultural, dada a sua variedade no que diz respeito á nomenclatura, propósitos, aspectos privilegiados, orientação filosófica e pedagógica subjacentes. Alves (1998) emprega a expressão multiculturalismo aplicado ao currículo escolar que, por sua vez, comporta diferentes posições como o multiculturalismo unitarista que propugna um mesmo tipo de currículo, cujos conteúdos são provenientes de uma pluralidade de tradições culturais; o multiculturalismo radical ou separatista, que propugna a existência de escolas separadas para etnias diferentes. Gonçalves e Silva (1998, p. 54-60) com base em vários autores que procuraram sintetizar os significados que vêm sendo atribuídos á educação multicultural identificam entre outros: a incorporação de dados provenientes de diferentes grupos culturais com o objetivo de ilustrar conceitos abordados pelas diferentes disciplinas; a ênfase na influência de pessoas, grupos étnicos e classes sociais no processo de construção do conhecimento; a redução do preconceito, a adoção de técnicas e métodos que garantam o sucesso dos alunos independentemente da sua origem e classe social; o fortalecimento da cultura escolar que se configura em uma série de ações que vão da reestruturação da organização dos estabelecimentos de ensino, reelaboração dos currículos, reavaliação das expectativas de professores e funcionários em relação aos estudantes de modo que os estudantes de diferentes grupos étnicos e sociais participem efetivamente das experiências educativas e sintam-se valorizados. a integração de conteúdos que vão desde as que procuram incorporar diferentes tradições culturais a um mesmo currículo até as que defendem a existência de escolas separadas para as diferentes etnias. Sacristán (1995, p. 91) também lembra os inúmeros significados atribuídos ao conceito de multiculturalidade em educação: estudos étnicos no ensino, educação multiétnica, educação transcultural, educação bicultural, pluralismo, multiculturalismo; chamando atenção não só para o fato de que cada um deles comporta diferentes objetivos, mas para a dificuldade de se delimitar os seus fundamentos ideológicos. Assim, uma educação multicultural pode se instrumentalizada a partir de uma cultura dominante para assimilar uma cultura minoritária em condições desiguais e com oportunidades menores no sistema social e educacional; emprega-se como instrumento para reduzir os preconceitos de uma sociedade para com as minorias étnicas; pode-se formulá-la como programas diferenciados para que diversos setores culturais de uma sociedade encontrem ambientes educativos apropriados a cada um; pode-se entendê-la como uma visão não-etnocêntrica da cultura que acolha o pluralismo cultural sob qualquer faceta. Este autor também chama atenção para o fato de que a opção a ser instrumentalizada em um sistema de ensino depende de uma decisão política e social. Implica em perguntar até que ponto uma sociedade admite que é multicultual, o que é diferente de ser multirracial ou ter em seu seio minorias étnicas) e qual a perspectiva a adotar. As opções apontadas por Sacristán são a assimilacionista, (assimilação de minorias dentro da cultura dominante); o pluralismo cultural (proporcionar visões plurais da sociedade e de suas elaborações) ou a multiétnica (que considera que nas sociedades de países desenvolvidos, como a Austrália, Reino Unido, Estados Unidos, existe um biculturalismo de fato e seria necessário necessário fornecer competências aos individuos das váras culturas) (p. 92) Sacristán ainda identifica dois tipos de atuações básicas subjecentes aos currículos 32 multiculturais: os programas e práticas dirigidas a melhorar o rendimento escolar de grupos étnicos de imigrantes; as atividades e formulações dirigidas a proporcionar um conhecimento, a todos os estudantes, das culturas de grupos étnicos minoritários, com o objetivo de estimular a compreensão e a tolerância entre grupos culturais , estimulando uma visão não etnocêntrica do undo (Banks, 1991 apud Sacristán, 1995) É o que segundo Sacristán, com base em Lynch, 1989, identifica como uma visão transcultural, uma filosofia educativa cujos objetivos seriam o desenvolvimento de uma certa empatia para com os outros seres humanaos, compreendendo a diversidade, as similitudes, as diferenças e as interdependências; conhecer as razões dos conflitos entre os seres humanos, no círculo das relações pessoais e das relações dentro de nações ou no contexto internacional; desenvolver um compromisso em combater os preconceitos e as discriminações, favorecendo a solidariedade e o respeito aos direitos humanos, valorizar o significado das realizações de indivíduos e grupos distintos, internalizar normas morais de comportamento dentro de sociedades e de um mundo pluriculturalm desenvolver a compreeensão da interdependência entre distintos ambientes, economias e culturas, adquirir habilidades práticas, conhecimentos, destrezas e atitudes apropriadas para se desenvolver em uma sociedade pluralista, desenvolver capacidades de imaginação, investigação e de racionalidade para comportar-se responsavelmente no meio cultural, social e ambiental. Prosseguindo ainda nessa reflexão sobre os programas multiculturais lembra que duas motivações de natureza desigual (que ele define omo pulsões contraditórias e complementares em busca de sociedades plurais) lhe são subjacentes: a integração de minorias ou massas procedentes de outras culturas, sem eliminar a cultura de procedência, fazendo-o num sistema de escola única com um currículo comum, evitando a rejeição às instituições escolares por parte das minorias, o que seria uma rejeição à sociedade. Seria uma medida preventiva para aliviar o fracasso escolar quando o indivíduo se depara com um sistema de vaolores e de conhecimento muito alheio ao de origem. A outa motivação seria de natureza democrática e ética pelo respeito a outras culturas diferentes da própria na escolarização de seus membros. Enfim, uma idéia que leva a colocar a necessidade de um certo relativismo cultural que combata o etnocentrismo em sociedades plurais. Um ponto importante a ser considerado são as reações que tais propostas podem desencadear, seja na cultura dominante, seja da parte das minorias, ou seja, a ameaça a própria identidade que creêm dever preservar. Afeta a identidade cultural e nacional de grupos e povos inteiros. Em países que já têm larga experiência na aplicação de programas desse tipo, têm havido resistência (Sacristán apud Tomlisnson, 1990) tanto dos grupos que têm que ceder espaço para de outros, mas de grupos minoritários que vêem na assimilação uma ameaça a sua sobrevivência. Em certos casos tais culturas não reinvindicam a integração, mas a inserção ou inclusão, apenas para eles, de sua própria cultura no sistema educacional. O multiculturalismo como pluriculturalismo é uma espécie de relativismo que elimina limites na identificação de ambos os grupos. Outro ponto importante discutido por Sacristán, é de que o tema do multiculturalismo não pode ser separado das condições sociais e econômicas concretas de cada sociedade. Nessse sentido, lembra que o currículo multicultural de alguns países europeus teve fundamentalmente origem nos movimentos migratórios em conseqUência da desolonização e da saída de mão de obra de países subdesenvolvidos para os de economias mais atrativas. 33 A despeito de uma certa assimilação, não se suprimiu a cultura de origem, que serve para a coesão e a manutenção da identidade diante da marginalização e da rejeição. Neste contexto a escola se depara com a tarefa de escolarizar alunos com costumes, formas de pensar e valores que contrastam com a cultura que é reproduzida pelos currículos. Ainda em uma situação que não é de marginalização dos grupos sociais, o fato multicultural se apresentará em contextos como o da integração européia, quando vão se permeabilizar as fronteiras nacionais, quando se integrarão econooomias, sistemas de conhecimento e tecnologia, quando a livre circulação de trabalhadores gerará uma expectativa de desenvolvimento pessoal em contextos muito variados. São povos que, embora compartilhando, de certo modo, uma tradição cultural comum, têm sua própria língua, sua história e suas próprias tradições. Precisam se conhecer e se compreender. No entanto, as análises comparadas dos currículos mostra uma progressiva convergência. Pode-se falar de multiculturalismo ainda em situações mais distintas, como por exemplo, em casos de maciças migrações do campo para a cidade, quando convergem para a mesma escola populações com religiões diferentes, línguas diferentes. Pode-se ainda traduzir o exemplo às subculturas que se aglutinam em torno das diferenças de gênero, ou ainda quando se apresenta a necessidade de incorporar as minorias discriminadas. Mas o que é importante se ter em mente é que a distância entre culturas e subculturas, as valorações que uma cultura faz de outra, os conflitos entre elas, as atitudes de membros de umas para com os de outras são muito diferentes em uma situação e em outra, como o são as possbilidades