6 • Superesportes • Brasília, sábado, 8 de novembro de 2014 • CORREIO BRAZILIENSE
VIDA
ESPORTIVA
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TREINAMENTO
O “VÍCIO”
COBRA A CONTA
Dependentes de atividades físicas costumam ignorar
os recados do corpo e mantêm o ritmo intenso de
exercícios. O resultado é uma série de lesões, algumas
graves. A obsessão chega a atingir a vida social
Fotos: Breno Fortes/CB/D.A Press - 6/11/14
C
ada vez que pisava no
freio do carro, Gabriel
Grossi, servidor público
de 36 anos, não conseguia
disfarçar a dor no joelho esquerdo. Ele passou a fazer fisioterapia
e, nesta semana, não perdeu nenhuma sessão, na esperança de
curar a lesão que o acompanha
desde junho de 2013. Mas ele está certo de que as dores voltarão,
mais fortes. Amanhã, correrá
uma meia-maratona de 21km,
trajeto que vai se somar aos
1.600km que percorreu em 2014.
Sempre sem autorização médica.
Gabriel se diz viciado em corridas de rua. A prática traz vários
benefícios, como melhora do
condicionamento físico e redução do peso. O problema é quando o atleta se empolga e excede a
quantidade de exercícios. O corpo fica sobrecarregado, lesões
aparecem, e, mesmo assim, o
competidor não deixa de calçar o
tênis e ganhar o asfalto.
Segundo Éder Vilanova, professor de corrida, a história dos
dependentes tem cronologia parecida. Eles começam com trajetos menores, 5km e 10km. Quando percebem o prazer proporcionado pelo esporte, aumentam
distâncias e cargas de treinos para níveis acima do suportado pelo corpo. “Pode cair a maior chuva, tem aluno que não abre mão
do treino”, conta Vilanova.
A primeira prova realizada por
Gabriel Grossi, em junho de 2012,
tinha 10km. Ele passou a se inscrever em todas as corridas de que teve notícia. Por conta própria, treinava de segunda a sexta-feira, três
vezes por dia. Dez meses depois,
correu a primeira maratona. Os
42km provocaram a inflamação
do tendão do joelho esquerdo,
motivo das preocupações atuais. A
recuperação duraria meses, mas o
atleta aguentou apenas duas semanas sem correr. À época, escreveu texto sobre o curto tempo de
reabilitação. Definiu o descanso
forçado como “estratégia de sobrevivência para o vício”. Hoje, ainda
gagueja ao descrever o período.
A dependência tem explicação química. Como resposta aos
estímulos produzidos, o corpo
humano libera testosterona, que
ajuda a diminuir o estresse.
Ocorre também liberação de serotonina, hormônio que dá sensação de prazer. “É como se fosse
uma droga. A pessoa não consegue largar a corrida, pois é a melhor maneira que encontra de
É como se fosse
uma droga.
A pessoa não
consegue largar
a corrida, pois é a
melhor maneira
que encontra de
aumentar o
bem-estar”
Hildeano Bonifácio,
doutor em ciências da saúde
Modo de usar
Confira as dicas do professor de
educação física Thiago Cardoso
para viciados em corridas
» Foque uma grande prova por
mês. Use competições de
menores distâncias como treino
» Para correr duas provas em
dias seguidos, faça a primeira
em ritmo mais leve, e a
segunda de forma intensa
» Não tente maquiar a dor no
corpo com anti-inflamatórios
ou relaxantes musculares.
Continuar com o exercício vai
agravar a lesão.
Estágios
das lesões
Mesmo com lesão no joelho,
resultado do excesso de treinos
e corridas, o servidor público
Gabriel Grossi não diminui o ritmo
aumentar o de bem-estar”, explica Hildeano Bonifácio, doutor
em ciências da saúde.
Obsessão pela corrida traz
prejuízo não só ao corpo do
atleta, mas respinga nas relações sociais. Dante Oliveira,
músico de 28 anos, treina cinco
vezes por semana. A cada saída,
passa mais de quatro horas fora
de casa. “Minha esposa fica indignada, pede para eu maneirar. Sempre prometo que é só
até a próxima corrida, mas não
consigo mudar”, relata o pai de
gêmeas de 5 anos.
