Sylvia Telles Ribeiro Precificação Ótima dos Contratos de Gás Natural na Modalidade Interruptível Dissertação de Mestrado Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pósgraduação em Engenharia Elétrica do Departamento de Engenharia Elétrica da PUC-Rio. Orientador: Prof. Alexandre Street de Aguiar Co-orientador: Prof. Cristiano Augusto Coelho Fernandes Rio de Janeiro Abril de 2009 Sylvia Telles Ribeiro Precificação Ótima dos Contratos de Gás Natural na Modalidade Interruptível Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica do Departamento de Engenharia Elétrica do Centro Técnico Científico da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada. Dr. Alexandre Street de Aguiar Orientador Departamento de Engenharia Elétrica – PUC-Rio Dr. Cristiano Augusto Coelho Fernandes Co-Orientador Departamento de Engenharia Elétrica – PUC-Rio Dr. Luiz Augusto Nóbrega Barroso PSR Consultoria Dr. Delberis Araújo Lima Departamento de Engenharia Elétrica – PUC-Rio Prof. José Eugenio Leal Coordenador Setorial do Centro Técnico Científico Rio de Janeiro, 28 de abril de 2009 Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da autora e do orientador. Sylvia Telles Ribeiro Graduou-se em Economia na PUC-RJ em 2003. Desde 2004, trabalha com gestão e otimização de Portfólio da área de Gás e Energia da Petrobras. Ficha Catalográfica Ribeiro, Sylvia Telles Precificação Ótima dos Contratos de Gás Natural na Modalidade Interruptível / Sylvia Telles Ribeiro; orientador: Alexandre Street de Aguiar; co-orientador: Cristiano Augusto Coelho Fernandes. – 2009. 78 f. ; 30 cm CDD: XXX.X Dissertação (Mestrado em Engenharia Elétrica)– Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009. Inclui bibliografia 1. Engenharia elétrica – Teses. 2. Precificação ótima. 3. Contratos Interruptíveis. 4. Otimização Estocástica 5 – Medidas de Risco. I. Aguiar, Alexandre Street de, II. Fernandes, Cristiano Augusto Coelho. III. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Engenharia Elétrica. IV. Título. CDD: 621.3 À minha mãe, Marina Figueira de Mello. Por tudo. Agradecimentos À Minha família, que me deu todo amor, proteção e suporte que precisei nessa vida, com especial carinho para meu irmão Guilherme, meu tio Sérgio, meu tio Gustavo, e Amilcar. Às minhas amoras, que sempre me apoiaram em todos os momentos importantes da minha vida. Dentre elas, destaco Amanda Cavalcanti, Andrea Canedo, Luisa Prochnik, Izabel Ramos, Joana Cotrim, Julia Boohrem, Márcia Seixas, Patrícia Fernandes e Raquel Tessarollo. Aos meus expoentes profissionais, estrelas que brilharam para mim e me ajudaram a brilhar profissionalmente: Mario Jorge, Alexandre Silvestre, , João Alberto, Marcus Moacyr, Luciana Rachid e Graça Foster. Aos meus colegas de equipe da PAE, por todo apoio e compreensão durante o desenvolvimento deste trabalho. Aos meus queridos professores, que me abriram tantas portas e acreditaram em mim, Rogério Werneck, Cristiano Fernandes e Marco Antônio Guimarães. Um agradecimento especial ao meu orientador Alexandre Street, por ter sido incansável, um apoio mais que indispensável à realização desse trabalho. Resumo Ribeiro, Sylvia Telles; Aguiar, Alexandre Street de (Orientador); Fernandes, Cristiano Augusto Coelho (Co-Orientador). Precificação Ótima dos Contratos de Gás Natural na Modalidade Interruptível. Rio de Janeiro, 2009. 78p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Engenharia Elétrica, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. O segmento industrial desempenha um importante papel no desenvolvimento do setor de gás Brasileiro. Em função dos baixos preços e dos incentivos dados pelo governo para a conversão dos processos industriais (muitos deles dependentes do óleo combustível) para o gás natural, criou-se uma fonte de demanda “firme” deste combustível. Como as termelétricas operam em regime de complementariedade ao sistema hidrelétrico (sendo coordenadas pelo Operador Nacional do Sistema (ONS) elétrico e chamadas a gerar apenas em situações hidrológicas “desfavoráveis”), o oconsumo de gás termelétrico ocorre de forma esporádica. Uma forma de se aumentar a eficiência do uso do gás, mesclando duas classes de consumidores se dá através dos contratos interruptíveis, que proporcionam ao produtor a capacidade de atender consumidores industriais bicombustível (gás e óleo por exemplo) com o gás ocioso das termelétricas. Como a atratividade deste contrato depende do desconto dado com relação ao preço do contrato firme, que não é interrompido, o objetivo deste trabalho é a construção de um modelo analítico para a determinação do preço ótimo dos contratos de fornecimento de gás interruptíveis, por parte de um produtor monopolista. O consumo de gás das termelétricas será considerado como principal fonte de incerteza do modelo, que por sua vez será caracterizada através de cenários de operação ótima do sistema elétrico, simulados conforme a metodologia utilizada pelo ONS. O perfil de risco do produtor será caracterizado pelo Conditional Value-at-Risk (CVaR). Palavras-chave Gás Natural, Termelétrica, GNL, Contratos de Fornecimento Interruptível, CVaR, Otimização Estocástica, Decisão sob Incerteza, risco. Abstract Ribeiro, Sylvia Telles; Aguiar, Alexandre Street de (Advisor); Fernandes, Cristiano Augusto Coelho (Co-Advisor). Optimal Pricing of Natural Gas Flexible Contracts. Rio de Janeiro, 2009. 78p. MSc Dissertation – Departamento de Engenharia Elétrica, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Brazilian natural gas industry growth has been led by electricity supply. As hydro plants generate at lower costs, thermal units only produce when hydro electricity is insufficient. This makes natural gas consumption highly volatile: Either all thermal units generate together or don’t. When all units generate together, the gas trader has to buy LNG - Liquified Natural Gas at the spot market incurring price risk. This risk can be mitigated in case the gas trader is able to sell flexible contracts to the industrial sector that can be interrupted in case of thermal generation. Thus the gas volume sold under flexible contracts is used either by thermal generation or by the industrial sector, virtually reducing total demand and avoiding emergency LNG purchases. The determination of the optimal price for these contracts is the aim of this dissertation. The determination model proposed will try to maximize a convex combination of CVaR – Conditional Value at Risk NPV – Net Present Value and trader´s profit NPV. Keywords Natural gas, Thermal plants, Flexible Contracts, CVaR, Stocastic Optimization, Decision under Uncertainty, Risk. Sumário 1 Introdução 1.1 Histórico e Motivação 1.2 Lucro do Comercializador no fornecimento de gás natural 1.3 Objetivo 1.4 Organização da Dissertação 13 13 20 22 23 2 Mercado de Gás Natural no Brasil 2.1 Consumo de gás – termelétrico vs não termelétrico 2.2 Contratos Firmes 2.3 Contratos Preferenciais ou Termelétricos 2.4 Contratos Interruptíveis 25 25 28 29 30 3 Medidas de Risco e Decisão sobre incerteza 3.1 Decisão Sob Incerteza 3.2 Modelagem das Incertezas 3.3 Teoria da Utilidade 3.4 Medidas de Risco 3.4.1 Teoria de Portfólio de Markowitz 3.4.2 O VaR – Value at Risk 3.4.3 O CVaR – Conditional Value at Risk 34 34 35 36 36 37 39 40 4 Metodologia para Determinação do Preço Ótimo para Contratos Interruptíveis 4.1 Oferta e Demanda de Gás Natural no Brasil. 4.1.1 Composição da Oferta 4.1.2 Balanço de Compra e Venda 4.2 Equação de Lucro do Comercializador 4.2.1 Formação dos Custos 4.2.2 Formação das Receitas 4.3 O Problema de otimização do Comercializador 43 43 43 45 46 46 50 51 5 Estudo de caso 5.1 Premissas de Receitas e Custos 5.1.1 Preços Firme e Termoelétrico 5.1.2 Preços de GNL 5.1.3 Custo do Gás Firme 5.1.4 Quantidades Contratadas 5.2 Premissas de Despacho 5.3 Penalidades 5.4 Horizonte Temporal 5.5 Outras Premissas Relevantes 5.6 Resultados 5.7 Equilíbrio Competitivo versus Equilíbrio de Monopólio 5.8 Sensibilidades 5.8.1 Sensibilidades em relação à λ: 5.8.2 Sensibilidades para Preço de GNL 55 55 55 56 58 59 60 60 61 62 62 64 67 67 69 5.8.3 Outras Sensibilidades de Interesse 6 Conclusões e Trabalhos Futuros 6.1 Trabalhos Futuros 70 72 73 7 Referências bibliográficas 74 ANEXO A – Cálculo da Curva de Disposição a Contratar dos Consumidores Industriais 77 Lista de Figuras Figura 1.1 – Histórico e Motivação....................................................... 13 Figura 1.2 – Evolução da Matriz Energética Brasileira......................... 16 Figura 1.3 – Balanço de Oferta e Demanda de Gás Natural no Brasil... 17 Figura 2.1 – Sazonalidade no Consumo de Gás Natural Argentino...... 26 Figura 2.1 – Tornando firme um consumo flexível............................... 32 Figura 2-2 – Atendimento dos Contratos Flexíveis............................... 32 Figura 3.1 – Decisões de Dois Estágios................................................ 35 Figura 3.2 – Fronteira Eficiente de Markowitz..................................... 38 Figura 3.3 – VaR – Value at Risk…………………………………….. 39 Figura 3.4 – CVaR – Conditional Value at Risk……………………… 41 Figura 4.1 – Balanço de Compra e Venda............................................. 45 Figura 4.2 – Prêmio do GNL como Função do volume Demandado.... 49 Figura 4.3 – Otimização pela escolha de PI*......................................... 