de assimilação, de co-penetração ou de hibridização no momento de se colocara o desafio do multiculturalismo. As estratégias convenientes para estimulá-lo, asssim como as dificuldades que surgem são singulares. Essa singularidade de situações de multiculturalidade dificulta a disponibilidade de esquemas conceituais e de modelos pedagógicos válidos, extrapoláveis de certos contextos para outros, para além da clarificação de um conjunto de idéias e de objetivos. Lembra Sacristán um fato muito importante, ou seja, que as estratégias de arproximação multicultural terão que ir além de programas escolares. Se em outros âmbitos da socialização dos cidadãos, o currículo escolar é pouco eficiente, o será menos neste, que depende de aprendizagens enraizadas na vida cotidiana e nas atitudes que se respiram na rua e na família, etc.Para ele, o pensamento educacional a respeito aparece como algo embrionário no momento. Terá que articular perspectivas que contemplem a origem sócio-histórica - que empresta singularidade a cada situação – com uma filosofia favorável para com o pluralismo, tratando de extrair exxperiência válida de analise crítica e da avaliação das experiências muito diversas que estão se realizando. Mas além disso, terá que realizar uma análise crítica de como, internamente, a escola pode atender à diversidade, em suas práticas. Como ocorreu em outros movimentos e idéias na história da escolarização e do currículo, a origem do problema do multiculturalismo e o desafio para estavlecer um esquema para sua compreensão é prático: deduz-se de uma necessidade social real, de um conflito presente há nas sociedades e que se manifesta também na escolaridade (p. 95/6) Na sua proposta de um currículo multicultural a partir da acepção de multiculturalismo como pluralismo cultural para servir o objetivo de compreender, atender a multiculturalidade interna de toda cultura e estimular hábitos mentais e atitudes de abertura para com outras culturas, argumenta que o importante é colocar ênfase no planejamento de um tronco 34 comum da escolaridade obrigatória detodos os cidadãos. “É o currículo comum para todos que a visão multicultural deve incorporar, para que a integração de culturas se realize dentro de um sistema de escolarizaçao única que favorecça a igualdade de oportunidades. Do contrário, só é possivel a assilação de uns por outros. Segundo Sacristán (1995) seria ingênuo preconizar um relativismo cultural absoluto dentro do sistema escolar, pois a escolaridade não deixa de ser um meio de dotar de competências para a participação na vida social, econômica e cultural dominante, sempre melhorável. Ele reconhece que esta não está configurada por igual para todas as culturas. Ele preconiza ainda que toda cultura tem que ser submetida a uma análise crítica, pois, embora num primeiro momento devemos aceitá-la e compreendê-la como expressão de um determinado grupo, é também óbvio que nas culturas se ferem direitos fundamentais dos indivíduos ou de alguns e existem mecanismos que impedem o desenvolvimento de alguns de seus membros. As castas , ou a desigualdade de direitos para a mulher na sociedade cigana , são concepções e fatos culturais que trazem consigo comportamentos que merecem ser revisados. No seu modo de ver, uma visão multicultural vincula-se com a pretensão de uma educação para a democracia e atolerância em um mundo que, pela influência dos meios de comunicação, tem, a consciência de ser plural; onde os indivíduos, por exigências da economia política, da ciência, da solidadriedade e da manutenção da pa que se realcionar com povos de tradições diferentes. Trata-se de uma visão que pode ser tachada de generalista e inoprerante pelos que têm urgências concretas, mas justificável por dois objetivos básicos: por ser mais viável, a longo prazo, para toda população afetada pelo problema multicultural, e porque apenas essa perspectiva pode “abrandar” os esquemas e mecanismos de funcionamento escolares que tornem mais fáceis os programas de atuação concreta e o respeito, aceitação e aproveitamento de culturas diferentes da dominante no grupo social. A chave de qualquer estratégia está em quatro pontos fundamentais: formação de professores; planejamento dos currículos; desenvolvimento de materiais apropriados; análise e revisão crítica das práticas vigentes, a partir de avaliações de experiências ou da realidade mais ampla, da pesquisa-ação com professores, tudo isso sem descuidar da conexão entre a escola e o meio social, pois como ele já afirmou, a escola pode ser uma frente de atuação a mais. Além da perspectiva globalizadora, em situações determinadas será preciso emprender programas específicos com o fim de abordar o problema que colocam grupos concretos em situações de confluência de culturas. Ao responder sobre o que fazer para a partir do planejamento curricular, favorecer o multiculturalismo preconiza: A introdução de unidades específicas de conteúdos, com seus correspondentes materiasi, dedicados a países, crenças e sistemas culturais mais ou menos distantes do próprio. Outra solução está em modificar a área curricular mais propícia à introdução de elementos interculturais, como os Estudos Sociais. Ele assinala que no caso do seu país, os Estudos Sociais se formaram a partir da aglutinação de História e Geografia e que por esse mecanismo de aglutinação, pode-se ir minando outras disciplinas como Economia, 35 Sociologia, Antropologia. Aglutinação, entt. Que ele reconhece não garantir se escapar do academicismo com o qual se costuma abordar os conteúdos e se passe a tratar os problemas sociais como tais, para o que, de imediato, podem contribuir essas e outras disciplinas. A proposta é então utilizar o conhecimento elaborado por essas disciplinas de outra forma. A terceira perspectiva seria introduzir o pluralismo cultural em todos os componentes do currículo que seja possível, partindo de uma amostra representativa do que é a própria cultura, algo que vai além da soma das áreas ou disciplinas tradicionais. Ele adverte que enquanto se mantiver a lógica de selecionar conteúdos a partir das disciplinas tradicionais, dificilmente se poderá mostrar, analisar e criticar os componentes de qq. cultura. Os argumentos sustentadores do currículo multicultural conectam-se com a filosofia que fundamenta a educação geral: a função básica dessa não é a de introduzir os alunos no conhecimento acadêmico, ordenado de acordo com a lógica disciplinar, mas caacitálos com uma série de conhecimentos, habilidades e valores que lhes permitam entender a sociedade e acultura na qual vivem, participar nela de maneira responsável e melhorá-la. Nesse objetivo geral cabe o que se conhece por “alta cultura”, que condensa a melhor tradição dos grupos humanos, mas é necessário levar em conta também a vida real, os costumes, as crenças, os problemas que afetam a todos, os conflitos, as formas de expressão que utilizam. Um currículo que queira oferecer, um mapa representativo da cultura tem que fazer uma varredura metódica de aspectos da mesma. É o que Lawton (1983) denominou de “análise cultural” Para tanto, deve-se partir de parâmetros descritivos que sirvam para analisar grs. campos ou sistema de uma culturaaaa ou para realizar o contraste entre várias delas. Nesse sentido, ele adverte: o propósito de se planejar um currículo e educativo. Respeitar essa condição significa responder questões como: Que tipo de sociedade temos? De que modo ela se desenvolveu? Como querem desenvolvê-la seus membros? Que tipo de valores e princípios estão implicados na decisão dos meios educativos para consegui-la? Não se trata apenas de análise da realidade tal qual é, mas é necessária uma dimensão histórica e ética, analisando as aspirações dos grupos humanos e do sistema de valores que os guiam. Uma seleção representativa da cultura exige que se determine os invariantes culturais, os grandes núcleos em torno dos quais se pode agrupar temas, problemas e diferenciações internas da cultura ou do contraste com outras. As culturas variam entre si e no tempo, mas qdo. têm um certo nível de complexidade todas apresentam essas dimensões, ainda que com uma forma peculiar de transmití-las. São precisamente as variações dentro de cada invariante que encontramos em diferentes grupos humanos que compõem a pluralidade cultural. Diante desse pluralismo pode-se adotar duas atitudes: uma enviesada e parcial, quando se assume a perspectiva da assimilação cultural, ou então colocar-se numa perspectiva multicultural Invariantes formuladas por Lawton: Estrutura social-sistema social Sistema econômico Sistema de comunicação Sistema de racionalidade 36 Sistema tecnológico Sistema moral Sistema de crenças Sistema estético Sistema de maturação Um currículo planejado a partir desse mapa dará uma perspectiva mais completa do que é uma sociedaee. É um mododelo apropriado para se conscientizar da multiculturalidade interna e poder interagir com culturas mais distantes. É uma opção política, ética, ceramente, o refletir ou não na escolaridade uma visão enviesada ou