PORTUGUÊS E E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page I Português Curso Extensivo – E E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page II PORTUGUÊS E E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 1 MÓDULO 1 PORTUGUÊS Sintaxe (I) Texto para a questão 1. Em um piano distante, alguém estuda uma lição lenta, em notas graves. (...) Esses sons soltos, indecisos, teimosos e tristes, de uma lição elementar qualquer, têm uma grave monotonia. Deus sabe por que acordei hoje com tendência a filosofia de bairro; mas agora me ocorre que a vida de muita gente parece um pouco essa lição de piano. Nunca chega a formar a linha de uma certa melodia. Começa a esboçar, com os pontos soltos de alguns sons, a curva de uma frase musical; mas logo se detém, e volta, e se perde numa incoerência monótona. Não tem ritmo nem cadência sensíveis. (Rubem Braga, O homem rouco) 1. (FUVEST) a) O autor estabelece uma associação poética entre a vida de muita gente e uma lição de piano. Esclareça o sentido que ganha, no contexto dessa associação, a frase: Nunca chega a formar a linha de uma certa melodia. RESOLUÇÃO: A frase, no contexto, significa que muitas pessoas não concluem aquilo a que se propõem ou não chegam a viver experiências que se integrem num conjunto articulado, como as palavras ou as notas musicais se integram no conjunto de uma frase linguística ou melódica, fazendo sentido ou compondo uma estrutura coerente. Leia o texto para responder às questões de números 2 a 4. Por causa do assassinato do caminhoneiro Pascoal de Oliveira, o Nego, pelo – também caminhoneiro – japonês Kababe Massame, após uma discussão, em 31 de julho de 1946, a população de Osvaldo Cruz (SP), que já estava com os nervos à flor da pele em virtude de dois atentados da Shindô-Renmei* na cidade, saiu às ruas e invadiu casas, disposta a maltratar “impiedosamente”, na palavra do historiador local José Alvarenga, qualquer japonês que encontrasse pela frente. O linchamento dos japoneses só foi totalmente controlado com a intervenção de um destacamento do Exército, vindo de Tupã, chamado pelo médico Oswaldo Nunes, um herói daquele dia totalmente atípico na história de Osvaldo Cruz e das cidades brasileiras. Com o final da Segunda Guerra Mundial, o eclipse do Estado Novo e o desmantelamento da Shindô-Renmei, inicia-se um ciclo de emudecimento, de ambos os lados, sobre as quatro décadas de intolerância vividas pelos japoneses. Do lado local, foi sedimentandose no mundo das letras a ideia do país como um “paraíso racial”. Do lado dos imigrantes, as segundas e terceiras gerações de filhos de japoneses se concentraram, a partir da década de 1950, na construção da sua ascensão social. A história foi sendo esquecida, junto com o idioma e os hábitos culturais de seus pais e avós. (Matinas Suzuki Jr. Folha de S.Paulo, 20.04.2008. Adaptado.) * Shindô-Renmei foi uma organização nacionalista, que surgiu no Brasil após o término da Segunda Guerra Mundial, formada por japoneses que não acreditavam na derrota do Japão na guerra. Possuía alguns membros mais fanáticos que cometiam atentados, tendo matado e ferido diversos cidadãos nipo-brasileiros. b) Deus sabe por que acordei hoje com tendência a filosofia de bairro... Reescreva a frase acima, substituindo a expressão sublinhada por outra de sentido equivalente. RESOLUÇÃO: Deus sabe por que acordei hoje com vontade de refletir sobre assuntos triviais (ou fatos prosaicos). 2. (UNIFESP-2011) – O texto permite afirmar que a) o antigo e pernicioso sentimento de intolerância entre brasileiros e japoneses, cultivado há quatro décadas, recrudesce no pós-guerra. b) a ideia de um “paraíso racial”, cristalizada no mundo das letras, foi bastante benéfica para o desenvolvimento do país. c) a ideologia, de um lado, e o pragmatismo, de outro, criaram condições para uma fase de silêncio sobre a intolerância antinipônica. d) as motivações racistas do assassinato do caminhoneiro Pascoal pelo caminhoneiro Kababe, em 1946, desencadearam as hostilidades entre brasileiros e japoneses. e) a violência dos atentados da Shindô-Renmei reprimiu a intolerância dos brasileiros contra os japoneses. RESOLUÇÃO: A literatura da primeira metade do século XX disseminou a ideologia do Brasil como “paraíso racial” e os japoneses de segunda e terceira gerações empenharam-se em ascender socialmente. Assim, tanto a ideologia, quanto a atitude pragmática dos imigrantes contribuíram para ocultar a intolerância contra os japoneses. Resposta: C –1 PORTUGUÊS E Revisão E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 2 PORTUGUÊS E 3. (UNIFESP-2011) – No texto, as orações (...) que já estava com os nervos à flor da pele em virtude de dois atentados da Shindô-Renmei na cidade (...) e (...) que encontrasse pela frente (...) são exemplos, respectivamente, de oração subordinada adjetiva explicativa e subordinada adjetiva restritiva, porque: a) a primeira limita o sentido do termo antecedente (a população de Osvaldo Cruz), enquanto a segunda explica o sentido do termo antecedente (qualquer japonês). b) a pausa, antes e depois da primeira oração, revela seu caráter de restrição e precisão do sentido do termo antecedente, tal como se dá com a segunda oração. c) na primeira, a oração é indispensável para precisar o sentido da anterior, enquanto, na segunda, a oração pode ser eliminada. d) a primeira explica o sentido do termo antecedente (a população de Osvaldo Cruz), enquanto a segunda limita o sentido do termo antecedente (qualquer japonês). e) o sentido do termo “qualquer japonês”, explicado na segunda oração, é determinante para a compreensão da primeira. RESOLUÇÃO: A justificativa apresentada na alternativa explica exatamente a função de cada oração adjetiva: a explicativa se refere a todo o conjunto do antecedente e a restritiva delimita a parte desse conjunto a que se refere. Resposta: D 4. (UNIFESP-2011) – No texto, os termos à flor da pele e eclipse trazem as ideias de, respectivamente, a) irritação e ressurgimento. b) ódio e obscurecimento. c) vingança e desaparecimento. d) nervosismo e recrudescimento. e) ultrassensibilidade e final. RESOLUÇÃO: A expressão à flor sugere o que está na superfície. Assim, à flor da pele indica extrema susceptibilidade. Eclipse foi empregado em sentido figurado e significa “desaparecimento, ausência, término”. Resposta: E Texto para a questão 5. Dimitria cursava a oitava série no colégio e desapareceu durante as férias de julho de 2008. Segundo a polícia, a garota avisou que iria viajar em companhia do caseiro, mas nunca mais foi vista. (...) De acordo com a polícia, [o caseiro] Silva disse que matou a menina porque era apaixonado por ela, mas ela não o correspondia. (Folha de S.Paulo, 16.08.2010.) 5. (UNIFESP-2011) – No texto, há um erro gramatical. O tipo de erro e a versão que o corrige estão, respectivamente, em a) uso de conectivo – Silva disse no depoimento o qual matou a menina (...) b) uso de pronome – (...) porque era apaixonado por ela, mas ela não correspondia. c) uso de conectivo – (...) iria viajar em companhia do caseiro, porém nunca mais foi vista. d) uso de adjetivo – (...) porque era obcecado por ela, mas ela não o correspondia. e) uso de verbo – Dimitria frequentava a oitava série no colégio (...) 2– RESOLUÇÃO: O erro consiste no emprego do pronome o como objeto indireto de correspondia, função que exigiria outro pronome oblíquo: lhe. Observe-se que, certamente por erro de revisão, o pronome em questão não foi transcrito na alternativa de resposta. Resposta: B Texto para as questões de 6 a 8. Nos últimos três anos foram assassinadas mais de 140 mil pessoas no Brasil. Uma média de 47 mil pessoas por ano. Uma parcela expressiva destas mortes, que varia de região para região, é atribuída à ação da polícia, que se respalda na impunidade para continuar cometendo seus crimes. São 25 assassinatos ao ano por cada 100 mil pessoas, índice considerado de violência epidêmica, segundo organismos internacionais. Se os assassinatos com armas de fogo são uma face da violência vivida na nossa sociedade, ela não é a única. Logo atrás, em termos de letalidade, estão os acidentes fatais de trânsito, com cerca de 33 mil mortos em 2002 e 35 mil mortes por ano em 2004 e 2005. Isto, sem falar nos acidentados não fatais socorridos pelo Sistema Único de Saúde, que multiplicam muitas vezes os números aqui apresentados e representam um custo que o IPEA estima em R$ 5,3 bilhões para o ano de 2002. A lista da violência alonga-se incrivelmente. Sobre as mulheres, os negros, os índios, os gays, sobre os mendigos na rua, sobre os movimentos sociais etc. Uma discussão num botequim de periferia pode terminar em morte. A privação do emprego, do salário digno, da educação, da saúde, do transporte público, da moradia, da segurança alimentar, tudo isso pode ser compreendido, considerando que incide sobre direitos assegurados por nossa Constituição, como tantas outras formas de violência. (Silvio Caccia Bava. Le Monde Diplomatique Brasil, agosto 2010. Adaptado.) 6. (UNIFESP-2011) – Segundo o texto, a) as formas de violência mais difíceis de eliminar são aquelas relacionadas aos assassinatos e aos acidentes fatais de trânsito. b) os assassinatos com armas de fogo, nas periferias, constituem a face perversa da impunidade exercida pela polícia. c) nossa Constituição assegura direitos restritos aos negros, aos índios e aos gays e, assim, eles costumam também ser alvo de muita violência. d) como causa de mortalidade, os acidentes de trânsito são quase tão importantes quanto os assassinatos, no ranking da violência no Brasil. e) o conjunto das mortes pela violência – assassinatos, acidentes de trânsito e constrangimentos a vários grupos sociais – onera os cofres do Estado. RESOLUÇÃO: Os trechos que comprovam a afirmação da alternativa de resposta são: nos últimos três anos foram assassinadas mais de 140 mil pessoas no Brasil. e Logo atrás, em termos de letalidade, estão os acidentes fatais de trânsito. Resposta: D E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 3 RESOLUÇÃO: Os pronomes relativos em questão referem-se, respectivamente, a parcela e a polícia e funcionam sintaticamente como sujeitos das orações que introduzem. Resposta: A 8. (UNIFESP-2011) – Considere as afirmações. I. A falta de empregos, a baixa remuneração e o déficit habitacional raramente são compreendidos como forma de violência. II. O não-oferecimento de educação, saúde e transporte público a toda a população também pode ser visto como uma forma de violência. III. Uma briga de bar que resulta em morte é um ingrediente a mais a engrossar o caldo da violência no país. naturalidade. d) a falta de uma tradução para a palavra inglesa bullying provoca dificuldades para qualificar comportamentos violentos na escola. e) somente a metade das manifestações violentas, na escola, qualificadas como bullying, apresenta motivações justificáveis. RESOLUÇÃO: A definição contida na alternativa de resposta corresponde precisamente à que se encontra no segundo período do texto. Resposta: B 10. (UNIFESP-2011) – De acordo com o texto, a) os estudantes mais fortes usam de sua prepotência e do constrangimento e intimidação dos mais frágeis, com o objetivo de se divertirem. b) as ações violentas, praticadas no ambiente escolar, são invariavelmente frequentes, involuntárias e motivadas por sofrimentos dos agressores. c) o sofrimento proveniente das manifestações violentas na escola pode demandar tratamentos dispendiosos, porém eficientes. d) em geral, as agressões sofridas pelos alunos não são gratuitas e possuem causas cada vez mais claramente identificáveis. e) a humilhação e o medo a que são submetidas as vítimas do bullying são consequências naturais da sociedade contemporânea. RESOLUÇÃO: A alternativa a reformula o que se encontra no penúltimo período do texto. Resposta: A Texto para a questão 11. As ideias apresentadas no texto encontram-se em a) I, apenas. b) I e II, apenas. c) I e III, apenas. d) II e III, apenas. e) I, II e III. RESOLUÇÃO: O último parágrafo do texto apresenta as afirmações contidas em II e III. Resposta: D Texto para as questões 9 e 10. A palavra bullying ainda é pouco conhecida do grande público brasileiro. De origem inglesa e ainda sem tradução no Brasil, é utilizada para qualificar comportamentos violentos no âmbito escolar, tanto de meninos quanto de meninas. Dentre esses comportamentos podemos destacar as agressões, os assédios e as ações desrespeitosas, todos realizados de maneira recorrente e intencional por parte dos agressores. É fundamental explicitar que as atitudes tomadas por um ou mais agressores contra um ou alguns estudantes, geralmente, não apresentam motivações específicas ou justificáveis. Isso significa dizer que, de forma quase “natural”, os mais fortes utilizam os mais frágeis como meros objetos de diversão, prazer e poder, com o intuito de maltratar, intimidar, humilhar e amedrontar suas vítimas. E isso, invariavelmente, produz, alimenta e até perpetua muita dor e sofrimento nos vitimados. (Ana Beatriz Barbosa Silva. Bullying: mentes perigosas nas escolas, 2010. Adaptado.) 9. (UNIFESP-2011) – Segundo o texto, a) embora a palavra bullying ainda não seja muito familiar em nosso país, com o tempo ela se tornará quase natural para nós. b) os comportamentos violentos de garotos e garotas, em contexto escolar, têm recebido a denominação inglesa de bullying. c) mesmo ignorado pela maior parte das pessoas, o termo bullying designa um fenômeno que está sendo encarado com crescente O cyberbullying é um problema crescente justamente porque os jovens usam cada vez mais a tecnologia. Ana, 13 anos, já era perseguida na escola – e passou a ser acuada, prisioneira de seus agressores via internet. Hoje, vive com medo e deixou de adicionar “amigos” em seu perfil no Orkut. Além disso, restringiu o acesso ao MSN. Mesmo assim, o tormento continua. As meninas de sua sala enviam mensagens depreciativas, com apelidos maldosos e recados humilhantes, para amigos comuns. Os qualificativos mais leves são “nojenta, nerd e lésbica”. Outros textos dizem: “Você deveria parar de falar com aquela piranha” e “A emo já mudou a sua cabeça, hein? Vá pro inferno”. Ana, é claro, fica arrasada. “Uso preto, ouço rock e pinto o cabelo. Curto coisas diferentes e falo de outros assuntos. Por isso, não me aceitam.” (Beatriz Santomauro. Nova Escola, junho/julho 2010. Adaptado.) 11. (UNIFESP-2011) – Conforme o texto, a) o desenvolvimento da tecnologia extinguirá o problemas do cyberbullying entre os jovens. b) apenas os jovens que não frequentam a escola são perseguidos implacavelmente pela internet. c) Ana é vítima do cyberbullying porque tem gostos e interesses que seu grupo social não aprecia. d) os qualificativos enviados pelas colegas de sala a amigos comuns levaram Ana a usar preto e pintar o cabelo. e) a restrição do acesso ao MSN e o uso mais limitado do Orkut eliminam, significativamente, problemas de cyberbullying. RESOLUÇÃO: A alternativa c retoma as declarações da vítima do cyberbulying no final do texto. Segundo ela, sua exclusão se deve às diferenças de gosto e de comportamento em relação aos colegas agressores. Resposta: C –3 PORTUGUÊS E 7. (UNIFESP-2011) – No período Uma parcela expressiva destas mortes, que varia de região para região, é atribuída à ação da polícia, que se respalda na impunidade para continuar cometendo seus crimes, as palavras sublinhadas referem-se, respectivamente, a) à palavra parcela e tem a função de sujeito; à palavra polícia e tem a função de sujeito. b) à palavra mortes e tem a função de sujeito; à palavra polícia e tem a função de sujeito. c) à palavra parcela e tem a função de objeto; à palavra polícia e tem a função de objeto. d) à palavra parcela e tem a função de objeto; à palavra ação e tem a função de sujeito. e) à palavra parcela e tem a função de sujeito; à palavra ação e tem a função de sujeito. E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 4 MÓDULO 2 Sintaxe (II) As questões de números 1 a 4 tomam por base um poema do repentista cearense Patativa do Assaré (1909-2002) e uma passagem do livro O discípulo de Emaús de Murilo Mendes (1901-1975): PORTUGUÊS E BRASI DE CIMA E BRASI DE BAXO [...] Inquanto o Brasi de Cima Fala de transformação, Industra, matéra prima, Descobertas e invenção, No Brasi de Baxo isiste O drama penoso e triste Da negra necissidade; É uma cousa sem jeito E o povo não tem dereito Nem de dizê a verdade. No Brasi de Baxo eu vejo Nas ponta das pobre rua O descontente cortejo De criança quage nua. Vai um grupo de garoto Faminto, doente e roto Mode caçá o que comê Onde os carro põe o lixo, Como se eles fosse bicho Sem direito de vivê. Estas pequenas pessoa, Estes fio do abandono, Que veve vagando à toa Como objeto sem dono, De manêra que horroriza, Deitado pela marquiza, Dromindo aqui e aculá No mais penoso relaxo, É deste Brasi de Baxo A crasse dos marginá. Meu Brasi de Baxo, amigo, Pra onde é que você vai? Nesta vida do mendigo Que não tem mãe nem tem pai? Não se afrija, nem se afobe, O que com o tempo sobe, O tempo mesmo derruba; Tarvez ainda aconteça Que o Brasi de Cima desça E o Brasi de Baxo suba. 4– Sofre o povo privação Mas não pode recramá, Ispondo suas razão Nas coluna do jorná. Mas, tudo na vida passa, Antes que a grande desgraça Deste povo que padece Se istenda, cresça e redrobe, O Brasi de Baxo sobe E o Brasi de Cima desce. Brasi de Baxo subindo, Vai havê transformação Para os que veve sintindo Abondono e sujeição. Se acaba a dura sentença E a liberdade de imprensa Vai sê legá e comum, Em vez deste grande apuro, Todos vão tê no futuro Um Brasi de cada um. Brasi de paz e prazê, De riqueza todo cheio, Mas, que o dono do podê Respeite o dereito aleio. Um grande e rico país Munto ditoso e feliz, Um Brasi dos brasilêro, Um Brasi de cada quá, Um Brasi nacioná Sem monopolo istrangêro. (Patativa do Assaré [Antônio Gonçalves da Silva]. Cante lá que eu canto cá. 6.ª Ed. Crato: Vozes/Fundação Pe. Ibiapina/Instituto Cultural do Cariri. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1986.) O DISCÍPULO DE EMAÚS A harmonia da sociedade somente poderá ser atingida mediante a execução de um código espiritual e moral que atenda, não só ao bem coletivo, como ao bem de cada um. A conciliação da liberdade com a autoridade é, no plano político, um dos mais importantes problemas. A extensão das possibilidades de melhoria a todos os membros da sociedade, sem distinção de raças, credos religiosos, opiniões políticas, é um dos imperativos da justiça social, bem como a apropriação pelo Estado dos instrumentos de trabalho coletivo. (Murilo Mendes. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994.) E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 5 RESOLUÇÃO: A questão formulada em termos gerais, abstratos, por Murilo Mendes – a conciliação da liberdade com a autoridade – toca no problema nacional que motiva a indignação de Patativa do Assaré, seja nas reclamações sobre a falta de liberdade para o Brasi de Baxo exprimir suas justas reclamações e demandas, seja nas queixas sobre o abuso de quem detém a autoridade (o dono do Podê), que não respeita o dereito aleio. Murilo Mendes, no trecho referido, reconhece, em sentido amplo, que o problema é dos mais importantes, sem mais especificações e parecendo associá-lo, em seguida, a um ideal amplo, coletivista e socializante de justiça social. 2. (UNESP) – Patativa do Assaré criou um discurso poemático peculiar, que estiliza a fala popular e rural. Por isso, ao escrever seus poemas, usa também suas próprias normas ortográficas, bem como “regras” gramaticais desse linguajar do povo. Releia atentamente a terceira estrofe do poema e a reescreva em discurso considerado culto, sem se preocupar com a quebra do ritmo ou da rima. RESOLUÇÃO: Estas pequenas pessoas, Estes filhos do abandono, Que vivem vagando à toa Como objetos sem dono, Que causam horror Deitados sob marquises, Dormindo aqui e acolá No mais penoso abandono É deste Brasil de Baixo A classe dos marginais. 3. (UNESP) – Relendo o primeiro período do fragmento de Murilo, podemos até imaginá-lo como uma resposta à sexta estrofe do poema de Patativa. Compare ambas as passagens e, a seguir, explique o que Murilo sugere para que na sociedade se possa atingir, como diz um texto, Um Brasi de cada um, ou o outro texto, o bem de cada um. RESOLUÇÃO: Somente pode haver a transformação idealizada no texto de Patativa do Assaré (Brasi de Baxo subindo, liberdade de imprensa), ou seja, ascensão dos desfavorecidos e liberdade política, caso haja, segundo o texto de Murilo Mendes, a execução de um código espiritual e moral que atenda a todos os brasileiros, não apenas a um grupo de privilegiados. 