54 Figura 5.1 – Métrica para λ = 95%...................................................... 63 Figura 5.2 – Equilíbrio Competitivo vs Monopolista.......................... 66 Figura 5.3 – Sensibilidades para λ....................................................... 68 Figura 5.4 – Sensibilidades para Preços de GNL................................. 69 Figura A.1 – Distribuição do consumo industrial de gás para geração de energia............................................................................................... 78 Lista de Tabelas Tabela 5.1 – Premissas de Volume........................................................................59 Tabela 5.2 – Premissas de Preço............................................................................59 Tabela 5.3 – Comparação entre hipótese competitiva e modelo monopolista (desvio monopolista)..............................................................................................66 Tabela 5.4 – Sensibilidades para λ.........................................................................68 Tabela A.1 - Curva de Demanda por contratos interruptíveis como função do preço.......................................................................................................................78 Siglas utilizadas GNL – Gás Natural Liquefeito SDDP - stochastic dual dynamic programming VaR – Value at Risk cVaR – Conditional Value at Risk.Introdução 1 Introdução 1.1 Histórico e Motivação O gás natural começou a ser consumido no Brasil na década de 50, inicialmente no estado d Bahia, onde teve início suaa produção1.O energético foi ganhando espaço na medida em que as duas crises do Petróleo (1973 e em 1979) aumentaram os preços do barril de petróleo e tornaram economicamente viável sua exploração no Brasil. Figura 1.1 – Histórico e Motivação 1 Esse trabalho trata apenas da indústria de gás natural, a palavra gás é utilizada também no Brasil para designar o gás manufaturado (subproduto do craqueamento da nafta) e o gás de carvão, usado no Brasil desde o século XIX. 14 Em 1999 entrou em operação o Gasoduto Bolívia-Brasil, também conhecido como Gasbol. A base para a construção do duto foi um contrato de compra e venda celebrado entre Petrobras e YPFB (Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos), com a participação do governo dos dois países, em que a Petrobras se comprometia a comprar, em regime de Take or Pay2, um volume de gás natural que começaria em 8 MMm³/dia e iria até 16 MMm³/dia, com uma opção de expansão até 30 MMm³/dia. A princípio, o gás natural oriundo da Bolívia seria destinado totalmente ao consumo não-termoelétrico, mas com o esgotamento do potencial hidráulico de maior eficiência (mais barato) e em função da cláusula de compra compulsória (take-or-pay) do Gasoduto Brasil-Bolívia, a geração termoelétrica à gás natural no Brasil passou a ser vista como uma opção viável. Os benefícios desta fonte de geração compreendiam tanto uma expansão da capacidade de geração de energia elétrica, com características de complementação ao sistema predominantemente hídrico (proporcionando maior segurança), quanto a criação de um mercado novo para o gás já adquirido. Em 24 de fevereiro de 2000, diante de uma grave crise de abastecimento que culminou no racionamento, o Governo Federal criou o Programa Prioritário de Termoelétricas (PPT). Este previa a instalação de 55 termoelétricas, em sua maioria a gás natural, até o final de 2003. O propósito do PPT era a remuneração da infra-estrutura de transporte construída para escoar o gás natural adquirido da Bolívia (Gasbol) e ao mesmo tempo aumentar a segurança no suprimento de energia elétrica através do incremento da componente termoelétrica operando em regime de complementaridade às hidrelétricas do sistema3. O programa propunha contratos de fornecimento de gás natural de 20 anos com preços ajustados pelo índice de preços ao consumidor. Apesar de nem todas as térmicas terem sido construídas, o programa representou um salto significativo no uso de gás natural para geração termoelétrica. Na época, o gás natural representava apenas 2,4% do consumo primário de energia, e não havia um mercado para a colocação dos 8 MMm³/dia de gás 2 O contrato take-or-pay obriga o comprador a pagar pelo produto mesmo que não seja entregue.. Uma vez que a termelétrica não tenha problemas no suprimento de seu combustível, no caso o gás natural previamente contratado (PPT), esta pode, operando em regime complementar às hidrelétricas, economizar água dos reservatórios em cenários de vazão vs. armazenamento desfavoráveis. 3 15 natural, nem projeção de crescimento de mercado capaz de acomodar o volume crescente estabelecido em contrato, já que as térmicas do PPT demoraram a entrar em operação e o despacho elétrico era baixo em função da crise. Como conseqüência, o duto fica vazio. Como solução, em 2003, o governo e a Petrobras criaram o Plano de Massificação de Gás Natural, um programa que consistia em uma série de incentivos para o consumo não-termoelétrico do gás (consumo industrial, residencial, comercial e veicular). O principal incentivo ao consumo era um preço muito baixo do energético. Com esse programa, o consumo de gás natural no país deu um salto. Os grandes consumidores industriais desempenharam um importante papel no desenvolvimento do setor de gás. Em função dos baixos preços e dos incentivos dados pelo governo para a conversão dos processos industriais (muitos deles dependentes do óleo combustível) para o gás natural, criou-se uma fonte de demanda “firme” deste combustível. Figura 1.2 – Evolução da Matriz Energética Brasileira A eletricidade no Brasil até então era quase toda proveniente de fontes hidrelétricas. Em 2000 a geração hidráulica representava 86% do total da energia 16 elétrica gerada4. Assim, o desenvolvimento da indústria de Gás Natural no Brasil aconteceu de maneira associada à diversificação das fontes de geração no Setor Elétrico. Com o Programa Prioritário de Termoelétricas e o Plano de Massificação de Gás Natural, a demanda por gás natural no país assumiu um comportamento explosivo. Adicione-se a isso o fato do preço do gás natural ser regulado por portaria e ter se mantido praticamente congelado no Brasil enquanto o preço dos derivados de petróleo subia no mundo todo. Em função do consumo real de gás contratado por parte das termoelétricas ocorrer de forma bastante esporádica, já que as termelétricas operam em regime de complementação ao sistema hidrelétrico (sendo chamadas a gerar apenas em situações “desfavoráveis”), e dos elevados custos de investimento envolvidos na expansão da produção e transporte deste combustível, o crescimento da demanda não-termelétrica (industrial, veicular, residencial etc.) foi gradualmente sendo atendido pelo volume de gás reservado aos contratos de suprimento das termoelétricas. Esse crescimento do mercado não-termoelétrico levou o mercado de gás natural a uma situação de “cobertor curto” que após alguns anos se tornou irreversível no curto prazo, dado o tempo necessário desde o investimento até a operação de campos de produção e da infra-estrutura de transporte 5. Tal situação ficou ainda mais agravada ao se constatar que o uso do combustível pelas termelétricas se dava de maneira quase binária; ou todas as usinas estavam desligadas, proporcionando uma grande sobra gás e, portanto um perfeito atendimento da demanda não-térmica ou até mesmo uma sobra de gás, ou todas eram acionadas ao mesmo tempo, proporcionando um déficit de oferta, uma vez que não havia mais gás para todos. O Brasil passou então rapidamente de uma situação em que era superavitário em oferta de gás, para uma situação de escassez deste combustível, o que levou o país a procurar outras fontes de importação fora a Bolívia e também a considerar a expansão da produção interna. Mais recentemente o esforço de aumento da produção interna se deu através do Plangás – Plano de Antecipação da 4 Informação retirada da pág 564 do livro Panorama do Setor de Energia Elétrica no Brasil, ELETROBRAS, Ed. Memória da Eletricidade, Rio de Janeiro, 2006 5 Exemplos: O poço de Marlim foi descoberto em 1985 e entrou em produção apenas em 1991 [30]; A obra de construção do Gasbol iniciou-se em 1997, mas o gasoduto só entrou em operação em 1999 [30] 17 Produção de Gás, um programa criado pela Petrobras em parceria com o Governo Federal em 2006. De 1997 a 2008, a produção de gás natural no Brasil cresceu uma média de 7,5% ao ano, mas a demanda por este combustível cresceu ainda mais, com uma média de 22,5%. Em 2008, a Petrobrás anunciou a construção de duas plantas de regaseificação de Gás Natural Liquefeito (GNL), totalizando uma capacidade de importação adicional de 21 MMm³/dia, na busca por uma diversificação das fontes de importação, bem como de uma fonte de oferta adicional. O gráfico abaixo ilustra a situação que foi aos poucos de formatando no mercado de gás no Brasil O gás natural considerado de fonte firme, representado abaixo pela soma do Gás Boliviano com o Gás de oferta nacional ultrapassa o montante de demanda firme, representado pelas colunas Demanda Industrial + Outros Usos. Por outro lado, ele não é o suficiente para o atendimento ao mercado térmico total (ultima parcela das colunas) Como conseqüência, conforme pode ser observado no gráfico abaixo, quando há despacho térmico acima de um determinado patamar, há a necessidade de exportação de GNL, uma vez que a oferta nacional somada à importação boliviana não são suficientes para atender a todo o consumo térmico. Em outros momentos, entretanto, quando o despacho está baixo, há uma sobra de gás. 