representativa do que é um fgrupo humano. Para se ter consciência desse dilema diante do qual optar é preciso ter clarificado as possibilidades e diferenças intraculturais e interculturais. Se a educação geral do cidadão deve lehe permitir um entendimento da sociedade e do mundo em que vive, ele argumenta que a opção é clara. Finalizando ele adverte que um currículo planejado dessa forma panas parcialmente se adapta à lógica de classificar os conteúdos nas disciplinas ou áreas mais utilizadas. Como tão pouco se adapta à formação que os professores têm hoje, nem aos materiais mais ampliados Pra ele o multiculturalismo exige uma mudança no sistema escolar em seu conjunto. É evidente que um currículo planejado a partir de todos os invariantes, admitindo e refletindo as variações dentro de cada uma delas, oferecerá aos alunos conteúdos nos quais podem encontrar conexões com seu capital cutrual pessoal de origem. Finalmente discute a dimensão política do currículo, especificamente, à capacidade de tomar decisões, perguntando quem decide o que faz ou não parte do currículo. De que opção partimos: da decisão assimilacionista, do pluralismo, do deixar expaços dentro do sistema escolar para que cada grupo cultural encontre um reflexo de sua identidade cultural? O currículo multicultural é coerente com os valors de uma sociedade democrática que respeite o pluralismo, é uma das suas fundamentações éticas. Mas a sua possibilidade real está está em que sejam realmente democráticos os procedimentos para a sua decisão, desenvolvimento e avaliação. Apenas se na decisão sobre o que faz pate da cultura comum da escolaridade obrigatória estiverem representados todos os diversos interesses e visões da sociedade, se poderá chegar ao ponto no qual a cultural selecionada seja representativa ou simplesmente respeitadora das variantes culturais. Para além dos procedimentos de decisão, está a capacitação para opunar, criticar e participar das decisões e é óbvio que as culturas minoriatárias, marginalizadas ou rejeitadas são patrimônio dos grupos com menos poder de decisão. Nesse contexto Sacristán argumenta que a opção multiculturalista não assimilacionista será uma bandeira dos educadores críticos por muito tempo, que deverá apoiar-se em qualquer outra reinvidicação democrtaizadora para o sistema escolar. Nessse ponto sugere uma medida: que exigir que o debate para decidir o que vai ser o conteúdo no qual se ocupará o tempo, a mente, e aexperiência dos escolares saia do âmbito das decisões democráticas e do campo restrito dos especialistas nas matérias, das pressões de grupos profissionais e econômicos, do tecnicismo que acompanha a discussão ataual 37 sobre currículo, a qual oculta os problemas cruciais sobre os quais se tomam decisões políticas e culturais. O debate curricuoar na sociedade democrática tem que ser um grande debate sobre opções culturais. Peter McLaren (1997), por sua vez, distingue três outros tipos de multiculturalismo, o conservador, o humanista liberal e o liberal de esquerda tecendo criticas a cada um deles. Lembra, no entanto, que estes são rótulos idealizados com o objetivo de servirem como recurso “heurístico”, pois, na realidade, as características de cada posição tendem a se misturar umas com as outras. O multiculturalismo conservador enfatizaria uma cultura comum e teria como meta a sssimilação. Nesta perspectiva os grupos étnicos são reduzidos a acréscimos à cultura dominante. Segundo o multiculturalismo humanista liberal há uma “igualdade” (aspas originais) intelectual entre as raças, que entretanto não se atualiza devido as diferenças de oportunidade social e educacional que as impede de competir em condições de igualdade. Já o multiculturalismo liberal de esquerda enfatiza a diferença cultural e sugere que a ênfase na igualdade das raças abafa as diferenças culturais importantes, responsáveis por comportamentos, valores, atitudes, estilos cognitivos e práticas sociais diferentes. Esta tendência advoga também que as principais correntes dentro do multiculturalismo omitem as características e diferenças relativas à raça , gênero e sexualidade. No entender de Mc Laren, os que trabalham dentro desta perspectiva liberal de esquerda, têm uma tendência a essencializar as diferenças culturais, ignorando a situcionalidade histórica e cultural da diferença, a qual é compreendida como uma forma de significação retirada de suas restrições históricas e sociais. No seu entender, essas concepções não conseguem avançar em um projeto de transformação social, por estarem imersas no discurso da “reforma” (aspas originais). É nesse contexto que ele propõe o multiculturalismo crítico, perspectiva que compreende a representação de raça, classe e gênero como o resultado de lutas sociais mais amplas sobre signos e significações e, nesse sentido, enfatiza não apenas o jogo textual e o deslocamento metafórico como forma de resistência (como no caso do multiculturalismo liberal de esquerda), mas enfatiza a tarefa central de transformar as relações sociais, culturais e institucionais nas quais os significados são gerados. A perspectiva adotada no multiculturalismo crítico, lhe permite vislumbrar que a perspectiva conservadora liberal que enfatizam a igualdade e a perspectiva liberal de esquerda que enfatiza a diferença, na realidade formam uma falsa oposição. Tanto as identidades formadas na igualdade quanto as formadas na diferença obedecem a uma lógica essencialista, ou seja, as identidades individuais são presumidas como autônomas, autocontidas e autodirigidas O multiculturalismo que ele propugna não tem a diversidade como uma meta, mas sim de que a diversidade deve ser afirmada dentro de uma política de crítica e compromisso com a justiça social. Ele tem de estar atento à noção de “ diferença”, mas sempre como um produto da história., cultura, poder e ideologia. o mulculturalismo, sem uma genda política de transformação pode se constituir apenas numa outra forma de acomodação a uma ordem social maior. Este autor, por sua vez, propugna o multiculturalismo crítico Candau (1995) fala em uma postura transcultural e uma postura assimilacionista 38 Na verdade, não existe uma educação multicultural e sim diferentes propostas que porcuram contemplar a diversidade, desde as que procuram incorporar difrerentes tradições culturais a um mesmo currículo até as que defendem a esistência de escolas separadas para as diferentes etnias. É importante salientar que neste momento pretendo apenas assinalar a existência da educação multicultural como um marco importante de reconhecimento das “diferenças” e, não, discutir os pontos positivos ou negativos de tal abordagem das “diferenças”. A este respeito existe uma bibliografia importante para a qual remeto o leitor interessado. Outra questão para a qual gostaria de chamar a atenção é a pluralidade de rótulos utilizados para designar o que estou chamando de educação multicultural: educação pluricultural, educação multirracial. Casassus (1996) refere-se ao pluralismo, posição que teria se originado em conseqüência da confrontação de uma perspectiva que valoriza o universalismo eurocentrista como fonte privilegiada de conteúdos culturais, da identidade individual e social e dos padrões de comportamento social e à postura relativista, segundo a qual, a diversidade e, em particular, a diversidade humana é particularmente valiosa. Nesse sentido, embora o pluralismo reconheça uma natureza humana comum, também reconhece a existência de identidades diversas. Mais recentemente, o fenômeno da globalização, a internacionalização da vida, trouxe novos dados a esse debate. Trata-se de uma situação inusitada em que pela primeira vez os alunos vivem verdadeiramente no mundo o que exige preparo para aceitar as outras civilizações, bem como demanda a construção de uma pedagogia da troca e circulação, do partilhamento e do diálogo, uma forma inédita de solidariedade e tolerância, mas exige também um fortalecimento das próprias referências. (Abdalla-Pretceille e Porcher, 1996) Segundo esses autores, os alunos se encontram na articulação dialética entre vizinhança e planeta e, nesse sentido, não conseguirão dominar um sem dominar o outro e, é a escola, a instituição encarregada de lhes fornecer esse equilíbrio. Na sociedade de hoje há uma constante circulação de informações, de trocas, portanto, uma intensa relação com o outro, eventualmente desconhecido, e que pode se encontrar do outro lado da terra. A comunicação é fundamentalmente exterioridade, ou seja, algo que não mostra diretamente a identidade vivida. Tal processo não só exige um preparo dos alunos como um espaço para se afirmarem, se expressarem, enfim, para viverem a sua singularidade. A aprendizagem da autonomia pessoal, da experiência própria, do domínio da sua identidade se impõem para ajudá-los a se equipar de meios que lhes possibilitem serem eles próprios e, ao mesmo tempo, se abrirem para espaços de liberdade, de subjetividade. Por outro lado, o aumento e a diversificação da população escolar, fenômeno que se iniciou há cerca de 50 anos, engendrou novas relações no contexto da instituição escolar, relações novas entre as culturas, as origens, as pessoas, as identidades. Cada um traz consigo seu próprio capital cultural, seus hábitos, sua herança, enfim, aquilo que o define como indivíduo, instalando-se a alteridade no mundo da escola. A população escolar já não é mais uma massa indiferenciada nem, tampouco, uma camada selecionada da população global. A relação com o outro se torna constante no recinto escolar sendo necessário, portanto, que os alunos tenham a sua identidade assegurada (construída segundo uma lógica de abertura e não de fechamento), tomem consciência da mesma e a aceitem. O ensino é uma troca intersubjetiva múltipla entre professores e alunos, entre os alunos, entre os diversos protagonistas da instituição, visando introduzir uma coerência na diversidade. 