4. (UNESP) – Como Patativa imita o linguajar do povo, seu discurso poemático incorpora regras gramaticais desse linguajar, que não são as mesmas da norma culta. Estabeleça a diferença entre a concordância verbal utilizada pelo poeta nos versos Onde os carro põe o lixo, / Como se eles fosse bicho e a que se observa na norma culta. RESOLUÇÃO: Nesses versos, a concordância, conforme a variante popular, flexiona em número apenas o determinante (artigo) e o pronome, pois, segundo a gramática desse linguajar, a flexão de substantivos e verbos seria redundante. Trata-se de uma regra de economia linguística. Na norma culta, os verbos devem flexionar-se no plural, concordando com os sujeitos os carros e eles. –5 PORTUGUÊS E 1. (UNESP) – Os dois fragmentos apresentados focalizam o mesmo tema de formas diferentes, em poesia e em prosa. Em seu poema, Patativa do Assaré reclama, entre outras coisas, da falta de liberdade sofrida pelo povo do Brasi de Baxo. No segundo período do fragmento de Murilo Mendes a mesma questão é abordada sob outro ponto de vista. Explique o que se fala nesse fragmento a respeito da liberdade. E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 6 Texto para as questões 5 e 6. PORTUGUÊS E A escola ficava no fim da rua, num casebre de palha com biqueiras de telha, caiado por fora. Dentro – unicamente um grande salão, com casas de marimbondos no teto, o chão batido, sem tijolo. De mobiliário, apenas os bancos e as mesas estreitas dos alunos, a grande mesa do professor e o quadro-negro arrimado ao cavalete. A minha decepção começou logo que entrei. Eu tinha visto aquela sala num dia de festa, ressoando pelas vibrações de cantos, com bandeirinhas tremulantes, ramos e flores sobre a mesa. Agora ela se me apresentava tal qual era: as paredes nuas, cor de barro, sem coisa alguma que me alegrasse a vista. Durante minutos fiquei zonzo, como a duvidar de que aquela fosse a casa que eu tanto desejara. E os meus olhinhos inquietos percorriam os cantos da sala, à procura de qualquer coisa que me consolasse. Nada. As paredes sem caiação, a mobília polida de preto – tudo grave, sombrio e feio, como se a intenção ali fosse entristecer a gente. (...) Tentei encarar o professor e um frio esquisito me correu da cabeça aos pés. O que eu via era uma criatura incrível, de cara amarrada, intratável e feroz. Os nossos olhos cruzaram-se. Senti uma vontade louca de fugir dali. Pareceu-me estar diante de um carrasco. (Viriato Correa, Cazuza) 5. (UNESP) – A visão da escola, pelo enunciador, oscila de um plano fantasioso – motivado pelas peculiaridades de um dia de festa – para um plano realista, de que decorre uma decepção flagrante. Identifique uma palavra, no fragmento, que é utilizada em sua forma normal e no diminutivo, representando a situação de desejo e a situação crua da chegada à sala de aula, explicitando os efeitos de sentido que o uso do diminutivo cumpre, no contexto. RESOLUÇÃO: Trata-se da palavra olhos e do diminutivo olhinhos. Quando busca encontrar na sala algo que correspondesse a seu sonho, o narrador se refere a seus olhinhos inquietos, numa expressão em que o diminutivo indica afetividade e reforça o sentido de vivacidade acrescentado pelo adjetivo. Em nossos olhos cruzaram-se seria descabido e até ridículo o diminutivo, que exprimiria ternura, quando se trata de confronto com a dura realidade e, em decorrência, desolação e medo. 6– 6. (UNESP) – Em sua descrição da sala de aula, o enunciador mobiliza predominantemente o sentido da visão (por exemplo, “casebre de palha”, “caiado por fora”, “mobília polida de preto” etc.), embora outro sentido também seja utilizado. Transcreva uma passagem do fragmento que comprove essa afirmação, identificando esse outro sentido implicado. RESOLUÇÃO: Em “Eu tinha visto aquela sala ressoando pelas vibrações de cantos...”, o narrador recorre ao sentido da audição para comunicar a experiência que tivera naquela mesma sala, num dia de festa. E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 7 3 Sintaxe (III) As questões de números 1 a 4 tomam por base o poema Livros, do parnasiano brasileiro Afonso Celso (1860-1938) e uma passagem do livro Elementos de bibliologia, do filólogo e lexicógrafo brasileiro Antonio Houaiss (1915-1999). LIVROS De livros mil vivo cercado, Dias e noites passo a ler, Mas, francamente, o resultado Coisa não é de agradecer. Nenhum me dá – paz e conforto, Nenhum me diz se eu amanhã Vivo estarei ou se, já morto, Terá cessado o meu afã. Nada afinal sabeis ao certo Sobre das almas o tropel... Do vosso cume vê-se perto, Chatas montanhas de papel. Vãs pretensões! Orgulho fofo! Do ser mesquinho que voz fez Tendes o mesmo vil estofo, Tendes a mesma pequenez. quantos queiram ou possam acrescentar seu esforço ao herdado das gerações anteriores, na luta pelo aumento do saber, vale dizer, do conhecer, vale dizer, do fazer, vale dizer, do conhecer-fazer-conhecerfazer, vale dizer, da perpetuação específica e da felicidade individual. Uma “documentação ativa” é condição e imperativo, nesta altura, do progresso. Forma privilegiada da mensagem gráfica, o livro se insere, necessariamente, na documentação, como um dos meios específicos mais poderosos e eficazes da mesma documentação; mas não apenas o livro, é óbvio, senão que quantas coisas realizadas, executadas, interpretadas, achadas, ordenadas, nominadas pelo homem. (Antonio Houaiss. Elementos de bibliologia. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1967, vol II, p. 36-37.) 1. (UNESP-2011) – Considerando que o poema Livros surge num livro publicado em 1904 e é uma bem-humorada crítica à cultura livresca, sintetize a opinião sobre a utilidade dos livros manifestada pelo eu lírico no poema de Afonso Celso. RESOLUÇÃO: Segundo o autor, os livros não têm nenhuma utilidade prática. Não tornam quem os lê “nem menos mau, nem mais feliz” e nem trazem “paz e conforto”. Ademais, a leitura não responde as perguntas essenciais sobre a existência humana: “Nenhum me diz se eu amanhã / Vivo estarei ou se, já morto, / Terá cessado o meu afã”. De forma bem-humorada, o poeta conclui, nos últimos versos, que a destruição da cultura livresca alteraria em nada a experiência de viver. Cada vez mais, debalde, avulta Vossa maré... Tudo invadis; Mas não tornais quem vos consulta Nem menos mau, nem mais feliz. Que um cataclismo vos destrua, Mal não fará... Sem o sentir, Serena a vida continua: Lutar, sofrer, sonhar, mentir. (Afonso Celso. Poesias escolhidas. Rio de Janeiro: H. Garnier Livreiro-Editor, 1904, p. 03-04. Adaptado.) O LIVRO E A DOCUMENTAÇÃO Nas condições do atual desenvolvimento histórico da humanidade, o conhecimento de primeira mão não pode progredir sem o de segunda mão. Conhecimento de primeira mão é o decorrente, digamos assim, da integração do homem na natureza, para dela haurir continuidade específica e felicidade individual; essa integração, para consolidar-se, foi condicionada pela e condicionou a comunicação verbal, implicadora do conhecimento de segunda mão, a linguagem, no que ela encerra de transmissão cognitiva. Esse conhecimento de segunda mão multiplicou de importância a partir do momento em que o homem pôde mantê-lo em conserva, graficamente, para uso de seus contemporâneos e de seus pósteros. A noosfera, gerando a grafosfera, aumentou os poderes e potências do homem. E hoje a matéria mentada e em conserva gráfica é tão imensa e se renova em ritmo tão intenso, que um dos mais graves problemas da civilização e da cultura humanas é conseguir torná-la relativamente acessível a 2. (UNESP-2011) – Ao demonstrar a utilidade dos livros, Houaiss estabelece dois conceitos: conhecimento de primeira mão e conhecimento de segunda mão. Releia o texto e explique a diferença entre esses dois conceitos. RESOLUÇÃO: O conhecimento de primeira mão diz respeito à “integração do homem na natureza”, isto é, resulta da experiência adquirida pelo contato direto com os elementos naturais. Essa integração promoveu o surgimento da linguagem, da comunicação verbal, que é o conhecimento de segunda mão. Derivada desse conhecimento, surgiu a escrita, que possibilitou a transmissão dos saberes para outros indivíduos, contemporâneos ou das gerações seguintes. –7 PORTUGUÊS E MÓDULO E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 8 3. (UNESP-2011) – Mas não tornais quem vos consulta / Nem menos mau, nem mais feliz. PORTUGUÊS E Nestes versos, o eu lírico se serve ao mesmo tempo de dois procedimentos tradicionais da poesia e da oratória, a personificação (ou prosopopeia), atribuição de vida, ação, movimento e voz a coisas inanimadas, e a apóstrofe, recurso que consiste em o orador ou o eu lírico dirigir-se a uma pessoa ou coisa real ou fictícia. Identifique a presença da personificação e da apóstrofe nos versos citados e aponte as palavras que, por suas características gramaticais, permitem detectar esses procedimentos. RESOLUÇÃO: O autor do poema personifica os livros e dialoga com eles a partir da terceira estrofe. As ações que ele atribui aos livros, por meio do verbo tornar (tornar menos mau, tornar mais feliz), podem implicar (mas não necessariamente) um agente animado, personificado. A prosopopeia se configura mais claramente com a presença da apóstrofe, pois tais agentes são tratados como interlocutores, por meio do verbo – tornais – e do pronome – vos – na segunda pessoa, isto é, o eu lírico se dirige a eles como se fossem pessoas. Texto para a questão 5. Fizeram alto. E Fabiano depôs no chão parte da carga, olhou o céu, as mãos em pala na testa. Arrastara-se até ali na incerteza de que aquilo fosse realmente mudança. Retardara-se e repreendera os meninos, que se adiantavam, aconselhara-os a poupar forças. A verdade é que não queria afastar-se da fazenda. A viagem parecia-lhe sem jeito, nem acreditava nela. Preparara-a lentamente, adiara-a, tornara a prepará-la, e só se resolvera a partir quando tudo estava definitivamente perdido. Podia continuar a viver num cemitério? Nada o prendia àquela terra dura, acharia um lugar menos seco para enterrar-se. (Graciliano Ramos, Vidas Secas, 1.ª edição: 1938.) 5. (UNESP) – No último parágrafo de Vidas Secas, depois de empregar três verbos no pretérito perfeito, o enunciador utiliza uma sucessão de verbos flexionados no pretérito mais-que-perfeito. Com base nessa constatação, a) explique a diferença de emprego entre esses dois tempos verbais e sua importância para o texto; RESOLUÇÃO: Os pretéritos perfeito e mais-que-perfeito referem-se a tempos distintos do passado. O segundo indica anterioridade em relação ao primeiro, um pretérito mais remoto, por isso “mais-que-perfeito”. Fizeram, depôs e olhou indiciam no fragmento ações mais recentes, um passado imediato, perfeito, ou seja, terminado. Arrastara-se, retardara-se, repreendera e aconselhara remetem a ações anteriores à pausa (alto) em sua fuga, tangidos pelo sol e pela miséria em um incessante retirar-se. 4. (UNESP-2011) – Um conceito lógico pode ser expresso figuradamente, para ser melhor entendido. É o que ocorre no texto de Houaiss na passagem o homem pôde mantê-lo em conserva. Explique o significado lógico dessa imagem no contexto em que surge. RESOLUÇÃO: A metáfora utilizada pelo autor sugere que a escrita possibilitou que os conhecimentos adquiridos pela humanidade fossem preservados. b) reescreva o segundo período desse último parágrafo do texto mencionado, flexionando os verbos no pretérito mais-que-perfeito. RESOLUÇÃO: E Fabiano depusera no chão parte da carga, olhara o céu, as mãos em pala na testa. 8– E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 9 b) Por que o call-center mencionado no texto seria localizado especificamente em Goa? Flagrado na Ilha de Caras, Fernando Pessoa disse que está bem mais leve depois que passou a ser um só. RESOLUÇÃO: O call-center seria localizado em Goa por se tratar de uma localidade da Índia em que há falantes de língua portuguesa. Outro fator que levaria o call-center para lá é de ordem econômica: a estratégia do mercado mundial escolheu a Índia e outros países de mão de obra barata para a sede de serviços como call-centers. LISBOA – Em pronunciamento que pegou de surpresa o mercado editorial, o poeta e investidor Fernando Pessoa anunciou ontem a fusão dos seus heterônimos. Com o enxugamento, as marcas Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro passam a fazer parte da holding* Fernando Pessoa S.A. “É uma reengenharia”, explicou o assessor e empresário Mário Sá Carneiro. Pessoa confessou que a decisão foi tomada “de coração pesado”: “Drummond sempre foi um só. A operação dele é enxutinha. Como competir?”, indagou. O poeta chegou a pensar em terceirizar os heterônimos através de um callcenter** em Goa, mas questões de gramática e semântica acabaram inviabilizando as negociações. “Eles não usam mesóclise”, explicou Pessoa. (http://www.revistapiaui.com.br. Adaptado.) PORTUGUÊS E 6. (FUVEST-2011) – Leia o seguinte texto. *Holding [holding company]: empresa criada para controlar outras empresas. **Call-center: central de atendimento telefônico. a) Esse texto tem apenas finalidade humorística ou comporta também finalidade crítica? Justifique sua resposta. RESOLUÇÃO: O fragmento em questão tem tanto finalidade humorística quanto crítica. As relações estabelecidas entre a linguagem poética e a linguagem de mercado refletem, em tom de deboche e ironia, a tendência a rebaixar assuntos de interesse cultural, como a complexa criação heteronímica do poeta Fernando Pessoa, ao plano de meros interesses econômicos. –9 E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 10 MÓDULO 4 Sintaxe (IV) 1. (FUVEST-2011) – Examine esta propaganda de uma empresa de certificação digital (mecanismo de segurança que garante autenticidade, confidenciabilidade e integridade às informações eletrônicas). PORTUGUÊS E c) Estar com os dias contados é uma das dezenas de locuções formadas a partir do substantivo dia. Crie uma frase em que apareça uma dessas locuções (sem repetir, é claro, a locução utilizada na propaganda acima). RESOLUÇÃO: Seria possível construir frases com as locuções todo dia, dia a dia, dia e noite. Exemplo: Dia a dia crescem os congestionamentos no trânsito de São Paulo. Texto para a questão 2. a) Aponte a relação de sentido que existe entre a mensagem verbal e a imagem. RESOLUÇÃO: A tecla delete representa o avanço tecnológico, que seria responsável pelo fim próximo dos métodos de organização e trabalho representados pelo carimbo, símbolo da burocracia. A razão áurea, também denominada proporção áurea, número de ouro ou divina proporção, conquistou a imaginação popular e é tema de vários livros e artigos. Em geral, suas propriedades matemáticas estão corretamente enunciadas, mas muitas afirmações feitas sobre ela na arte, na arquitetura, na literatura e na estética são falsas ou equivocadas. Infelizmente, essas afirmações sobre a razão áurea foram amplamente divulgadas e adquiriram status de senso comum. Mesmo livros de geometria utilizados no ensino médio trazem conceitos incorretos sobre ela. (Trecho traduzido e adaptado do artigo de G. Markowsky, Misconceptions about the golden ratio, The College Mathematics Journal, 23, 1, january, 1992, pp. 2-19.) 2. (FUVEST-2011) a) Reescreva o trecho (...) mas muitas afirmações feitas sobre ela na arte, na arquitetura, na literatura e na estética são falsas ou equivocadas, substituindo a conjunção que o inicia por embora, com as devidas alterações. RESOLUÇÃO: Embora muitas afirmações feitas sobre ela na arte sejam falsas ou equivocadas, [suas propriedades matemáticas estão, em geral, corretamente enunciadas]. Obs.: não era necessário transcrever a segunda parte do período. b) Forme uma frase correta e coerente com base em um verbo derivado da palavra burocracia. RESOLUÇÃO: O verbo derivado do substantivo burocracia é burocratizar. Exemplo: Os planos de saúde burocratizam o acesso a exames médicos mais complexos. b) O verbo da oração Infelizmente, essas afirmações sobre a razão áurea foram amplamente divulgadas está na voz passiva analítica. Reescreva-a com o verbo na voz passiva sintética, fazendo as devidas alterações. RESOLUÇÃO: Infelizmente, divulgaram-se amplamente essas afirmações sobre a razão áurea. 10 – E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 11 Para Pirandello, o cômico nasce de uma “percepção do contrário”, como no famoso exemplo de uma velha já decrépita que se cobre de maquiagem, veste-se como uma moça e pinta os cabelos. Ao se perceber que aquela senhora velha é o oposto do que uma respeitável velha senhora deveria ser, produz-se o riso, que nasce da ruptura das expectativas, mas sobretudo do sentimento de superioridade. A “percepção do contrário” pode, porém, transformar-se num “sentimento do contrário” — quando aquele que ri procura entender as razões pelas quais a velha se mascara, na ilusão de reconquistar a juventude perdida. Nesse passo, a velha da anedota não mais está distante do sujeito que percebe, porque este pensa que também poderia estar no lugar da velha — e seu riso se mistura com a compreensão piedosa e se transforma num sorriso. Para passar da atitude cômica para a atitude humorística, é preciso renunciar ao distanciamento e ao sentimento de superioridade. (Adaptado de Elias Thomé Saliba, Raízes do riso) 3. (FUVEST) a) Considerando o que o texto conceitua, explique brevemente qual a diferença essencial entre a percepção do contrário e o sentimento do contrário. RESOLUÇÃO: A diferença essencial entre percepção do contrário e sentimento do contrário é que a primeira expressão sugere a ideia de distanciamento e superioridade do observador da cena cômica, e a segunda remete à identificação e à compaixão do observador, que geram humor e não propriamente comicidade. O sol se reparte em crimes Espaçonaves, guerrilhas Em cardinales bonitas Eu vou Em caras de presidentes Em grandes beijos de amor Em dentes, pernas, bandeiras Bomba e Brigitte Bardot PORTUGUÊS E Texto para a questão 3. (...) Ela pensa em casamento E eu nunca mais fui à escola Sem lenço e sem documento Eu vou Eu tomo uma coca-cola Ela pensa em casamento E uma canção me consola Eu vou Por entre fotos e nomes Sem livros e sem fuzil Sem fome, sem telefone No coração do Brasil (...) (http://www.caetanoveloso.com.br) I. “A linguagem era nova, cheia de referências visuais, e tudo estava ali, combinando temas que nem sempre pareciam combinar: despreocupação, engajamento político, tecnologia, lirismo... .” Laura de Mello e Souza. Adaptado. a) Transcreva um verso* que ilustre, de modo mais expressivo, o que está sublinhado nesse comentário. Justifique sua escolha. *(verso = uma linha.) b) Ao se perceber que aquela senhora velha é o oposto do que uma respeitável velha senhora deveria ser, produz-se o riso (...). Sem prejuízo para o sentido do trecho acima, reescreva-o, substituindo se perceber e produz-se por formas verbais cujo sujeito seja nós e é o oposto por não corresponde. Faça as adaptações necessárias. RESOLUÇÃO: Ao percebermos que aquela senhora velha não corresponde ao que uma respeitável velha senhora deveria ser, produzimos o riso (rimos). 4. (FUVEST-2011) – Leia os seguintes versos de “Alegria, Alegria”, de Caetano Veloso, e, em seguida, os dois comentários em que os autores explicam por que essa canção é uma de suas prediletas. RESOLUÇÃO: O verso que sintetiza engajamento político e tecnologia é Espaçonaves, guerrilhas. Espaçonaves representa a tecnologia aeroespacial do século XX e guerrilhas refere-se à luta armada empreendida por movimentos revolucionários que combatiam o governo ditatorial. II. “A canção era importante pela força mágica de afirmar a potência criativa da vida em meio à fragmentação do mundo.” Jurandir Freire Costa. Adaptado. b) Transcreva um verso que exemplifique, de modo mais evidente, o que está sublinhado nesse comentário. Justifique sua escolha. RESOLUÇÃO: A fragmentação do mundo está mais evidente no verso “Em dentes, pernas, bandeiras”, formado de sinédoques, ou seja, metonímias em que partes são tomadas por todos, representando pessoas e coletividades ou ideais. Caminhando contra o vento Sem lenço e sem documento No sol de quase dezembro Eu vou – 11 E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 12 5. (FUVEST) – Observe este anúncio. 6. (FUVEST) – Examine a tirinha e responda ao que se pede. PORTUGUÊS E (Quino, Mafalda 2. São Paulo: Martins Fontes, 2002.) (Folha de S. Paulo, 26/09/2008. Adaptado.) a) Na composição do anúncio, qual é a relação de sentido existente entre a imagem e o trecho quem é e o que pensa, que faz parte da mensagem verbal? RESOLUÇÃO: A imagem apresenta um rosto alegre que se forma a partir de linhas da impressão digital em que se inscreve, como a sugerir a definição do sujeito e do objeto representados linguisticamente pelos pronomes indefinidos/interrogativos quem e que. Em outras palavras, a imagem promete a resposta às interrogações introduzidas por aqueles pronomes, pois o rosto que se forma com as linhas da impressão digital sugere a identificação do sujeito pelo qual se pergunta, assim como daquilo que ele pensa, uma vez que o rosto é representado com uma expressão denunciadora de seu estado de espírito. a) O sentido do texto se faz com base na polissemia de uma palavra. Identifique essa palavra e explique por que a indicou. RESOLUÇÃO: Trata-se da palavra veículo, que pode significar (1) “qualquer meio usado para transportar ou conduzir pessoas, animais ou coisas, de um lugar para outro” ou (2) “qualquer coisa capaz de transmitir, propagar, difundir algo”. Na expressão “veículo de cultura”, o sentido de veículo é, claramente, (2). O humor da tirinha está em que Mafalda toma a palavra no seu sentido (1). b) A tirinha visa produzir não só efeito humorístico mas também efeito crítico. Você concorda com essa afirmação? Justifique sua resposta. b) Se os sujeitos dos verbos descubra e pensa estivessem no plural, como deveria ser redigida a frase utilizada no anúncio? RESOLUÇÃO: Descubram quem são e o que pensam os moradores de São Paulo. 12 – RESOLUÇÃO: O sentido crítico depreensível da tirinha provém da associação entre os ruídos emanados do televisor, que sugerem o conteúdo violento e “apelativo” da programação, e a ideia de cultura, não no sentido antropológico da palavra (“conjunto de padrões de comportamento, crenças, conhecimentos, costumes etc. que distinguem um grupo social”), mas como sinônimo de “ilustração”, “cabedal de conhecimentos”. Longe de ser “veículo de cultura”, a televisão seria – sugere a tirinha – um veículo de barbárie. E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 13 5 Sintaxe (V) 1. (FUVEST) – Não tenho dúvidas de que a reportagem esteja à procura da verdade, mas é preciso ressalvar de que a história não pode ser escrita com base exclusivamente em documentos da polícia política. (O Estado de S.Paulo) Das duas ocorrências de de que, no excerto acima, uma está correta e a outra não. a) Justifique a correta. RESOLUÇÃO: A primeira ocorrência é a correta. Em Não tenho dúvidas de que a reportagem..., o uso da preposição de, diante da conjunção subordinativa integrante que, é obrigatório, já que a aludida preposição é regida pelo substantivo dúvidas. para puni-los ou vê-los sofrer, mas porque pretendem crescer e multiplicar-se como todos os seres vivos. Tanto se lhes dá se o organismo que lhes oferece condições de sobrevivência pertence à vestal ou ao pecador contumaz. (...) (Drauzio Varella, Folha de S.Paulo, 12/11/2005) 2. (FUVEST) a) Crie uma frase com a palavra obesidade que possa ser acrescentada ao final do 2.° parágrafo sem quebra de coerência. RESOLUÇÃO: Nos nossos dias, é comum atribuir às pessoas obesas a culpa por sua obesidade, como se sua condição fosse apenas resultado de seu descomedimento ao comer. A frase deve encaixar-se na série de exemplos contida no segundo parágrafo. Tais exemplos ilustram a primeira afirmação do texto: Atribuir ao doente a culpa dos males que o afligem é procedimento tradicional na história da humanidade. O caso da obesidade seria a ilustração da afirmação complementar do parágrafo inicial: A obesidade não foge à regra. b) Corrija a incorreta, dizendo por quê. RESOLUÇÃO: ... mas é preciso ressalvar de que a história não pode ser escrita... Está incorreta porque não há termo regente de preposição de. O verbo ressalvar é transitivo direto, não exigindo, pois, preposição em seu complemento. Texto para a questão 2. Atribuir ao doente a culpa dos males que o afligem é procedimento tradicional na história da humanidade. A obesidade não foge à regra. Na Idade Média, a sociedade considerava a hanseníase um castigo de Deus para punir os ímpios. No século 19, quando proliferaram os aglomerados urbanos e a tuberculose adquiriu características epidêmicas, dizia-se que a enfermidade acometia pessoas enfraquecidas pela vida devassa que levavam. Com a epidemia de Aids, a mesma história: apenas os promíscuos adquiririam o HIV. Coube à ciência demonstrar que são bactérias os agentes causadores de tuberculose e da hanseníase, que a Aids é transmitida por um vírus e que esses micro-organismos são alheios às virtudes e fraquezas humanas: infectam crianças, mulheres ou homens, não b) Fazendo as adaptações necessárias e respeitando a equivalência de sentido que a expressão Tanto se lhes dá (...) tem no texto, proponha uma frase, substituindo o pronome lhes pelo seu referente. RESOLUÇÃO: Pouco importa a esses micro-organismos se o organismo que lhes oferece condições de sobrevivência pertence à vestal ou ao pecador contumaz. A formulação deste quesito não é inteiramente precisa, pois não se esclarece se o pronome lhes deve ser substituído por seu referente em suas duas ocorrências na frase ou, o que parece mais razoável, apenas na primeira, na expressão cujo sentido se questiona. Outro defeito na formulação deste quesito se encontra no trecho “respeitando a equivalência de sentido que a expressão ‘Tanto se lhes dá (...)’ tem no texto”. Esse trecho deveria ser substituído por uma redação mais simples, direta e precisa: mantendo-se o sentido que a expressão Tanto se lhes dá tem no texto, pois não é a equivalência de sentido que a expressão... tem no texto que se quer respeitada. – 13 PORTUGUÊS E MÓDULO E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 14 Texto para a questão 3. [...] admirava-se ele de como é que havia podido inclinar-se por um só instante a Luisinha, menina sensaborona e esquisita, quando haviam no mundo mulheres como Vidinha. (Manuel Antônio de Almeida, Memórias de um Sargento de Milícias) PORTUGUÊS E 3. (FUVEST) a) Em ...admirava-se ele de como é que havia podido inclinar-se..., o sujeito da locução verbal destacada é elíptico e está no singular (ele). Se o sujeito fosse composto (com dois ou mais núcleos) ou plural, essa locução verbal sofreria uma alteração. Qual seria? Justifique. RESOLUÇÃO: O verbo haver deveria concordar com o sujeito plural: haviam podido. Nas locuções verbais, a flexão de número recai sobre o verbo auxiliar e, no trecho dado, o verbo haver foi empregado como auxiliar do verbo poder. Não se deve, portanto, confundir esse emprego com o caso em que tal verbo é usado na acepção de existir, o que obrigaria a concordância exclusiva com a terceira pessoa do singular. 4. (FUVEST) Devemos misturar e alternar a solidão e a comunicação. Aquela nos incutirá o desejo do convívio social, esta, o desejo de nós mesmos; e uma será o remédio da outra: a solidão curará nossa aversão à multidão, a multidão, nosso tédio à solidão. (Sêneca, Sobre a tranquilidade da alma, Trad. de J. R. Seabra Filho.) a) Segundo Sêneca, a solidão e a comunicação devem ser vistas como complementares porque ambas satisfazem um mesmo desejo nosso. É correta essa interpretação do texto acima? Justifique sua resposta. RESOLUÇÃO: Não, pois solidão e comunicação correspondem a diferentes desejos do ser humano: a solidão supre a necessidade de isolamento, a comunicação satisfaz nossa carência de relacionamento social. b) (...) a solidão curará nossa aversão à multidão, a multidão, nosso tédio à solidão. Sem prejuízo para o sentido original, reescreva o trecho acima, iniciando-o com Nossa aversão à multidão... b) No trecho ...quando haviam no mundo mulheres como Vidinha, ocorre uma construção tida como incorreta, pois está em desacordo com o uso culto da língua portuguesa. De que se trata? Corrija o erro. RESOLUÇÃO: O verbo haver, no sentido de existir, é impessoal, devendo permanecer na terceira pessoa do singular: ...quando havia no mundo... . 14 – RESOLUÇÃO: Nossa aversão à multidão será curada pela solidão; o tédio à solidão será curado pela multidão. 5. (FUVEST) – Leia este texto. 6. (FUVEST) – Leia o seguinte texto: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 Os irmãos Villas Bôas não conseguiram criar, como queriam, outros parques indígenas em outras áreas. Mas o que criaram dura até hoje, neste país juncado de ruínas novas. O ano nem sempre foi como nós o conhecemos agora. Por exemplo: no antigo calendário romano, abril era o segundo mês do ano. E na França, até meados do século XVI, abril era o primeiro mês. Como havia o hábito de dar presentes no começo de cada ano, o primeiro dia de abril era, para os franceses da época, o que o Natal é para nós hoje, um dia de alegrias, salvo para quem ganhava meias ou uma água-de-colônia barata. Com a introdução do calendário gregoriano, no século XVI, primeiro de janeiro passou a ser o primeiro dia do ano e, portanto, o dia dos presentes. E primeiro de abril passou a ser um falso Natal – o dia de não se ganhar mais nada. Por extensão, o dia de ser iludido. Por extensão, o Dia da Mentira. (Luis Fernando Verissimo, As mentiras que os homens contam. Adaptado.) a) Identifique o recurso expressivo de natureza semântica presente na expressão ruínas novas. RESOLUÇÃO: A expressão ruínas novas parece conter um paradoxo – ou, em outros termos, parece confirmar um oxímoro. Com efeito, ruínas é palavra que conota antiguidade ou, em outro registro, velharia, o oposto do adjetivo nova. O oxímoro consiste, justamente, na relação contraditória entre palavras de sentido antitético ou conflitivo. Porém, a expressão pode ser entendida de outra forma, literal, pois uma ruína pode ser recente, nova, como foram as ruínas de Troia logo após a destruição da cidade pelos gregos e como são tantos prédios que embrutecem uma cidade como São Paulo. a) Tendo em vista o contexto, é correto afirmar que o trecho meias ou uma água-de-colônia barata deve ser entendido apenas em seu sentido literal? Justifique sua resposta. RESOLUÇÃO: Não, ambas devem ser entendidas em sentido figurado, pois conotam, por similaridade, objetos de pouco valor. b) Crie uma frase que contenha um sinônimo da palavra salvo (L. 6), mantendo o sentido que ela tem no texto. b) Que prática brasileira é criticada no trecho país juncado (= coberto) de ruínas novas? RESOLUÇÃO: Empregada no texto como preposição, a palavra salvo significa exceto, com exceção de, como em: “Todos chegaram, exceto os noivos.” RESOLUÇÃO: Critica-se, no texto, a incúria brasileira que não conserva o patrimônio material do país (edificações, monumentos, cidades inteiras) nem suas instituições. – 15 PORTUGUÊS E E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 15 E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 16 Texto para a questão 7. PORTUGUÊS E Tem-se discutido muito sobre as funções essenciais da linguagem humana e a hierarquia natural que há entre elas. É fácil observar, por exemplo, que é pela posse e pelo uso da linguagem, falando oralmente ao próximo ou mentalmente a nós mesmos, que conseguimos organizar o nosso pensamento e torná-lo articulado, concatenado e nítido; é assim que, nas crianças, a partir do momento em que, rigorosamente, adquirem o manejo da língua dos adultos e deixam para trás o balbucio e a expressão fragmentada e difusa, surge um novo e repentino vigor de raciocínio, que não só decorre do desenvolvimento do cérebro, mas também da circunstância de que o indivíduo dispõe agora da língua materna, a serviço de todo o seu trabalho de atividade mental. Se se inicia e desenvolve o estudo metódico dos caracteres e aplicações desse novo e preciso instrumento, vai, concomitantemente, aperfeiçoando-se a capacidade de pensar, da mesma sorte que se aperfeiçoa o operário com o domínio e o conhecimento seguro das ferramentas da sua profissão. E é este, e não outro, antes de tudo, o essencial proveito de tal ensino. (J. Mattoso Câmara Jr., Manual de expressão oral e escrita. Adaptado.) 7. (FUVEST-2011) a) Transcreva o trecho em que o autor trata da relação da linguagem com o pensamento. RESOLUÇÃO: O autor trata das relações de linguagem com o pensamento em: ... é pela posse e pelo uso da linguagem, (...), que conseguimos organizar o nosso pensamento e torná-lo articulado, concatenado e nítido. b) Transcreva o trecho em que o autor trata da relação da linguagem com a fisiologia. RESOLUÇÃO: O autor trata das relações da linguagem com a fisiologia em: ... surge um novo e repentino vigor de raciocínio, que não só decorre do desenvolvimento do cérebro. 16 – c) Segundo o autor, qual é o essencial proveito do ensino da língua? RESOLUÇÃO: Segundo o autor, o essencial proveito do ensino da língua é aperfeiçoar a capacidade de pensar. E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 17 6 Sintaxe (VI) 1. (UNICAMP) 2. (UNICAMP) – Reportagem da Folha de S. Paulo informa que o presidente do Brasil assinou decreto estabelecendo prazos para o País colocar em prática o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que unifica a ortografia nos países de língua portuguesa. Na matéria, o seguinte quadro comparativo mostra alterações na ortografia estabelecidas em diferentes datas: Após as reformas de 1931 e 1943: Êles estão tranqüilos, porque provavelmente não crêem em fantasmas. Após as alterações de 1971: Eles estão tranqüilos, porque provavelmente não crêem em fantasmas. Após o novo acordo, a vigorar a partir de janeiro de 2009 Eles estão tranquilos, porque provavelmente não creem em fantasmas. Sobre o acordo, a reportagem ainda informa: (Retirada de www.miriamsalles.info/wp/wp-content/uploads/acord ) a) Qual é o pressuposto da personagem que defende o acordo ortográfico entre os países de língua portuguesa? Por que esse pressuposto é inadequado? RESOLUÇÃO: O pressuposto é que o Acordo promoveria a uniformização do português escrito, permitindo que livros portugueses se publicassem no Brasil sem nenhuma alteração. Tal pressuposto é desmentido pela simples leitura de algumas linhas de um livro português, linhas nas quais avultam as diferenças entre o vocabulário português e o brasileiro. As regras do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que entram em vigor no Brasil a partir de janeiro de 2009, vão afetar principalmente o uso dos acentos agudo e circunflexo, do trema e do hífen. Cuidado: segundo elas, você não poderá mais dizer que foi mordido por uma jibóia, e sim por uma jiboia. (...) (Adaptado de E. Simões, “Que língua é essa?”. Folha de S.Paulo, Ilustrada, p. 1, 28/09/2008.) a) O excerto acima supõe que alterações ortográficas modifiquem o modo de falar uma língua. Mostre a palavra utilizada que permite essa interpretação. Levando em consideração o quadro comparativo das mudanças ortográficas e a suposição expressa no excerto, explique o equívoco dessa suposição. RESOLUÇÃO: Ao concluir que “você não poderá mais dizer que foi mordido por uma jibóia, e sim por uma jiboia”, o jornalista usou o verbo dizer em lugar de escrever, induzindo o leitor em erro, ao sugerir que a reforma afetaria o modo de falar das pessoas. O quadro comparativo apresentado seria suficiente para desmentir a sugestão do jornalista, pois nele se vê que não houve alteração na pronúncia das palavras, mas apenas na sua grafia. b) Explique como, na tira acima, esse pressuposto é quebrado. RESOLUÇÃO: A grande diferença lexical, que a leitura revela, entre o português lusitano e o brasileiro constitui, como sugere a historieta, um obstáculo muito mais grave à compreensão mútua do que as diferenças gráficas que o Acordo Ortográfico busca superar. – 17 PORTUGUÊS E MÓDULO E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 18 Ainda sobre a reforma ortográfica, Diogo Mainardi escreveu o seguinte: PORTUGUÊS E Eu sou um ardoroso defensor da reforma ortográfica. A perspectiva de ser lido em Bafatá, no interior da Guiné-Bissau, da mesma maneira que sou lido em Carinhanha, no interior da Bahia, me enche de entusiasmo. Eu sempre soube que a maior barreira para o meu sucesso em Bafatá era o C mudo [como em facto na ortografia de Portugal] (...) (D. Mainardi, “Uma reforma mais radical”. Revista VEJA, p. 129, 8/10/2008.) a) Sobre o advérbio “porventura”, presente na carta do compositor, o dicionário Houaiss informa: usa-se em frases interrogativas, especialmente em perguntas delicadas ou retóricas. Aplica-se ao texto da carta essa informação? Justifique sua resposta. RESOLUÇÃO: A pergunta modulada pelo advérbio porventura é claramente retórica, ou seja, é uma afirmação sob a forma de pergunta, pois nela o autor sugere ter sido o próprio pai o “culpado” de seu “gosto pela arte”, um gosto que então o levaria a contrariar determinações paternas. b) O excerto transcrito apresenta uma ironia. Em que consiste essa ironia? Justifique. RESOLUÇÃO: A ironia do articulista refere-se à suposição, que fundamenta o Acordo, de que pequenas alterações ortográficas sejam suficientes para promover ou facilitar de maneira significativa o intercâmbio cultural entre os países lusófonos. Ao referir-se a lugares remotos e ignorados, o articulista, além de dar expressão a preconceitos sociais e culturais, pretende sugerir que o “atraso” – econômico, social, cultural – presumível em tais cidades seja o principal problema a travar as relações culturais entre os países envolvidos. b) Cite duas palavras, também empregadas pelo compositor, que atestem, de maneira mais evidente, que, daquela época para hoje, a língua portuguesa sofreu modificações. RESOLUÇÃO: As formas cousa e vossemecê, hoje desusadas no Brasil, atestam a evolução da língua. As formas hoje correntes dessas palavras são coisa e você. (O mesmo não seria verdade para Portugal, onde também a língua evoluiu, evidentemente, no último século e meio, e onde também as referidas palavras se transformaram, mas onde ainda são correntes, em certos dialetos, as duas formas mais antigas.) 3. (FUVEST) – Leia o seguinte texto, extraído de uma biografia do compositor Carlos Gomes. No ano seguinte [1860], com o objetivo de consolidar sua formação musical, [Carlos Gomes] mudou-se para o Rio de Janeiro, contra a vontade do pai, para iniciar os estudos no conservatório da cidade. “Uma ideia fixa me acompanha como o meu destino! Tenho culpa, porventura, por tal cousa, se foi vossemecê que me deu o gosto pela arte a que me dediquei e se seus esforços e sacrifícios fizeramme ganhar ambição de glórias futuras?”, escreveu ao pai, aflito e cheio de remorso por tê-lo contrariado. “Não me culpe pelo passo que dei hoje. [...] Nada mais lhe posso dizer nesta ocasião, mas afirmo que as minhas intenções são puras e espero desassossegado a sua bênção e o seu perdão”, completou. (http://musicaclassica.folha.com.br) 18 – E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 19 (Adaptado de http://www.orkut.com.br/Main#community?cmm=525458. Acesso em 20/12/2010) a) Explique o que torna possível o jogo de palavras Mesmo, o maníaco dos elevadores usado pelos membros dessa comunidade. RESOLUÇÃO: Na redação pífia do aviso obrigatório nos elevadores, mesmo foi usado como pronome substantivo, substituindo elevador. Assim, acompanhado do epíteto o maníaco dos elevadores, o pronome foi transformado, com objetivo humorístico, em nome próprio, o Mesmo, por isso a inicial maiúscula. Texto para a questão 5. QUANDO VITAMINAS ATRAPALHAM Consumir suplementos de vitaminas depois de praticar exercícios físicos pode reduzir a sensibilidade à insulina, o hormônio que conduz a glicose às células de todo o corpo. Temporariamente, um pouco de estresse oxidativo – processo combatido por algumas vitaminas e que danifica as células – ajuda a evitar o diabetes tipo 2, causado pela resistência à insulina, concluíram pesquisadores das universidades de Jena, na Alemanha, e Harvard, nos Estados Unidos. Desse estudo, publicado em maio na PNAS, participaram 40 pessoas, metade delas com treinamento físico prévio, metade sem. Os dois grupos foram divididos em subgrupos que tomaram ou não uma combinação de vitaminas C e E. Todos os subgrupos praticaram exercícios durante quatro semanas e passaram por exames de avaliação de sensibilidade da glicose à insulina antes e após esse período. Apenas exercícios físicos, sem doses adicionais de vitaminas, promovem a longevidade e reduzem o diabetes tipo 2. Ao contrário do que se pensava, os resultados negam que o estresse oxidativo seja um efeito colateral indesejado da atividade física vigorosa: ele é na verdade parte do mecanismo pelo qual quem se exercita é mais saudável. A conclusão é clara: nada de antioxidantes depois de correr. (Adaptado de “Quando vitaminas atrapalham”. Revista Pesquisa FAPESP 160, p. 40, junho de 2009.) 5. (UNICAMP-2011) a) Por se tratar de um texto de divulgação científica, apresenta recursos linguísticos próprios a esse gênero. Quais são eles? Transcreva dois trechos em que esses recursos estão presentes. RESOLUÇÃO: São notáveis no texto 1) o emprego de vocabulário técnico e 2) a referência a resultados de estudo científico, como se vê nos trechos 1) “...exercícios físicos podem reduzir a sensibilidade à insulina, o hormônio que conduz a glicose às células de todo o corpo”; 2) ...concluíram pesquisadores das universidades de Jena, na Alemanha, e Harvard, nos Estados Unidos. Desse estudo, publicado em maio na PNAS... b) Reescreva o aviso de forma que essa leitura não seja mais possível. RESOLUÇÃO: 1) Antes de entrar no elevador, verifique se ele se encontra parado neste andar. 2) Antes de entrar, verifique se o elevador encontra-se parado neste andar. b) O experimento em questão concluiu que as vitaminas atrapalham. Explique como os pesquisadores chegaram a essa conclusão. RESOLUÇÃO: Os pesquisadores concluíram que as vitaminas atrapalham porque verificaram que o estresse oxidativo, que as vitaminas combateriam, é benéfico, pois ajuda a evitar o diabetes tipo 2, causado pela resistência à insulina, ou seja, a ingestão de vitaminas após exercícios, ao contrário do que se acreditava, não promove a longevidade e nem a redução do diabetes tipo 2. – 19 PORTUGUÊS E 4. (UNICAMP-2011) – “Eu tenho medo do Mesmo” foi criada em função do aviso bastante conhecido dos usuários de elevadores: “Antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo encontra-se parado neste andar”. E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 20 Texto para a questão 6. OS DICIONÁRIOS DE MEU PAI PORTUGUÊS E Pouco antes de morrer, meu pai me chamou ao escritório e me entregou um livro de capa preta que eu nunca havia visto. Era o dicionário analógico de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo. Ficava quase escondido, perto dos cinco grandes volumes do dicionário Caldas Aulete, entre outros livros de consulta que papai mantinha ao alcance da mão numa estante giratória. Isso pode te servir, foi mais ou menos o que ele então me disse, no seu falar meio grunhido. E por um bom tempo aquele livro me ajudou no acabamento de romances e letras de canções, sem falar das horas que eu o folheava à toa. Palavra puxa palavra e escarafunchar o dicionário analógico foi virando para mim um passatempo (desenfado, espairecimento, entretém, solaz, recreio, filistria). O resultado é que o livro, herdado já em estado precário, começou a se esfarelar nos meus dedos. Encostei-o na estante das relíquias ao descobrir, num sebo atrás da Sala Cecília Meireles, o mesmo dicionário em encadernação de percalina. Com esse livro escrevi novas canções e romances, decifrei enigmas, fechei muitas palavras cruzadas. E ao vê-lo dar sinais de fadiga, saí de sebo em sebo pelo Rio de Janeiro para me garantir um dicionário analógico de reserva. Encontrei dois, mas não me dei por satisfeito, fiquei viciado no negócio. Dei de vasculhar livrarias país afora, só em São Paulo adquiri meia dúzia de exemplares, e ainda rematei o último à venda na Amazon.com antes que algum aventureiro o fizesse. Eu já imaginava deter o monopólio (açambarcamento, exclusividade, hegemonia, senhorio, império) de dicionários analógicos da língua portuguesa, não fosse pelo senhor João Ubaldo Ribeiro, que ao que me consta também tem um, quiçá carcomido pelas traças (brocas, carunchos, busanos, cupins, térmitas, cáries, lagartas-rosadas, gafanhotos, bichos-carpinteiros). Hoje sou surpreendido pelo anúncio dessa nova edição do dicionário analógico de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo. Sinto como se invadissem minha propriedade, revirassem meus baús, espalhassem aos ventos meu tesouro. Trata-se para mim de uma terrível (funesta, nefasta, macabra, atroz, abominável, dilacerante, miseranda) notícia. (Adaptado de Francisco Buarque de Hollanda, em Francisco F. dos S. Azevedo, Dicionário Analógico da Língua Portuguesa: ideias afins/thesaurus. 2.ª edição atualizada e revista, Rio de Janeiro: Lexikon, 2010.) 6. (UNICAMP-2011) a) A partir do texto de Chico Buarque que introduz o dicionário analógico recentemente reeditado, proponha uma definição para esse tipo de dicionário. RESOLUÇÃO: Dicionário analógico é aquele que agrupa palavras por semelhança de sentido e afinidade de ideias. 