EVOLUÇÃO MOLECULAR Vivian Lavander Mendonça e Sônia Lopes (agosto de 2003) TEMA Biologia molecular e evolução dos seres vivos • CONCEITOS RELACIONADOS Estudo das relações evolutivas, em que graus de semelhança por homologia são interpretados como graus de parentesco evolutivo. Ø Compreender a importância dos dados moleculares como uma ferramenta auxiliar no estudo das relações filogenéticas entre os OBJETIVOS seres vivos. A análise molecular pode confirmar ou refutar o que a análise anatômica sugere ou fornecer pistas para os casos em que a filogenia de um determinado grupo de ser vivo não está bem definida para os pesquisadores. Para melhor aproveitamento dessa atividade, os estudantes precisam estar familiarizados com o processo de síntese de proteínas e o papel do DNA e do RNA. É importante também que os estudantes saibam o que é um cladograma. Sugerimos sua aplicação como continuação da atividade CONSTRUINDO CLADOGRAMAS, na qual características anatômicas de sete animais são utilizadas para a montagem de um cladograma. Na presente atividade serão analisadas mutações ESTRATÉGIAS DE ENSINO gênicas que aparecem ao longo da evolução e que são funcionalmente neutras. Como exemplo, consideraremos sete espécies animais fictícias, identificadas por letras. Caso deseje discutir mais o tema mutação e evolução, sugerimos que trabalhe em seguida com a atividade SÍNTESE PROTÉICA, MUTAÇÃO E EVOLUÇÃO: QUAL É A RELAÇÃO?, presente neste site e onde são analisados exemplos de mutações que alteram a função de um gene e a produção de proteínas. BIOLOGIA MOLECULAR E FILOGENIA PRINCÍPIOS BÁSICOS Adaptado de: Purves et al. 1997. Life, the science of biology, O estudo das relações evolutivas entre os seres vivos avançou muito após a descoberta do papel do DNA na determinação da hereditariedade. Os avanços na área bioquímica permitiram compreender quais eram os mecanismos responsáveis pelas modificações de características ao longo das gerações. Essas características, interpretadas como adaptações ao ambiente, eram a chave para a idéia de seleção natural proposta por Charles Darwin. Sinauer Associates &Freeman, EUA. Assim como a morfologia de um organismo, as suas moléculas também são características hereditárias. E a evolução dos seres vivos não seria possível se o material genético herdado de seus ancestrais não sofresse alterações. Chamamos de Evolução Molecular a área de estudos que procura determinar os processos envolvidos nas alterações das moléculas encontradas nos seres vivos e estabelecer padrões para essas alterações ao longo da escala evolutiva de tempo. Essa área de estudo depende de técnicas de laboratório que permitem o sequenciamento de proteínas e ácidos nucléicos. O estudo comparativo de DNA, RNA e proteínas pode fornecer indícios sobre relações filogenéticas entre grupos de seres vivos. Para isso, moléculas retiradas de seres vivos de grupos diferentes são seqüenciadas e comparadas. Alguns pesquisadores utilizam os princípios da cladística para realizar as comparações: eles procuram determinar quais seriam as condições ancestral e derivada da molécula analisada e constroem cladogramas a partir das condições derivadas. Sabemos que mutações no material genético podem ocorrer por vários processos e que essas alterações podem ser transmitidas às próximas gerações se as células da linhagem germinativa forem afetadas. Mutações podem ocorrer de diversas maneiras, como perda ou substituições de nucleotídeos no DNA no momento de sua duplicação. As perdas acabam determinando alterações em toda a seqüência de nucleotídeos a partir do ponto onde ocorreu. As substituições podem ou não provocar alterações na seqüência de aminoácidos e comprometer a forma e a função da proteína. Vamos analisar os casos em que a alteração da seqüência original de aminoácidos não modifica a forma e a função da proteína. É o que se observa quando comparamos um gene e uma proteína encontrados em diferentes espécies: apesar das variações na seqüência de nucleotídeos e de aminoácidos, a proteína possui o mesmo arranjo espacial e pode exercer função seme lhante em todos os grupos de seres vivos que a produzem. Um exemplo é o hormônio insulina, proteína composta de 51 aminoácidos, cuja principal função é a redução do nível de glicose no sangue. A insulina está presente em todos os mamíferos e em outros animais vertebrados; nos invertebrados, foram identificados hormônios muito semelhantes à insulina em sua estrutura, embora não se tenha definido sua função em alguns grupos. A insulina foi a primeira proteína a ter sua seqüência de aminoácidos determinada. A comparação