39 A coesão educativa pressupõe, ao mesmo tempo, uma orientação para o outro e uma plena consciência de si. O domínio de sua própria identidade integra o outro como elemento constitutivo e, simetricamente, a relação positiva com a alteridade repousa sobre a consciência, por parte de cada pessoa, da sua unicidade, da sua subjetividade. O sentimento de pertencimento e de referência forma a argamassa do público escolar de hoje, levado a viver em um mesmo lugar, a conduzir projetos comuns, sem entretanto renunciar à sua identidade pessoal. O compartilhar é doravante o estado comum do trabalho pedagógico, o que pressupõe que todos devem desempenhar o seu papel, de modo a não se confundir com o do vizinho, mas em orquestração com ele. É neste contexto que os autores propõem a pedagogia intercultural, que tem como pressuposto um ensino da troca, do partilhamento, que mistura as diversidades e enriquece cada uma delas com a contribuição da outra. Uma transação permanente em que os benefícios são recíprocos e em que as aprendizagens se efetuam complementarmente, sob a responsabilidade de cada aprendiz e a orientação dos professores. Ela repousa sobre um princípio forte e simples: o outro é ao mesmo tempo idêntico a mim e diferente de mim. Se falta um dos termos, mergulhamos num ensino de exclusão ou de desprezo. Embora a pedagogia intercultural se apoie sobre a pluralidade cultural constitutiva, propõese a ultrapassá-la para instaurar a circulação no seio dessa diversidade. O intercultural se incarna em um dinamismo, instaura comunicações entre as pessoas, enriquecimentos recíprocos, partilhamentos em que ninguém perde a sua identidade. Nesse sentido, cada um está inscrito em uma circulação em direção à alteridade e vice -versa19. Casassus (1996) é outro autor que trata dessa duplo processo a que estão submetidos os sistemas educacionais nos dias de hoje, a globalização, de um lado, e o movimento em direção ao particular, ao local, de outro, e, nesse sentido, propugna a necessidade de se trabalhar tanto os valores universais do ser humano, os que igualam e dignificam o homem, como os valores da diversidade, os que oferecem uma possibilidade comparativa da nação do ponto de vista da identidade e da cultura. Muitas questões suscitadas pelas reflexões que articulam a diversidade da população/ alunado com a educação, são pertinentes para a nossa realidade. Sem falar no fenômeno da globalização, há que se considerar a grande diversidade regional, a presença de uma expressiva população de descendentes de africanos, isso, sem falar na população indígena e, ainda, na diversidade religiosa. Embora essa diversidade de tipos físicos e de tradições culturais, só mais recentemente venham merecendo a reflexão mais sistemática dos estudiosos da educação, sempre foi motivo de preocupações, seja de intelectuais, inclusive ligados ao sistema educacional, seja de movimentos étnicos. Sem a intenção de realizar um estudo sistemático da articulação entre educação e diversidade no nosso país, pode-se detectar como acontecimentos importantes nesse processo, as preocupações, na década de 30. de lideranças, entre as quais, eminentes educadores, com a presença de descendentes de imigrantes no sul do país e com a influência 19 Xavier Lluch (1998) é um outro autor que trata da educação intercultural levantando questões intrigantes como: qual a concepção de interculturalidade que se está usando, quais os valores para uma sociedade intercultural, de que modo se produz o contato e a interação cultural, como tornar compatível a realidade multicultural com as tradições baseadas em modelos monoculturais. 40 das tradições africanas no povo brasileiro. Ainda que inspiradas pelo culturalismo, corrente de pensamento da Antropologia que propugna o respeito à diversidade cultural, esses intelectuais propõem ações no sentido de anular essa diversidade, no caso, as matrizes culturais italianas, alemãs e africanas. Consorte (1997),.cita como acontecimentos importantes dessa política o plano de auxílio federal aos estados onde se apresentava a questão da nacionalização do ensino, elaborado na gestão Lourenço /filho, à frente do INEP e as reflexões de intelectuais que atuavam em setores ligados ao sistema de ensino sobre o papel da educação na superação da mentalidade denominada pré-lógica que era então identificada a certos setores da população onde é grande o contingente de negros e descendentes, o que no entender da autora significava a ausência no currículo escolar da escola primária da época de conteúdos que afirmem a presença africana em nossa formação. No caso, a pesquisa realizada por Arthur Ramos, então exercendo funções junto ao Serviço de Hygiene Mental instalado nas escolas do Rio de Janeiro, na época, Distrito Federal, focalizando a população proletária e os centros de feitiçaria do Rio de |Janeiro. Arthur Ramos, então exercendo funções junto ao Serviço de Hygiene Mental instalado nas escolas do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, com base em pesquisa realizada entre a população proletária e centros de feitiçaria, com a finalidade de conhecer modalidades do pensamento “primitivo” para elevá-lo, através da educação a etapas mais adiantadas, o que no entender de Consorte (1997) significava a ausência no currículo escolar da escola primária da época de conteúdos que afirmem a presença africana em nossa formação. Esta questão, já de há muito também tem sido aventada por estudiosos do negro , inclusive ligados ao movimento negro, seja denunciando situações que na sua avaliação refletem a recusa da escola em encarar de frente a diversidade étnico-racial do seu alunado, seja sugerindo disciplinas específicas, conteúdos de modo a integrar disciplinas regulares, seja preconizando pedagogias que contemplem essa diversidade. Por outro lado, essa questão sempre esteve em pauta entre os segmentos marginalizados. Intelectuais e militantes ligados ao movimento negro, por exemplo, de há muito vêm refletindo sobre essa questão, seja, denunciando situações que na sua avaliação refletem a recusa da escola em encarar de frente a diversidade étnico-racial do seu alunado, seja sugerindo disciplinas específicas, conteúdos de modo a integrar disciplinas regulares, ou ainda preconizando pedagogias que contemplem essa diversidade. Por outro lado, essa questão sempre esteve em pauta entre os segmentos marginalizados. Intelectuais e militantes ligados ao movimento negro, ainda que tais posicionamentos tenham variado no decorrer da história. Tomando-se como base o movimento negro que ocorreu na cidade de São Paulo, pode-se identificar em um primeiro momento, inicio do século, em que não se cogitava de qualquer especifidade cultural que lembrasse as origens africanas no âmbito da educação. Basta olhar para a imprensa negra da época, porta-voz de tais movimentos para se perceber essa posição. Valorizava-se, e muito, a educação vista então como uma possibilidade de integração do negro ao mundo dos brancos, mas a África, as tradições culturais de origem africana não são consideradas como elementos importantes no processo educacional, embora sempre houvesse uma preocupação em desconstruir imagens negativas do africano, processo esse muitas vezes carregado de ambigUidades, uma vez que 41 nos seus próprios escritos tais imagens também estavam presentes. Essa posição iria se modificar paulatinamente, a medida em esses grupos passsam a reivindicar com mais veemência a necessidade do sistema educacional encarar de frente a diversidade étnico-racial do seu alunado, seja sugerindo pedagogias que contemplem essa diversidade, seja sugerindo disciplinas específicas ou ainda preconizando conteúdos de modo a integrar disciplinas regulares. Paralelamente, pode-se identificar também uma extensa ação educacional visando a valorização das tradições afro realizado pelas associações negras, ação essa cujos efeitos na população que a recebe ainda está para ser pesquisado.