20 – b) Mostre a partir de que pistas do texto sua definição foi elaborada. RESOLUÇÃO: O significado de dicionário analógico pode ser depreendido da expressão “palavra puxa palavra”, que indica o que ocorre quando se consulta esse tipo de livro. Além disso, o sentido é comprovado, humoristicamente, pela enumeração de sinônimos para palavras como passatempo, monopólio, traças e terrível, exemplificando o uso que se pode dar a obras do tipo. 7. I. II. III. (FUVEST) Desespero meu: leitura obrigatória de livro indicado... Uma surpresa: tão bom, aquele livro! Nenhum aborrecimento na leitura. Respeitando a sequência em que estão apresentadas as três frases acima, articule-as num único período. Empregue os verbos e os nexos oracionais necessários à clareza, à coesão e à coerência desse período. RESOLUÇÃO: Desespero meu: leitura obrigatória de livro indicado, no entanto (mas, porém, contudo, todavia) foi uma surpresa, pois era muito bom aquele livro, cuja leitura não causou nenhum aborrecimento. E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 21 7 Literatura e Análise de Textos Literários (I) 1. (UNICAMP-SP-2011) – Os trechos abaixo, do Auto da Barca do Inferno e das Memórias de um Sargento de Milícias, tratam, de maneira cômica, dos “pecados” de duas personagens que, cada uma a seu modo, representam uma autoridade. Leia-os com atenção e responda às questões propostas em seguida. Frade: Ah, Corpo de Deus consagrado! Pela fé de Jesus Cristo, qu’eu não posso entender isto! Eu hei de ser condenado? Um padre tão namorado e tanto dado à virtude! Assi Deus me dê saúde que eu estou maravilhado! Diabo: Não façamos mais detença. Embarcai e partiremos: tomareis um par de remos. Não ficou isso n’avença! Pois dada está já a sentença! Par Deus! Essa seri’ela! Não vai em tal caravela minha senhora Florença. Frade: Diabo: Frade: a) O que há de comum na caracterização da conduta do Frade, na peça, e do major Vidigal, no romance? RESOLUÇÃO: Tanto o Frade quanto o major Vidigal desrespeitam as regras que configuram suas funções de sacerdote e oficial militar, respectivamente. O Frade, sem inclinação para o sacerdócio, surge no “cais das almas” acompanhado da amante, em desobediência ao decoro clerical e ao voto de celibato, ao qual os padres são submetidos. Quanto ao major Vidigal, é também a lascívia — seu interesse por Maria-Regalada — que o leva a infringir seus deveres e favorecer o malandro Leonardo. b) Que diferença entre as obras faz com que essas personagens tenham destinos distintos? Diabo: Frade: Diabo: Como? Por ser namorado ~ mulher e folgar com ua se há um frade de perder, com tanto salmo rezado? Ora estás bem aviado! Mais estás bem corregido! Devoto padre marido, haveis de ser cá pingado... (VICENTE, Gil. Auto da Barca do Inferno. São Paulo, Ática, 2006, p. 35-36.) RESOLUÇÃO: O teor moralizante da peça de Gil Vicente faz que os transgressores das normas sociais, definidas pelo código moral cristão, sejam punidos com severidade extrema. A amoralidade característica do romance de Manuel Antônio de Almeida, diferentemente, faz que transgressores dos códigos sociais, como o protagonista Leonardo, não só não enfrentem punição, mas até recebam recompensas. Os leitores estão já curiosos por saber quem é ela, e têm razão; vamos já satisfazê-los. O major era pecador antigo e, no seu tempo, fora daqueles de quem se diz que não deram o seu quinhão ao vigário: restava-lhe ainda hoje alguma coisa que às vezes lhe recordava o passado: essa alguma coisa era a Maria-Regalada, que morava na Prainha. Maria-Regalada fora no seu tempo uma mocetona de truz, como vulgarmente se diz: era de um gênio sobremaneira folgazão, vivia em contínua alegria, ria-se de tudo e, de cada vez que se ria, fazia-o por muito tempo e com muito gosto: daí é que vinha o apelido — regalada — que haviam juntado ao seu nome. (ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um Sargento de Milícias. São Paulo, Ática, 2004, Capítulo XLV – “Empenhos”, p. 142.) – 21 PORTUGUÊS E MÓDULO E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 22 PORTUGUÊS E 2. (UNIFESP-SP – adaptado) – No trecho da peça de Gil Vicente, fica evidente uma a) visão bastante crítica dos hábitos da sociedade da época. Está clara a censura à hipocrisia do religioso, que se aparta daquilo que prega. b) concepção de sociedade decadente, mas que ainda guarda alguns valores essenciais, como é o caso da relação entre o frade e o catolicismo. c) postura de repúdio à imoralidade da mulher, que se põe a tentar o frade, que a ridiculariza em função de sua fé católica inabalável. d) visão moralista da sociedade. Para ele, os valores deveriam ser resgatados e a presença do frade é um indicativo de apego à fé cristã. e) crítica ao frade que optou em vida por ter uma mulher, contrariando a fé cristã e afastando-se do comportamento padrão dos demais frades do convento. a) De que pecado o Parvo acusa o homem de leis (Corregedor)? Esse é o único pecado de que ele é acusado na peça? RESOLUÇÃO: Joane, o Parvo, acusa o Corregedor de se deixar subornar com as ofertas de coelhos e pernas de perdiz, sendo, desse modo, segundo o Diabo, um “santo descorregedor”, sentenciando com pouca honestidade (“quia judicastis malitia”). Além disso, há referência ao desrespeito do Corregedor aos mortos, uma vez que urinara nas campas. Outro delito do qual o magistrado é acusado pelo Diabo é o de ter explorado os trabalhadores inocentes (“ignorantes do pecado”): “A largo modo adquiristis / sanguinis laboratorum, / ignorantes peccatorum”. RESOLUÇÃO: No Auto da Barca do Inferno, o Frade chega à Barca do Inferno acompanhado por uma mulher e, ao ser questionado pelo Diabo se aquela “dama” lhe pertencia, ele afirma que sempre a teve como sua. Ironicamente, o Diabo elogia a atitude do Frade de desrespeito aos votos de celibato clerical. Quando o Diabo pergunta ao Frade se esse desrespeito ao celibato não era censurado no “convento santo”, o religioso responde que todos faziam o mesmo, o que corresponde à ideia de que aquilo que se pregava como comportamento correto e ilibado era exatamente o contrário do que faziam os religiosos da Igreja, segundo a peça. Resposta: A 3. (UNICAMP-SP) – Na seguinte cena do Auto da Barca do Inferno, o Corregedor e o Procurador dirigem-se à Barca da Glória, depois de se recusarem a entrar na Barca do Inferno. Corregedor: Anjo: Corregedor: Ó arrais dos gloriosos, passai-nos neste batel! Ó pragas pera papel, pera as almas odiosos! Como vindes preciosos, sendo filhos da ciência! Ó! habeatis clemência e passai-nos como vossos! para tende Hou, homens dos breviairos1, rapinastis coelhorum et pernis perdiguitorum2 e mijais nos campanairos! Corregedor: Ó! Não nos sejais contrairos, pois nom temos outra ponte! Joane (Parvo): Beleguinis ubi sunt3? Ego latinus macairos4. (VICENTE, Gil. Auto da Barca do Inferno. São Paulo, Ateliê Editorial, 1996, p. 107-109.) Joane (Parvo): 1 – Homens dos breviairos: homens de leis. 2 – Rapinastis coelhorum / et pernis perdiguitorum: Recebestes coelhos e pernas de perdiz como suborno. 3 – Beleguinis ubi sunt?: Onde estão os policiais? 4 – Ego latinus macairos: Eu falo latim macarrônico. 22 – b) Com que propósito o latim é empregado pelo Corregedor? E pelo Parvo? RESOLUÇÃO: O Corregedor emprega o latim de uso jurídico, que caracteriza o homem de leis, tipificando a personagem. O Parvo, por sua vez, vale-se do latim de maneira humorística e, consciente de seus erros, declara falar latim “macarrônico”, isto é, mistura de latim e português. Para o Corregedor, o latim é instrumento de autoridade; para o Parvo, ao contrário, é um meio de contestação da autoridade e de zombaria da pompa de que se reveste o discurso autoritário. E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 23 4. (FUVEST-SP) 5. (UNICAMP-SP) – Leia o diálogo abaixo, do Auto da Barca do Inferno: E, chegando à barca da Glória, diz ao Anjo: Anjo: Brísida: Barqueiro, mano, meus olhos, prancha a Brísida Vaz! Eu não sei quem te cá traz... Peço-vo-lo de giolhos! Cuidais que trago piolhos, anjo de Deus, minha rosa? Eu sou Brísida, a preciosa, que dava as moças aos molhos. A que criava as meninas para os cônegos da Sé... Passai-me, por vossa fé, meu amor, minhas boninas, olhos de perlinhas finas! (...) (Gil Vicente, Auto da Barca do Inferno – texto fixado por Segismundo Spina) Cavaleiros, vós passais e não perguntais onde is? Cavaleiro 1: Vós, Satanás, presumis? Atentai com quem falais! Cavaleiro 2: Vós que nos demandais? Sequer conhece-nos bem. Morremos nas partes d’além, e não queirais saber mais. (VICENTE, Gil. “Auto da Barca do Inferno”, in BERARDINELLI, Cleonice. Org. Antologia do Teatro de Gil Vicente. Rio de Janeiro, Nova Fronteira/Brasília, INL, 1984, p. 89.) a) Por que o Cavaleiro chama a atenção do Diabo? RESOLUÇÃO: Porque o Cavaleiro sacrificou a vida para defender o Cristianismo e, assim, ter assegurado seu lugar na barca da Glória. O Diabo presume que o Cavaleiro é, como a maioria dos mortos chegados ao cais, um ser cheio de vícios e interpela-o. O Cavaleiro adverte o Diabo, distinguindo-se e evitando maior contato. a) No excerto, a maneira de tratar o Anjo empregada por Brísida Vaz relaciona-se à atividade que ela exercera em vida? Explique resumidamente. RESOLUÇÃO: Brísida Vaz, em vida, era alcoviteira, ou seja, agenciava mulheres para a prostituição. Assim, sua linguagem revela sua atividade, pois ela se utiliza de termos que procuram seduzir o Anjo, como “anjo de Deus”, “minha rosa”, “meu amor”, “minhas boninas”, “olhos de perlinhas finas”. b) Onde e como morreram os dois Cavaleiros? RESOLUÇÃO: Os Cavaleiros morreram numa Cruzada, em combate contra os “infiéis”. Observe-se que, na época da encenação do Auto da Barca do Inferno, as Cruzadas já eram coisa do passado. b) No excerto, o tratamento que Brísida Vaz dispensa ao Anjo é adequado à obtenção do que ela deseja — isto é, levar o Anjo a permitir que ela embarque? Por quê? RESOLUÇÃO: O tratamento que Brísida Vaz dispensa ao Anjo é inadequado, pois revela apego ao universo pecaminoso da sedução e prostituição, ou seja, justamente àquilo que justifica sua condenação ao inferno. c) Por que os dois passam pelo Diabo sem se dirigir a ele? RESOLUÇÃO: Porque entendem que quem deu a vida numa Cruzada, em defesa do Cristianismo, tem assegurado um lugar na barca da Glória, estando livre da condenação ao inferno. – 23 PORTUGUÊS E Diabo: Brísida: E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 24 MÓDULO 8 Literatura e Análise de Textos Literários (II) PORTUGUÊS E As questões de números 1 a 4 tomam por base um soneto do poeta neoclássico português Bocage (Manuel Maria Barbosa du Bocage, 1765-1805) e uma tira da escritora e quadrinista brasileira Ciça (Cecília Whitaker Vicente de Azevedo Alves Pinto). LXIV CONTRASTE ENTRE A VIDA CAMPESTRE E A DAS CIDADES 2. (VUNESP-SP) – A palavra vilão pode apresentar diferentes significados na Língua Portuguesa, alguns bastante distintos entre si. No soneto de Bocage, a própria sequência da leitura permite descobrir, em função do contexto, o significado que assume tal palavra, empregada no primeiro verso. Releia o poema e aponte esse significado. RESOLUÇÃO: No poema de Bocage, vilão é empregado no sentido inicial da palavra: “habitante de vila”, ou seja, morador de pequeno povoado rural, em oposição à corte, situada na cidade, a grande aglomeração urbana. Nos campos o vilão sem sustos passa, Inquieto na corte o nobre mora; O que é ser infeliz aquele ignora, Este encontra nas pompas a desgraça: Aquele canta e ri; não se embaraça Com essas coisas vãs que o mundo adora: Este (oh cega ambição!) mil vezes chora, Porque não acha bem que o satisfaça: Aquele dorme em paz no chão deitado, Este no ebúrneo leito precioso Nutre, exaspera velador cuidado: Triste, sai do palácio majestoso; Se hás de ser cortesão, mas desgraçado, Antes ser camponês, e venturoso. (BOCAGE, Manuel Maria Barbosa du. Obras de Bocage. Porto, Lello & Irmão Editores, 1968.) 3. (VUNESP-SP) – O soneto de Bocage apresenta-se de acordo com o modelo tradicional, com versos de dez sílabas métricas (decassílabos) distribuídos em duas quadras e dois tercetos. De posse dessa informação, apresente como resposta a divisão em sílabas métricas do segundo verso do poema, levando em conta que as sílabas tônicas são a terceira, a sexta, a oitava e a décima. RESOLUÇÃO: In-qui-e-to-na-cor-teo-no-bre-mo(ra). (As sílabas fortes estão sublinhadas; a sílaba entre parênteses, a última postônica [= pós-tônica], não se conta.) (CIÇA. Tira. In Pagando o Pato. Porto Alegre, LP&M, 2006.) 1. (VUNESP-SP) – O tema do soneto apresentado, do neoclássico português Bocage, enquadra-se numa das linhas temáticas características do período literário denominado Neoclassicismo ou Arcadismo. Aponte essa linha temática, comprovando com elementos do próprio poema. RESOLUÇÃO: O soneto de Bocage desenvolve o tema do contraste entre a vida na cidade, vista como negativa, e a vida no campo, descrita como positiva. A depreciação da primeira é evidente em expressões como “inquieto na corte o nobre mora” e “este [o homem urbano] (...) mil vezes chora / porque não acha bem que o satisfaça”. A valorização da segunda encontra-se em expressões como “nos campos o vilão sem sustos passa”, “o que é ser infeliz aquele [o vilão] ignora” e “aquele canta e ri”. 24 – 4. (VUNESP-SP) – Na tira de Ciça, a troca de ser por ter ironiza uma das tendências do comportamento humano na sociedade moderna, altamente consumista. Isso considerado, releia a tira e o poema de Bocage e aponte em que consiste essa ironia e em que medida o soneto de Bocage representa, com mais de dois séculos de antecedência, uma das possíveis respostas a essa troca de ser por ter. RESOLUÇÃO: A ironia está em considerar como mera atualização, ou seja, adaptação aos tempos atuais, a troca de ser por ter na célebre expressão shakespeariana. O soneto de Bocage pode ser tomado como “resposta” a essa perversão contemporânea, por exaltar a vida simples e feliz (o ser), em oposição à vida de apego aos bens materiais e às aparências (o ter). E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 25 RESOLUÇÃO: Juca Chaves privilegia características de sua personalidade, temperamento, índole, profissão e ideologia; qualificando-se como “simpático”, “romântico”, “solteiro”, “autodidata”, “poeta” e “socialista”. Bocage privilegia características físicas: “olhos azuis”, “carão moreno”, “bem servido de pés”, “nariz alto no meio, e não pequeno”, quase todas de valor depreciativo, para compor uma moldura para os traços psicológicos: “triste de facha”, “o mesmo de figura”. PORTUGUÊS E Os dois textos a seguir pertencem a artistas bastante afastados entre si no tempo. Trata-se de Bocage (Manuel Maria Barbosa du Bocage, 1765-1805), poeta neoclássico português, e Juca Chaves (Jurandyr Chaves, 1938), compositor, intérprete e showman brasileiro. Ambos líricos e sentimentalistas, muitas vezes são ásperos em críticas e sátiras sociais. Lendo os poemas (o de Juca é letra de uma de suas canções), verificamos que apresentam pontos em comum, embora sejam inconfundíveis no estilo e nas atitudes. Texto 1 AUTORRETRATO Simpático, romântico, solteiro, autodidata, poeta, socialista Da classe 38, reservista, de outubro, 22, Rio de Janeiro. Com a bossa de qualquer bom brasileiro possuo o sangue quente de um artista. Sou milionário em senso de humorista, mas juro que estou duro e sem dinheiro. Há quem me julgue um poeta irreverente, mentira, é reação da burguesia, que não vive, vegeta falsamente, num mundo de doente hipocrisia. 6. (VUNESP-SP – adaptada) – Em dado momento, Juca Chaves faz um ataque a uma classe social. Bocage refere-se de maneira irreverente a uma instituição social. Identifique os versos em que ocorrem tais fatos e faça um breve comentário sobre o modo como cada um dos poetas se posiciona diante de seus objetos de crítica. Mas o meu mundo é belo e diferente: vivo do amor ou vivo da poesia... E assim eu viverei eternamente, Se não morrer por outra Ana Maria. RESOLUÇÃO: Juca Chaves ataca a hipocrisia burguesa, nos versos de 10 a 12, afirmando seus próprios valores, amor e poesia, que, autoironicamente, relativiza no último verso: “Se não morrer por outra Ana Maria.” Na terceira estrofe, no verso 11, Bocage faz uma crítica à Igreja, ao clero católico, representado pelos “frades”, que só merecem o “amor” ou a consideração do poeta quando no “altar”, circunscritos aos ofícios religiosos, aos ritos litúrgicos. (Juca Chaves) Texto 2 RETRATO PRÓPRIO Magro, de olhos azuis, carão moreno, Bem servido de pés, meão de altura, Triste de facha, o mesmo de figura, Nariz alto no meio, e não pequeno; Incapaz de assistir num só terreno, Mais propenso ao furor do que à ternura; Bebendo em níveas mãos, por taça escura, De zelos infernais letal veneno; Devoto incensador de mil deidades (Digo, de moças mil) num só momento, E somente no altar amando os frades; de altura média, mediano rosto, cara permanecer, residir, [fixar-se brancas, de neve mortal, fatal divindades Eis Bocage em quem luz algum talento; brilha, do verbo luzir Saíram dele mesmo estas verdades, Num dia em que se achou mais pachorrento. (Bocage, soneto LXXXI) 7. (VUNESP-SP – adaptada) – Compare os dois textos sob o aspecto formal. RESOLUÇÃO: O “Autorretrato” compõe-se de quatro quartetos ou quadras. O “Retrato Próprio” é um soneto, formado por dois quartetos e dois tercetos. Nos dois quartetos iniciais dos dois textos, as rimas têm a mesma posição: interpoladas ou opostas (ABBA-ABBA). Nas estrofes finais, têm posição intercalada (CDCD-CDCD, no texto de Juca Chaves, e CDC-DCD, no texto de Bocage). Os versos são decassílabos nos dois textos. 5. (VUNESP-SP – adaptada) – Observando o que cada poeta diz de si próprio na primeira quadra, verificamos que um deles privilegia um tipo de características pessoais, enquanto o outro varia a natureza das características que enumera. Com base nessa observação, releia atentamente ambas as estrofes e, a seguir, comente as características pessoais enfatizadas por Juca Chaves e Bocage. – 25 E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 26 MÓDULO 9 Literatura e Análise de Textos Literários (III) 1. (UNICAMP-SP) – No excerto abaixo, o romance Iracema é aproximado da narrativa bíblica: PORTUGUÊS E Em Iracema, (...) a paisagem do Ceará fornece o cenário edênico para uma adaptação do mito da Gênese. Alencar aproveitou até o máximo as similaridades entre as tradições indígenas e a mitologia bíblica (...). Seu romance indianista (...) resumia a narrativa do casamento inter-racial, porém (...) dentro de um quadro estrutural pseudo-histórico mais sofisticado, derivado de todo um complexo de mitos bíblicos, desde a Queda Edênica ao nascimento de um novo redentor. (TREECE, David. Exilados, Aliados, Rebeldes: o movimento indianista, a política indigenista e o Estado-Nação imperial. São Paulo, Nankin/Edusp, 2008, p. 226, 258-259.) b) Qual personagem poderia ser associada ao “novo redentor”? Por quê? RESOLUÇÃO: O “novo redentor” é Moacir, filho de Iracema com Martim. Assim como Cristo teria vindo ao mundo para redimir o gênero humano do pecado original, levando-o a uma nova condição, o jovem mestiço daria origem a um novo povo, o brasileiro, que, na visão de Alencar, ficaria no lugar do indígena. Partindo desse comentário, responda às questões: a) Que associação se pode estabelecer entre os protagonistas do romance e o mito da Queda com a consequente expulsão do Paraíso? RESOLUÇÃO: O mito da Queda, central na tradição judaico-cristã, corresponde à narrativa segundo a qual Adão e Eva, habitantes do Éden (Paraíso), teriam comido o fruto proibido. Por causa dessa falta, teriam tido como castigo a expulsão da morada paradisíaca e o mergulho de seus descendentes, o gênero humano, na dor e sofrimento (multiplicação da dor do parto, necessidade de “ganhar o pão com o suor do rosto”). Iracema aproveita vários elementos desse mito: o vinho da jurema assemelha-se ao fruto proibido; a perda da inocência de Adão e Eva equivale à união carnal entre Martim e Iracema; a descida que a protagonista faz do território tabajara para o pitiguara identifica-se com a perda do Paraíso. O caminho para baixo é percorrido após o sexto dia, que lembra o dia da criação do homem; a dor da heroína ao ver seus conterrâneos mortos em combate e, mais adiante, durante o seu parto, estabelece proximidade com os sofrimentos profetizados por Deus à espécie humana. 2. (UNICAMP-SP) – Leia, abaixo, a letra de uma canção de Chico Buarque inspirada no romance de José de Alencar, Iracema, lenda do Ceará: IRACEMA VOOU Iracema voou Para a América Leva roupa de lã E anda lépida Vê um filme de quando em vez Não domina o idioma inglês Lava chão numa casa de chá Tem saído ao luar Com um mímico Ambiciona estudar Canto lírico Não dá mole pra polícia Se puder, vai ficando por lá Tem saudade do Ceará Mas não muita Uns dias, afoita Me liga a cobrar: — É Iracema da América (HOLANDA, Chico Buarque de. As Cidades. Rio de Janeiro, Marola Edições Musicais Ltda.,1998.) 26 – a) Que papel desempenha Iracema no romance de José de Alencar? E na canção de Chico Buarque? RESOLUÇÃO: Iracema desempenha, no romance de Alencar, o papel de heroína romântica, mártir do amor. Ela é a sacerdotisa ou vestal dos Tabajaras, que detém o segredo da jurema. Além disso, ela pode ser considerada a própria representação da natureza virgem dos trópicos, que será possuída pelo colonizador europeu, o português Martim, com quem terá um filho. Na canção de Chico Buarque, Iracema desempenha o papel da brasileira exilada que, com astúcia “malandra”, consegue “se virar”, procurando “se dar bem” na América do Norte e preferindo viver lá, apesar das dificuldades e da saudade da terra natal. 3. (FUVEST-SP) – Considere os dois trechos de Machado de Assis, relacionados a Iracema e publicados na época em que apareceu esse romance de Alencar, e responda ao que se pede. a) A poesia americana está completamente nobilitada; os maus poetas já não podem conseguir o descrédito desse movimento, que venceu com o autor de “I-Juca-Pirama” e acaba de vencer com o autor de Iracema. (Adaptado de Machado de Assis, Crítica Literária) Machado de Assis refere-se, nesse trecho, a um movimento literário chamado, na época, de “poesia americana” ou “escola americana”. Sob que outro nome veio a ser conhecido esse movimento? Quais eram seus principais objetivos? RESOLUÇÃO: Machado de Assis refere-se ao Indianismo, tendência romântica brasileira cujo objetivo central era nobilitar o passado nacional, associando-o a mitos heroicos elaborados por meio da idealização dos indígenas e de sua cultura, assimilados a padrões europeus de excelência física e moral. b) Uma das interpretações para o nome da heroína do romance de José de Alencar é de que seja um anagrama de América. Isto é, o nome da heroína possui as mesmas letras de América dispostas em outra ordem. Partindo dessa interpretação, explique o que distingue a referência à América no romance daquela que é feita na canção. RESOLUÇÃO: No romance Iracema, lenda do Ceará, o jogo anagramático com o nome da heroína é, evidentemente, uma referência ao Brasil ou, genericamente, à América do Sul. Já em Iracema voou, o anagrama funciona como referência à América do Norte ou, mais especificamente, aos Estados Unidos. b) Tudo em Iracema nos parece primitivo; a ingenuidade dos sentimentos, o pitoresco da linguagem, tudo, até a parte narrativa do livro, que nem parece obra de um poeta moderno, mas uma história de bardo1 indígena, contada aos irmãos, à porta da cabana, aos últimos raios do sol que se entristece. (Adaptado de Machado de Assis, Crítica Literária) 1 – Bardo: poeta heroico, entre os celtas e gálios; por extensão, qualquer poeta, trovador etc. No trecho, Machado de Assis afirma que a narração de Iracema não parece ter sido feita por um “poeta moderno”, mas, sim, por um “bardo indígena”. Essa afirmação se justifica? Explique sucintamente. RESOLUÇÃO: A afirmação é pertinente, pois o estilo de Iracema procura incorporar a linguagem e a cosmovisão indígenas. A tentativa de simular a cosmovisão indígena é visível, por exemplo, na marcação temporal, que toma como parâmetro os ciclos da natureza. A apropriação da linguagem aborígine ocorre nos nomes próprios, nas aglutinações lexicais, nas perífrases e nas comparações com elementos da natureza. – 27 PORTUGUÊS E E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 27 E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 28 4. (UNICAMP-SP) – O trecho abaixo foi extraído de Iracema. Ele reproduz a reação e as últimas palavras de Batuiretê antes de morrer: PORTUGUÊS E O velho soabriu as pesadas pálpebras e passou do neto ao estrangeiro um olhar baço. Depois o peito arquejou e os lábios murmuraram: — Tupã quis que estes olhos vissem, antes de se apagarem, o gavião branco junto da narceja. O abaeté derrubou a fronte aos peitos e não falou mais, nem mais se moveu. (ALENCAR, José de. Iracema: lenda do Ceará. Rio de Janeiro, MEC/INL, 1965, p. 171-172.) a) Quem é Batuiretê? RESOLUÇÃO: Batuiretê fora grande guerreiro e líder dos pitiguaras. Em razão da idade, deixa de guerrear e transfere a liderança do grupo ao filho Jatobá, pai de Poti. Batuiretê torna-se então uma espécie de conselheiro, sábio ou, melhor, oráculo de guerra para os de sua tribo. Daí o nome tupi com que a personagem é denominada: Maranguab, que, nas palavras do neto Poti (nesse mesmo capítulo), significa “o grande sabedor da guerra”. c) Explique o sentido da metáfora empregada por Batuiretê em sua fala. RESOLUÇÃO: Batuiretê refere-se, por meio da expressão “o gavião branco junto da narceja”, à dominação branca e à submissão do índio, numa premonição trágica do destino de seu povo. b) Identifique as personagens a quem ele se dirige e indique os papéis que desempenham no romance. RESOLUÇÃO: O “neto” referido no texto é o guerreiro pitiguara Poti, que é amigo e aliado do coprotagonista (Martim Soares Moreno) e o auxilia tanto no estabelecimento da civilização portuguesa no Ceará, como no episódio romanesco entre o guerreiro português e a virgem tabajara. Sob o nome de batismo de Antônio Felipe Camarão, transforma-se de personagem ficcional em personagem histórica, participante da luta pela expulsão dos holandeses. É o índio assimilado à civilização: Antônio (santo da devoção), Felipe (rei de Espanha, Felipe III, à época da União Ibérica, em que ocorre o romance, 1604-1611). O “estrangeiro”, referido em seguida, é Martim Soares Moreno, representante do Estado português, guerreiro branco e agente da civilização cristã na colonização do Ceará. É o elemento que, ao se introduzir no universo indígena e consorciar-se com a “virgem de Tupã”, contribui para a destruição da América primitiva. 