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0 2006 2007 2008 2009 Oferta Nacional GNL Adicional Demanda Termelétrica 2010 2011 2012 Oferta Boliviana Demanda Industrial 2013 2014 2015 2016 GNL Existente Outros Usos Figura 1.3 – Balanço de Oferta e Demanda de Gás Natural no Brasil 18 A motivação para a construção dos dois terminais de GNL (Baia de Guanabara e Pecém) foi a de encontrar fontes de oferta flexíveis, isto é, uma oferta que possa ser ajustada ao consumo térmico. As plantas proporcionam uma situação mais confortável entre oferta e demanda de gás natural, na medida em que o GNL possui contratos que permitem uma compra intermitente (opção de ficar no spot, ou de fazer contratos de longo prazo com cláusulas de cancelamento), adaptando-se às características do consumo termoelétrico. Apesar disso, somente esta solução não é suficiente para acomodar a volatilidade da demanda termoelétrica, já que pode ser uma solução cara, e que o consumo máximo termoelétrico atual supera em duas vezes a capacidade máxima das duas plantas novas conjuntas. Some-se a isso o fato do mercado spot de GNL ainda ser pequeno em relação ao tamanho do mercado de GNL como um todo, e ao fato de 20MMm³/dia representarem uma fatia considerável deste mercado, e conclui-se que a flexibilidade oriunda do GNL não é suficiente para suprir a necessidade de flexibilidade gerada pela demanda térmica volátil. Assim, novas fontes de flexibilidade passaram a ser estudadas. Em 30 de outubro de 2007 ocorreram cortes de 17% no suprimento de gás natural para as Companhias Distribuidoras de Gás Natural CEG e CEG-Rio e Comgás6, em função da priorização do abastecimento das termelétricas. O uso compartilhado do gás natural entre os setores termelétrico e não-termelétrico se tornou uma realidade apenas em 2008 quando os primeiros contratos flexíveis (nas categorias Firme-Flexível e Interruptível) de suprimento de gás foram negociados pela Petrobras com grandes consumidores industriais. A criação desta modalidade contratual representou nova fonte da flexibilidade que estava sendo procurada, além de ser menos arriscada para o comercializador. Os contratos flexíveis (ou interruptíveis, uma das modalidades de contratos flexíveis) prevêem a interrupção do fornecimento aos industriais, que devem então continuar seus processos utilizando um combustível alternativo, por exemplo, o 6 A Comgás (concessionária de Gás Natural da região metropolitana de São Paulo) estava mais preparada, na época, pois já tinha consumidores bi-combustíveis, de forma que o corte não causou tanto estrago quanto no Rio de Janeiro nem foi tão alardeado pela mídia. 19 óleo combustível7, toda vez que as termelétricas forem chamadas a gerar pelo Operador Nacional do Sistema (ONS) elétrico. No anexo A desse trabalho, a disposição a contratar (demanda) dos consumidores industriais potencialmente bi-combustíveis por essa modalidade de contratação foi analisada sob a ótica de um decisor avesso a risco que considera: o preço da commodity alternativa, o preço do contrato firme, o desconto oferecido no contrato interruptível e a probabilidade de despacho das termelétricas que lastreiam todos esses contratos. O trabalho foi desenvolvido na Dissertação de Mestrado de André Mendes, intitulada “Impactos Derivados da criação do Mercado Interruptível de Gás Natural [1], e adaptada aqui às premissas deste trabalho de modo a calcular a demanda por contratos interruptíveis, dado necessário necessária ao cálculo do preço ótimo para contratos interruptíveis.. Em função da relevância que esta metodologia de cálculo de demanda tem para o desenvolvimento deste trabalho, que se concentra na determinação do preço dos contratos interruptíveis por parte do produtor, ela será detalhada no Anexo A. Sendo assim, a correta precificação destes contratos, por parte do produtor (e comercializador de gás natural), torna-se um importante instrumento de gerência de risco, podendo mitigar a necessidade de este ter que comprar GNL no mercado à vista (spot) para atender à demanda total quando as termelétricas forem acionadas. Neste sentido, a forma econômica que o comercializador possui para atrair os consumidores para a modalidade de consumo interruptível é oferecer um desconto no preço deste contrato com relação ao do firme. Se o desconto oferecido nos contratos interruptíveis for suficiente para compensar os prejuízos com as interrupções, os consumidores potencialmente flexíveis irão naturalmente, e por vontade própria, migrar da classe mais cara para a mais barata. Entretanto, essa prática deve ser realizada de forma otimizada, pois em última análise deve-se levar em conta o trade-off entre o benefício que o suprimento interruptível proporciona ao produtor através da mitigação de compras emergenciais de GNL no spot (a preços normalmente elevados) e a redução de 7 Grande parte desses consumidores industriais tinham, no passado, seus processos alimentados por óleo combustível e grande parte destes têm a possibilidade de se tornarem bi-combustíveis, podendo assim, em momentos de interrupção do fornecimento do gás, passar a consumir o óleo como uma fonte alternativa de energia. 20 receita que o deslocamento de consumidores do mercado firme para o interruptível proporciona8. Esse é o principal conceito motivador deste trabalho. 1.2 Lucro do Comercializador no fornecimento de gás natural A Petrobras é o maior produtor e ofertante de gás natural no Brasil, sendo responsável por 90% da oferta interna9. Além disso, a empresa possui participação em quase todas as companhias distribuidoras de gás natural do país, com exceção da CEG (Rio de Janeiro) e Comgás (região metropolitana de São Paulo). As duas características, somadas às características da indústria de gás natural, uma indústria de rede10 com altos custos fixos de entrada que formam barreiras naturais à entrada de concorrentes, colocam a Petrobras na posição de monopolista, apesar dos esforços por parte das agências reguladoras do setor no sentido de aumentar a concorrência. A empresa desempenha um papel híbrido na indústria de gás no Brasil, pois apesar de ser uma empresa de capital aberto com ações cotadas na bolsa de Nova York e conseqüente submissão às leis de governança internacionais, o seu acionista controlador é o governo brasileiro. As implicações desta dicotomia no comportamento da empresa são essencialmente as seguintes: há o objetivo de maximização do lucro, porém sujeito à restrição de minimização do risco de desabastecimento do mercado, especialmente o termoelétrico, que garante a segurança energética do país. Assim, a renda de um comercializador de gás natural será dada pela receita 8 Por definição, o preço do contrato firme é maior que o preço do contrato interruptível, devido ao desconto necessário para atrair o consumidor que terá o seu suprimento interrompido quando as termelétricas solicitarem o gás. Além da desvantagem de preço que o contrato interruptível apresenta com relação ao firme, como será mostrado no próximo capítulo, este proporciona uma receita aleatória, que depende diretamente da disponibilidade de gás. Toda vez que o consumidor é interrompido o pagamento também é suspenso na proporção da interrupção. Desta forma, o contrato interruptível só é interessante para o produtor como instrumento de mitigação de déficts de atendimento à demanda. 9 Fonte: Petrobras, Relatório da área de inteligência Competitiva do Gás e Energia. 10 Um produto possui externalidade de rede quando seu valor para um consumidor aumenta em função do número de consumidores que estão utilizando o bem. O exemplo clássico são as redes de comunicação. No caso do gás, quanto mais consumidores ligados aos dutos de transporte, mais valor é atribuído aos novos investimentos. Nas indústrias com externalidades de rede normalmente surgem firmas dominantes. [32] 21 oriunda dos contratos de venda termelétrico e não-termelétrico. A receita dos contratos não-termelétrico é fixa, uma quantidade fixa vezes um preço fixo, reajustado segundo uma cesta de óleos combustíveis e um índice de preços. A receita dos contratos termelétricos, entretanto, varia conforme a necessidade de despacho das térmicas, que irá determinar o volume efetivamente consumido. Num mercado de cerca de 60 MMm³/dia11, o comportamento errático da demanda pode representar custos muito altos, de ociosidade na infra-estrutura, de postergação da produção, ou de aquisição de cargas de GNL em caráter emergencial pagando prêmios muito altos (dada a obrigatoriedade de atendimento do mercado), apenas para citar os mais impactantes. A criação de fontes de flexibilidade capazes de adaptar as características da oferta do produto com as características de sua demanda errática se torna então bastante atraente. Uma das formas de compatibilizar demandas e ofertas é a criação de contratos de gás natural interruptíveis, isto é, um contrato cujo fornecimento será interrompido se, e somente se, houver