16/09/2015
UMA AVALIAÇÃO CONTAMINADA
Uma recente comunicação, apresentada pela responsável pelo painel de avaliação das
ciências sociais, no Instituto Superior de Economia e Gestão*, a britânica Rosemary Deem, põe
a nu as inúmeras falhas do último processo desencadeado pela FCT que mereceu, aliás, por
parte da APS, vivo repúdio. Mas demonstra, também, como os avaliadores desenvolveram
preconceitos sobre a comunidade científica portuguesa.
Através dessa comunicação, ficamos a saber que:
- a maior parte dos avaliadores fez o seu trabalho à distância, sem contato entre si
(apenas estiveram juntos duas vezes por um período de 48 horas);
- não existiu formação suficiente sobre a sociedade portuguesa, o contexto de
recessão e de cortes nos serviços públicos, nem tampouco sobre a configuração e história do
sistema científico português;
- as visitas às unidades duravam 3 escassas horas, impedindo um contato aprofundado
com as realidades sob apreciação;
- as avaliações e os resultados da primeira etapa de avaliação estavam já previamente
definidos, uma vez que a Fundação Europeia da Ciência firmou um contrato com a FCT que
estipulava, à partida, que 50% dos centros de investigação não seriam financiados;
- o staff da FCT era reduzido, sofrendo com os cortes em recursos humanos
qualificados e revelando grandes dificuldades no acompanhamento técnico e logístico do
processo;
- os painéis (apenas sete!) não conseguiam muitas vezes lidar com as especificidades
disciplinares e a vastidão de áreas do conhecimento (basta ver que existia apenas um painel
para todas as ciências sociais);
- durante a avaliação, multiplicaram-se as incongruências entre as orientações do exPresidente da FCT Miguel Seabra e o staff técnico, gerando confusão entre os
avaliadores;
- o regulamento permitia grande variação de financiamento entre unidades com a
mesma classificação, uma vez que a FCT não estabeleceu valores máximos para cada item de
avaliação;
- a falta de coordenação e de “calibração” entre os sete gigantescos painéis levou,
segundo a avaliadora, a que não houvesse um único centro em ciências sociais classificado
como excecional;
*
CHER, 28th Annual Conference of the Consortium of Higher Education Researchers , que teve lugar no
Instituto Superior de Economia e Gestão, em Lisboa, de 7 a 9 de Setembro de 2015.
Pessoa Colectiva de Utilidade Pública
Av. Prof. Aníbal de Bettencourt, 9 - 1600-189 Lisboa
Telef. +351 21 780 47 38 – Fax +351 21 794 02 74 e-mail:[email protected] – http://www.aps.pt
16/09/2015
- as regras de financiamento nunca foram devidamente explicadas, nem aos
avaliadores, nem aos centros, o que originou falta de transparência no processo;
- os próprios avaliadores foram erroneamente informados pelo Primeiro Ministro, que,
numa conferência europeia sobre o Futuro da Ciência, considerou que as anteriores avaliações
tinham sido parciais e subjetivas.
Mas a avaliadora vai mais longe, afirmando que os membros dos painéis ficaram com
má impressão da imprensa e da comunidade científica portuguesas, por ambas terem reagido
de forma supostamente “agressiva” e que tal impressão poderá influenciá-los no futuro.
Ora, aí reside uma profunda contradição: se os erros foram tão graves que a própria
avaliadora os identifica sem rodeios, como exigir à comunidade científica portuguesa outra
reacção que não o protesto e a indignação? E como é compatível o exercício tendencialmente
isento e imparcial de avaliação com este tipo de juízos impressionistas?
A APS espera:
i)
ii)
que não se volte a repetir um processo de avaliação com tão graves erros;
que avaliadores tão susceptíveis a contaminações valorativas não mais sejam
convidados a participar;
Assim, relembramos uma das conclusões do Encontro de Cientistas:
“Um processo de avaliação de unidades transparente e claro nos critérios de avaliação
e nas regras de financiamento, alicerçado em painéis de avaliação sólidos, com
adequada presença de especialistas nas diversas áreas e visitas devidamente
aprofundadas ao terreno. Qualquer sistema de avaliação de qualidade tem de ter
recursos, transparência e justiça nos critérios e procedimentos”.
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