entre a insulina de diferentes mamíferos mostrou que algumas regiões da molécula são idênticas em todas as espécies, enquanto outras regiões apresentam variação. Essas variações, no entanto, não comprometem a função da proteína – uma prova disso é que insulina extraída de porcos ou coelhos era administrada a seres humanos com diabetes (do tipo insulina- dependente) com baixa ocorrência de rejeição pelos pacientes. As diferenças entre as seqüências de aminoácidos da insulina de mamíferos estão restritas a três posições da cadeia. Os cientistas concluíram que mudanças de aminoácidos nessas três posições não afetam a estrutura e o funcionamento da insulina. Conseqüentemente, substituições de aminoácidos nessas posições são funcionalmente neutras. Da mesma forma, concluiu- se que as regiões da molécula de insulina que não apresentam variações na seqüência de aminoácidos são justamente aquelas que determinam a forma tridimensional da proteína e garantem a sua função. O mesmo padrão foi encontrado no estudo comparativo de outras moléculas, como o citocromo c, enzima da cadeia respiratória. Comparandose a estrutura do citocromo c de seres diversos, verificou- se que as substituições de aminoácidos estão concentradas em regiões específicas da molécula que não influenciam a sua função e por isso são consideradas substituições neutras. Portanto, a variabilidade que pode ser encontrada na estrutura de uma molécula não corresponde necessariamente a uma variabilidade de funções. Como as substituições neutras não afetam a função da molécula, elas não representam ameaça à sobrevivência do organismo e não são excluídas por seleção natural. As substituições de nucleotídeos (no DNA ou RNA) e de aminoácidos (nas proteínas) são portanto determinadas por uma taxa natural de mutações que ocorre nas moléculas ao longo do tempo. Os cientistas utilizam esse ritmo constante de mutação em uma molécula como um relógio molecular. Vamos imaginar que a proteína “x” está presente em todos os vertebrados e foi feita uma análise comp arativa de “x” entre eles. O número de diferenças na seqüência de aminoácidos entre peixes e anfíbios pode ser relacionado com o período da história da Terra em que anfíbios divergiram do grupo dos peixes (informação determinada pelo estudo de fósseis e pela comparação de anfíbios e peixes atuais). Fazendo essa mesma relação com os outros grupos de vertebrados, podemos calcular a taxa de mutação da proteína “x” ao longo do tempo evolutivo e determinar qual é a seqüência ancestral da proteína “x” e quais são as condições derivadas. Se a taxa de mutação calculada for constante, teremos o relógio molecular da proteína “x”, que servirá como mais uma ferramenta no processo de estimar quando determinados eventos aconteceram na história evolutiva da Terra. Vamos considerar que duas espécies de mamíferos possuem um número relativamente pequeno de diferenças na seqüência de aminoácidos da hemoglobina; essa proteína possui uma taxa constante de mutação, então podemos deduzir que essas espécies divergiram a partir de um ancestral comum em um período recente da escala evolutiva. Se a formação dessas duas espécies a partir de um ancestral comum tivesse ocorrido há mais tempo, um número maior de mutações teria aparecido em seus genes e as diferenças de aminoácidos da hemoglobina de cada espécie seriam maiores. É importante ressaltar que cada proteína apresenta uma taxa de mutação diferente e, em alguns casos, regiões distintas da mesma molécula possuem ritmos diferentes de mutação. Por que utilizar moléculas para o estudo da evolução dos seres vivos, quando a comparação da morfologia e a análise do registro fóssil podem fornecer boas hipóteses? Quanto mais características forem utilizadas na dedução das relações filogenéticas entre grupos de seres vivos – comparações morfológicas, dados moleculares, análise dos fósseis – mais confiável será a hipótese elaborada . DURAÇÃO DA ATIVIDADE 2 aulas 1. Ficha de atividade (anexo 1) 2. Sugestão de avaliação da atividade (anexo 2) MATERIAIS NECESSÁRIOS 3. Gabarito da atividade (anexo 3), que pode ser de uso exclusivo do professor ou para o aluno fazer sua própria verificação 4. Gabarito das questões de avaliação (anexo 4) 1. A atividade pode ser realizada individualmente ou em pequenos grupos (3 a 4 alunos). PROCEDIMENTOS 2. Distribua para cada aluno ou grupo uma cópia da ficha de atividade (anexo 1). Nessa ficha encontram-se seqüências de aminoácidos de uma mesma proteína, pertencentes a seis animais de espécies diferentes, identificados por letras. A seqüência de aminoácidos utilizada nessa atividade é apenas ilustrativa e não corresponde a nenhuma proteína real, bem como as espécies animais! 