28 – E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 29 10 Literatura e Análise de Textos Literários (IV) 2. (UNIFESP-SP-2011) – Neste fragmento do poema, a) o poeta se vale do recurso ao paralelismo de construção apenas na primeira estrofe. b) o eu poemático aborda o problema da escravidão segundo um jogo de intensas oposições. c) os animais evocados — leão, jaguar e serpente — têm, respectivamente, sentidos denotativo, denotativo e metafórico. d) o tom geral assumido pelo poeta revela um misto de emoção, vigor e resignação diante da escravidão. e) os versos são constituídos alternadamente por sete e oito sílabas poéticas. Texto para os testes 1 e 2. Ontem a Serra Leoa, A guerra, a caça ao leão, O sono dormido à toa Sob as tendas d’amplidão! Hoje... o porão negro, fundo, Infecto, apertado, imundo, Tendo a peste por jaguar... E o sono sempre cortado Pelo arranco de um finado, E o baque de um corpo ao mar... Ontem plena liberdade, A vontade por poder... Hoje... cúm’lo de maldade, Nem são livres pra morrer... Prende-os a mesma corrente — Férrea, lúgubre serpente — Nas roscas da escravidão. E assim roubados à morte, Dança a lúgubre coorte Ao som do açoite... Irrisão!... (Castro Alves, fragmento de O Navio Negreiro – tragédia no mar) RESOLUÇÃO: a) Incorreta. O paralelismo mantém-se na segunda estrofe, pois o texto continua estruturado em oposições que envolvem o passado e o presente dos africanos trazidos para o Brasil. b) Correta. c) Incorreta. Em “caça ao leão”, temos sentido denotativo, pois o substantivo leão refere-se ao animal; em “tendo a peste por jaguar”, há metáfora que associa a peste ao felino; em “lúgubre serpente”, também há metáfora, pois se associa a uma serpente a corrente que prende os escravos. d) Incorreta. Não há resignação, mas sim indignação do poeta, notadamente em vocábulos de teor semântico negativo, como lúgubre, infecto, imundo etc. e) Incorreta. Todos os versos são constituídos por sete sílabas métricas. Resposta: B Texto para os testes de 3 a 6. 1. (UNIFESP-SP-2011) – Considere as seguintes afirmações. I. O texto é um exemplo de poesia carregada de dramaticidade, própria de um poeta-condor, que mostra conhecer bem as lições do “mestre” Victor Hugo. II. Trata-se de um poema típico da terceira fase romântica, voltado para auditórios numerosos, em que se destacam a preocupação social e o tom hiperbólico. III. É possível reconhecer neste fragmento, de um longo poema de teor abolicionista, o gosto romântico por uma poesia de recursos sonoros. Está correto o que se afirma em a) I, apenas. b) II, apenas. d) I e II, apenas. e) I, II e III. c) III, apenas. RESOLUÇÃO: Castro Alves vincula-se à terceira geração de poetas românticos brasileiros, influenciada pelo escritor francês Victor Hugo. Tomado por forte desejo de liberdade, o poeta aborda questões sociais e desenvolve, no texto, tema de teor abolicionista, em linguagem grandiloquente, dirigida a um grande público, empregando recursos sonoros, como a repetição de sons sibilantes, lembrando o som do chicote a cortar o ar, em “Ao som do açoite... Irrisão!...” Resposta: E (...) Um poeta dizia que o menino é o pai do homem. Se isto é verdade, vejamos alguns lineamentos do menino. Desde os cinco anos merecera eu a alcunha de “menino diabo”; e verdadeiramente não era outra coisa; fui dos mais malignos do meu tempo, arguto, indiscreto, traquinas e voluntarioso. Por exemplo, um dia quebrei a cabeça de uma escrava, porque me negara uma colher do doce de coco que estava fazendo, e, não contente com o malefício, deitei um punhado de cinza ao tacho, e, não satisfeito da travessura, fui dizer à minha mãe que a escrava é que estragara o doce “por pirraça”; e eu tinha apenas seis anos. Prudêncio, um moleque de casa, era o meu cavalo de todos os dias; punha as mãos no chão, recebia um cordel nos queixos, à guisa de freio, eu trepava-lhe ao dorso, com uma varinha na mão, fustigava-o, dava mil voltas a um e outro lado, e ele obedecia — algumas vezes gemendo —, mas obedecia sem dizer palavra, ou, quando muito, um — “ai, nhonhô!” —, ao que eu retorquia: “Cala a boca, besta!” — Esconder os chapéus das visitas, deitar rabos de papel a pessoas graves, puxar pelo rabicho das cabeleiras, dar beliscões nos braços das matronas e outras muitas façanhas deste jaez eram mostras de um gênio indócil, mas devo crer que eram também expressões de um espírito robusto, porque meu pai tinha-me em grande admiração; e se às vezes me repreendia, à vista de gente, fazia-o por simples formalidade: em particular dava-me beijos. Não se conclua daqui que eu levasse todo o resto da minha vida a quebrar a cabeça dos outros nem a esconder-lhes os chapéus; mas opiniático, egoísta e algo contemptor dos homens, isso fui; se não passei o tempo a esconder-lhes os chapéus, alguma vez lhes puxei pelo rabicho das cabeleiras. (Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas) – 29 PORTUGUÊS E MÓDULO E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 30 PORTUGUÊS E 3. (UNIFESP-SP-2011) – Indique a frase que, no contexto do fragmento, ratifica o sentido de “o menino é o pai do homem”, citação inicial do narrador. a) “fui dos mais malignos do meu tempo” b) “um dia quebrei a cabeça de uma escrava” c) “deitei um punhado de cinza ao tacho” d) “fustigava-o, dava mil voltas a um e outro lado” e) “alguma vez lhes puxei pelo rabicho das cabeleiras” RESOLUÇÃO: Além de os dois textos abordarem o tema da escravidão, com visão crítica da realidade, e representarem o homem como vítima do homem, há, no poema, exploração do ritmo da frase, versos redondilhos maiores e, na prosa de Machado, sequência de orações curtas, que imprimem velocidade ao texto na enumeração das atitudes de Brás Cubas em relação a Prudêncio, e, também, frases que alternam sílabas tônicas e átonas, como “ai, nhonhô!” e “Cala a boca, besta!”. Resposta: C RESOLUÇÃO: No texto, a citação inicial do narrador — “o menino é o pai do homem” — é confirmada em “(...) alguma vez lhes puxei pelo rabicho das cabeleiras”, referindo-se ao fato de que seu comportamento infantil, que lhe fez merecedor da alcunha “menino diabo”, perdurou até ele se tornar adulto, como fica dito no final do texto. Resposta: E Texto para os testes 7 e 8. Crescia naturalmente Fazendo estripulia, Malino e muito arguto, Gostava de zombaria. A cabeça duma escrava Quase arrebentei um dia. 4. (UNIFESP-SP-2011) – É correto afirmar que a) se trata basicamente de um texto naturalista, fundado no Determinismo. b) o texto revela um juízo crítico do contexto escravista da época. c) o narrador se apresenta bastante sisudo e amargo, bem ao gosto machadiano. d) o texto apresenta papéis sociais ambíguos das personagens em foco. e) os comportamentos desumanos do narrador são sutilmente desnudados. E tudo isso porque Um doce me havia negado, De cinza no tacho cheio Inda joguei um punhado, Daí porque a alcunha De “Menino Endiabrado”. RESOLUÇÃO: O texto representa de forma corrosivamente crítica o contexto escravista da época em que se passa a história, e mesmo da época de sua publicação (1881). Resposta: B 5. (UNIFESP-SP-2011) – Para reforçar a caracterização do “menino diabo” atribuída ao narrador, é utilizado principalmente o seguinte recurso estilístico: a) amplo uso de metáforas que se reportam aos comportamentos negativos do menino. b) seleção lexical que emprega muitos vocábulos raros à época, particularmente os adjetivos. c) recurso frequente ao discurso direto para exemplificar as traquinagens do garoto. d) utilização recorrente de orações coordenadas sindéticas aditivas. e) emprego significativo de orações subordinadas adjetivas restritivas. RESOLUÇÃO: Há diversas orações coordenadas aditivas introduzidas pela conjunção e (por exemplo: “e, não contente com o malefício, deitei um punhado de cinza ao tacho, e, não satisfeito da travessura, fui dizer à minha mãe que a escrava é que estragara o doce “por pirraça”; e eu tinha apenas seis anos”), empregadas na enumeração das traquinagens da personagem, servindo o polissíndeto como recurso intensificador. Resposta: D 6. (UNIFESP-SP-2011) – Compare o trecho de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, com o fragmento do poema O Navio Negreiro – tragédia no mar, de Castro Alves. Indique a alternativa que apresenta aspectos observáveis nos dois textos. a) Tema da escravidão, contenção expressional, exploração do ritmo da frase, visão crítica da realidade. b) Ironia, exploração do ritmo da frase, intertextualidade explícita, denúncia de problemas sociais. c) Tema da escravidão, visão crítica da realidade, exploração do ritmo da frase, representação do homem como objeto do homem. d) Estilo apurado, visão crítica da realidade, representação do homem como objeto do homem, intertextualidade explícita. e) Tema da escravidão, tom arrebatado, visão crítica da realidade, estilo apurado. 30 – Prudêncio era um menino Da casa, que agora falo. Botava suas mãos no chão Pra poder depois montá-lo: Com um chicote na mão Fazia dele um cavalo. (Varneci Nascimento, Memórias Póstumas de Brás Cubas em Cordel) 7. (UNIFESP-SP-2011) – A versão modificada, adaptada à oralidade — como usualmente se dá na produção da literatura de cordel —, apresenta termos semelhantes aos do texto original de Machado de Assis, os quais podem ser identificados em todas as palavras da alternativa a) malino, botava, inda, pra. b) estripulia, malino, inda, pra. c) estripulia, zombaria, inda, daí. d) zombaria, botava, inda, pra. e) malino, botava, zombaria, daí. RESOLUÇÃO: O termo malino corresponde, no texto de Machado de Assis, a malignos; botava, a punha; embora a Banca Examinadora tenha dado a alternativa a como resposta a este teste, as palavras inda e pra não têm equivalentes no texto de Machado de Assis. [Cabe ressaltar que a alternativa b apresenta a palavra estripulia, que corresponderia, no texto de Machado, à palavra travessura.] Resposta: A 8. I. II. III. (UNIFESP-SP-2011) – Considere as seguintes afirmações: Os versos do poema possuem sete sílabas poéticas. O poema é composto por três sextilhas. As três estrofes obedecem ao esquema de rimas ABCBDB. Está correto o que se afirma em a) I, apenas. b) II, apenas. d) I e II, apenas. e) I, II e III. c) III, apenas. RESOLUÇÃO: Os versos são agrupados em sextilhas, estrofes de seis versos, e apresentam sete sílabas métricas (são redondilhos maiores ou heptassílabos). O esquema de rimas ABCBDB mantém-se apenas nas duas primeiras estrofes; na terceira, há alteração: ABCBCB. Resposta: D E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 31 MÓDULO 11 Literatura e Análise de Textos Literários (V) Era a comadre uma mulher baixa, excessivamente gorda, bonachona, ingênua ou tola até um certo ponto, e finória até outro; vivia do ofício de parteira, que adotara por curiosidade, e benzia de quebranto; todos a conheciam por muito beata e pela mais desabrida papa-missas da cidade. Era a folhinha mais exata de todas as festas religiosas que aqui se faziam; sabia de cor os dias em que se dizia missa em tal ou tal igreja, como a hora e até o nome do padre; era pontual à ladainha, ao terço, à novena, ao setenário; não lhe escapava via-sacra, procissão, nem sermão; trazia o tempo habilmente distribuído e as horas combinadas, de maneira que nunca lhe aconteceu chegar à igreja e achar já a missa no altar. De madrugada começava pela missa da Lapa; apenas acabava ia à das oito na Sé, e daí saindo pilhava ainda a das nove em Santo Antônio. O seu traje habitual era, como o de todas as mulheres da sua condição e esfera, uma saia de lila preta, que se vestia sobre um vestido qualquer, um lenço branco muito teso e engomado ao pescoço, outro na cabeça, um rosário pendurado no cós da saia, um raminho de arruda atrás da orelha, tudo isto coberto por uma clássica mantilha, junto à renda da qual se pregava uma pequena figa de ouro ou de osso. (...) (...) a mantilha era o traje mais conveniente aos costumes da época; sendo as ações dos outros o principal cuidado de quase todos, era muito necessário ver sem ser visto. A mantilha para as mulheres estava na razão das rótulas para as casas; eram o observatório da vida alheia. (...) (...) Nesta ocasião levantava-se a Deus, e as duas beatas interromperam a conversa [sobre o afilhado da comadre] para bater nos peitos. Era uma delas a vizinha do compadre, que prognosticava mau fim ao menino e com quem ele prometera fazer uma estralada; a outra era uma das que tinham estado na função do batizado. A comadre, apenas ouviu isso, foi procurar o compadre; não se pense, porém, que a levara a isso outro interesse que não fosse a curiosidade; queria saber o caso com todos os menores detalhes; isso lhe dava longa matéria para a conversa na igreja e para entreter as parturientes que se confiavam aos seus cuidados. (Manuel Antônio de Almeida, Memórias de um Sargento de Milícias) 1. (VUNESP-SP) – O sincretismo religioso, isto é, a “fusão de diferentes cultos ou doutrinas religiosas” (cf. Dicionário Houaiss) era comum em nossa cultura, na época retratada na obra de Manuel Antônio de Almeida. A descrição da comadre, feita com vivacidade pelo enunciador do texto, permite afirmar que ela é dada a essa prática? Justifique sua resposta, com base em uma passagem do texto. PORTUGUÊS E As questões de números 1 a 3 tomam por base um fragmento do livro Memórias de um Sargento de Milícias, escrito por Manuel Antônio de Almeida (1831-1861). 2. (VUNESP-SP) – Ao referir-se ao fato de a comadre procurar o compadre, a fim de conversar sobre o afilhado, o enunciador fornece a mesma explicação dada à razão de ela abraçar o ofício de parteira. Identifique essa explicação, relacionando-a com os costumes da época, especialmente com o uso da mantilha pelas mulheres. RESOLUÇÃO: Tanto o ofício de parteira que a Comadre adotara quanto a sua ida à casa do Compadre tinham o mesmo motivo: a curiosidade, ou seja, a preocupação em buscar todos os detalhes sobre a vida alheia. Para isso, a mantilha, peça do vestuário muito comum no tempo da narrativa e que consistia em uma faixa de tecido que cobria como um véu o rosto das mulheres, permitia que elas vissem os outros sem serem vistas. É o que pode ser confirmado no segundo parágrafo: “a mantilha era o traje mais conveniente aos costumes da época; sendo as ações dos outros o principal cuidado [preocupação] de quase todos, era muito necessário ver sem ser visto.” 3. (VUNESP-SP) – A comadre é apresentada, entre várias características, como uma mulher que cumpria rigorosamente os horários. Transcreva duas passagens do fragmento em que essa qualidade está explícita, referindo-se à participação da personagem nas missas. RESOLUÇÃO: Os trechos que comprovam a pontualidade da Comadre em relação a missas são os seguintes (todos retirados do primeiro parágrafo): (1) “sabia de cor os dias em que se dizia missa em tal ou tal igreja, como a hora e até o nome do padre”; (2) “trazia o tempo habilmente distribuído e as horas combinadas, de maneira que nunca lhe aconteceu chegar à igreja e achar já a missa no altar. De madrugada começava pela missa da Lapa; apenas acabava ia à das oito na Sé, e daí saindo pilhava ainda a das nove em Santo Antônio.” RESOLUÇÃO: No trecho “...e benzia de quebranto; todos a conheciam por muito beata e pela mais desabrida papa-missas da cidade” (primeiro parágrafo), percebe-se, na caracterização da Comadre, o sincretismo religioso, ou seja, a fusão de práticas religiosas diferentes, pois a personagem tanto fazia rezas para afastar supostas influências de espíritos malignos (“benzia de quebranto”), uma atividade que a ligava à feitiçaria, quanto frequentava com grande assiduidade as festas e os rituais ligados à Igreja Católica (missas, ladainhas, terços, novenas, via-sacra, procissão, sermão). – 31 E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 32 PORTUGUÊS E 4. (FUVEST-SP) – Leia o trecho de abertura de Memórias de um Sargento de Milícias e responda ao que se pede. 5. (UNICAMP-SP) – O trecho abaixo pertence ao capítulo XLV (“Empenhos”), de Memórias de um Sargento de Milícias. Era no tempo do rei. Uma das quatro esquinas que formam as ruas do Ouvidor e da Quitanda, cortando-se mutuamente, chamava-se nesse tempo — O canto dos meirinhos —; e bem lhe assentava o nome, porque era aí o lugar de encontro favorito de todos os indivíduos dessa classe (que gozava então de não pequena consideração). Os meirinhos de hoje não são mais do que a sombra caricata dos meirinhos do tempo do rei; esses eram gente temível e temida, respeitável e respeitada; formavam um dos extremos da formidável cadeia judiciária que envolvia todo o Rio de Janeiro no tempo em que a demanda era entre nós um elemento de vida: o extremo oposto eram os desembargadores. (Manuel Antônio de Almeida, Memórias de um Sargento de Milícias) a) A frase “Era no tempo do rei” refere-se a um período histórico determinado e possui, também, uma conotação marcada pela indeterminação temporal. Identifique tanto o período histórico a que se refere a frase quanto a mencionada conotação que ela também apresenta. Isto tudo vem para dizermos que Maria-Regalada tinha um verdadeiro amor ao Major Vidigal; o Major pagava-lho na mesma moeda. Ora, D. Maria era uma das camaradas mais do coração de MariaRegalada. Eis aí por que falando dela D. Maria e a comadre se mostraram tão esperançadas a respeito da sorte do Leonardo. Já naquele tempo (e dizem que é defeito do nosso) o empenho, o compadresco, era uma mola real de todo o movimento social. (ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um Sargento de Milícias. Cotia, Ateliê Editorial, 2000, p. 319.) RESOLUÇÃO: O período histórico a que se refere a frase é o que se inicia com a chegada da família real portuguesa ao Brasil, em 1808, sendo D. João VI o rei referido. A frase “Era no tempo do rei”, para além dessa referência histórica, associa-se à abertura formular de contos de fadas e semelhantes — “Era uma vez...” — e, nesse sentido, conota tempo e espaço indeterminados. a) Explique o “defeito” a que o narrador se refere. RESOLUÇÃO: O “defeito” referido pelo narrador é a ausência de fronteiras nítidas entre o interesse público e a vida privada, é a “dialética da malandragem”, expressão que o crítico Antonio Candido consagrou como caracterizadora da diluição dos limites que separam o “mundo da ordem” e o “mundo da desordem”, a lei e a contravenção, o dever funcional e o interesse pessoal. Por “empenho”, pode-se entender a troca de favores, o clientelismo, e por “compadresco”, o nepotismo que era “uma mola real de todo o movimento social”, como diz o narrador. b) Relacione o “defeito” com esse episódio, que envolveu o Major Vidigal e as três mulheres. b) No trecho aqui reproduzido, o narrador compara duas épocas diferentes: o seu próprio tempo e o tempo do rei. Esse procedimento é raro ou frequente no livro? Com que objetivo o narrador o adota? RESOLUÇÃO: Esse procedimento é frequente no livro, pois um dos objetivos do narrador é confrontar duas épocas — a sua (tempo da enunciação) e aquela em que ocorrem os fatos narrados (tempo do enunciado). 32 – RESOLUÇÃO: Preso pelo terrível Major Vidigal, chefe dos milicianos no Rio de Janeiro, Leonardo deveria ser, nos termos das leis e regulamentos, severamente punido. Intercedem em seu favor D. Maria, a Comadre e Maria-Regalada. As esperanças da tia de Luisinha e da madrinha estavam assentadas na percepção de que o Major Vidigal seria vulnerável ao apelo sensual de Maria-Regalada e ao “verdadeiro amor” que havia entre ambos. E, mais que isso, de que seria capaz de transgredir os seus deveres funcionais, não punindo Leonardo e, mais tarde, promovendo-o a sargento, para atender ao pleito da mulher que desejava. O “defeito” que nisso se revela é a diluição da ordem, o “jeitinho”, a superposição da vida e dos interesses pessoais aos deveres e obrigações legais. O diálogo (no capítulo XLVI) que se abre com o trecho “— Ora, a lei... O que é a lei, se o Sr. Major quiser?...” ilustra cabalmente o “defeito” em questão. E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 33 12 Literatura e Análise de Textos Literários (VI) As questões de números 1 a 3 baseiam-se num soneto de Antero de Quental (1842-1891) e numa fala de uma personagem de uma peça de Millôr Fernandes (1923). SOLEMNIA VERBA1 Disse ao meu coração: Olha por quantos Caminhos vãos andamos! Considera Agora, desta altura fria e austera, Os ermos que regaram nossos prantos... 