(CITAR TRABALHOS QUE MOSTRAM ESSA AÇÃO EDUCACIONAL) Se essa ação têm sido desenvolvida predominantemente pelas associações não se pode deixar de registrar o trabalho que vem sendo realizado por professores pertencentes aos segmentos marginalizados, que também se encaixa numa perspectiva de uma educação multicultural. Gonçalves (1995) em pesquisa realizada junto a professoras negras detectou a promoção de eventos destinados a discutir problemas que lhe são específicos, esforços no sentido de pesquisar a história do povo negro e elaborar materiais destinados a resgatar o seu valor, ações no sentido de ajudar alunos de mesma origem a construirem uma identidade positiva, a superarem situações de racismo ou possíveis defazagens educacionais, ou ainda esforços visando conscientizar e conquistar colegas para a luta. Ainda nessa direção, não se poderia omitir, um trabalho que também não deixa de se encaixar na perspectiva do multiculturalismo, ou seja o empenho de professores pertencentes aos segmentos discriminados, no sentido de ajudar os alunos de mesma origem a superarem situações de racismo Também no âmbito da academia há uma preocupação crescente com a diversidade cultural/racial em trabalhos QUE TÊM COMO FULCRO, A ARTICULAÇÃO DA EDUCAÇÃO E SEGMENTOS ÉTNICO-RACIAIS dedicados ao estudo dos materiais didáticos e da própria dinâmica escolar., e das relações que se estabelecem no interior da escola, envolvendo alunos, alunos e professores/pessoal dedicado a parte administrativa.(CITAR TODAS AS TESES E TRABALHOS QUE FALAM SOBRE O TEMA) De fato, embora de modo ainda incipiente, tem crescido os estudos dedicados a analisar a representação das minorias étnico raciais e sua cultura na literatura didática e paradidática, as relações que se estabelecem no interior da escola, envolvendo alunos de diferentes origens etnico-raciais, a postura dos professores/pessoal dedicado a parte administrativa em relação a essa diversidade, as repercussões de tais abordagens e situações sobre os alunos das chamadas minorias. Tais reflexões não chegaram a se configurar em propostas de mudança curricular, política educacional, pois em geral tratavam-se de observações pontuais que não tiveram grande repercussão entre os intelectuais da educação, nos meios educacionais, isso, sem falar no fato de tais estudos serem quase sempre restritos às quatro primeiras séries do ensino fundamental (Oliveira, 1996, p. 69). Segundo Oliveira (1996, p. 66) estes estudos, numa primeira fase, conseguiram mostrar o quanto o próprio Estado contribuiu, por meio de suas políticas educacionais, para excluir a diversidade cultural dos currículos escolares. Para este autor, numa segunda fase, as pesquisas mudam de eixo, e passam a evocar não mais as demandas culturais dos grupos étnicos dominados como um leitmotiv para formulação de novas políticas educacionais, mas sim a crise de identidade do sujeito pós-moderno, o 42 impacto da globalização da economia sobre a vida local e privada, a fragmentação da cultura via novos sistemas de informação, produção e circulação de imagens. Tudo isso tem levado a propostas radicais de reformulação dos currículos escolares. A despeito de que as reivindicações dos grupos negros e os estudos de caráter mais acadêmico tais estudos nunca tiveram grande repercussão nas reflexões dos estudiosos da educação, fato já apontado em artigo publicado em 199 pode-se detectar uma crescente sensibilidade no cenário educacional para com a diversidade do alunado, há sinais de mudanças no cenário educacional que apontam para uma crescente sensibilidade para a diversidade do alunado Um dos indícios dessa mudança é a intensificação do debate sobre a educação multicultural, contexto em que se observa posições favoráveis, inclusive com propostas concretas sobre a maneira de viabilizá-la, mas também posturas bastante críticas, sobre a maneira como vêm sendo preconizada. Para Candau (1995) preconiza a perspectiva intercultural a única maneira de a escola comprometer-se com a construção de uma sociedade participativa, democrática, igualitária e justa é adotando uma perspectiva intercultural Candau (1995) chama a atenção dos educadores para os acontecimentos deste final de século, de um lado a mundialização das questões e, de outro, a afirmação do que é local, próprio, específico a cada povo, e que no seu modo de ver demanda um aprofundamento sobre a dinâmica da inter-relação entre as dimensões econômica, social, racial e étnica. Para Candau (1995) embora a relação entre educação e cultura/s seja intrinsica ao fato educacional, os acontecimentos deste final de século, de um lado a mundialização das questões e, de outro, a afirmação do que é local, próprio, específico a cada povo, colocam novas questões aos educadores Coutinho (1996) fala em educação multicultural, uma educação comprometida com a democratização das relações sociais e raciais e com a emancipação das classes populares e que se viabilizaria mediante a apropriação crítico-social dos conteúdos, progressiva eliminação do fracasso escolar das etnias excluídas, melhoria da qualidade do ensino; propugna uma educação multicultural comprometida com a democratização das relações sociais e raciais e com a emancipação das classes populares, que se viabilizaria pela apropriação crítico-social dos conteúdos, progressiva eliminação do fracasso escolar das etnias excluídas, melhoria da qualidade do ensino; como Canen (1997) defende uma linha de educação multicultural, a perspectiva intercultural crítica, inclusive sugerindo conteúdos e procedimentos pedagógicos a serem adotados, bem como a maneira de atuar do professor para promover uma educação para a diversidade cultural de acordo com essa perspectiva, ou defendendo determinada linha de educação multicultural, a perspectiva intercultural crítica, inclusive sugerindo conteúdos e procedimentos pedagógicos a serem adotados, bem como a maneira de atuar do professor para promover uma educação para a diversidade cultural de acordo com essa perspectiva (Canen, 1997). de outro, há os que se mostram mais reticentes ao apontar inconsistências teóricas subjacentes às propostas de educação multicultural inspiradas pela teoria culturalista. Ana Lúcia Farah Valente no cenário nacional, é uma das autoras que vem chamando atenção para tais questões. Tomando como base as propostas de educação intercultural desenvolvidas na França, ela reconhece que houve um avanço em relação às propostas etnocêntricas e evolucionistas do início do século, mas que há inconsistências teóricas na perspectiva multiculturalista. Segundo Valente 1998, p. 13 apud Gaudier 1990, p. 34), a ideologia interculturalista que reclama o opoio da Antropologia para se justificar, não se sustentaria, primeiro, pelo fato de o 43 culturalismo estar ultrapassado e, inclusive, já ter sido renegado pelos seus formuladores, e, segundo, pela maneira como concebe a cultura. Ao definir uma etnia por sua cultura e esta pelo fato de que caracteriza uma etnia, a ideologia interculturalista pretende reabilitar o “indígena”, a partir de um retrato que constrói dele. Essa imagem imutável serve ao controle e à dominação. Apoiando-se ainda em vários autores que vêm se dedicando a examinar criticamente a bibliografia sobre a questão intercultural como Claude Liazu e Maurice Mauviel coloca em evidência várias outras questãoes subjacentes às propostas de educação intercultural, como por exemplo, a dificuldade advinda do fato de a questão intercultural constituir-se em um campo de estudos que se formou em função de interrogações de origens múltiplas e não a partir de uma ciência social constituída (Valente apud Liazu 1989); a impregnação das reflexões sobre o tema pelo militância. Segundo Françoise Henry-Lorcelerie (1989) a literatura sobre escola e imigração seria produzida por pessoas engajadas em experiências de escolarização dos filhos de imigrantes e dirigida àqueles que estão convencidos de sua necessidade, faltariam pesquisas sobre o tema. Outra dificuldade apontada por tais críticos diz respeito ao fato de que subjacente à educação intercultural está a crença de que se conhecendo uma cultura os problemas estariam resolvidos. Com base em todas essas considerações Valente conclui que a proposta de uma educação intercultural é falaciosa por propor uma conotação nova e positiva ao fenônomeno das relações entre as culturas que sempre esteve marcado pelo signo da dominação. Segundo suas palavras “Negar a existência de forças sociais que se impõem ante o desejo de construção de uma ‘sociedade feliz’ não basta para transformá-la” Além disso, os textos sobre educação intercultural, deixam de considerar de qual sociedade estamos falando. Como se observa são questões que merecem considerações. De um lado, porque como por exemplo, a maneira como o conceito de cultura é considerado, ou seja, como “coisa”, e como tal, desprovida de qualquer dinamismo, imune ao processo de transformação, a sua aplicabilidade à realidade nacional, a sua impregnação por questões que dizem respeito a outras realidades, a viabilidade de se importar conceitos definidos em outros contextos, mesmo revestido de novos significados (Valente, resenha p. 4), ou ainda para pontuar questões que precisam ser melhor dimensionadas nas propostas que começam a se introduzir no cenário educacional como a