Dor relegada
O mecânico Juvam Palmeira,
41 anos, tem como especialidade
as ultramaratonas, provas com
mais de 50km. Há oito anos, não
participa de competições com
trechos menores. Os treinos diários têm 42km. O corpo reclamava, mas ele não dava ouvidos.
Em dezembro de 2012, a conta
TRIATLO
chegou: quebrou o tendão de
aquiles, teve tendinite e fascite
plantar (nos pés). A dor irradiava
para a panturrilha.
Mesmo com o currículo de lesões, Palmeira passou 2013 competindo como se o corpo estivesse perfeito. “Era uma dor insuportável. Mas só de sentir a vibração do público, pensar em completar a prova, o incômodo sumia. Mancava durante a corrida
inteira, e depois meu corpo cobrava o abuso com juros”, conta.
Ele decidiu dar atenção ao problema quando tentou correr
246km na Grécia, em junho deste
ano. Parou no km 176, sem conseguir andar. Médicos sugeriram cirurgia imediata, mas Juvam optou
por sessões de fisioterapia. Foram
as únicas sete semanas que ficou
sem o esporte nos últimos 15 anos.
“Fiquei mal-humorado, engordei,
descontava a raiva nas pessoas próximas”, lembra o mecânico. “É um
vício como o álcool ou o jogo. Machuca, mas não dá para ficar sem.”
1. Cansaço
» Após a corrida, o atleta fica
cansado, mas está apto a fazer
outra atividade no dia seguinte
ou mesmo horas depois.
2. Fadiga
» Cansaço acompanhado de
recuperação incompleta. Não
repõe água, glicogênio e sais
minerais suficientes
3. Exaustão
» Dores em articulações, tendões e
músculos. Primeiro sinal de
treinos exagerados.
4. Overtraining
» O corpo entra em curto-circuito.
Ocorrem lesões musculares e
nas articulações, além da
diminuição da massa magra
Gustavo Moreno/CB/D.A Press - 1/4/14
O Havaí na mira
Cerca de 50 brasilienses se
preparam para percorrer o litoral
cearense na primeira edição do
Ironman Fortaleza. Marcada para
amanhã, a prova conta com
1.500 participantes de 37 países,
sendo maioria de brasileiros. O
triatleta Kenny Sousa está entre
os nomes candangos na disputa.
Ao lado dos colegas, ele percorrerá uma distância de 3,8km de natação, 180km de ciclismo e 42km
de corrida. A cidade é conhecida
pelos fortes ventos, o que promete dificultar a vida dos atletas.
Kenny Sousa já está em Fortaleza e se mostra confiante com a
disputa. “Essa prova vai marcar
meu retorno ao Ironman, e pretendo me sair bem, ficar entre os
oito primeiros da minha categoria”, conta o competidor que ficou 10 anos afastado das disputas para se dedicar à corrida de
aventura. Focado, o brasiliense
de 37 anos sabe quais serão os
maiores adversários: vento e sol.
“Venta muito na cidade, o que
dificulta bastante as etapas de
bike e corrida. Temos de torcer
para o vento estar a favor.”
Mais do que o prêmio, a disputa em Fortaleza motiva os
atletas a buscar uma boa colocação por distribuir vaga ao Mundial de Ironman 2015, que ocorre
tradicionalmente em Kona, no
Havaí. Serão classificados 50 triatletas da categoria faixa etária
para a principal prova da moda-
lidade. A elite acumula pontos
no ranking mundial.
A estreia no Nordeste contará
com dois dos principais triatletas
do planeta. A australiana Mirinda
Carfrae — bicampeã do Mundial
de Ironman (2010 e 2013) e do
Ironman 70.3 Brasília deste ano
— participará ao lado do marido,
o norte-americano Timothy
O’Donnell. Ele venceu o Ironman
Florianópolis do ano passado e
foi o segundo colocado na capital
federal. Os dois chegam em condição de favoritos a Fortaleza.
Os competidores largam cedo
amanhã. Às 5h, a categoria elite
começa a disputa, enquanto os
participantes das categorias por
faixa etária sairão às 6h.
17
HORAS
Tempo máximo
para completar
a corrida
Kenny Sousa encabeça o grupo
de candangos que buscam vaga no
Mundial de Ironman, em Kona
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