despacho termoelétrico. Neste período não há pagamento e outro combustível, presumivelmente mais caro, deverá ser utilizado a critério do consumidor interrompido. O volume vendido no formato interruptível ora estará sendo utilizado pelo consumidor térmico, ora pela indústria. Mas apesar de cada um consumir apenas uma parte do tempo, do ponto de vista do produtor ele é consumido o tempo todo. Sendo assim, um contrato interruptível em conjunto com um contrato térmico irão apresentar um consumo conjunto firme e portanto irão concorrer por recursos firmes com os contratos firmes. Com o contrato do tipo interruptível, que permite compartilhar a demanda de gás de consumidores industriais bi-combustíveis com a demanda termelétrica, o produtor “reduz” virtualmente a demanda total evitando assim, a compra emergencial de GNL no mercado spot nos momentos de alto consumo termelétrico. Entretanto, como apontado anteriormente, existe uma contrapartida a esse benefício, que é o desconto que os contratos interruptíveis precisarão oferecer aos consumidores para atraí-los da modalidade contratual firme para a interruptível. Desta forma, para cada valor de preço de contrato interruptível, 11 Projeção do mercado de Gás Natural termoelétrico segundo Plano de Negócios 2009-2013 divulgado pela Petrobras 22 existirá uma demanda por estes contratos, fruto de um deslocamento do mercado firme12, e de uma exposição ao mercado spot de GNL. Tanto a receita dos contratos interruptíveis e preferenciais (ou termelétrico), quanto as compras de GNL serão necessáriamente estocásticas, dependentes da hidrologia, uma vez que esta determina a operação das termelétricas. Assim, a correta determinação do preço dos contratos interruptíveis deve ser realizada de forma a maximizar o lucro do produtor. Contudo, como o lucro final é composto por parcelas aleatórias, este precisa expressar a sua preferência sobre fluxos estocásticos, de forma a traçar uma estratégia de precificação que atenda ao seu perfil de risco. Neste trabalho, a gestão de risco do produtor será caracterizado por uma medida de risco denominada Conditional Value-at-Risk (CVaR), que será ponderada dentro de uma métrica que considera risco, retorno, e preferências em relação às duas coisas. O preço deste contrato interruptível irá determinar a demanda por ele, que por sua vez irá determinar o volume de compra de cargas de GNL a ser evitado, um efeito positivo sobre a renda do produtor adicional ao efeito “preço vezes quantidade” desta categoria contratual. Daí a importância da determinação do preço ótimo para os contratos interruptíveis. 1.3 Objetivo O objetivo deste trabalho é a construção de um modelo analítico para a determinação do preço ótimo dos contratos de fornecimento de gás natural do tipo interruptível, por parte de um produtor monopolista. O consumo de gás por parte das termelétricas será considerado como principal fonte de incerteza do modelo, que por sua vez será caracterizada através de cenários de operação ótima do sistema elétrico, simulados conforme a metodologia utilizada pelo Operador Nacional do Sistema (ONS) [38], detalhada em [14] e [34]. Para expressar o perfil de risco do produtor, o modelo proposto buscará maximizar uma combinação convexa entre o Conditional Value-at-Risk (CVaR) e o valor 12 Até 2008, a Petrobras disponibilizava aos consumidores industriais apenas contratos no formato Firme. 23 esperado do Valor Presente Líquido (VPL) do lucro do produtor com a venda de gás. As principais contribuições deste trabalho são: (i) a apresentação de um modelo de otimização estocástica capaz de orientar a precificação dos contratos interruptíveis de fornecimento de gás natural futuros, (ii) auxiliar na estimação dos impactos decorrentes de decisões políticas/estratégicas do produtor e dos demais agentes envolvidos através da análise de sensibilidade dos parâmetros/hipóteses do modelo e (iii) a criação de uma medida de grau de poder de mercado causado pela ação monopolista do produtor. Outra contribuição interessante é o fato de que os trabalhos desenvolvidos anteriormente nesta área tratam apenas do curto prazo, enquanto aqui estase buscando analisar o médio e longo prazos. 1.4 Organização da Dissertação O segundo capítulo descreve o mercado de gás natural no Brasil, sua segmentação e diferenciação conforme uso e flexibilidade no consumo do combustível, e apresenta os instrumentos de comercialização que serão considerados neste trabalho. Neste sentido, serão introduzidos os conceitos fundamentais dos contratos de suprimento firme e interruptível de gás, atentando para as respectivas expressões de renda que cada um proporciona ao produtor em decorrência de suas cláusulas mais relevantes. O capítulo 3 apresenta os conceitos relacionados à teoria de decisão sob incerteza que serão utilizados posteriormente no modelo de atuação estratégica do produtor. Uma breve revisão sobre o uso de medidas de risco em problemas dessa classe será realizada com o intuito de justificar o uso do Conditional Value-atRisk (CVaR) na construção da métrica que procura medir a preferência sobre fluxos estocásticos. No capítulo 4 o modelo de precificação estratégica do produtor, foco deste trabalho, será apresentado de forma detalhada, em conjunto com suas premissas. O capítulo 5 apresenta um estudo de caso onde o produtor (Petrobras) define o preço ótimo dos contratos interruptíveis utilizando o modelo proposto neste trabalho com dados projetados pela indústria. Uma análise de sensibilidade 24 sobre algumas premissas do modelo é realizada de forma a ilustrar o potencial da contribuição (ii) anteriormente descrita no objetivo deste trabalho. Por fim, o capítulo 6 apresenta as conclusões deste trabalho e algumas propostas para trabalhos futuros. 2 Mercado de Gás Natural no Brasil Intuitivamente, deduz-se que em uma alocação ótima o gás natural seria alocado de forma que a oferta firme (oferta interna associada e importação com contratos de longo prazo) fosse compatível com a demanda firme (demanda nãotermoelétrica no formato firme e parcela firme da demanda térmica) e a oferta flexível (GNL) fosse compatível com a demanda flexível (demanda termoelétrica flexível em sua capacidade máxima menos a inflexibilidade térmica). Considera-se que a oferta interna, oriunda da produção de gás natural no país, é determinística, ou seja, seu valor é conhecido ao longo do tempo, não adaptável às demandas. O mesmo ocorre com a oferta de gás importado da Bolívia. A única fonte de flexibilidade na oferta, para acomodar as oscilações da demanda térmica é, portanto, os contratos de GNL Spot. As fontes de oferta citadas com seus respectivos contratos, portanto, compõem os custos do produtor. A renda, conforme mencionado, será composta dos contratos firmes, contratos interruptíveis, e contratos preferenciais, detalhados abaixo. 2.1 Consumo de gás – termelétrico vs não termelétrico A demanda por gás natural pode ser classificada em dois grandes grupos: demanda termoelétrica, e demanda não–termoelétrica. A demanda termoelétrica é a demanda de solicitação das usinas termoelétricas para alimentar as turbinas que transformam a energia mecânica em elétrica, gerando energia. A demanda nãotermoelétrica, por sua vez, compreende os seguintes segmentos: demanda industrial, demanda veicular, demanda comercial e demanda residencial, além da demanda para o funcionamento de unidades de refino de petróleo. Nos países com invernos rigorosos, o gás natural é usado majoritariamente para aquecimento, de modo que os segmentos de consumo residencial e comercial são bastante desenvolvidos, e a sazonalidade no consumo acompanha a variação 26 da temperatura (ver figura 2.1 abaixo – Argentina). No Brasil, entretanto, esses segmentos são pequenos, e o grande segmento consumidor de gás natural para uso não-termelétrico é o segmento industrial, seguido pelo segmento veicular. Mil m³/dia Figura 2.1 – Sazonalidade no Consumo de Gás Natural Argentino O que torna os dois tipos de demanda tão distintos um do outro é a previsibilidade dos cenários futuros. A demanda não-termelétrica, principalmente a parcela referente aos consumidores industriais, é tida como “firme” ou determinística. Isso ocorre pois a variabilidade com relação aos valores projetados futuros é muito reduzida, podendo ser desconsiderada. A demanda termelétrica, por sua vez, não pode ser tratada da mesma forma e deve ser modelada como uma variável aleatória, ou estocástica, pois os cenários futuros de demanda desta classe sofrem de um alto grau de variabilidade com relação ao projetado13. A variabilidade de demanda efetiva acontece pois o uso de gás pelas termelétricas é determinado pelo ONS (Operador Nacional do Sistema), que basicamente compara a cada semana o custo de oportunidade do uso futuro da água dos reservatórios das hidrelétricas com o custo variável de operação das termelétricas (ver [12] para mais detalhes sobre como calcular o custo de oportunidade do uso da água). Como os custos variáveis das térmicas movidas a 13 Como será visto mais adiante, é possível estimar a distribuição de probabilidade desta classe de demanda “incerta”, através da simulação da operação ótima das termelétricas no sistema elétrico brasileiro. 