diversidade dos grupos a que se dirigem (Canem, 1999, p. 6, artigo que está sendo apreciado), a não consideração das correlações de força que impregnam as relações entre os grupos (Valente, artigo para RBEP ou resenha), ou ainda, o fato de ter-se transformado numa ideologia da instituição escolar em países como os Estados Unidos, Inglaterra e Espanha (Oliveira, 1996), a conotação positiva de que vem se revestindo o multiculturalismo, sem se levar em conta os seus aspectos dramáticos (Oliveira, 1996, p. 65), a necessidade de se equacionar o papel do Estado na formulação de políticas de currículo e formação de professor postas pelo multiculturalismo (Gonçalves, 1996, p. 69) De um lado, há um crescente debate seja focalizando a nossa realidade , sobre a educação multicultural, para problematizar questões como a conotação positiva de que vem se revestindo o multiculturalismo, sem se levar em conta os seus aspectos dramáticos (Oliveira, 1996, p. 65), ; os limites e possibilidades de uma política multicultural num país miscigenado como o Brasil (Oliveira, 1996 p. 66-7); a necessidade de se equacionar o papel do Estado na 44 formulação de políticas de currículo e formação de professor tendo em vista as questões postas pelo multiculturalismo, bem como a formulação de modelo de análise destinado a explicar a relação entre Estado e movimentos étnicos e culturais em sociedades segregacionistas e sociedades assimilacionistas como a nossa (Gonçalves, 1996, p. 69). Por outro lado, este debate tende a se intensificar com a proposta do Ministério da Educação e Desporto de implantar um currículo nacional, e que se configuraria na elaboração de um documento, os Parâmetros Curriculares Nacionais. Nas reflexões dos estudiosos que deram parecer ao documento, como de outros que comentaram as suas várias versões percebe-se a preocupação com o enfoque de multiculturalismo subjacente à proposta curricular. Nesse sentido, Moreira (1996, p. 106)20 questiona a possibilidade da construção da diferença e da identidade, tendo-se como pano de fundo a adesão a uma democracia radical. Identifica no multiculturalismo proposto no documento tanto uma postura transcultural tendo em vista a consagração de uma escola transmissora de conhecimentos científicos historicamente produzidos e aceitos de conhecimentos que possuem o caráter transcultural, de uma escola voltada para o desenvolvimento de competências necessárias a todos para viver e conviver na sociedade , e de uma postura assimilacionista tendo em vista a defesa da integração e assimilação de todas as diferenças à cultura hegemônica, ainda que reconheça as diferenças culturais. Para ele as posturas transculturais e assimilacionistas se evidenciam em ambigUidades tais como o fato de o documento se referir a valores culturais que nos são próprios, conteúdos essenciais que devem ser ensinados em todas as escolas concomitante ao reconhecimento da diversidade cultural. Nesse sentido, tece uma série de indagações, entre as quais: “A que grupos tais valores são próprios? Trata-se de reforçar valores já existentes ou de promover a construção de valores comuns? Que critérios norteiam de fato a escolha do que dever ser preservado ou construído? Como determinar a essencialidade e a relevância de alguns conteúdos? Por fim, argumenta que o fato de o documento evidenciar uma preocupação com o comum, não levando em conta os conflitos e as desigualdades presentes na sociedade brasileira, acaba por criar uma zona de sombra pouco propícia ao desenvolvimento de um processo de escolarização comprometido com a justiça social. Mostra-se também temeroso quanto às conseqUencias dessa ênfase no comum. Ela tenderia a reforçar a hegemonia do conhecimento de “alto status” e, conseqUentemente, a reforçar o processo de reprodução das desigualdades sociais. Tendo em vista essa ênfase no comum, mostra-se cético também quanto às possibilidades de contemplar as especificidades locais, diversificar a cultura escolar e dialetizar diferentes leituras de mundo que os diferentes grupos elaboram Numa postura ainda mais radical. Cunha (1996) denuncia a concepção individualista de sociedade subjacente aos parâmetros21, concepção que no seu modo de ver se configuraria em orientações psicopedagógicas pertinentes ao relacionamento intra-escolar e na ignorância da sociedade em que a escola está inserida. 20 As observações deste autor referem-se à versão preliminar dos Parâmetros curriculares nacionais para o ensino fundamental, datada de novembro de 1995 21 Segundo informações do autor as suas observações referem-se à versão preliminar dos Parâmetros curriculares nacionais para o ensino fundamental, datada de dezembro de 1995. 45 Concomitantemente, chama a atenção para o ponto de vista psicológico predominante nos valores elencados no texto sobre ética e para a necessidade de enfatizar os seus aspectos sociológicos. Concomitantemente faz sugestões no sentido de enfatizar o aspecto sociológico dos valores elencados no texto sobre ética, tendo em vista a sua orientação psicológica. orientar os valores elencados no texto sobre ética para um ponto de vista sociológico, tendo em vista a sua orientação psicológica. Concomitantemente, propugna uma reorientação de caráter sociológico nos valores elencados no texto sobre ética, em detrimento do ponto de vista psicológico. Mesmo os que fazem restrições à dimensão psicológica que impregna o tema ética nos Parâmetros, em detrimento do aspecto sociopolítico presença de temas como ética nos Parâmetros, tendo em vista concepção de escola que lhe é subjacente, uma escola onipotente, capaz de transformar a sociedade, a orientação psicologizante que impregna a concepção de indivíduo e sociedade (Cunha, 1996) que o foco no “comum” no “homogêneo” contribui para a hegemonia do conhecimento de “alto status” e, consequentemente, para reforçar o processo de reprodução de desiguladaades sociais. Ainda tecendo suas críticas esse autor aponta ambigUidades e faz uma série de indagações. Assim com base no fato de o documento se referir a valores culturais que nos são próprios, conteúdos essenciais que devem ser ensinados em todas as escolas concomitante ao reconhecimento da diversidade cultural ele indaga “A que grupos tais valores são próprios? Trata-se de reforçar valores já existentes ou de promover a construção de valores comuns? Que critérios norteiam de fato a escolhado que dever ser preservado ou construído? Como determinar a essencialidade e a relevância de alguns contúdos?” Nessa mesma linha Canen (1997, Ensaio v5, out/dez, 1997) analisando o discurso presente no documento chama atenção para a ênfase em categorias referentes à construção do conhecimento em termos individuais e não sócio-culturais, o que mostra que o aluno é visto em termos psicológicos, descontextualizado de sua inserção histórica, política e cultural. Além disso, tomando como parâmetro a concepção de educação multicultural que defende, a educação intercultural crítica, questiona várias posições e concepções presentes nos Parâmetros e aponta a abordagem que estaria em concordância com a perspectiva preconizada; a inconsistência teórica de determinados aspectos de que trata, a sua aplicabilidade à realidade nacional, a sua impregnação por questões que dizem respeito a outras realidades, ora para pontuar questões que precisam ser melhor dimensionadas nas propostas que começam a se introduzir no cenário educacional como a diversidade dos grupos a que se dirigem (Canem, 1999, p. 6, artigo que está sendo apreciado), a não consideração das correlações de força que impregnam as relações entre os grupos (Valente, artigo para RBEP ou resenha), ou ainda, o papel do Estado na sua aplicação (Gonçalves, 1996, p. 69) De qualquer modo, o que se observa nessas críticas é que ao efetuarem-nas não Tais reflexões e propostas, por sua vez, têm incentivado discussões. Indaga-se sobre a pertinência de se adotar para o nosso país soluções engendradas em outros contextos (Ana 46 Lucia Valente?), aponta-se a inconsistência teórica de determinados aspectos de que trata, a não consideração das correlações de força que impregnam as relações entre os grupos (Valente, artigo para RBEP ou resenha), o papel do Estado na sua aplicação (Gonçalves, 1996, p. 69), ou ainda questões que precisam ser melhor dimensionadas as propostas que começam a se introduzir no cenário educacional (Canen, 1999, p.6). Realmente, há sinais de mudança no cenário educacional a respeito da questão da diversidade. Enfim, está se instalando um debate bastante profícuo para se pensar questões importantes que esses próprios trabalhos vêm apontando, como a especificidade do nosso país, tendo em vista a influência das reflexões que se engendraram em contextos muito diferentes dos nossos nas reflexões sobre o tema no nosso país, ou ainda a necessidade de se especificar a que educação multicultural estamos falando, uma vez que não existe educação multicultural, mas propostas de educação multicultural com conotações, objetivos, concepções e pressupostos teóricos diversos. os contextos