1. (VUNESP-SP) – O soneto “Solemnia Verba” desenvolve-se como um diálogo entre duas personagens: o eu poemático e seu “coração”. O que simboliza, no poema, a personagem “coração”? RESOLUÇÃO: Em “Solemnia Verba”, o “coração” tem a função de servir como contraponto ao desencanto amargo do eu lírico. É, portanto, símbolo forte da esperança no amor — o Amor maiusculizado e entendido como força universal e esteio da existência, que consegue sobreviver até mesmo às situações mais inóspitas. Pó e cinzas, onde houve flor e encantos! E noite, onde foi luz de primavera! Olha a teus pés o mundo e desespera, Semeador de sombras e quebrantos! — Porém o coração, feito valente Na escola da tortura repetida, E no uso do penar tornado crente, Respondeu: Desta altura vejo o Amor! Viver não foi em vão, se é isto a vida, Nem foi demais o desengano e a dor. (QUENTAL, Antero de. Os Sonetos Completos de Antero de Quental. Porto, Livraria Portuense de Lopes, 1886, p. 119; primeira edição, disponível na internet em: http://purl.pt/122/1/P160.html.) 1 – Solemnia verba: palavras solenes. ATRIZ (Rindo forçosamente depois que os atores saem.) 2. (VUNESP-SP) – Os dois textos apresentados identificam-se por expressar, sob pontos de vista distintos, a decepção e o pessimismo do homem com relação à vida e ao mundo. Diferenciam-se, todavia, na atitude final que apresentam ante essa decepção. Releia-os, atentamente, e explique essa diferença de atitude. RESOLUÇÃO: No primeiro texto, Antero de Quental exprime uma postura orientada pela esperança, pois acredita que a dor constante da vida e a devastação gerada pelo homem são compensadas pela perspectiva final da existência, da qual se divisa o grande ideal do Amor. No segundo texto, Millôr Fernandes expressa uma atitude niilista, pois conclui que a espécie humana, extremamente agressiva, canalha e miserável, “não fará a mínima diferença à economia do cosmos” quando desaparecer. Tem gente que continua achando que a vida é uma piada. Ainda bem que tem gente que pensa que a vida é uma piada. Pior é a gente que pensa que o homem é o rei da criação. Rei da criação, eu, hein? Um assassino nato, usufruidor da miséria geral — se você come, alguém está deixando de comer, a comida não dá para todos, não — de que é que ele se ri? De que se ri a hiena? Se não for atropelado ficará no desemprego, se não ficar desempregado vai pegar um enfisema, será abandonado pela mulher que ama — mas ama, hein? —, arrebentado pelos filhos — pelos pais, se for filho —, mordido de cobra ou ficará impotente. E se escapar de tudo ficará velho, senil, babando num asilo. Piada, é? Pode ser que haja vida inteligente em outro planeta, neste, positivamente, não. O homem é o câncer da Terra. Estou me repetindo? Pois é: corrompe a natureza, fura túneis, empesta o ar, emporcalha as águas, apodrece tudo onde pisa. Fique tranquilo, amigo: o desaparecimento do ser humano não fará a mínima diferença à economia do cosmos. (FERNANDES, Millôr. Computa, Computador, Computa. 3.ª ed. Rio de Janeiro, Nórdica, 1972, p. 85.) – 33 PORTUGUÊS E MÓDULO E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 34 3. (VUNESP-SP) – Se um estudante emprega, numa dissertação, o verbo ter no sentido de “existir”, numa frase como “Tem muitos alunos na escola”, é penalizado na correção pelo professor, que recomenda nesse caso o emprego do verbo haver. O mesmo professor considerará perfeitamente normal que a personagem feminina da peça de Millôr Fernandes empregue, por duas vezes, “Tem gente”. Justifique por que essas atitudes do professor não são contraditórias. PORTUGUÊS E RESOLUÇÃO: As atitudes do professor não são contraditórias, pois se referem a contextos linguísticos diferentes. Quando, numa dissertação ou outro trabalho escolar, o professor condena o emprego do verbo ter no lugar de haver, ele está chamando a atenção do aluno para o fato de que o uso de ter, no sentido de “existir”, é popular e coloquial, só devendo ocorrer com propriedade em situações informais. Portanto, é perfeitamente aceitável, num contexto como o da peça teatral de Millôr Fernandes, que a personagem empregue a variante popular, porque esta condiz com o ambiente e a situação representados. O catecismo começou a infundir-me o temor apavorado dos oráculos obscuros. Eu não acreditava inteiramente. Bem pensando, achava que metade daquilo era invenção malvada do Sanches. E quando ele se punha a contar histórias de castidade, sem atenção à parvidade da matéria do preceito teológico, mulher do próximo, Conceição da Virgem, terceiro-luxúria, brados ao céu pela sensualidade contra a natureza, vantagens morais do matrimônio, e porque a carne, a inocente carne, que eu só conhecia condenada pela quaresma e pelos monopolistas do bacalhau, a pobre carne do beef, era inimiga da alma; quando retificava o meu engano, que era outra a carne e guisada de modo especial e muito especialmente trinchada, eu mordia um pedacinho de indignação contra as calúnias à santa cartilha do meu devoto credo. Mas a coisa interessava e eu ia colhendo as informações para julgar por mim oportunamente. Na tabuada e no desenho linear, eu prescindia do colega mais velho; no desenho, porque achava graça em percorrer os caprichosos traços, divertindo-me a geometria miúda como um brinquedo; na tabuada e no sistema métrico, porque perdera as esperanças de passar de medíocre como ginasta de cálculos e resolvera deixar a Maurílio ou a quem quer que fosse o primado das cifras. Em dois meses tínhamos vencido por alto a matéria toda do curso; e, com este preparo, sorria-me o agouro de magnífico futuro, quando veio a fatalidade desandar a roda. (POMPEIA, Raul. O Ateneu. Rio de Janeiro, Biblioteca Universal Popular, 1963.) 4. (VUNESP-SP) – Nesta passagem de O Ateneu, romance que a crítica literária ainda hesita em classificar dentro de um único estilo literário, a personagem narradora se refere ao ensino de religião cristã, desenho e matemática, mostrando atitudes diferentes com relação aos conteúdos de cada disciplina. Releia o texto e, a seguir, explique a razão de a personagem narradora declarar, no penúltimo parágrafo, que prescindia do colega mais velho no aprendizado de desenho. As questões de números 4 a 7 tomam por base um fragmento do romance O Ateneu, de Raul Pompeia (1863-1895), em que o narrador comenta suas reações ao ensino que recebia no colégio: O ATENEU A doutrina cristã, anotada pela proficiência do explicador, foi ocasião de dobrado ensino que muito me interessou. Era o céu aberto, rodeado de altares, para todas as criações consagradas da fé. Curioso encarar a grandeza do Altíssimo; mas havia janelas para o purgatório a que o Sanches se debruçava comigo, cuja vista muito mais seduzia. E o preceptor tinha um tempero de unção na voz e no modo, uma sobranceria de diretor espiritual, que fala do pecado sem macular a boca. Expunha quase compungido, fincando o olhar no teto, fazendo estalar os dedos, num enlevo de abstração religiosa; expunha, demorando os incidentes, as mais cabeludas manifestações de Satanás no mundo. Nem ao menos dourava os chifres, que me não fizessem medo; pelo contrário, havia como que o capricho de surpreender com as fantasias do Mal e da Tentação, e, segundo o lineamento do Sanches, a cauda do demônio tinha talvez dois metros mais que na realidade. Insinuou-me, é certo, uma vez, que não é tão feio o dito, como o pintam. 34 – RESOLUÇÃO: Diferentemente do que ocorria com o estudo da tabuada e do sistema métrico, matérias que já não seduziam o narrador, visto que ele se diz, nelas, um “medíocre” sem esperanças, o trabalho com o desenho o atraía e entretinha: “achava graça em percorrer os caprichosos traços, divertindo-me a geometria miúda como um brinquedo”. Este o motivo pelo qual, no caso, ele “prescindia do colega mais velho”, cujo auxílio lhe valia no estudo de religião e seria inútil no de matemática. 5. (VUNESP-SP) – No primeiro parágrafo, a personagem Sanches, aluno mais velho que atuava como espécie de preceptor para os estudos de Sérgio, o mais novo, refere-se a duas entidades da religião cristã, contextualizando valores opostos a cada uma delas. Identifique as duas entidades e os valores a que estão respectivamente associadas. 7. (VUNESP-SP) – Ao focalizar os pecados contra as virtudes estipuladas pela religião, no segundo parágrafo, o narrador de certo modo se diverte e faz um jogo de palavras com duas diferentes acepções de carne. Releia atentamente o parágrafo e explique esse jogo de palavras. RESOLUÇÃO: As entidades referidas são Deus (“o Altíssimo”) e Satanás. Os valores a que estão associadas tais entidades são o Bem (a virtude), no caso de Deus, e o Mal, a Tentação (o pecado), no caso de Satanás. RESOLUÇÃO: Quando se falava em “pecados da carne”, a ingenuidade do narrador o levava a pensar em carne bovina, que era a referência única da palavra em seu repertório infantil. Seu instrutor em matéria religiosa, que se enlevava na exposição das “mais cabeludas manifestações de Satanás no mundo”, corrigia-o pressurosamente, esclarecendo tratar-se de outra “carne”, que se prepara e come de outra maneira... Tais esclarecimentos eram para o menino, ao mesmo tempo, motivo de indignação e interesse. 6. (VUNESP-SP) – Embora no uso popular a palavra agouro apresente muitas vezes a acepção de “previsão ruim”, seu significado original não tem essa marca pejorativa, mas, simplesmente, o de prognóstico, previsão, predição, augúrio. Leia atentamente o último parágrafo do fragmento de O Ateneu e, a seguir, explique, comprovando com base em elementos do contexto, em que sentido o narrador empregou a palavra agouro. RESOLUÇÃO: O contexto em que se encontra a palavra agouro, núcleo do sujeito da oração, é enfaticamente positivo, seja no verbo metafórico — “sorria-me” — que constitui o seu predicado —, seja no complemento nominal que a acompanha — “de magnífico futuro”. Portanto, o sentido de agouro só pode ser “prognóstico, previsão”, sem qualquer traço negativo. – 35 PORTUGUÊS E E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 35 E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 36 MÓDULO 13 Literatura e Análise de Textos Literários (VII) PORTUGUÊS E 1. (FUVEST-SP-2011) – Leia o excerto de A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós, e responda ao que se pede. b) Tendo em vista o contexto histórico da obra, por que é Paris a cidade escolhida para representar a vida urbana? Explique sucintamente. Era um domingo silencioso, enevoado e macio, convidando às voluptuosidades da melancolia. E eu (no interesse da minha alma) sugeri a Jacinto que subíssemos à basílica do Sacré-Coeur, em construção nos altos de Montmartre. (...) Mas a basílica em cima não nos interessou, abafada em tapumes e andaimes, toda branca e seca, de pedra muito nova, ainda sem alma. E Jacinto, por um impulso bem jacíntico, caminhou gulosamente para a borda do terraço, a contemplar Paris. Sob o céu cinzento, na planície cinzenta, a cidade jazia, toda cinzenta, como uma vasta e grossa camada de caliça* e telha. E, na sua imobilidade e na sua mudez, algum rolo de fumo**, mais tênue e ralo que o fumear de um escombro mal apagado, era todo o vestígio visível de sua vida magnífica. RESOLUÇÃO: Paris foi a “capital do século XIX”: ao mesmo tempo um grande centro cultural e a cidade progressista por excelência, em razão das reformas urbanas de Haussmann, da incorporação à vida das últimas novidades tecnológicas, do prestígio de sua vida social, que justificavam seu poder irradiador de modas de todo tipo. *Caliça: pó ou fragmentos de argamassa ressequida que sobram de uma construção ou resultam da demolição de uma obra de alvenaria. **Fumo: fumaça. a) Em muitas narrativas, lugares elevados tornam-se locais em que se dão percepções extraordinárias ou revelações. No contexto da obra, é isso que irá acontecer nos “altos de Montmartre”, referidos no trecho? Justifique sua resposta. RESOLUÇÃO: Nos “altos de Montmartre”, Jacinto, com Paris toda diante dos olhos, tem como uma “revelação” da natureza ilusória e perversa da grande cidade e, pela primeira vez, cede, ou começa a ceder, à visão crítica de Zé Fernandes. c) Sintetizando-se os termos com que, no excerto, Paris é descrita, que imagem da cidade finalmente se obtém? Explique sucintamente. RESOLUÇÃO: Em oposição à imagem convencional de uma Paris brilhante, rica e dinâmica, a cidade “jazia, toda cinzenta”, diante dos olhos dos protagonistas que a contemplavam de longe, sem ser envolvidos por seu ritmo febril nem iludidos por seus encantos inconsistentes. 36 – E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 37 — Sabes o que eu estava pensando, Jacinto?... Que te aconteceu aquela lenda de Santo Ambrósio... Não, não era Santo Ambrósio... Não me lembra o santo. Ainda não era mesmo santo, apenas um cavaleiro pecador, que se enamorara de uma mulher, pusera toda a sua alma nessa mulher, só por a avistar a distância na rua. Depois, uma tarde que a seguia, enlevado, ela entrou num portal de igreja, e aí, de repente, ergueu o véu, entreabriu o vestido e mostrou ao pobre cavaleiro o seio roído por uma chaga! Tu também andavas namorado da serra, sem a conhecer, só pela sua beleza de verão. E a serra, hoje, zás! de repente, descobre a sua grande chaga... É talvez a tua preparação para S. Jacinto. (QUEIRÓS, Eça de. A Cidade e as Serras. São Paulo, Ateliê Editorial, 2007, p. 252.) 3. (FUVEST-SP) – Os romances de Eça de Queirós costumam apresentar críticas a aspectos importantes da sociedade portuguesa, frequentemente acompanhadas de propostas (explícitas ou implícitas) de reforma social. Em A Cidade e as Serras, a) qual o aspecto que se critica nas elites portuguesas? RESOLUÇÃO: Critica-se o abandono da terra natal, visto que essas elites se deixavam seduzir pela cultura francesa, pelo ócio endinheirado e por uma ideia de civilização como “armazenamento” de comodidades, para seu exclusivo benefício. Pode-se dizer que a crítica se dirige à alienação das elites portuguesas perante os problemas sociais em seu país. a) Explique a comparação feita por Zé Fernandes. Especifique a que chaga ele se refere. RESOLUÇÃO: Zé Fernandes compara a visão que Jacinto tem da serra à imagem que o santo ou cavaleiro pecador tem de uma mulher: há em ambas as situações o enlevo inicial e o choque com a descoberta de uma chaga. Deve-se entender, no caso de Jacinto, que chaga é uma metáfora que representa a fome, as doenças e a miséria que existiam na serra. b) qual é a relação, segundo preconiza o romance, que essas elites deveriam estabelecer com as classes subalternas? RESOLUÇÃO: A proposta do romance é uma reforma social, encabeçada pelos mais privilegiados, que promovesse a assistência social por meio do amparo e proteção aos menos favorecidos. Quando Jacinto, o protagonista do romance, teve seu apelido mudado de “Príncipe da Grã-Ventura” para “Pai dos Pobres”, esse caráter paternalista fica evidenciado, como se viu na resposta à questão 1, item b. b) Que significado a descoberta dessa chaga tem para Jacinto e para a compreensão do romance? RESOLUÇÃO: A chaga é metáfora da pobreza, da má situação de vida dos camponeses lusos. Jacinto, ao descobrir essa “chaga”, procura resolver paternalistamente a situação social dos camponeses, torna-se o “pai dos pobres”, um “Dom Sebastião”, segundo João Torrado. Para a compreensão do romance, a descoberta dessa “chaga” indica a necessidade de melhorar as condições de vida no campo, mas sem afrontar a harmonia e a vitalidade da natureza. – 37 PORTUGUÊS E 2. (UNICAMP-SP) – Leia a seguir um trecho de A Cidade e as Serras: E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 38 PORTUGUÊS E Texto para as questões 4 e 5. Textos para a questão 6. No entanto Jacinto, desesperado com tantos desastres humilhadores — as torneiras que dessoldavam, os elevadores que emperravam, o vapor que se encolhia, a eletricidade que sumia, decidiu valorosamente vencer as resistências finais da matéria e da força por novas e mais poderosas acumulações de mecanismos. E nessas semanas de abril, enquanto as rosas desabrochavam, a nossa agitada casa, entre aquelas quietas casas dos Campos Elísios que preguiçavam ao sol, incessantemente tremeu, envolta num pó de caliça e de empreitada, com o bruto picar de pedra, o retininte martelar de ferro. Texto I 4. O trecho transcrito foi extraído do quinto capítulo de A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós, e se associa à crença que tem o protagonista, Jacinto, nos avanços técnicos como chave para a felicidade. Qual a relação que a visão queirosiana apresentada no trecho tem com o famoso ideal humanista (já presente, por exemplo, no episódio de “O Gigante Adamastor”, em Os Lusíadas, de Camões), segundo o qual o Homem existe para dominar a Natureza? RESOLUÇÃO: Eça de Queirós mostra de maneira irônica o fracasso da civilização do século XIX, pois esta não conseguiu realizar o ideal humanista de domínio da Natureza, como fica evidente no trecho transcrito, em que se alude à ineficiência de alguns artefatos. Desde o berço, onde a avó espalhava funcho e âmbar para afugentar a Sorte-Ruim, Jacinto medrou com segurança, a rijeza, a seiva rica dum pinheiro das dunas. Não teve sarampo e não teve lombrigas. As letras, a Tabuada, o Latim entraram por ele tão facilmente como o sol por uma vidraça. Entre os camaradas, nos pátios dos colégios, erguendo a sua espada de lata e lançando um brado de comando, foi logo o vencedor, o rei que se adula e a quem se cede a fruta das merendas. Texto II E nunca o meu Príncipe (que eu contemplava esticando os suspensórios) me pareceu tão corcovado, tão minguado, como gasto por uma lima que desde muito andasse fundamente limando. Assim viera findar, desfeita em Civilização, naquele super-requintado magricela sem músculo e sem energia, a raça fortíssima dos Jacintos! 6. É bastante conhecida a tese de Rousseau de que o Homem nasce bom, sendo a sociedade responsável por sua corrupção. Como essa afirmação pode ser associada aos excertos transcritos, extraídos de A Cidade e as Serras? RESOLUÇÃO: Os trechos mostram como Jacinto era, em sua infância, fase mais próxima de sua essência primitiva, cheio de energia, de vida. Civilizandose, ou seja, em contato mais intenso com a sociedade, perdeu sua vitalidade. 5. Na passagem transcrita, apesar de ela fazer parte da fase urbana da narrativa, a Natureza não deixa de, discretamente, estar presente, como em vários outros momentos do livro. Com base no excerto apresentado, explique como tal fato ocorre. RESOLUÇÃO: A Natureza está presente tanto na primeira parte (tese) como na segunda parte (antítese) de A Cidade e as Serras, nas descrições de ambientes, como se percebe, no trecho, em “enquanto as rosas desabrochavam”. 38 – E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 39 14 15 E Literatura e Análise de Textos Literários (VIII e IX) 1. (UNICAMP-SP-2011) – Leia o texto a seguir e responda ao que se pede. b) No emprego da segunda pessoa, não há coincidência do interlocutor. Indique duas marcas linguísticas que evidenciam essa não coincidência, explicitando qual é o interlocutor em cada caso. ENTRE LUZ E FUSCO RESOLUÇÃO: Em “a malícia está antes na tua cabeça perversa”, o pronome de segunda pessoa refere-se ao leitor, interlocutor cuja presença no texto é evidenciada pelo teor metalinguístico do trecho. Em “a vocação eras tu, a investidura eras tu”, o vocativo anterior — “oh! minha doce companheira da meninice” — explicita a referência à personagem Capitu. Entre luz e fusco, tudo há de ser breve como esse instante. Nem durou muito a nossa despedida, foi o mais que pôde, em casa dela, na sala de visitas, antes do acender das velas; aí é que nos despedimos de uma vez. Juramos novamente que havíamos de casar um com o outro, e não foi só o aperto de mão que selou o contrato, como no quintal, foi a conjunção das nossas bocas amorosas... talvez risque isso na impressão, se até lá não pensar de outra maneira; se pensar, fica. E desde já fica, porque, em verdade, é a nossa defesa. O que o mandamento divino quer é que não juremos em vão pelo santo nome de Deus. Eu não ia mentir ao seminário, uma vez que levava um contrato feito no próprio cartório do céu. Quanto ao selo, Deus, como fez as mãos limpas, assim fez os lábios limpos, e a malícia está antes na tua cabeça perversa que na daquele casal de adolescentes... oh! minha doce companheira da meninice, eu era puro, e puro fiquei, e puro entrei na aula de S. José, a buscar de aparência a investidura sacerdotal, e antes dela a vocação. Mas a vocação eras tu, a investidura eras tu. (ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. Cotia, Ateliê Editorial, 2008, p. 195-196.) a) Em que medida a imagem presente no título deste capítulo de Dom Casmurro define a natureza da narrativa do romance? RESOLUÇÃO: A expressão do título do capítulo pode ser entendida como definidora da natureza ambígua da narrativa de Dom Casmurro, em que o acontecimento central da história — o adultério de Capitu — resta incerto, indefinido, como “entre luz e fusco”, ou seja, na zona de sombra entre claridade e escuridão. 2. (UNICAMP-SP) – Leia o seguinte capítulo do romance Dom Casmurro, de Machado de Assis: CAPÍTULO XL UMA ÉGUA Ficando só, refleti algum tempo e tive uma fantasia. Já conheceis as minhas fantasias. Contei-vos a da visita imperial; disse-vos a desta casa do Engenho Novo, reproduzindo a de Matacavalos... A imaginação foi a companheira de toda a minha existência, viva, rápida, inquieta, alguma vez tímida e amiga de empacar, as mais delas capaz de engolir campanhas e campanhas, correndo. Creio haver lido em Tácito que as éguas iberas concebiam pelo vento; se não foi nele, foi noutro autor antigo, que entendeu guardar essa crendice nos seus livros. Neste particular, a minha imaginação era uma grande égua ibera; a menor brisa lhe dava um potro, que saía logo cavalo de Alexandre; mas deixemos de metáforas atrevidas e impróprias dos meus quinze anos. Digamos o caso simplesmente. A fantasia daquela hora foi confessar a minha mãe os meus amores para lhe dizer que não tinha vocação eclesiástica. A conversa sobre vocação tornavame agora toda inteira e, ao passo que me assustava, abria-me uma porta de saída. “Sim, é isto”, pensei; “vou dizer a mamãe que não tenho vocação e confesso o nosso namoro; se ela duvidar, conto-lhe o que se passou outro dia, o penteado e o resto...” (Dom Casmurro, in ASSIS, Machado de. Obra Completa em Quatro Volumes. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 2008, p. 975.) – 39 PORTUGUÊS E MÓDULOS E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 40 3. (UNICAMP-SP) – Leia a passagem abaixo, de Dom Casmurro: RESOLUÇÃO: A imaginação de Bentinho era muito fecunda, rápida e audaciosa, embora às vezes se mostrasse mais recolhida. A imagem das éguas iberas oferece diversos pontos de semelhança para sustentar a metáfora, sobretudo fertilidade, velocidade e arrojo. Se eu não olhasse para Ezequiel, é provável que não estivesse aqui escrevendo este livro, porque o meu primeiro ímpeto foi correr ao café e bebê-lo. Cheguei a pegar na xícara, mas o pequeno beijavame a mão, como de costume, e a vista dele, como o gesto, deu-me outro impulso que me custa dizer aqui; mas vá lá, diga-se tudo. Chamem-me embora assassino; não serei eu que os desdiga ou contradiga; o meu segundo impulso foi criminoso. Inclinei-me e perguntei a Ezequiel se já tomara café. (Dom Casmurro, in ASSIS, Machado de. Obra Completa. vol. 1, Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1979, p. 936.) PORTUGUÊS E a) Explique a metáfora empregada pelo narrador, neste capítulo, para caracterizar sua imaginação. a) Explique o “primeiro ímpeto” mencionado pelo narrador. RESOLUÇÃO: O “primeiro ímpeto” mencionado corresponde à sua vontade de suicidarse, bebendo o café envenenado. b) Por que o narrador admite que seu “segundo impulso” foi criminoso? RESOLUÇÃO: O “segundo impulso” foi criminoso porque o narrador, desistindo de suicidar-se, pensou em sugerir ao filho que tomasse o café envenenado, o que poderia justificar a sua designação de assassino. b) De que maneira a imaginação de Bentinho, assim caracterizada, se relaciona com a temática amorosa neste capítulo? E no romance? RESOLUÇÃO: Neste capítulo, Bentinho lembra que, quando adolescente, imaginou confessar à austera mãe, Dona Glória, o amor que ele tinha por Capitu, as primeiras carícias que trocara com ela e a falta de vocação que sentia em si para a vida eclesiástica. No romance, o fato de o narradorpersonagem ter uma imaginação fértil coloca sob suspeita a sua versão dos fatos, fundada na crença de que Escobar se tornara amante de Capitu e que Ezequiel seria fruto desse adultério. c) O episódio da xícara de café está diretamente relacionado com a redação do livro de memórias de Bento Santiago. Por quê? RESOLUÇÃO: As memórias de Bento Santiago, a sua autobiografia, configuram a modalidade do romance de confissão, na qual o eu-narrador recompõe o passado e o reinterpreta. Esta é, de início, a intenção do memorialista: “atar as duas pontas da vida”. Nesse sentido, a “procura do tempo perdido”, os atos falhos de suicídio e homicídio são instantes cruciais da tragédia emocional e conjugal do narrador, momento-limite entre o ser e o não ser, como ele confessa no início do parágrafo, e que condensam quase todos os recursos narrativos do vasto repertório de Dom Casmurro: a narração, a reflexão digressiva, o apelo ao leitor, o estilo ziguezagueante (“deu-me outro impulso que me custa dizer aqui; mas vá lá, diga-se tudo”), característico de um narrador problemático e indeciso. 40 – 4. (FUVEST-SP) — Você janta comigo, Escobar? — Vim para isto mesmo. Minha mãe agradeceu-lhe a amizade que me tinha e ele respondeu com muita polidez, ainda que um tanto atado, como se carecesse de palavra pronta. (...) Todos ficaram gostando dele. Eu estava tão contente como se Escobar fosse invenção minha. José Dias desfechou-lhe dois superlativos, tio Cosme dois capotes e prima Justina não achou tacha que lhe pôr; depois, sim, no segundo ou terceiro domingo, veio ela confessarnos que o meu amigo Escobar era um tanto metediço e tinha uns olhos policiais a que não escapava nada. — São os olhos dele, expliquei. — Nem eu digo que sejam de outro. — São olhos refletidos, opinou tio Cosme. — Seguramente, acudiu José Dias; entretanto, pode ser que a senhora D. Justina tenha alguma razão. A verdade é que uma coisa não impede outra, e a reflexão casa-se muito bem à curiosidade natural. Parece curioso, isso parece, mas... — A mim parece-me um mocinho muito sério, disse minha mãe. — Justamente! confirmou José Dias para não discordar dela. Quando eu referi a Escobar aquela opinião de minha mãe (sem lhe contar as outras, naturalmente), vi que o prazer dele foi extraordinário. Agradeceu, dizendo que eram bondades, e elogiou também minha mãe, senhora grave, distinta e moça, muito moça... Que idade teria? (Machado de Assis, Dom Casmurro) picácia na observação das relações de poder e conveniência, uma forma de sobreviver, da maneira mais favorável, num meio ao qual não pertence propriamente. Tio Cosme: é, também viúvo, o parente que se coloca sob o teto e a proteção da matriarca. Prima Justina: representa uma situação semelhante à de tio Cosme, e cabe observar que a agregação de ambos à estrutura familiar de Dona Glória se prende à convenção de que, viúva, a matriarca não deveria viver sob o mesmo teto com um homem solteiro, o agregado José Dias. Assim, convocados a se abrigar sob a proteção da viúva Santiago, serviam como “biombo”, que preservava o decoro e as aparências. a) Um crítico afirma que, “examinada em suas relações, a população de Dom Casmurro compõe uma parentela, uma dessas grandes moléculas sociais do Brasil tradicional, no centro da qual está um proprietário mais considerável, cercado de figuras que podem incluir, entre outros, um ou mais agregados, vizinhos com obrigações, comensais, parentes pobres em graus diversos, conhecidos que aspiram à proteção (...).” (Adaptado de Roberto Schwarz, Duas Meninas) Identifique o papel que cada uma das personagens que aparecem no trecho de Dom Casmurro desempenha na composição da referida “parentela”. RESOLUÇÃO: Escobar: representa a categoria dos “conhecidos que aspiram à proteção (...)”. O fragmento deixa patente a intenção da personagem de agradar e bajular o amigo que fez no seminário e, especialmente, a mãe deste, como se observa no último parágrafo. D. Glória (mãe de Bentinho): representa o que Roberto Schwarz denomina o centro da parentela, o “proprietário mais considerável”. Era uma viúva rica, cujo patrimônio provinha de rendimentos das propriedades e de escravos, arrendados ou alugados. Na visão do crítico, D. Glória compõe, com o círculo de parentes, agregados e dependentes em diversos graus, um microcosmo da sociedade brasileira no Segundo Reinado. José Dias: é o agregado, figura característica da estrutura patriarcal. É o homem que, não sendo escravo nem empregado, não era também parente, mas vivia sob a proteção do “senhor”, ao qual devia obediência e favores, retribuídos com trabalhos diversos e uma subserviência constante. Personagem das mais interessantes da galeria machadiana, é o “homem dos superlativos”, que “sabia opinar, obedecendo” e que foi agregado à família pelo falecido pai de Bentinho, a quem se apresentou como “médico homeopata”, atribuindo a si mesmo algumas curas. Vivendo desde então com a família, faz da esperteza, da dissimulação, da pers- – 41 PORTUGUÊS E E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 41 E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 42 PORTUGUÊS E b) Na conversação apresentada no trecho, as falas de José Dias refletem a posição social que ele ocupa nessa “parentela”? Justifique sua resposta. CXXXV OTELO RESOLUÇÃO: “— Seguramente, acudiu José Dias; entretanto, pode ser que a senhora D. Justina tenha alguma razão” e “— Justamente! confirmou José Dias para não discordar dela.” Essas duas intervenções do agregado são exemplares de sua posição subserviente e sua habilidade em “opinar obedecendo”. No primeiro instante, parece dar razão à Prima Justina, que identifica o caráter “um tanto metediço” e os “olhos policiais” de Escobar. No instante seguinte, contradiz-se e concorda também com D. Glória, a quem Escobar parecia “um mocinho muito sério”. Jantei fora. De noite fui ao teatro. Representava-se justamente Otelo, que eu não vira nem lera nunca; sabia apenas o assunto e estimei a coincidência. Vi as grandes raivas do mouro, por causa de um lenço — um simples lenço! —, e aqui dou matéria à meditação dos psicólogos deste e de outros continentes, pois não me pude furtar à observação de que um lenço bastou a acender os ciúmes de Otelo e compor a mais sublime tragédia deste mundo. Os lenços perderamse, hoje são precisos os próprios lençóis; alguma vez nem lençóis há, e valem só as camisas. Tais eram as ideias que me iam passando pela cabeça, vagas e turvas, à medida que o mouro rolava convulso, e Iago destilava a sua calúnia. Nos intervalos não me levantava da cadeira; não queria expor-me a encontrar algum conhecido. As senhoras ficavam quase todas nos camarotes, enquanto os homens iam fumar. Então eu perguntava a mim mesmo se alguma daquelas não teria amado alguém que jazesse agora no cemitério, e vinham outras incoerências, até que o pano subia e continuava a peça. O último ato mostrou-me que não eu, mas Capitu devia morrer. Ouvi as súplicas de Desdêmona, as suas palavras amorosas e puras, e a fúria do mouro, e a morte que este lhe deu entre aplausos frenéticos do público. 5. (FUVEST-SP) – O narrador afirma, no capítulo CXXXV, que “não vira nem lera nunca” Otelo e que estimou a coincidência, ao chegar ao teatro. a) A que coincidência está se referindo? RESOLUÇÃO: Bentinho alude à coincidência entre o seu drama pessoal, centrado no ciúme doentio e na suposta traição de sua esposa, e o núcleo dramático de Otelo, de Shakespeare, tragédia que se desenvolve em torno do mesmo tema. O romance machadiano estabelece com a peça clássica uma constante relação de intertextualidade. Já a partir da teoria do velho tenor Marcolini, exposta no capítulo IX, de que “a vida é uma ópera”, e endossada pelo narrador no capítulo seguinte, evidencia-se o paralelo, às vezes desdobrado em paródia, entre o romance e a encenação dramática. Bentinho/D. Casmurro é Otelo, Capitu é Desdêmona, Escobar é Cássio, e a consciência atormentada do narrador é Iago, a espicaçar-lhe o mórbido ciúme. Como admitia o narrador, ele primeiro constituiu, como numa montagem operística, um duo terníssimo, depois um trio, depois um quatuor. Textos para as questões de 5 a 10. LXXII UMA REFORMA DRAMÁTICA Nem eu, nem tu, nem ela, nem qualquer outra pessoa desta história poderia responder mais, tão certo é que o destino, como todos os dramaturgos, não anuncia as peripécias nem o desfecho. Eles chegam a seu tempo, até que o pano cai, apagam-se as luzes e os espectadores vão dormir. Nesse gênero há porventura alguma coisa que reformar, e eu proporia, como ensaio, que as peças começassem pelo fim. Otelo mataria a si e a Desdêmona no primeiro ato, os três seguintes seriam dados à ação lenta e decrescente do ciúme e o último ficaria só com as cenas iniciais da ameaça dos turcos, as explicações de Otelo e Desdêmona, e o bom conselho do fino Iago: “Mete dinheiro na bolsa.” Desta maneira, o espectador, por um lado, acharia no teatro a charada habitual que os periódicos lhe dão, porque os últimos atos explicariam o desfecho do primeiro, espécie de conceito, e, por outro lado, ia para a cama com uma boa impressão de ternura e de amor. 42 – E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 43 RESOLUÇÃO: Não há contradição. A ordem cronológica da ação do romance é truncada pelas digressões do narrador, que, posicionado no presente da narração, da escrita de suas memórias, interfere livremente no passado e na ação para comentá-los. A técnica impressionista de recompor o passado através de “manchas” de recordação permite, pela imposição do tempo psicológico, a fusão de presente e passado. O capítulo LXXII, de caráter metalinguístico, é uma reflexão do memorialista que interrompe e elucida a ação romanesca. O capítulo CXXXV integra a própria ação do romance, recapitulando o passado. Não há, portanto, qualquer contradição estrutural no fato de, no capítulo LXXII, o narrador revelar o conhecimento de uma peça que a personagem, na sequência da ação, só veria no capítulo CXXXV. Basta não confundir narrador e personagem. 7. (FUVEST-SP) – Como bom espectador, o narrador sabia que Desdêmona era inocente. Por que ele não se compadece da morte dela? RESOLUÇÃO: A tragédia de Shakespeare deixa patente a inocência de Desdêmona, e a prova incriminatória, o fatídico lenço, não passou de um ardil de Iago, que materializou, na consciência atormentada de Otelo, a convicção do adultério. Bentinho, contudo, está tão envolvido nas teias do ciúme, e o narrador é tão solidário com Otelo, que a inocência de Desdêmona é irrelevante. O narrador-personagem identifica-se com Otelo e, como ele, assume o papel do marido que, supondo-se traído, exerce sua “justa” vingança. É um indício da subjetividade do ponto de vista. 6. (FUVEST-SP) – “Os lenços perderam-se, hoje são precisos os próprios lençóis; alguma vez nem lençóis há, e valem só as camisas.” Por que o narrador contrapõe lençóis e camisas, de seu tempo, a lenços, do tempo da tragédia? 8. (FUVEST-SP) – “Ouvi as súplicas de Desdêmona, as suas palavras amorosas e puras, e a fúria do mouro, e a morte que este lhe deu entre aplausos frenéticos do público.” O modo como o narrador vê a reação do público revela algo. De que se trata? RESOLUÇÃO: Há, na contraposição entre os lenços do passado e os lençóis e camisas do presente, uma crítica à decadência dos costumes do tempo de enunciação de Dom Casmurro. Na época retratada por Shakespeare, bastavam indícios materiais para configurar o adultério; hoje (o presente da narração, da enunciação) são necessárias provas mais contundentes: a exibição da intimidade dos amantes, dos “lençóis”, das “camisas” (= peças íntimas). RESOLUÇÃO: O narrador, equivocadamente, interpreta os aplausos do público como aplausos ao ato de vingança de Otelo, como se o público estivesse assumindo o papel do príncipe mouro, solidário com sua ira. Na verdade, o público aplaudia o espetáculo, o desempenho dos atores, não a atitude do marido “traído”. É mais uma evidência da importância do foco narrativo na construção de Dom Casmurro. – 43 PORTUGUÊS E b) Ele já tornara a peça assunto do capítulo LXXII, mas apenas agora tem ocasião de vê-la. Do ponto de vista da estrutura do romance, isso implicaria alguma contradição? Justificar, se for o caso. E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 44 PORTUGUÊS E 9. (FUVEST-SP) – Quando o narrador propõe a reforma dramática, no capítulo LXXII, ele compara o destino aos dramaturgos. a) O que seria de uma tragédia, caso o dramaturgo lhe invertesse a trama? 10. (FUVEST-SP) – Ao comparar o destino humano ao destino das personagens de uma peça teatral, Machado retoma o tópos (lugarcomum literário) do Theatrum Mundi (o “teatro do mundo”, ou seja, o mundo como um teatro). Explique. RESOLUÇÃO: A solução ou a reforma aventada pelo narrador, invertendo-se o curso dos acontecimentos para que a ação desabasse em anticlímax, transformaria a tragédia de Otelo em comédia, ou em ópera-bufa, e a ação homicida e suicida da personagem descambaria no prosaico conselho pecuniário de Iago: “Mete dinheiro na bolsa”, numa velada crítica ao pragmatismo contemporâneo. RESOLUÇÃO: O tópos do mundo como um teatro é recorrente na literatura e remonta a Platão, que comparou o homem a um fantoche nas mãos de Deus. O mundo como um teatro significa que o homem não possui o controle total de seu próprio destino, assim como as personagens, manipuladas pelo dramaturgo, não podem alterar o desfecho a que são submetidas: “tão certo é que o destino, como todos os dramaturgos, não anuncia as peripécias nem o desfecho.” b) Na verdade, o que Bentinho buscaria reformar? RESOLUÇÃO: Ao propor sua reforma dramática, na qual a tragédia, satírica e parodisticamente, terminasse em happy end, o narrador-personagem, “pressentindo” sua tragédia pessoal, procuraria inverter o curso dos acontecimentos, interferindo no próprio destino, no curso da vida. Continua, portanto, fiel ao princípio que acatou, a partir da teoria do velho tenor Marcolini: “A vida é uma ópera.” A reforma que propõe o narrador é uma premonição do desfecho, que ele já conhece, e imagina reverter pelo discurso, pela encenação. 44 – E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 45 MÓDULO 16 Literatura e Análise de Textos Literários (X) (...) desde que Jerônimo propendeu para ela, fascinando-a com a sua tranquila seriedade de animal bom e forte, o sangue da mestiça reclamou os seus direitos de apuração, e Rita preferiu no europeu o macho de raça superior. O cavouqueiro, pelo seu lado, cedendo às imposições mesológicas, enfarava a esposa, sua congênere, e queria a mulata, porque a mulata era o prazer, a volúpia, era o fruto dourado e acre destes sertões americanos, onde a alma de Jerônimo aprendeu lascívias de macaco e onde seu corpo porejou o cheiro sensual dos bodes. Tendo em vista as orientações doutrinárias que predominam na composição de O Cortiço, identifique e explique aquela que se manifesta no trecho a e a que se manifesta no trecho b, a seguir: a) “o sangue da mestiça reclamou os seus direitos de apuração”. RESOLUÇÃO: É do Naturalismo a concepção de que o comportamento humano obedece ao determinismo de “raça”, ou seja, genético, como se demonstraria na propensão da mestiça, determinada por seu “sangue”, para o “macho de raça superior”. b) “cedendo às imposições mesológicas”. RESOLUÇÃO: As “imposições mesológicas” representam o determinismo do meio, ou seja, do ambiente, físico e social, sobre o comportamento humano. PORTUGUÊS E 1. (FUVEST-SP-2011) – Considere o seguinte excerto de O Cortiço, de Aluísio Azevedo, e responda ao que se pede. 2. (UNICAMP-SP-2011) – Pensando nos pares amorosos, já se afirmou que “há n’O Cortiço um pouco de Iracema coada pelo Naturalismo” (Antonio Candido, “De Cortiço em Cortiço”, em O Discurso e a Cidade, São Paulo, Duas Cidades, 1993, p. 142.). Partindo desse comentário, leia o trecho a seguir e responda às questões. O chorado arrastava-os a todos, despoticamente, desesperando aos que não sabiam dançar. Mas ninguém como a Rita; só ela, só aquele demônio tinha o mágico segredo daqueles movimentos de cobra amaldiçoada; aqueles requebros que não podiam ser sem o cheiro que a mulata soltava de si e sem aquela voz doce, quebrada, harmoniosa, arrogante, meiga e suplicante. (...) Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese das impressões que ele recebeu chegando aqui: ela era a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas da fazenda; era o aroma quente dos trevos e das baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras; era a palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma outra planta; era o veneno e era o açúcar gostoso; era o sapoti mais doce que o mel e era a castanha do caju, que abre feridas com o seu azeite de fogo; ela era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele, assanhandolhe os desejos, acordando-lhe as fibras embambecidas pela saudade da terra, picando-lhe as artérias, para lhe cuspir dentro do sangue uma centelha daquele amor setentrional, uma nota daquela música feita de gemidos de prazer, uma larva daquela nuvem de cantáridas que zumbiam em torno da Rita Baiana e espalhavam-se pelo ar numa fosforescência afrodisíaca. Isto era o que Jerônimo sentia, mas o que o tonto não podia conceber. De todas as impressões daquele resto de domingo só lhe ficou no espírito o entorpecimento de uma desconhecida embriaguez, não de vinho, mas de mel chuchurreado no cálice de flores americanas, dessas muito alvas, cheirosas e úmidas, que ele na fazenda via debruçadas confidencialmente sobre os limosos pântanos sombrios, onde as oiticicas trescalam um aroma que entristece de saudade. (...) E ela só foi ter com ele, levando-lhe a chávena fumegante da perfumosa bebida que tinha sido a mensageira dos seus amores; assentou-se ao rebordo da cama e, segurando com uma das mãos o pires e com a outra a xícara, ajudava-o a beber, gole por gole, enquanto seus olhos o acarinhavam, cintilantes de impaciência no antegozo daquele primeiro enlace. Depois, atirou fora a saia e, só de camisa, lançou-se contra o seu amado, num frenesi de desejo doido. (AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. Ficção Completa. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 2005, p. 498 e 581.) – 45 E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 46 a) Na descrição transcrita, identifique dois aspectos que permitem aproximar Rita Baiana de Iracema, mostrando os limites dessa semelhança. PORTUGUÊS E RESOLUÇÃO: Iracema, protagonista do romance homônimo de José de Alencar, e Rita Baiana, personagem de O Cortiço, assemelham-se porque são construídas como sínteses da natureza brasileira. Entretanto, se a primeira, como típica heroína romântica, é associada apenas a características enaltecedoras, idealizadas (“o favo da jati não era doce como o seu sorriso”, “mais rápida que a ema selvagem”), a segunda é ligada a elementos tanto positivos quanto negativos (“cobra amaldiçoada”, “voz arrogante”, “veneno”, “cobra verde e traiçoeira”). Outro ponto comum entre as duas personagens está na utilização que fazem de uma “poção” para consumar um processo de sedução: a primeira emprega o vinho da jurema; a segunda, o café. Há que se lembrar, no entanto, que a índia comete um sacrilégio ao usar a droga, pois a bebida era restrita a um ritual tabajara. O mesmo caráter pecaminoso não pode ser imputado a Rita Baiana. Pode-se ainda lembrar que a índia e a mulata, com seu “mel” (“lábios de mel”, no romance romântico, e “mel chuchurreado no cálice de flores americanas”, no naturalista), seduzem portugueses cujas “fibras” se encontram “embambecidas pela saudade da terra”. 46 – b) Identifique uma semelhança e uma diferença entre Jerônimo e Martim. RESOLUÇÃO: Martim e Jerônimo são portugueses que têm, pelo menos em parte da narrativa, saudade de sua terra natal, mas que acabam se radicando no Brasil. Esse processo de fixação é consequência do encantamento que sentem pelo novo mundo, metaforizado nas qualidades sedutoras das brasileiras que encontram, Iracema e Rita Baiana, respectivamente. Entretanto, Martim é uma personagem de estrato social nobre, pois é um grande guerreiro, ao contrário de Jerônimo, que é cavouqueiro, isto é, um simples quebrador de pedra. Além disso, o primeiro tem um caráter eminentemente passivo: não reage ao ser flechado por Iracema, é protegido por ela e Caubi diante da sanha ciumenta de Irapuã, e sua primeira relação sexual com a heroína se dá enquanto está drogado. O segundo, diferentemente, é bastante ativo: prepara uma emboscada para assassinar Firmo, namorado de Rita Baiana, e une-se conscientemente a ela. Por fim, pode-se ainda lembrar que Martim é um herói que luta para manter a integridade de seu caráter, enquanto Jerônimo, vencido pelo meio, torna-se alcoólatra e vagabundo, enche-se de dívidas e abandona esposa e filha à miséria. E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 47 *Rosbife: tipo de assado ou fritura de alcatra ou filé bovinos, bem tostado externamente e sangrante na parte central, servido em fatias. a) A imagem do “rosbife naturalista” — empregada, com humor, por Machado de Assis, para evocar determinadas características do Naturalismo — poderia ser utilizada também para se referir a certos aspectos do romance O Cortiço? Justifique sua resposta. RESOLUÇÃO: O Cortiço, como é de esperar de uma obra naturalista, apresenta preocupação de exibir, sem eufemismo, rodeio ou censura, os aspectos mais degradantes do ser humano, o que é compatível com a imagem do rosbife, que é sangrento. 