27 gás são todos muito parecidos e as variações do custo de oportunidade da água são basicamente determinadas pelas variações das condições hidrológicas, em geral, a chamada para operação dessas termelétricas é realizada de maneira quase que binária; quando o custo de oportunidade da água ultrapassa o custo operacional das térmicas ele ultrapassa o de todas, indicando que momentaneamente é mais econômico armazenar água e atender a demanda acionando todas as termelétricas com custos inferiores ao da água. Em situações de hidrologias favoráveis, o custo cai para praticamente zero e a demanda elétrica é atendida somente com energia hidrelétrica14. Contratos de venda de gás natural para consumo não-termoelétrico são contratos de consumo firme, onde há uma obrigação de consumo (caso o consumo não ocorra, há a aplicação de multas contratuais altas). Já contratos para consumo termoelétrico precisam acomodar as necessidades de despacho termoelétrico determinadas pelo Operador Nacional do Sistema (ONS), e por isso costumam ter uma parcela fixa pré-paga (Ship-or-Pay), para remuneração dos custos de transporte e transformação, e uma parcela variável do tipo “pague se consumir” correspondente à commodity onde só há pagamento sobre o consumido. Da mesma forma, as ofertas de gás natural disponíveis também possuem características distintas. A distinção a ser feita aqui se refere à sua flexibilidade no fornecimento. O gás oriundo de campos de gás não-associados à extração de petróleo possui alguma flexibilidade na produção (mais facilidade de interrupção daquela produção para adequar-se a uma alteração na demanda), mas nos campos de produção de gás associado, onde o gás natural aparece como subproduto da produção do petróleo, uma interrupção da produção é tecnicamente difícil e economicamente indesejável. No caso das ofertas externas (importação), a existência de flexibilidade no consumo irá depender do tipo de contrato de compra. Contratos de longo prazo costumam ser firmes e com pouca flexibilidade (como o da Bolívia, por exemplo), enquanto os contratos do tipo “spot”, isto é, Gás Natural Liquefeito adquirido em um contrato de curto prazo, podem ter flexibilidade total (como um contrato de opção de compra), mas a um custo alto, porque além de um prêmio que deverá ser 14 Este efeito, característico de sistemas predominantemente hidrelétricos, foi estudado em diversos trabalhos em função do impacto que este proporciona aos agentes do setor elétrico. Para uma discussão detalhada deste efeito e de suas consequencias para o setor elétrico ver [17]. 28 pago por essa flexibilidade, a disputa imediata pelo produto irá determinar seu preço e as condições de mercado podem estar desfavoráveis ao comprador. O consumo termoelétrico é hoje o maior consumo de gás natural. Entretanto, por conta da forte participação da geração elétrica de origem hídrica, a geração termoelétrica é bastante irregular, não apresentando nem mesmo uma sazonalidade clara, apesar da distinção entre os períodos seco (abril a outubro) e úmido (novembro a março). Em seguida há uma breve descrição dos tipos de contrato de venda disponíveis hoje, bem como de que forma eles são remunerados. 2.2 Contratos Firmes Um Contrato Firme (ou Firme Inflexível) é um contrato cujo fornecimento não pode ser interrompido, ao menos não sem que o provocador da interrupção (vendedor ou comprador) seja passível de punição previamente determinada no contrato. Esse tipo de contrato atende ao segmento de consumo não-termoelétrico firme. Contratos deste tipo destinam-se à indústria, ao consumidor veicular, às residências e aos estabelecimentos comerciais, isto é, a todos os consumidores não-termelétricos. As oscilações no volume consumido neste tipo de contrato são muito pequenas, e os contratos são majoritariamente de longo prazo, em média oscilando entre 5 e 20 anos. A receita oriunda deste tipo de contrato será, portanto, do tipo: RF = PF⋅QF (2-1) Onde PF é o preço de contratos do tipo Firme e QF a quantidade negociada deste tipo de contrato. No capítulo 4, onde buscaremos expressar o lucro do produtor de gás como função do preço dos contratos interruptíveis15, será assumido que a quantidade negociada em contratos firme totalizará a diferença entre a quantidade 15 Tal parametrização se faz necessária para se poder encontrar o preço ótimo para os contratos interrupitíveis que maximize o lucro do produtor. 29 total de demanda não térmica QNT e a demanda por contratos interruptíveis QI. Desta forma, de agora em diante assumiremos que QF = (QNT – QI). Contudo, no modelo a ser desenvolvido aqui, o preço dos contratos firmes é tido como dado (uma hipótese do modelo), no sentido de não ser uma variável de decisão, de modo que em essência, o que irá movimentar a demanda firme (reduzi-la ou aumentá-la) será a demanda dos contratos interruptíveis. Como será visto nos próximos itens, tal demanda QI(PI) depende do preço estipulado para esta classe de contratos, o que então fechará o elo entre lucro do produtor e preço do interruptível. 2.3 Contratos Preferenciais ou Termelétricos O contrato Preferencial é destinado ao atendimento das demandas termelétricas. O nome “Preferencial” tem por objetivo explicitar a preferência ou prioridade no consumo de Gás Natural. Isto significa a geração termelétrica terá sempre a prioridade no consumo de gás. O comprometimento com o lastro de GN para as térmicas cuja energia já foi vendida implica que o gás natural deve estar disponível para o consumo das termelétricas sempre que necessário. Por necessário entende-se que a usina foi chamada a despachar pelo ONS. Por conta desta característica, este tipo de contrato costuma ser mais caro. Note que, se o consumo máximo termelétrico fosse estabelecido como sendo 100% da capacidade de fornecimento do produtor, então a necessidade efetiva de gás natural pode variar de 0% a 100% em curtos intervalos de tempo. A opção pela compra de um GNL Spot pode atender à uma parte da demanda, mas em volumes grandes se torna excessivamente custosa, especialmente em um momento de restrição de capacidade de liquefação. 30 Como a renda do produtor com relação à parcela fixa da demanda termelétrica16 é fixa e determinística, não trará nenhuma influência ao modelo que se propõe desenvolver neste trabalho. Contudo, para efeitos de gerais a quantidade QTFirme pode ser incorporada na renda decorrente dos contratos com as termelétrica como uma parcela fixa. Desta maneira, a parcela da renda referente ao consumo total das termelétricas pode ser representada pela seguinte expressão: RTMt,s = PTM⋅(QTM⋅Dt,s + QTFirme) (2-2) Onde, PTM é o preço dos contratos termelétricos (ou preferenciais), que é uma função direta da quantidade vendida e assumido conhecido (hipótese do modelo), QTFirme é o consumo assumido fixo (firme) relativo ao ToP e cogeração das termelétricas. QTM é o volume máximo da demanda termoelétrica (contratada) e Dt,s é o % da parcela de consumo variável da demanda contratada efetivamente despachada pelo ONS em cada período de tempo t e série (cenário) hidrológica simulada17 s. Desta forma, o valor QTM⋅Dt,s representa o consumo efetivo da parcela variável do setor termelétrico em cada período e cenário hidrológico simulado. 2.4 Contratos Interruptíveis Os contratos interruptíveis são contratos flexíveis de fornecimento lastreados no montante variável dos contratos firmados com consumidores 16 A parcela firme da demanda termoelétrica (inflexibilidade) é composta de duas parcelas: 1) contratos de ToP com terceiros (não-Petrobras), pois eles estabelecem um pagamento por parte da térmica independente do consumo (receita pré-paga), o que acaba por levar essas térmicas a optarem por usar esse gás e declararem inflexibilidade 2) gás destinado à cogeração, pois quando o consumo é interrompido em térmicas onde há cogeração, a cogeração também pára, o que pode parar os processos de refinarias e outras unidades que se beneficiam dessa cogeração. Como conseqüência, o consumo de gás acontece o tempo inteiro. Do ponto de vista do operar do sistema, térmicas inflexíveis rodam “na base”, isto é, o tempo todo. 17 Os cenários de despacho termelétricos são obtidos através de uma simulação de Monte Carlo da operação ótima do sistema elétrico brasileiro. Desta forma, o que se tem é um conjunto de S cenários de despacho equiprováveis ao longo de todo o horizonte de planejamento. Para mais detalhes sobre a metodologia empregada no despacho do sistema brasileiro, ver [12], para dados e detalhes técnicos e operacionais, consultar [38]. 31 termelétricos. Desta maneira, nesta classe de contratos está previsto uma cláusula de interrupção do fornecimento para o atendimento de outra demanda, a Preferencial (termelétrica). Uma vez que o fornecimento pode ser interrompido, para que este contrato seja atraente ao consumidor, faz-se necessário que haja um desconto com relação ao preço do contrato Firme. São várias as formas de se atrelar a interrupção do fornecimento ao total da demanda efetivamente utilizada. Neste trabalho assumiremos que cada unidade de quantidade de contrato interruptível compartilha, de maneira igual, um corte de fornecimento no percentual do despacho. Por exemplo, se o despacho foi de 30% (da demanda termelétrica variável), então cada consumidor interruptível terá sua disponibilidade de gás natural reduzida em 30% do montante contratado, igualmente.18 Essa modalidade contratual, que tem como característica a possibilidade de interrupção do fornecimento na mesma proporção do despacho da parcela variável contratada pelas termelétricas, proporcionaria um ganho para o vendedor de GN em redução de incerteza no consumo, já que esta manobra permite “firmar” parte desta demanda termoelétrica volátil. Note que neste caso, o fornecedor estaria vendendo o mesmo GN para dois consumidores diferentes, ora disponibilizando o energético para um consumidor industrial flexível (interruptível), ora fornecendo para atender a uma necessidade de despacho termelétrico. A figura 2.2 (abaixo) mostra como se dá esse movimento. 