muito diferentes que engendraram as discussões mais alentadas sobre a educação multicultural, principalmente Estados Unidos e Europa (p. 93 e 94, Sacristan) muitas discussões sobre em que tais completamente diferente dos Mas ao lado do debate acadêmido, percebe-se também uma sensibilidade crescente para a questão das diferenças por parte dos educadores no próprio currículo do ensino fundamental. Nas propostas curriculares elaboradas pelos estados nos anos 80, há uma preocupação com alunos e grupos com características étnicas ou socioculturais específicas ou vivendo em condições especiais, entre os quais destacam-se as populações indígenas e os negros, embora o tratamento dado às diferenças locais e regionais e à diversidade sociocultural dos alunos tenha sido bastante pobre. (Barretto, 1998) Os temas que apresentam maior complexidade como o convívio social, violência, incorporação não estereotipada dos pontos de vista e contribuições culturais de outros grupos com características de exclusão, não recebem um tratamento pedagógico mais aprofundado, ficando diluídos em compromissos genéricos, tais como a atenção às especifidades regionais, a valorização de experiências de vida dos educandos, a inserção social de segmentos marginalizados. Um outro indício dessa maior sensibilidade para com as diferenças pode ser percebido nas orientações curriculares formuladas na década de 90 por alguns municípios como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, cujos princípios ordenadores estão fortemente ancorados em problemáticas da sociedade contemporânea, entre as quais a construção da identidade, o respeito à diversidade das expressões culturais e a condenação de quaisquer formas de discriminação. Ainda no que diz respeito aos currículos pode-se detectar essa mudança se considerarmos tendências que vêm despontando nas propostas curriculares de algumas disciplinas para o ensino fundamental de alguns estados. Na História, por exemplo, percebe-se um empenho em valorizar segmentos da população brasileira até então tratados de forma secundária e dar maior ênfase ao espaço americano. Segundo Bittencourt (1998), o espaço europeu não aparece mais como o “lugar” de nascimento da nação, surgem tentativas ainda que esparsas de se estudar as culturas africanas. Tentativas que apontam para a necessidade de superação do tratamento metodológico utilizado para o estudo da formação da população brasileira, entendida como “mistura de raças” na qual o elemento português é a matriz e as outras 47 “raças” aparecem como influenciadoras de alguns hábitos da vida cotidiana. 22 Já a questão do “outro”, embora presente, é tratada de modo pouco aprofundado, a despeito dos pressupostos mais gerais que presidem os textos oficiais introdutórios e que enfatizam a construção da cidadania em um sistema democrático. Por sua vez, as diferenças étnicas aparecem em todas as propostas, embora a maioria se refira à formação da população de forma harmônica, sem conflitos, sem menção às questões de alteridade e de reciprocidades no processo de contato. (Bittencourt, 1998, p. 151) Mais recentemente, nos Parâmetros Curriculares Nacionais23, elaborados pelo Ministério da Educação e que deverão servir de referencial para a formulação das orientações curriculares de estados e municípios, o tema está presente de modo bastante enfático nos Parâmetros Curriculares Transversais. A justificativa para a formulação dos Parâmetros Curriculares Transversais é de que as áreas convencionais ministradas pela escola, como Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História e Geografia, embora necessárias, não são suficientes para alcançar os princípios que consubstanciam o compromisso da educação com a cidadania, tais como: dignidade da pessoa humana, igualdade de direitos, participação, co-responsabilidade pela vida social. Para tanto, há necessidade de se tratar de questões não diretamente contempladas por essas áreas como violência, saúde, uso de recursos naturais, preconceito. Tendo em vista o fato de que a construção da cidadania e a democracia envolvem múltiplos aspectos e diferentes dimensões da vida social foi necessário estabelecer critérios para definilos e escolhê-los. Nesse sentido, os Temas Transversais propostos procuram contemplar questões que se apresentam como obstáculos para a concretização da plenitude da cidadania, que afrontam a dignidade da pessoa e deterioram a sua qualidade de vida. Além de serem questões pertinentes a todo o país e ao alcance da aprendizagem nessa etapa da escolaridade, possibilitam ao aluno não só uma visão ampla e consistente da realidade brasileira, mas a sua inserção no mundo e participação social. Por outro lado, devido ao tipo de questões que abordam, os Temas Transversais atravessam diferentes campos do conhecimento e, portanto, devem integrar as áreas convencionais de modo a estarem presentes em todas elas, relacionando-as às questões da atualidade. A integração, extensão e profundidade dessa tarefa podem se dar em diferentes níveis, segundo o domínio do tema e/ou a prioridade que se eleja nas diferentes realidades locais, o 22 As observações a respeito das propostas curriculares de História, tomaram como base um estudo efetuado em propostas de 21 estados publicadas entre fins dos anos oitenta e início da década de noventa. A autora (Bittencourt, 1998) não especifica em quais estados ocorreram essas mudanças aqui mencionadas. 23 Os Parâmetros Curriculares são citados neste trabalho em função da sua preocupação com questões importantes para se discutir e compreender o tema “diferenças étnico-raciais”. Não é meu objetivo efetuar uma apreciação crítica a seu respeito. Para tanto, remeto o leitor para as questões levantadas por estudiosos da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em maio de 1996, entre as quais, a pertinência de um currículo nacional para um país com as características diversas como o Brasil; a concepção psicológica e psicopedagógica que lhe é subjacente, e, que inclusive impregna a abordagem da diversidade; a ignorância das importantes contribuições da Sociologia da Educação e do Currículo, da Filosofia da Educação, dos Estudos Culturais; a maneira como foi elaborado, ignorando “múltiplas e diversas vozes que teriam algo a dizer sobre essa questão”; a maneira como vem sendo implantado. (Faculdade, 1996, p. 130) 48 que se efetiva mediante a organização didática eleita pela escola. (Brasil, 1997a, p. 21-9) Muitas das questões que dizem respeito à diversidade étnico-racial estão presentes tanto nos objetivos a serem alcançados como nos conteúdos a serem trabalhados em alguns dos temas transversais, especialmente ética e pluralidade cultural. Assim, o trabalho a ser realizado em torno da ética deve organizar-se de forma a possibilitar que os alunos sejam capazes de: • compreender o conceito de justiça baseado na eqüidade e sensibilizar-se pela necessidade da construção de uma sociedade justa; • adotar atitudes de respeito pelas diferenças entre as pessoas, respeito esse necessário ao convívio numa sociedade democrática e pluralista; • adotar, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças e discriminações; • compreender a vida escolar como participação no espaço público, utilizando e aplicando os conhecimentos adquiridos na construção de uma sociedade democrática e solidária; • valorizar e empregar o diálogo como forma de esclarecer conflitos e tomar decisões coletivas; • construir uma imagem positiva de si, o respeito próprio traduzido pela confiança em sua capacidade de escolher e realizar seu projeto de vida e pela legitimação das normas morais que garantam, a todos, essa realização. (Brasil, 1997a, p. 65) Para alcançar tais objetivos propugna-se o trabalho com os seguintes conteúdos: • as diferenças entre as pessoas, derivadas de sexo, cultura, etnia, valores, opiniões ou religiões; • o respeito a todo ser humano independentemente de sua origem social, etnia, religião, sexo, opinião e cultura; • o respeito às manifestações culturais, étnicas e religiosas; • o respeito mútuo como condição necessária para o convívio social democrático: respeito ao outro e exigência de igual respeito para si; • as formas legais de lutar contra o preconceito; • a utilização das normas da escola como forma de lutar contra o preconceito (Brasil, 1997a, p. 71) Já o tema Pluralidade Cultural tem como objetivo contribuir para a construção da cidadania na sociedade pluriétnica e pluricultural e, nesse sentido, propõe o desenvolvimento de capacidades como: o conhecimento da diversidade do patrimônio étnico-cultural brasileiro, tendo atitude de respeito para com essas pessoas e grupos que a compõem, reconhecendo a diversidade cultural como um direito dos povos e dos indivíduos e elemento de fortalecimento da democracia; a valorização das diversas culturas presentes na constituição do Brasil como nação, reconhecendo sua contribuição no processo de constituição da identidade brasileira; o reconhecimento das qualidades da própria cultura, valorando-as criticamente, enriquecendo a vivência