H.3.1. - Literatura Partes de África – das verdades absolutas à pluralidade de significados. 1 2 Nayara Meneguetti Pires , Rejane Cristina Rocha . ¹ Estudante de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Universidade Federal de São Carlos – PPGLit/UFSCar; *[email protected] ² Professora do Curso de Letras e do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Universidade Federal de São Carlos – PPGLit/UFSCar; Palavras Chave: Literatura; Contemporânea; África. Introdução Partes de África (1991) é o livro de estreia do escritor Português Helder Macedo, até então celebrado apenas na poesia e na crítica. O romance chama a atenção pela fragmentação e a profusão de discursos que agrega, ao trazer à tona desde a história do colonialismo português à luta contra o salazarismo e pela libertação das colônias, transitando pela África, Portugal, Inglaterra e até mesmo pelo Brasil através da memória do narrador. O engenho da intrincada diegese de Partes de África é de responsabilidade do narrador, que mobiliza a estrutura ficcional bem como os dados referenciais – autobiográficos e históricos – de maneira autoconsciente e ambígua, criando um romance de fronteiras flutuantes, que trafega entre gêneros e vozes. Ele expõe ao leitor seu método composicional não para esclarecer e simplificar, mas para deliberadamente o fazer confundir os limites entre ficção e realidade, apontando para uma forma que se pauta na indecidibilidade, que não pode ser entendida a partir das perspectivas críticas a que estamos habituados. Resultados e Discussão O viés que propomos tem como ponto de partida o narrador e o modo como ele cria os paradoxos que irão situar o romance entre fronteiras. Em primeiro lugar, empenha-se em criar personagens indecisas, tal qual Gomes Leal – que mistura ópera e vida –, o agente da PIDE – que ora trabalha em prol do bem estar da comunidade, ora vira um cruel torturador – ou ele próprio – que se posiciona entre a prática e a imaginação, visto que “também há quem construa um mundo imaginário” e que estes “são modos complementares de ser e ambos merecem simpatia” (MACEDO, 1991, p. 29). Seus comentários meta-ficcionais, por sua vez, colocam ficção e dados referenciais em posição de equidade. Nos alerta que não importa se se tratam de imaginação, fatos ou memória. O que importa é a verossimilhança – a aparência de verdade –, já que “há coisas mais improváveis que a fantasia” e que “dela não se distinguem, mesmo ao olhar adulto. Significando que, nem sempre o real é mais crível do que o imaginado.” (MACEDO, 1991, p. 248). Ao agir desta forma, chamando a atenção para a dificuldade de se distinguir o real – muitas vezes absurdo e fantasioso – do imaginado – muitas vezes mais crível que os próprios absurdos reais –, demole a oposição entre essas duas categorias e acaba por atingir a própria verdade e a verossimilhança, desestabilizando-as. Essa forma de narrar é denominada pelo narrador como um “mosaico incrustrado de espelhos” (MACEDO, 1991, p. 40). Ele nos explica que, ao narrar, não apenas seleciona e organiza fragmentos dentro de seu mosaico, mas também os espelha, buscando sempre o equilíbrio entre as diversas partes. Elas se opõem, mas sem se anular. Esse trabalho de equilíbrio que empreende, tanto no nível das personagens, como no nível lexical e estrutural, recusa a compreensão metafísica que temos do mundo, de acordo com a qual a verdade se sobrepõe à mentira, o branco ao negro, o colonizador ao colonizado, o fato à ficção. Tal compreensão tem suas bases no estabelecimento de um centro para orientar as estruturas e organizá-las de forma hierárquica, através de oposições binárias excludentes. Quando o narrador espelha sua narrativa, criando paradoxos, o romance desestabiliza essa forma de pensamento e suas verdades absolutas, abrindo o texto à pluralidade de significados. Por essa razão, tendemos a discordar de pontos de vista como os de João Roberto Maia da Cruz (2002), quando este fala na possibilidade de o romance reinterpretar o passado ou de Maria Lúcia Dal Farra (2002), quando esta fala que o romance seria capaz de expressar a quintessência da História. Uma vez que o romance termina em aberto, quando o narrador afirma que “se soube melhor a história dele juntamente com a minha” (MACEDO, 1991, p. 252), abre mão da autoridade da verdade, bem como espaço para outras versões desses mesmos fatos narrados. Afinal, se a verdade é desestabilizada pela ficção quando esta expõe seu caráter artificial, a ficção já não pode mais ambicionar ter um sentido último e absoluto. Ela deve se contentar em ser mais uma versão, dentre as muitas, arriscando-se, do contrário, a assumir a mesma tirania das verdades metafísicas que buscou desconstruir. Conclusões Conclui-se que este romance, ao desestabilizar as verdades absolutas, chama a atenção para a artificialidade das mesmas e recusa para si mesmo tal exatidão. Antes, aponta para a impossibilidade de rigor dos fatos e para a pluralidade de significados que se pode atingir ao enjeitar tais perspectivas unívocas. Agradecimentos Agradecimentos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) ____________________ CRUZ, J. R. M. “Nós verdadeiros dos laços fingidos: uma leitura de Partes de África”. In: CERDEIRA, T. C. (Org.) A experiência das fronteiras. Rio de Janeiro: EdUFF, 2002. DAL FARRA, M. L. “Requiém para a metaliteratura” In: CERDEIRA, T. C. (Org.) A experiência das Fronteiras. Rio de Janeiro: EDUFF, 2002 MACEDO, H. Partes de África. Lisboa: Presença, 1991. 67ª Reunião Anual da SBPC