18 Sabe-se que atualmente essa política de corte não é viável, pois a rede de distribuição de gás é limitada e não permitindo que esta seja vista como um único nó. Desta maneira, o que se tem no presente é uma subdivisão da demanda variável das termelétricas entre regiões. Desta forma os consumidores de cada região ficam expostos ao rateio do corte oriundo do despacho das termelétricas locais. 32 Demanda Firme Demanda nãoPotencial Demanda Interruptível (Bi Combustível) Demanda total Área de Contratação Dupla Termoelétrica Compromissada Demanda Interruptível QI(PI) Demanda Demanda Termoelétrica Termoelétrica Compromisso Compromissada Figura 2.2 – Tornando firme um consumo flexível. Assim, tal estratégia permite que o produtor atenda a duas demandas diferentes com o mesmo volume de gás. Supondo que o despacho ocorra D% do tempo, a Figura 2.3 representa o formato do consumo desta parcela de demanda duplamente contratada. D% Consumidor termelétrico Demanda Bi-Combustível 1-D% Consumidor Industrial Figura 2.3 - Atendimento dos Contratos Flexíveis. Assim sendo, a receita que advém deste tipo de contrato pode ser representada da seguinte forma: 33 RIt,s = PI⋅(1 – Dt,s)⋅QI(PI) (2-3) Onde, PI é o preço dos contratos interruptíveis, Dt,s é o % efetivamente despachado pelo ONS da parcela variável contratada das termelétricas no período t e cenário hidrológico simulado s. Note, portanto, que o valor (1 – Dt,s)⋅QI(PI) representa o consumo efetivo do consumidor industrial contratado no formato interruptível. As modalidades contratuais descritas anteriormente são as atualmente disponíveis para a indústria, com algumas nuances. No contexto deste trabalho, o contrato interruptível deverá ser utilizado pelo produtor e comercializador como uma ferramenta de mitigação de incerteza no consumo termelétrico, uma vez que a quantidade consumida pelos consumidores interruptíveis (1 – Dt,s)⋅QI(PI) é complementar à parcela variável termelétrica Dt,s⋅QTM, mas gera uma redução da demanda firme total, dada pelo deslocamento de consumidores firmes de acordo com a definição de quantidade de contratos firmes QF = QNT – QI(PI) feita anteriormente. Enquanto a redução da demanda firme proporciona uma menor necessidade de compra de GNL no mercado spot quando o consumo termelétrico ocorre, a mitigação das incertezas promove um fluxo de caixa menos volátil. Contudo, tais benefícios vêm atrelados a uma redução no preço pago pelo montante de demanda deslocada pelos contratos interruptíveis. Desta forma, o trade-off entre a mitigação dos riscos e a redução do preço pago pelo gás deve ser levado em conta pelo comercializador no momento em que este define o preço dos contratos interruptíveis. Assim, no próximo capítulo serão introduzidos os conceitos de decisão sob incerteza e de medidas de risco necessários para se definir uma métrica de preferência entre diferentes fluxos estocásticos e assim considerar tal trade-off. 3 Medidas de Risco e Decisão sob Incerteza 3.1 Decisão Sob Incerteza Decisão sob incerteza caracteriza processos decisórios no qual estão envolvidos parâmetros com incerteza, os quais usualmente são modelados por variáveis aleatórias. Freqüentemente, existe um grupo de variáveis de decisão que deverão ser selecionadas antes da realização efetiva das variáveis aleatórias (sob incerteza), considerando-se apenas a distribuição de probabilidade conjunta das mesmas, assumida conhecida a priori. A esse primeiro subgrupo de variáveis de decisão dá-se o nome de decisões de primeiro estágio. Neste contexto, as decisões a serem tomadas após a realização das incertezas são denominadas decisões de segundo estágio. Decisões únicas de contratação para os próximos meses (firmadas hoje) Primeiro Estágio Possíveis realizações (cenários) dos parâmetros de incerteza. A estes cenários estão associados diferentes conjuntos de decisões “corretivas” que podem ser tomadas depois que as incertezas se realizam. Segundo Estágio Figura 3.1 – Decisões de Dois Estágios19 O problema a ser tratado aqui é o tipo de tratamento que será dado às incertezas constantes do processo decisório. Uma medida de risco é, em essência, uma forma de quantificar o risco a que estão expostos os agentes. Em casos onde 19 Fonte: Tese de DSc Alexandre Street (2008) - [15]. Material cedido pelo autor. 35 o resultado é bastante sensível a essas incertezas, como é o caso a ser tratado neste trabalho, é importante que o modelo considere, ao indicar a decisão a ser tomada em ambos os estágios, a dispersão da variável em questão. No âmbito deste trabalho, o risco a que o comercializador/produtor está exposto é o risco de déficit de capacidade de suprimento, que pode ser traduzido pelo risco de ter que comprar grandes quantidades de GNL em situações desfavoráveis (alto despacho termelétrico), acarretando em uma perda financeira [14], uma vez que se supõe um compromisso de atendimento ao mercado. Esse risco está associado à incerteza em relação à realização da variável aleatória de decisão, que no caso é o despacho termoelétrico. 3.2 Modelagem das Incertezas O despacho termoelétrico, que irá determinar a demanda termoelétrica por gás natural, é a principal incerteza na função de lucro futuro do comercializador. É a partir da análise dessa incerteza que serão construídos os cenários do modelo estocástico de otimização da carteira do produtor/comercializador de gás. Conforme mencionado, no setor elétrico os processos que determinam o despacho das usinas são oriundos de uma otimização que visa minimizar o custo de atendimento à demanda por energia elétrica. Uma vez que no Brasil as térmicas operam em regime de complementaridade com a geração hídrica, o despacho das usinas térmicas é fortemente influenciado pelo regime de chuvas. O SDDP20 (Stochastic Dual Dynamic Programming) é um modelo de despacho centralizado que possibilita a representação individualizada dos reservatórios de sistemas elétricos de grande porte, como o sistema brasileiro. Embora o ONS possua um software de despacho diferente (NEWAVE [34]) neste trabalho o modelo adotado para a geração de cenários de despacho hidrotérmico foi o SDDP. Sendo assim, as incertezas presentes nos fluxos financeiros que serão analisados nesta tese, serão todas oriundas de uma simulação do despacho do 20 Software de propriedade da PSR consultoria [40]. 36 sistema elétrico brasileiro realizada pelo SDDP com os dados do sistema existente e futuro compatíveis com o cenário de março/2008 disponibilizados pelo ONS. 3.3 Teoria da Utilidade Existem varias formas de tomar decisão sob incerteza, estabelecendo preferências sobre fluxos estocásticos. A escolha ótima está associada ao perfil do agente decisor. Economistas mapeiam o processo de escolha sobre fluxos estocásticos através da Teoria da Utilidade. Uma função de utilidades é, em essência, um objeto individual de cada agente decisor e cujo valor esperado aplicado a uma renda estocástica proporciona um funcional que traduz a preferência do agente. Assim, o funcional de utilidade esperada é capaz de ordenar diferentes variáveis aleatórias de acordo com a preferência de um determinado agente ao qual tal função pertença. Uma crítica muito freqüente relacionada ao uso prático de funções utilidade no processo de decisão do dia-a-dia é que a utilidade é não observável, e portanto, difícil de ser estimada. Além disso, a teoria de utilidade é desenvolvida sob a preferência de agentes decisores (pessoas) e neste sentido se torna algo individual. Em função da dificuldade de se aplicar tal teoria ao contexto empresarial, os grupos de finanças iniciaram uma linha de pesquisa mais pragmática aplicada a decisões financeiras, que será apresentada a seguir. 3.4 Medidas de Risco O principal argumento em que os grupos de pesquisa em finanças e teoria de decisão aplicada se baseiam para a utilização de medidas de risco no processo decisório é o de que empresas ou instituições financeiras devem possuir critérios de risco que definam os níveis de exposição (perdas financeiras) que são aceitáveis pelos investidores (grupo de pessoas que arcará com os prejuízos no caso de uma perda). Medidas de risco visam quantificar o risco da perda que uma determinada posição financeira pode proporcionar em termos de unidades monetárias. Desta 37 forma, usualmente tais medidas levam em consideração a probabilidade dos eventos que definem uma perda ou um nível de confiança sob a exposição financeira. Diversas formas de relacionar o trade-off entre o risco de eventos desfavoráveis e o benefício de eventos favoráveis foram criados para que fosse possível selecionar o mais adequado a cada caso. A fronteira eficiente de Markowitz foi uma das primeiras a ser largamente utilizada e por isso será brevemente apresentada. 