3. Os estudantes devem seguir as instruções contidas na ficha de atividade, anotando o número de diferenças entre as seqüências de aminoácidos de cada animal na tabela correspondente. 4. Com base nos números obtidos na tabela, os grupos devem montar um cladograma, considerando que o grau de semelhança entre moléculas de diferentes espécies pode refletir o grau de parentesco evolutivo. O posicionamento dos animais no cladograma deve, portanto, representar o parentesco evolutivo entre eles. 5. Para finalizar, peça aos grupos que discutam a seguinte afirmação, baseando-se no resultado da atividade: “Quanto mais semelhantes forem duas seqüências de aminoácidos, maior é o grau de parentesco evolutivo entre as espécies que tiveram suas proteínas analisadas”. Uma vez que todos concordem com a afirmação, veja se a turma consegue explicar por que ela está correta. [Diferenças entre seqüências de aminoácidos refletem diferenças na seqüência de nucleotídeos do DNA, uma vez que ele serve de molde para a síntese protéica. Essas diferenças nas bases do DNA podem ter aparecido como mutações, que foram se acumulando ao longo das gerações em cada espécie. Se c onsiderarmos que a taxa de mutação dessa proteína é constante, duas espécies que tenham surgido há pouco tempo (na escala evolutiva) a partir de um ancestral comum devem ter tido menos tempo para acumular mutações em seu material genético – suas proteínas devem ser semelhantes.] (Atividade adaptada de Evolution and the Nature of Science Institute. Beth Kramer, 1998. www.indiana.edu/~ensiweb) Ø Observe a participação dos grupos durante a atividade. SUGESTÕES PARA Ø Analise as respostas das questões constantes do Anexo 2, cujas AVALIAÇÃO respostas estão no anexo 3. ANEXO 1 Ficha de atividade Nome: ____________________________________________ Data:______________ EVOLUÇÃO MOLECULAR 1) Compare as seqüências de aminoácidos da proteína “EVOLUCINA”, extraída de cinco animais de espécies diferentes. Conte o número de diferenças entre as seqüências e anote os valores obtidos na tabela da página 2. ATENÇÃO: O nome e a seqüência de aminoácidos da proteína “Evolucina” são fictícios! ANÁLISE DA PROTEÍNA “EVOLUCINA” Espécie A TIR VAL GLU LIS ALA LEU GLU ALA PRO LEU VAL TRE TIR ILE LIS ASP GLU TRE SER LIS ALA LEU GLU ALA PRO LEU VAL TRE TIR ILE LIS ASP GLU TRE SER LIS ALA LEU GLU ALA PRO LEU VAL TRE TIR ILE LIS LIS GLU TRE SER LIS ALA LEU GLU ALA PRO LEU VAL ALA TIR ILE LIS LIS GLU TRE SER LIS ALA GLU GLU ALA PRO LEU VAL ALA TIR ILE LIS LIS GLU TRE SER LIS ALA GLU GLU ALA GLU LEU VAL ALA TIR ILE LIS LIS GLU TRE LIS ILE Espécie B ASP VAL GLU LIS Espécie C ASP VAL GLU LIS Espécie D ASP VAL GLU LIS Espécie E ASP VAL GLU LIS Espécie F ASP VAL ALA LIS Leu = Leucina OBS.: Nomenclatura dos aminoácidos e seus símbolos Val = Valina Lis = Lisina Ser = Serina Ala = Alanina Glu = Glutamato (Ácido glutâmico) Ile = Isoleucina Tir = Tirosina Tre = Treonina Pro = Prolina Asp = Aspartato (Ácido aspártico) 2) Complete os espaços em branco da tabela com o número de diferenças na seqüência de aminoácidos das proteínas dos animais listados: Espécie E Espécie D Espécie C Espécie B Espécie A Espécie F Espécie E Espécie D Espécie C Espécie B Com base nos dados da tabela, construa um cladograma que represente o grau de semelhança entre os seis animais. Cada passo do cladograma deve destacar o número de diferenças entre os organismos. Utilize o espaço abaixo. ANEXO 2 Questões para avaliação EVOLUÇÃO MOLECULAR 1) No estudo das relações evolutivas entre dois organismos, verifica- se que os dados moleculares, anatômicos e o registro fóssil apontam para um mesmo modelo de relações evolutivas. Podemos confiar nesse modelo? Por quê? 2) Utilizando os dados moleculares que você tem em mãos, compare o parentesco evolutivo entre as espécies. 3) A galinha e o peru são aves que possuem exatamente a mesma seqüência de aminoácidos na proteína citocromo -c (112 aminoácidos), uma enzima essencial ao processo de respiração aeróbia. Proponha uma explicação para o fato de duas espécies diferentes possuírem proteínas idênticas. 