4. (UNICAMP-SP) – Leia o seguinte comentário a respeito de O Cortiço, de Aluísio Azevedo: Com efeito, o que há n’O Cortiço são formas primitivas de amealhamento*, a partir de muito pouco ou quase nada, exigindo uma espécie de rigoroso ascetismo inicial e a aceitação de modalidades diretas e brutais de exploração, incluindo o furto (...) como forma de ganho e a transformação da mulher escrava em companheiramáquina. (...) Aluísio foi, salvo erro meu, o primeiro dos nossos romancistas a descrever minuciosamente o mecanismo de formação da riqueza individual. (...) N’O Cortiço [o dinheiro] se torna implicitamente objeto central da narrativa, cujo ritmo acaba se ajustando ao ritmo da sua acumulação, tomada pela primeira vez no Brasil como eixo da composição ficcional. (MELLO E SOUZA, Antonio Candido de. “De Cortiço em Cortiço”, in O Discurso e a Cidade. São Paulo, Duas Cidades, 1993, p. 129-30.) *Amealhar: acumular (riqueza), juntar (dinheiro) aos poucos. a) Explique a que se referem o “rigoroso ascetismo inicial” da personagem em questão e as “modalidades diretas e brutais de exploração” que ela emprega. b) A imagem do “doce leite romântico”, que se refere a certos traços do Romantismo, pode remeter também a alguns aspectos do romance Iracema? Justifique sua resposta. RESOLUÇÃO: A expressão “doce leite romântico” refere-se à idealização da realidade, característica do Romantismo e presente em diversos aspectos de Iracema: a fidelidade extrema a um ideal de amor, a nobreza e a bravura dos guerreiros indígenas (que mais parecem cavaleiros medievais), o enaltecimento da natureza brasileira, o engrandecimento da amizade entre Martim e Poti, o convívio harmonioso entre portugueses e pitiguaras. RESOLUÇÃO: O ascetismo a que se refere Antonio Candido é o esforço austero de acúmulo de dinheiro a que João Romão se entrega, deixando de lado veleidades de prazer, conforto e bem-estar. Em seu afã de enriquecimento, ele chegou a dormir no mesmo balcão em que atendia clientes, comia os piores legumes de sua horta para vender os melhores, não se preocupava com vestuário, aparência e amenidades da vida. Essa “febre de acumular”, como diz o narrador do romance, determinará no dono do cortiço um comportamento brutal de exploração da massa animalizada dos moradores da estalagem. Tal atitude se mostrará mais cruel em três momentos: quando rouba a garrafa cheia de dinheiro do velho Libório, quando lucra com a indenização do seguro por causa do incêndio que prejudicou imensamente os inquilinos e, o mais extremo, quando engana Bertoleza, usurpando suas economias, e mais tarde a descarta sem remorso em nome de um casamento de conveniência com Zulmira. – 47 PORTUGUÊS E 3. (FUVEST-SP) Gente que mamou leite romântico pode meter o dente no rosbife* naturalista; mas em lhe cheirando a teta gótica e oriental, deixa logo o melhor pedaço de carne para correr à bebida da infância. Oh! meu doce leite romântico! (Machado de Assis, Crônicas) E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 48 b) Identifique a “mulher escrava” e o modo como se dá sua transformação em “companheira-máquina”. RESOLUÇÃO: A “mulher escrava” é Bertoleza, que se torna “companheira-máquina” ao viver como amante de João Romão e como instrumento das vontades do vendeiro, já que ela não só trabalha durante o dia na venda, como sai à noite com o patrão para roubar materiais de construção. 5. “Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas.” Que figura de linguagem foi empregada no trecho acima? Explique. RESOLUÇÃO: Prosopopeia (personificação), pois foram atribuídas a um ser inanimado (o cortiço) características de um ser animado (a ação de acordar, abrir os olhos). PORTUGUÊS E Texto para as questões 5 e 6. Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas. Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada sete horas de chumbo. Como que se sentiam ainda na indolência1 de neblina as derradeiras notas da última guitarra da noite antecedente, dissolvendo-se à luz loura e tenra2 da aurora, que nem um suspiro de saudade perdido em terra alheia. A roupa lavada, que ficara de véspera nos coradouros3, umedecia o ar e punha-lhe um farto acre4 de sabão ordinário. As pedras do chão, esbranquiçadas no lugar da lavagem e em alguns pontos azuladas pelo anil, mostravam uma palidez grisalha e triste, feita de acumulações de espumas secas. Entretanto, das portas surgiam cabeças congestionadas de sono; ouviam-se amplos bocejos, fortes como o marulhar5 das ondas; pigarreava-se grosso por toda a parte; começavam as xícaras a tilintar; o cheiro quente do café aquecia, suplantando todos os outros; trocavam-se de janela para janela as primeiras palavras, os bons-dias; reatavam-se conversas interrompidas à noite; a pequenada cá fora traquinava já, e lá dentro das casas vinham choros abafados de crianças que ainda não andam. No confuso rumor que se formava, destacavam-se risos, sons de vozes que altercavam6, sem se saber onde, grasnar de marrecos, cantar de galos, cacarejar de galinhas. De alguns quartos saíam mulheres que vinham pendurar cá fora, na parede, a gaiola do papagaio, e os louros, à semelhança dos donos, cumprimentavam-se ruidosamente, espanejando-se7 à luz nova do dia. (Aluísio Azevedo, O Cortiço, cap. III) 1 – Indolência: preguiça. 2 – Tenro: brando. 3 – Coradouro: lugar onde se põe roupa a corar ao Sol. 4 – Farto acre: cheiro ácido. 5 – Marulhar: agitar. 6 – Altercar: debater. 7 – Espanejar-se: sacudir-se. 48 – 6. “No confuso rumor que se formava, destacavam-se risos, sons de vozes que altercavam, sem se saber onde, grasnar de marrecos, cantar de galos, cacarejar de galinhas.” Grasnar e cacarejar são palavras de sonoridade expressiva, chamadas onomatopeias. Por quê? RESOLUÇÃO: Essas palavras são chamadas onomatopeias porque seus sons imitam ou sugerem os sons reais que representam. E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 49 17 Literatura e Análise de Textos Literários (XI) 1. (FUVEST-SP-2011) – Entre as variedades de preconceito enumeradas a seguir, aponte aquelas que o grupo dos “capitães da areia” (do romance homônimo) rejeita e aquelas que acata e reforça: preconceito de raça e cor; de religião; de gênero (homem e mulher); de orientação sexual. Justifique suas respostas. RESOLUÇÃO: a) O grupo dos capitães da areia rejeita o preconceito de raça e de cor. Nele convivem mulatos, brancos e negros, sem hostilidade de caráter racial. b) O grupo rejeita também o preconceito religioso, pois nele convivem um praticante do catolicismo, como Pirulito, que mais tarde será padre, e adeptos do candomblé, como é o caso de João Grande. O grupo vê como amigos tanto o padre José Pedro como a mãe de santo dona Aninha. c) O preconceito de gênero existe no grupo dos capitães da areia até a admissão de Dora. A chegada da menina ao trapiche é momento de grande tensão, porque há tentativa de estuprá-la. Após a intervenção de Pedro Bala, a integridade de Dora é preservada e ela se torna integrante do grupo e amante de seu protetor. d) Há preconceito de orientação sexual, pois os capitães da areia expulsam o homossexual passivo, cuja presença contraria o código moral do grupo. 2. (UNICAMP-SP-2011) – Leia a passagem seguinte, de Capitães da Areia: Pedro Bala olhou mais uma vez os homens que nas docas carregavam fardos para o navio holandês. Nas largas costas negras e mestiças brilhavam gotas de suor. Os pescoços musculosos iam curvados sob os fardos. E os guindastes rodavam ruidosamente. Um dia iria fazer uma greve como seu pai... Lutar pelo direito... Um dia um homem assim como João de Adão poderia contar a outros meninos na porta das docas a sua história, como contavam a de seu pai. Seus olhos tinham um intenso brilho na noite recém-chegada. (AMADO, Jorge. Capitães da Areia. São Paulo, Companhia das Letras, 2008, p. 88.) a) Que consequências a descoberta de sua verdadeira origem tem para a personagem Pedro Bala? RESOLUÇÃO: Pedro Bala, ao descobrir sua verdadeira origem, ganha a consciência política que, mais tarde, o levará ao ativismo contra a sociedade de classes. No trecho transcrito, aponta-se a gênese da transformação do menor delinquente em agente da revolução: “Um dia iria fazer uma greve como seu pai ... Lutar pelo direito...” b) Em que medida o trecho acima pode definir o contexto literário em que foi escrito o romance de Jorge Amado? RESOLUÇÃO: O fragmento capta a reflexão de Pedro Bala sobre a exploração do trabalho e a necessidade da luta operária. Esse trecho liga-se ao contexto literário do romance neorrealista da Segunda Geração Modernista (19301945). Esse tipo de narrativa tematiza a injustiça social e a exploração do trabalhador, tendo como foco a região nordestina. Autores como Graciliano Ramos, Jorge Amado e José Américo de Almeida produziram narrativas voltadas para a denúncia de mazelas sociais. – 49 PORTUGUÊS E MÓDULO E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 50 3. (UNICAMP-SP) – Leia o trecho seguinte, do capítulo “As Luzes do Carrossel”, de Capitães da Areia: PORTUGUÊS E (...) O sertanejo trepou no carrossel, deu corda na pianola e começou a música de uma valsa antiga. O rosto sombrio de Volta Seca se abria num sorriso. Espiava a pianola, espiava os meninos envoltos em alegria. Escutavam religiosamente aquela música que saía do bojo do carrossel na magia da noite da cidade da Bahia só para os ouvidos aventureiros e pobres dos Capitães da Areia. Todos estavam silenciosos. Um operário que vinha pela rua, vendo a aglomeração de meninos na praça, veio para o lado deles. E ficou também parado, escutando a velha música. Então a luz da lua se estendeu sobre todos, as estrelas brilharam ainda mais no céu, o mar ficou de todo manso (talvez que Iemanjá tivesse vindo também ouvir a música) e a cidade era como que um grande carrossel onde giravam em invisíveis cavalos os Capitães da Areia. Neste momento de música, eles sentiram-se donos da cidade. E amaram-se uns aos outros, se sentiram irmãos porque eram todos eles sem carinho e sem conforto e agora tinham o carinho e conforto da música. Volta Seca não pensava com certeza em Lampião neste momento. Pedro Bala não pensava em ser um dia o chefe de todos os malandros da cidade. O Sem-Pernas em se jogar no mar, onde os sonhos são todos belos. Porque a música saía do bojo do velho carrossel só para eles e para o operário que parara. E era uma valsa velha e triste, já esquecida por todos os homens da cidade. (AMADO, Jorge. Capitães da Areia. São Paulo, Companhia das Letras, 2008, p. 68.) a) De que modo esse capítulo estabelece um contraste com os demais do romance? Quais são os elementos desse contraste? RESOLUÇÃO: O contraste notável é entre a plenitude desse momento de enlevo e a situação de precariedade, carência e insatisfação da vida dos Capitães da Areia. Os elementos desse contraste são visíveis, por exemplo, no “rosto sombrio de Volta Seca”, que se “abria num sorriso”, e em “todos eles sem carinho e sem conforto e agora tinham o carinho e conforto da música”. 50 – b) Qual a relação de tal contraste com o tema do livro? RESOLUÇÃO: O tema do livro é a delinquência de menores abandonados. No capítulo de que se extraiu o texto, relata-se um momento de êxtase dessas crianças, ao brincarem num velho carrossel. Depreende-se que, por mais marginalizados que sejam, aos Capitães da Areia resta ainda a condição essencial de crianças que se encantam. São crianças, ainda que castigadas pela injustiça social que as conduz à marginalidade. E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 51 Divida sua resposta em duas partes e justifique sucintamente cada uma de suas escolhas. a) Para a primeira obra escolhida. RESOLUÇÃO: O Auto da Barca do Inferno é informado por princípios da moral cristã, pelos quais são julgados os comportamentos dos mortos prestes a embarcar, no “cais das almas”, para o mundo post-mortem, em que serão punidos ou recompensados. 5. Leia o texto a seguir e responda aos itens a e b. Logo depois transferiu-se para o trapiche [local destinado à guarda de mercadorias para importação ou exportação] o depósito dos objetos que o trabalho do dia lhes proporcionava. Estranhas coisas entraram então para o trapiche. Não mais estranhas, porém, que aqueles meninos, moleques de todas as cores e de idades as mais variadas, desde os 9 aos 16 anos, que à noite se estendiam pelo assoalho e por debaixo da ponte e dormiam, indiferentes ao vento que circundava o casarão uivando, indiferentes à chuva que muitas vezes os lavava, mas com os olhos puxados para as luzes dos navios, com os ouvidos presos às canções que vinham das embarcações... (AMADO, Jorge. “O Trapiche”, in Capitães da Areia. São Paulo, Livraria Martins Ed., 1937 – adaptado.) a) No primeiro parágrafo, a que se refere a expressão “objetos que o trabalho do dia lhes proporcionava”? RESOLUÇÃO: Trata-se, evidentemente, dos objetos furtados ou obtidos em assaltos praticados pelos capitães da areia na cidade de Salvador. b) Para a segunda obra escolhida. RESOLUÇÃO: Capitães da Areia é um romance em que se faz a apologia da revolução socialista como panaceia para as injustiças sociais decorrentes do regime capitalista. É uma obra que busca o engajamento na luta social, tendo sido por isso proibida durante o Estado Novo. A intenção de doutrinar politicamente o leitor é recorrente, como exemplifica o final: “E, apesar de que lá fora era o terror, qualquer daqueles lares era um lar que se abriria para Pedro Bala, fugitivo da polícia. Porque a revolução é uma pátria e uma família.” b) “(...) indiferentes ao vento que circundava o casarão uivando, indiferentes à chuva que muitas vezes os lavava, mas com os olhos puxados para as luzes dos navios, com os ouvidos presos às canções que vinham das embarcações...” – Qual o contraste, quanto ao perfil dos meninos, que se estabelece no trecho transcrito? RESOLUÇÃO: Pode-se dizer que, ao lado de sua “insensibilidade” em face do sofrimento físico (o vento, a chuva castigando seus corpos), os capitães da areia guardam em si uma sensibilidade àquilo que diz respeito ao espírito, à alma, pois eles mantêm seus olhos voltados para as luzes daquele seu horizonte ponteado de navios (talvez uma espécie de “farol” de esperança num horizonte desejado) e os ouvidos presos às canções que vinham dos barcos. [Esta questão retoma e amplia a abordagem da questão 3.] – 51 PORTUGUÊS E 4. (FUVEST-SP) – Considere a seguinte relação de obras: Auto da Barca do Inferno, Memórias de um Sargento de Milícias, Dom Casmurro e Capitães da Areia. Entre elas, indique as duas que, de modo mais visível, apresentam intenção de doutrinar, ou seja, o propósito de transmitir princípios e diretivas que integram doutrinas determinadas. E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 52 MÓDULO 18 Literatura e Análise de Textos Literários (XII) Texto para as questões 1 e 2. POÉTICA PORTUGUÊS E De manhã escureço De dia tardo De tarde anoiteço De noite ardo 2. (UNICAMP-SP-2011) a) A poesia é um lugar privilegiado para constatarmos que a língua é muito mais produtiva do que preveem as normas gramaticais. Isso é particularmente visível no modo como o poema explora os marcadores temporais e espaciais. Comente dois exemplos presentes no poema que confirmem essa afirmação. RESOLUÇÃO: Os marcadores espaciais e temporais aparecem associados, no poema transcrito, a ações e predicados inesperados, que se relacionam com eles em virtude de associações antitéticas (“De manhã escureço”) e de nexos aparentemente arbitrários (“O este é meu norte”) ou absurdos (“Eu morro ontem”, “Nasço amanhã”). Os sentidos assim produzidos perturbam os parâmetros semânticos habituais, obedientes às “normas gramaticais”. A oeste a morte Contra quem vivo Do sul cativo O este é meu norte. Outros que contem Passo por passo: Eu morro ontem Nasço amanhã Ando onde há espaço — Meu tempo é quando. (Vinicius de Moraes, Antologia Poética) 1. (FUVEST-SP-2011) a) Do ponto de vista da organização formal dada ao conjunto do poema, o poeta mostra-se vinculado à tradição literária. Essa afirmação tem fundamento? Justifique sua resposta. RESOLUÇÃO: A afirmação tem fundamento porque “Poética” é um soneto, forma poética tradicional que remonta ao fim da Idade Média e foi intensamente cultivada a partir do Renascimento. Ressalve-se que o soneto de Vinicius de Moraes não é ortodoxo na disposição das rimas e pode ser chamado sonetilho, em razão de seus versos curtos, de quatro ou cinco sílabas. b) Do ponto de vista da mensagem configurada no poema, o poeta expressa sua oposição até mesmo a coordenadas fundamentais da experiência. Você concorda com essa afirmação? Justifique sua resposta. RESOLUÇÃO: A afirmação é pertinente, porque as coordenadas fundamentais da experiência são contrariadas pelo eu lírico na série de antíteses que resultam nos oxímoros que exprimem sua concepção da origem e natureza do fenômeno poético, que associa manhã não a claridade, mas a escuridão, situando a morte no passado e o nascimento no futuro. 52 – b) As duas últimas estrofes apresentam uma oposição entre o eu lírico e os outros. Explique o sentido dessa oposição. RESOLUÇÃO: O eu lírico define-se como oposto aos outros que, diferentemente dele, se pautam pelos parâmetros habituais da experiência, em que os eventos se sucedem “passo por passo”, e passado e futuro são irredutíveis um ao outro. Na experiência do eu lírico, o futuro pode reduzir-se ao passado (“Eu morro ontem”) e o passado situar-se no futuro (“Nasço amanhã”). Diferentemente do habitual, a experiência do eu lírico não conhece limites temporais nem espaciais: “Ando onde há espaço. / — Meu tempo é quando.” [Note-se como esta questão amplia o que já se discutiu no item b da questão anterior.] E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 53 3. (FUVEST-SP) – Leia este trecho do poema de Vinicius de Moraes: 4. (UNICAMP-SP) – O poeta Vinicius de Moraes, apesar de modernista, explorou formas clássicas, como o soneto abaixo, em versos alexandrinos (12 sílabas) rimados: MENSAGEM À POESIA SONETO DE INTIMIDADE a) No trecho, o poeta expõe alguns dos motivos que o impedem de ir ao encontro da poesia. A partir da observação desses motivos, procure deduzir a concepção dessa poesia ao encontro da qual o poeta não poderá ir: como se define essa poesia? quais suas características principais? Explique sucintamente. Nas tardes de fazenda há muito azul demais. Eu saio às vezes, sigo pelo pasto, agora Mastigando um capim, o peito nu de fora No pijama irreal de há três anos atrás. PORTUGUÊS E Não posso Não é possível Digam-lhe que é totalmente impossível Agora não pode ser É impossível Não posso. Digam-lhe que estou tristíssimo, mas não posso ir esta noite ao seu [encontro. Contem-lhe que há milhões de corpos a enterrar Muitas cidades a reerguer, muita pobreza pelo mundo. Contem-lhe que há uma criança chorando em alguma parte do mundo E as mulheres estão ficando loucas, e há legiões delas carpindo A saudade de seus homens; contem-lhe que há um vácuo Nos olhos dos párias, e sua magreza é extrema; contem-lhe Que a vergonha, a desonra, o suicídio rondam os lares, e é preciso [reconquistar a vida. Façam-lhe ver que é preciso eu estar alerta, voltado para todos os [caminhos Pronto a socorrer, a amar, a mentir, a morrer se for preciso. (...) (Vinicius de Moraes, Antologia Poética) Desço o rio no vau dos pequenos canais Para ir beber na fonte a água fria e sonora E se encontro no mato o rubro de uma amora Vou cuspindo-lhe o sangue em torno dos currais. Fico ali respirando o cheiro bom do estrume Entre as vacas e os bois que me olham sem ciúme E quando por acaso uma mijada ferve Seguida de um olhar não sem malícia e verve Nós todos, animais, sem comoção nenhuma Mijamos em comum numa festa de espuma. (MORAES, Vinicius de. Antologia Poética. São Paulo, Companhia das Letras, 2001, p. 86.) a) Essa forma clássica tradicionalmente exigiu tema e linguagem elevados. O “Soneto de Intimidade” atende a essa exigência? Justifique. RESOLUÇÃO: Nem o tema, nem a linguagem desse soneto são “elevados”. Com efeito, o tema é “baixo” (o congraçamento “fisiológico” com os animais) e a linguagem não evita o vulgar (“cheiro bom do estrume”) e chega a beirar o chulo (“uma mijada ferve”, “mijamos em comum numa festa de espuma”). RESOLUÇÃO: O poeta exprime rejeição à poesia que fuja do contato imediato com o mundo e os seus problemas. b) Como os quartetos anunciam a identificação do eu lírico com os animais? Como os tercetos a confirmam? b) Na “Advertência”, que abre sua Antologia Poética, Vinicius de Moraes declarou haver “dois períodos distintos”, ou duas fases, em sua obra. Considerando-se as características dominantes do trecho, a qual desses períodos ele pertence? Justifique sua resposta. RESOLUÇÃO: “Mensagem à Poesia” pertence à segunda fase da obra de Vinicius de Moraes, pois há no texto a preocupação em fazer a poesia abandonar o inefável e buscar o cotidiano e as preocupações do mundo (“milhões de corpos a enterrar”, “criança chorando”, “é preciso reconquistar a vida”). RESOLUÇÃO: Os quartetos exprimem a identificação do eu lírico com os animais, apresentando-o em ações mais comumente esperadas deles: mastigar capim (v. 3), andar sem roupa (v. 3), beber água na fonte dos rios (v. 6), comer amoras direto das árvores e cuspi-las em torno dos currais (vv. 78). A confirmação dessa identificação vem nos tercetos de forma inusitada, na menção ao congraçamento do eu lírico com os bois e as vacas na satisfação de uma necessidade fisiológica comum. – 53 E_C2_RFINAL_PORT_2011_PROF_GK 13/10/11 19:10 Page 54 6. Qual o refrão do poema de Vinicius? Comente as transformações que esse refrão sofre em suas repetições ao longo do poema. Texto para as questões de 5 a 7. SAUDADE DE MANUEL BANDEIRA PORTUGUÊS E Não foste apenas um segredo De poesia e de emoção Foste uma estrela em meu degredo Poeta, pai! áspero irmão. RESOLUÇÃO: O refrão é “Poeta, pai, áspero irmão”. Em cada uma das três vezes que esse refrão se repete no poema, destaca-se uma das três qualificações que Vinicius atribui a Bandeira: primeiro, pai vem seguido de ponto de exclamação; na segunda ocorrência, o ponto de exclamação vem depois de poeta; na terceira ocorrência, há um ponto de interrogação no fim do verso, ficando os três vocativos igualados na pergunta final. Não me abraçaste só no peito Puseste a mão na minha mão Eu, pequenino — tu, eleito Poeta! pai, áspero irmão. Lúcido, alto e ascético amigo De triste e claro coração Que sonhas tanto a sós contigo Poeta, pai, áspero irmão? (Vinicius de Moraes) RESPOSTA A VINICIUS Poeta sou; pai, pouco; irmão, mais. Lúcido, sim; eleito, não. E bem triste de tantos ais Que me enchem a imaginação. 7. Explique o sentido da resposta de Bandeira à pergunta de Vinicius. Com que sonho? Não sei bem não. Talvez com me bastar, feliz — Ah feliz como jamais fui! —, Arrancando do coração — Arrancando pela raiz — Este anseio infinito e vão De possuir o que me possui. RESOLUÇÃO: Bandeira responde que não sabe bem com o que sonha — sonharia talvez com a felicidade autossuficiente (“...talvez com me bastar, feliz”) e com a supressão do grande e inútil desejo (“anseio infinito e vão”) de assenhorear-se daquilo que o encanta e domina o seu desejo (“possuir o que me possui”). (Manuel Bandeira) 5. Destaque, no poema de Vinicius de Moraes, o trecho que indica que ele teria sido influenciado pela poesia de Manuel Bandeira. RESOLUÇÃO: “Não foste apenas um segredo / De poesia e de emoção / Foste uma estrela em meu degredo.” 54 –