3.4.1 Teoria de Portfólio de Markowitz A Teoria de Portfólio moderna é influenciada significativamente por Harry Markowitz [4], teoria essa que foi desenvolvida na década de 50, propondo uma modelagem para o “problema do investidor”. Basicamente, Markowitz acredita no controle de riscos através do correto balanceamento de carteiras e diversificação de portfólio. Em última instância, o que sua teoria prega é que portfólios mais arriscados sempre devem apresentar como contrapartida retornos maiores. O modelo por ele desenvolvido pode ser representado pela seguinte equação: s.a Min V[ r(x)] x (x1+ x2 + x3+.......+ xn) = 1 (3-1) E[r(x)] = r0 onde, r é o retorno deste portfólio, E [r(x)] e V[r(x)] a expectância e a variância do retorno da carteira, X é a fração de capital investida em cada ativo que formará a carteira, e r0 é o nível de retorno esperado desse portfólio. 38 O modelo irá determinar, para cada valor de retorno r0, o portfólio cuja variância é mínima, formando uma curva com o formato abaixo, que representa todas as combinações de retorno e variância mínima de carteiras. Retorno Fronteira Eficiente de Markowitz Carteiras - Combinações de Risco e Retorno Fronteira Ineficiente Risco Figura 3.2 – Fronteira Eficiente de Markowitz Note, entretanto, que para cada patamar de risco, há mais de uma possibilidade de retorno. Deriva daí a “Fronteira Eficiente de Markowitz”, que representa um conjunto de carteiras ótimas para cada nível de risco, isto é, para cada nível de risco, seleciona-se a carteira que apresenta maior retorno. Na figura 3.2 acima, a fronteira eficiente de Markowitz é representada pela curva superior. Em seu trabalho, Markowitz usou como medida de risco a variância, e reside aí a maior crítica ao seu trabalho. O problema em se considerar a variância como medida de risco é que ela atribui igual peso a desvios negativos e positivos. E quando se trata de riscos de carteira, não se tenciona controlar desvios positivos, mas sim precaver-se contra desvios negativos (perdas). Em seguida surgiu a utilização da semi-variância como medida de risco, sugestão do próprio Markowitz para melhorar a análise do seu modelo. A semivariância controla apenas desvios negativos, probabilidades de perda na carteira. É útil como medida para o chamado downside risk. O downside risk representa um risco de perda em relação a um determinado benchmark, controlando apenas resultados de baixo retorno, sem abrir mão de cenários de retornos elevados. 39 Mais recentemente, em 1997, a Securities and Exchange Commission americana determinou que empresas de capital aberto deveriam disponibilizar informações quantitativas de sua exposição ao risco. Muitas entidades optaram por disponibilizar o VaR (Value at Risk) em seus relatórios financeiros. Após 1998, com o acordo de Basiléia II, disseminou-se o uso de medidas de risco que se baseiam em quantis da distribuição. O VaR, Value at risk, se consolidou como a medida de risco quantitativa mais popular. Devido à dificuldade na determinação da medida de risco ótima, recentemente pesquisas foram desenvolvidas no sentido de apontar propriedades desejáveis desses indicadores e classes de medidas que possuem essas propriedades, como,por exemplo, medidas de risco coerentes. Mais detalhes em [21]. 3.4.2 O VaR – Value at Risk O VaR é, em essência, a perda financeira máxima de uma determinada carteira dentro de um horizonte temporal a um dado nível de significância. O primeiro passo para o cálculo do VaR de uma carteira, portanto, é a determinação do horizonte temporal a ser considerado, e o intervalo de confiança. Ambos são estabelecidos segundo perfil e preferência do investidor. Na figura 3.3 (abaixo), o VaR é o valor (quantil) que separa a área colorida (resultados que ocorrem com probabilidade 1-α) e a área branca (resultados que ocorrem com probabilidade α). p(L) (1 – α) α VaRα Figura 3.3 – VaR – Value at Risk Lucro (L) 40 O VaR aponta em um único número um valor pessimista para o resultado de determinada carteira, e é especificado em unidades monetárias. Então, por exemplo, se é escolhido um nível de confiança de 95% (α), um horizonte temporal de um ano, e o VaR desta carteira for US$ 200 milhões, então nesse ano, há apenas 5% de chances do resultado desta carteira ser inferior a esse valor. Entretanto o VaR não é uma medida de risco coerente. Para ser uma medida de risco coerente, uma medida de risco μ necessitaria atender aos axiomas abaixo: 1) μ(c⋅X) = c⋅μ(X), para todo c ≥ 0 onde c é uma constante e X uma variável aleatória (v.a.). – Homogeneidade Positiva 2) μ(X + c) = μ(X) + c , c ≥ 0 - Invariância das Translações 3) Para toda dupla de v.a.’s Y ≤ X, μ(Y) ≤ μ(X) – Monotonicidade 4) μ(X+Y) ≥ μ(X) + μ(Y) – Superaditividade As três primeiras são atendidas pelo VaR, e para distribuições normais, o VaR normalmente atende à superaditividade também, mas em geral não. Na prática, isso significa que o VaR não “captura” o efeito que uma diversificação de portfólio gera em termos de redução de risco. Adicionalmente, o emprego do VaR gera um problema de otimização não-convexo, criando dificuldades na otimização do portfólio. O CVaR, Conditional Value at Risk, é uma medida de risco que se popularizou por atender todas as propriedades axiomáticas de coerência, independente da forma da distribuição. 3.4.3 O CVaR – Conditional Value at Risk O CVaR, conditional value at risk é a média dos quantis de pior cenário. Sua medida não foca apenas no valor que “separa” os α% melhores cenários dos (1-α)% piores, mas identifica qual a média dos cenários pessimistas. A Figura 3.4 abaixo explicita bem a diferença entre a utilização do VaR e do CVaR. Ambas as distribuições de retornos (A e B) possuem o mesmo VaR, mas a distribuição de B tem um CVaR pior, ou seja, se a métrica escolhida fosse o VaR, 41 o investidor estaria indiferente entre as duas curvas, mas se a métrica escolhida fosse o CVaR, B seria preterida. p(R) (1 – α) B α A CVaR(A)α CVaRα(B) VaRα(A)=VaRα(B) Renda Líquida (R) Figura 3.4 – CVaR – Conditional Value at Risk O que ocorre é que a distribuição B, ao contrário da A, apresenta cenários de perda muito grandes, ainda que com baixa probabilidade. O CVaR “captura” esse efeito, e penaliza B quando comparada com a A. De fato, quando se está muito preocupado com os cenários de perda (de baixo resultado), quando o objetivo é evitá-los a qualquer custo, a medida CVaR se apresenta como mais adequada. Conforme mencionado, o CVaR também é uma medida de risco que atende aos axiomas de coerência. Isto é, além de apresentar todas as propriedades do VaR (monótono, homogêneo e transladável), o CVaR ainda possui a propriedade de superaditividade, isto é, apresenta uma redução de risco quando há uma diversificação de carteira. Adicionalmente, o CVaR elimina o problema de otimização não-convexa, permitindo que o problema seja escrito como um problema de maximização com restrições lineares e podendo ser facilmente acoplado em problemas de portfólio. Pelas vantagens apresentadas pelo CVaR, ele será a medida de gestão de risco utilizada neste trabalho. Considera-se que, sendo o agente tomador de decisão a Petrobras S.A, empresa de economia mista cujo acionista controlador é o governo federal, este deve assumir um perfil avesso ao risco. Além de objetivar 42 maximizar seu lucro, também está preocupado com uma escolha que reduza suas incertezas. De acordo com [41], um agente que toma suas decisões maximizando o CVaR ou uma combinação linear entre este e o valor esperado, tem como equivalente certo exatamente esta métrica. Desta maneira, podemos afirmar que, se um decisor tem como métrica de decisão o CVaR, o montante de capital pelo qual ele se torna indiferente (aceitaria vender ou comprar) a um determinado fluxo financeiro estocástico X é o CVaRα(X). Isso pode ser facilmente comprovado uma vez que a equação de indiferença que visa determinar ECX (o equivalente certo de X) assume a seguinte forma: CVaRα(ECX) = CVaRα(X), que é equivalente a ECX = CVaRα(X), uma vez que CVaR de um valor determinístico (ECX) é ele mesmo. Assim sendo, sob a hipótese de que o decisor tem como métrica de prefência o CVaR, ou uma combinação deste com o valor esperado, o modelo que será proposto visará maximizar o valor que este atribui ao fluxo avaliado (seu equivalente certo). 