4) O mofo do pão (Neurospora sp.) e o levedo usado na fermentação para se fazer o pão e bebidas alcoólicas (Saccharomyces sp) são fungos e possuem 40 diferenças na seqüência de aminoácidos da proteína citocromo - c. O que esses dados podem sugerir a respeito das relações evolutivas entre as duas espécies de fungos? Compare com o exemplo da galinha e do peru. 5) Imagine que a proteína “Evolucina” seja na verdade um fragmento de hemoglobina. De acordo com os resultados que você observou, animais de grupos distintos apresentam diferenças na seqüência de aminoácidos. Você deve ter aprendido que a seqüência de aminoácidos determina a “forma espacial” da proteína e a forma determina a sua função. Elabore uma explicação para o fato da hemoglobina exercer a mesma função em todos os animais do exercício, apesar de não possuírem seqüências de aminoácidos idênticas. 6) Considerando a hemoglobina humana, pode haver uma determinada mutação que provoca substituição de apenas um certo aminoácido da cadeia polipeptídica e essa alteração específica determina mudança na forma da proteína que deixa de exercer sua função. Pessoas com essas hemoglobinas anômalas desenvolvem uma doença chamada anemia falciforme. Elabore uma explicação para o fato da hemoglobina não exercer a mesma função apesar de possuir apenas uma alteração específica nas seqüências de aminoácidos. ANEXO 3 Gabarito da ficha de atividade EVOLUÇÃO MOLECULAR Sugestão : os alunos podem marcar as seqüências com lápis coloridos, utilizando sempre a mesma cor para cada aminoácido. Por exemplo: todas as posições ocupadas pelo aminoácido Lisina são pintadas de verde, e assim por diante. Dessa forma, os alunos poderão visualizar com facilidade quais são as posições da seqüência que se mantêm constantes em todos os animais e quais são as posições que apresentam variação. Na tabela abaixo estão os valores obtidos nas comparações entre todas as espécies. Espécie E 4 Espécie D 5 1 Espécie C 6 2 1 Espécie B 7 3 2 1 Espécie A 8 4 3 2 1 Espécie F Espécie E Espécie D Espécie C Espécie B Cladograma construído a partir da análise da proteína “Evolucina”: os passos do cladograma devem indicar o número de diferenças entre as proteínas de cada animal, de acordo com os valores obtidos na tabela. ESPÉCIE F ESPÉCIE E ESPÉCIE D ESPÉCIE C ESPÉCIE B ESPÉCIE A 1 1 1 1 4 Proteína “Evolucina” – seqüência primitiva ANEXO 4 Respostas das questões para avaliação (anexo 3) 1) Podemos confiar no modelo proposto por se tratar de um exemplo de confirmação independente dos dados. Diferentes métodos de análise (registro fóssil, anatomia comparada e análise molecular) apontaram para o mesmo padrão de relações evolutivas, dando maior credibilidade ao modelo. É importante ressaltar, no entanto, que apesar de confiável, esse modelo poderá ser modificado caso se encontrem outros dados que apontem para uma outra interpretação. 2) Quanto menor o número de diferenças, mais próximas são as espécies em termos evolutivos. 3) Não se pode tirar conclusões sobre parentesco evolutivo entre dois organismos baseando-se apenas na análise de uma proteína. Muitos outros fatores devem ser levados em conta para determinar se dois organismos, como a galinha e o peru, pertencem a espécies diferentes, tais como: número de cromossomos, análise de outras proteínas e de DNA, comparações na morfologia e anatomia, estudo da embriologia etc. 4) Baseando -se apenas nos dados fornecidos pela questão, eles podem sugerir que as duas aves possuem parentesco evolutivo muito mais próximo do que os dois fungos têm entre si. Recorrendo-se à classificação desses organismos, construída com base em vários outros dados, corrobora-se essa interpretação pois a galinha e o peru pertencem ao mesmo Reino (Metazoa), ao mesmo Filo (Chordata) e à mesma Classe (Aves), enquanto os dois fungos pertencem apenas ao mesmo Reino (Fungi), mas as Divisões – ou Filos – são distintas para o lêvedo (Ascomiceto) e o mofo do pão (Zigomiceto). A classificação dos seres vivos procura estabelecer da melhor maneira possível as hipóteses de parentesco evolutivo e essas hipóteses podem ser corroboradas ou refutadas com base em novas informações sobre os organismos. 5) A comparação entre as seqüências mostrou que algumas regiões da proteína são idênticas em todas as espécies, enquanto outras regiões apresentam enorme variação. Podemos concluir que as regiões da molécula de hemoglobina que não apresentam variações na seqüência de aminoácidos são justamente aquelas que determinam a forma tridimensional da proteína, que é responsável pelo seu funcionamento. Da mesma forma, as regiões que apresentam variação nos aminoácidos não devem afetar o funcionamento da enzima. Substituições de aminoácidos nessas posições são funcionalmente neutras. (Professor: leia o item “Princípios Básicos”). 6) Mutações não são sempre funcionalmente neutras. No caso da anemia falciforme, a mutação provoca alteração em um aminoácido localizado em um ponto da molécula de hemoglobina que interfere na sua forma e consequentemente em sua função.