de cidadania; o desenvolvimento de uma atitude de empatia e de solidariedade para aqueles que sofrem discriminação; o repudio a toda 49 discriminação baseada em diferenças de raça/etnia, classe social, crença religiosa, sexo e outras características individuais ou sociais; a exigência de respeito para si, denunciando qualquer atitude de discriminação que sofra, ou qualquer violação dos direitos de criança e cidadão; a valorização do convívio pacífico e criativo dos diferentes componentes da diversidade cultural; a compreensão da desigualdade social como um problema de todos e como uma realidade passível de mudanças. (Brasil, 1997c) Também nos subsídios previstos para balizar o trabalho pedagógico com o tema transversal Pluralidade Cultural seja no campo da ética, dos conhecimento jurídicos, geográficos, históricos, sociológicos, antropológicos, psicológicos, pedagógicos, nos estudos populacionais, nas linguagens e representações, há uma série de questões que dizem respeito à diversidade étnico-racial. (Brasil, 1997c) Portanto, o cenário aponta para a necessidade de um professor capacitado para compreender e desenvolver esses conteúdos e alcançar esses objetivos, contexto este em que a reflexão sobre as diferenças étnico-raciais torna-se essencial. Uma formação que contemple esta questão, certamente dará ao professor maiores possibilidades de abordá-los de forma proveitosa. Os próprios Parâmetros Curriculares, tendo em vista a complexidade que envolve a problemática social, cultural e étnica destinados a fundamentar o tema Pluralidade cultural, apontam para a necessidade de a escola instrumentalizar-se para fornecer informações mais precisas para questões que vêm sendo respondidas, de modo indevido, pelo senso comum, ou ignoradas por um silencioso constrangimento. Neste contexto, a formação do professor é colocada não só como necessária, mas como um exercício de cidadania. Mesmo os fazem restrições à dimensão psicológica que impregna o tema ética nos Parâmetros, em detrimento do aspecto sociopolítico presença de temas como ética nos Parâmetros, tendo em vista concepção de escola que lhe é subjacente, uma escola onipotente, capaz de transformar a sociedade, a orientação psicologizante que impregna a concepção de indivíduo e sociedade (Cunha, 1996), reconhecem a sua importância para a formação do professor. A despeito das várias críticas que vêm sendo formuladas ao documento, tais como a maneira como a concepção de escola que lhe é subjacente, uma escola onipotente, capaz de transformar a sociedade, a orientação psicologizante que impregna a concepção de indivíduo e sociedade (Cunha, 1996), Fazer uma análise dos PCN com base no que foi dito até então, para responder questões como prioriza a assimilação, está baseado mais numa ética, etc. No entanto, como nos alerta Sacristán (1995, p. 85-7) a especificação dos objetivos áreas e conteúdos constitui apenas um primeiro passo na elaboração de um curriculo multicultural pois uma análise mais refinada da realidade da escolarização e das práticas cotidianas da sala de aula torna claro que aquilo que os alunos aprendem, e deixam de aprender, enfim, o currículo real, é mais amplo do que qualquer documento. Portanto, não basta introduzir conteúdos nos documentos curriculares ou mesmo nos livros didáticos uma perspectiva multicultural. É necessário se levar em conta a a linguagem dos professores, os exemplos que utilizam, as suas atitudes para com as minorias, as culturas, as relações sociais entre os alunos, as formas de agrupá-los, as práticas de jogo e brinquedo fora da sala de aula, os estereótipos que são transmitidos através dos livros, aquilo que é exigido na avaliação.Segundo Sacristán (19995, p. 87), o conhecimento não é um objeto manipulável e transmissível como se fosse uma realidade física, algo externo àqueles que o possuem, que 50 pode ser refletido em um suporte qualquer. O conhecimento se contretiza no processo de conhecer, em que o queconta é o contexto externo e interno de quem conhece, ou seja, a experiência vivida em torno do conhecimento. Experiência onde se entrecuzam crenças, valores, atitudes e comportamentos, porque são sujeitos reais que lhes dão significados, a partir de suas vivências como pessoas. É uma perspectiva que implica considerar a mudança de métodos pedagógicos, uma formação docente que estimule uma perspectiva cultural que abarque a complexidade da cultura e da experiência humanas. Exige sensibilidade diante de qualquer discriminação no trato cotidiano, evitando que os próprios docentes sejam fonte de juízos, atitudes e preconceitos que desvalorizem a experiência de certos grupos sociais, culturais, étnicos ou religiosos; sugere a importância de se cultivar atitudes de tolerância diante da diversidadee de se ortanizar atividades que as estimulem. O curriculo multicultural exige, pois, mudanças muito profundas em mecanismos de ação muito mais sutis. Como se observa, e o próprio autor chama atenção para isso, é um contexto em que a formação do professor torna-se crucial. Cabe perguntar em que medida estaria ele recebendo subsídios para tornar efetivo um currículo que contemple a pluralidade. Em que medida a formação que vem recebendo lhe propicia conhecimentos e o desenvolvimento de uma atitude receptiva ao multiculturalismo. É neste contexto, que se insere esta pesquisa, ou seja, o trabalho, ou seja, verificar em que medida o curso que forma o futuro professor do ensino fundamental estaria fornecendo ao futuro professor subsídios para entender tais requisitos exigidos pelo currículo. A pertinência de se pesquisar os professores dos cursos de magistério no que diz respeito à maneira como vêem e agem perante as diferenvoltar para a formação recebida pelo futuro professor (a) nos cursos de magistério, enfim para o que pensam e como agem os professores é reiterada por Moreira (1995, p. 9), pois a formação de um determinado tipo de professor é facilitada quando os professores que os formam norteiam as suas práticas pelos mesmos princípios que desejam ver adotados pelo futuro professor. Ou O exame do curso de habilitação ao magistério se faz pertinente tendo em vista o fato de que como afirma Moreira (1995, NO FINAL DO TRABALHO, VOLTAR A ESTE TEXTO PORQUE TEM CONSIDERAÇÕES INTERESSANTES, principalmente no final do artigo, pois fala sobre o professor transformador, o professsor que assume o papel de intelectual traz a luz os ensinamentos ocultos do currículo oficial, como por ex. As histórias e experiências de indivíduos e grupos subordinados. Seria o professor que vai além da apresentação de histórias até então não contadas e inssite na existência de alternativas políticas e na necessidade de que o conhecimento perigoso informe a luta pela criação de sociedades mais igualitárias. Para Moreira (1995) considerar o professor como intelectual reque pensar sua formação como relacionada com a intenção de lutar pela transformação do cenário educacional, e por extensão, da sociedade mais ampla. VER Territórios contestados Tomaz Tadeu da Silva, FE 375.0 T327) a formação de um determinado tipo de professor é facilitada quando os professsores que os formam norteiam as suas práticas pelos mesmos princípios que desejam ver adotados pelo futuro professor (p. 9). Canen (1997) também chama atenção para a necessidade de se promover a sensibilização em professores para a necessidade de se trabalhar currículos e práticas pedagógicas que levem em conta a sociedade multicultural. Canen (1997) também chama a atenção para a necessidade da formação de professores em uma perspectiva de diálogo das diferenças, na medida em que a escola brasileira atua em uma sociedade multicultural e que a diversidade de universos sócio51 culturais de grande parte da população é ignorada em práticas pedagógico-curriculares homogeneizadoras. Canen (1997) com base na análise da proposta preliminar dos PCN, observa que o tratamento transversal da questão da pluralidade, bem como as limitações de algumas propostas contidas nos PCN indicam a necessidade de orientar e treinar professores e futuros professores, de modo que a transversalidade possa se efetivar realmente, ou seja, que não venha a significar diluição e eventual desaparecimento do tema nos conteúdos administrados. Em que medida estaria o professor sendo formada para o que exige uma mentalidade diferente por parte do professor. conta uma vez que como afirma Sacristán, p. 87) o currículo real se concretiza na linguagem dos professores, os exemplos que utilizam, as suas atitudes para com as minorias, as culturas, as relações sociais entre os alunos, as formas de agrupá-los, as práticas de jogo e brinquedo for a da sala de aula, os estereótipos que são transmitidos nos livros, o que exige uma mentalidade diferente por parte do professor. É neste contexto que se situa o trabalho que aqui apresento, ou seja, verificar como está sendo efetuada a formação do professor para compreender algumas das questões fundamentais que certamente são subjacentes a uma educação multicultural, qualquer que seja a sua orientação. 52