4 Metodologia para Determinação do Preço Ótimo para Contratos Interruptíveis 4.1 Oferta e Demanda de Gás Natural no Brasil 4.1.1 Composição da Oferta A oferta de gás natural no Brasil provém de duas fontes: produção interna e importação. Em se tratando da Petrobras, a produção interna advém da área de Exploração e Produção, sendo que muitos campos são projetos de parceria, e, portanto o gás é comprado dos parceiros pela Petrobras. A importação, por sua vez, pode ser agrupada em importação via duto (boliviana) e importação via GNL (gás natural liquefeito). Independentemente do despacho termelétrico, o produtor é comprometido com o lastro contratado, isto é, caso haja necessidade do despacho, o produto deve ser disponibilizado. Como dito anteriormente, na prática esse consumo só irá ocorrer parte do tempo e embora o gás não-consumido, na ausência de despacho, possa ser armazenado e recuperado depois, esse tipo de operação pode acabar sendo extremamente custosa. Nos casos onde a produção de gás natural é um subproduto da produção de óleo este custo é ainda mais alto, pois uma interrupção na produção de gás implicaria em uma parada na produção de óleo, implicando em um alto custo de oportunidade21. Comumente, a curva de produção de um determinado campo é projetada de forma a extrair o gás da maneira mais eficiente do ponto de vista econômico, dadas as premissas de custos e preços. Uma alteração dessa curva de produção com o intuito de se adaptar ao consumo termoelétrico volátil quase certamente irá 21 O custo de oportunidade é medido pela mais valiosa das alternativas rejeitadas. O custo de oportunidade de um bem equivale ao que temos que abrir mão para obtê-lo. No caso, o custo de oportunidade é representado pela receita da venda de derivados que deixa de se realizar por conta da parada. 44 afetar a capacidade total de extração de gás natural desse campo, um custo adicional ao diferencial de preço temporal de manter o gás guardado para posterior produção. Uma alternativa seria o armazenamento em cavernas e campos já depletados, mas no momento essa ainda não é uma opção no Brasil. Há apenas estudos, portanto não é possível dizer se ela é economicamente interessante para as condições que temos aqui, muito menos dizer que seria mais interessante que o desenvolvimento do mercado flexível/interruptível. No que se refere ao gás importado da Bolívia, cláusulas contratuais implicam em patamares de consumo mínimos, conhecidas como cláusulas de take or pay que estabelecem patamares obrigatórios de consumo para os horizontes, diário, mensal e anual. Apesar de contratualmente haver a possibilidade de consumir abaixo do volume total do contrato (de 30MMm³/dia), esta opção não tem viabilidade política já que a Bolívia não está disposta a aceitar um nível menor para suas receitas por um período longo. Em segundo lugar, caso isso fosse possível, o GN não-consumido poderia ser permanentemente redirecionado a algum outro consumidor que o queira em tempo integral, como por exemplo, a Argentina, que é deficitária nesse combustível e vêm pleiteando mais GN há bastante tempo22 Na prática, a única flexibilidade existente na oferta advém da compra de GNL, cujos contratos são de curto prazo, com opções de compra ou outras ferramentas contratuais que permitem uma adaptação ao consumo térmico. No contexto desse trabalho, considerar-se-á tanto a oferta interna quando a importação da Bolívia como fontes de oferta firme, sem nenhuma flexibilidade. O objetivo desse trabalho é detalhar o processo decisório do comercializador de gás, e não do produtor, embora nesse caso eles sejam em essência o mesmo agente.23. 22 Valor Econômico do dia 09 de janeiro de 2009 veiculou notícia intitulada “Bolívia tenta vender à Argentina gás que Brasil não comprará”, onde o ministro de hidrocarbonetos boliviano dizia: “o que vamos fazer com esse gás?”, sobre a decisão brasileira de temporariamente reduzir a importação boliviana por conta do baixo despacho termoelétrico. 23 Premissas de Preços Internos de Transferência adequadas fazem com que o comercializador incorpore em seu problema decisório os custos do produtor, tomando a decisão de comercialização correta do ponto de vista da Companhia, como será feito aqui no estudo de caso. 45 4.1.2 Balanço de Compra e Venda Conforme explicitado na figura 4.1 abaixo, o problema do comercializador é equilibrar os dois lados desse balanço, sendo que o lado esquerdo representa o consumo efetivo de GN, e o lado direito representa o GN adquirido para fazer frente a esse consumo, seja como oferta firme seja como GNL. Consumo Não-Térmico Total Oferta Firme Total Demanda Industrial Gás Natural Produzido Firme + Interruptível aqui mais a (consumo efetivo), isto importação da Bolívia é, quantidade via duto contratada vezes o despacho. Consumo Termoelétrico Oferta via GNL Quantidade GNL adquirido para Preferencial atender ao consumo contratada total vezes total, quando o despacho necessário. termoelétrico. Figura 4.1 – Balanço de Compra e Venda Na realidade, entretanto, o consumo efetivo é algo que só irá se revelar em um segundo estágio, após a realização do despacho, variável sobre a qual o comercializador não tem influência. Daí vem o problema de decisão sob incerteza, porque o decisor deverá escolher, no estágio inicial (sob incerteza), o preço ótimo de contratos interruptíveis, que em última instância irá então determinar a quantidade ótima de contratos interruptíveis a ser ofertada. 46 4.2 Equação de Lucro do Comercializador 4.2.1 Formação dos Custos O custo do comercializador de gás é formado pelo custo de aquisição de GN, que por sua vez é composto do custo de aquisição de gás nacional (produção própria + parceiros) mais o custo de aquisição do gás importado firme (Bolívia). Será feita a hipótese de que toda vez que a demanda de gás for superior a oferta de gás nacional mais a importação boliviana, os déficits serão adquiridos no mercado spot GNL. Podemos, portanto, representar esse custo de aquisição de GN firme mais GNL da seguinte forma: CTotalt,s(PI) = CF⋅GNF + PGNLt,s⋅QGNLt,s(PI) (4-1) onde, - GNF Quantidade de contratos de GN firme adquirida (engloba a produção nacional adquirida, a importação boliviana, ou qualquer outra fonte futura de contratação, podendo inclusive ser via GNL, desde que na modalidade firme). - CF Custo associado a aquisição de contratos de gás firme. - QGNLt,s Quantidade de GNL adquirido no mercado spot no período t cenário simulado s (será evidenciado na expressão a seguir que esta variável é função do preço dos contratos interrupitíveis PI). - PGNLt,s Preço do GNL no mercado internacional no período t, cenário24 s. A hipótese de compra do déficit de demanda no mercado GNL spot impõe uma expressão para a quantidade de compras neste mercado, definido acima pela variável QGNLt,s e está sustentada no fato de que o produtor/comercializador não é 24 Como se pode assumir que os cenários hidrológicos da simulação operativa do sistema elétrico (que definem os cenários de despacho termelétricos) são estatísticamente independentes dos preços spot de GNL, para efeitos da simulação do lucro do produtor/comercializador um cenário de lucro pode ser definido por um par de cenários (hidrologia, preço GNL) “casados” de forma aleatória. Isso decorre do fato de que a distribuição conjunta das variáveis aleatórias hidrologia e preços do GNL são independentes e portanto, um conjunto de S cenários bivariados constituidos por ambas as variáveis pode ser criado por S sorteios independentes de cada uma delas separadamente. 47 capaz de vender sua produção neste mercado. Neste sentido, esta variável segue a seguinte lógica: em todo período e cenário em que houver déficit (oferta menor que demanda) a variável QGNLt,s assumirá o valor deste déficit, caso contrário valerá zero. Esse comportamento pode ser obtido pela função truncamento positivo da diferença entre a soma de toda a demanda (firme, interruptível e termelétrica de acordo com as expressões (2-1) a (2-3)) subtraída de toda a oferta firme (adquirida mais produzida): QGNLt,s(PI) = = Max {0, [QNT - QI(PI)] + QI(PI)⋅(1-Dts) + QTM⋅Dt,s + QTFirme - GNF} (4-2) Na expressão acima, como QI(PI) é função do preço interruptível, a quantidade de compras de GNL no mercado spot também será. Observe que, na medida em que QI aumenta, o termo [QNT – QI(PI)] é reduzido. Isso acontece em função da migração dos consumidores industriais da modalidade firme para a interruptível. Tal migração proporciona uma redução na demanda total de gás em função do uso compartilhado do gás na modalidade interruptível com os consumidores termelétricos (parcela variável). Como a curva de demanda QI(PI) é assumida monótona decrescente, a medida que PI decresce (e o desconto (PF - PI) com relação ao firme aumenta) a necessidade de compra de GNL no mercado internacional diminui (nos cenários em que esta é maior que zero). Reagrupando os termos da expressão (4-2), vemos que o déficit com relação à oferta firme, diferença entre a demanda contratada e a oferta firme d(PI) = [QNT – QI(PI)] + QI(PI)⋅(1–Dts) + QTM⋅Dt,s + QTFirme – GNF, é não decrescente com PI, pois ∂d(PI)/∂PI = – Dts⋅∂QI(PI)/∂PI ≥ 0 para todo PI ∈ [0,PF], uma vez que, por hipótese, ∂QI(PI)/∂PI ≤ 0 e Dts∈[0,1]. Assim, como o Max{0,.} também é não decrescente, QGNLt,s(PI) também será. A constatação de que QGNLt,s(PI) é não decrescente em todo o domínio de PI implica em CTotalt,s(PI) também assumir este comportamento, evidenciando o valor de se reduzir o preço do contrato interruptível que, em última análise, implica em atrair consumidores para esta classe de contratação mais flexível. 48 Entretanto, como pode ser bem observado, um aumento de contratos interruptíveis também gera uma redução da demanda firme, e o consumidor firme paga mais que o interruptível, por hipótese, uma vez que este tem a desvantagem de ser interrompido. Ou seja, reduz-se o risco de uma compra de GNL, mas perdese receita com os contratos industriais. Reside aí um dos principais trade-offs do comercializado. Um outro termo de interesse nessa expressão de custo é justamente o preço do GNL (PGNLt,s). Uma vez que o GNL é importado, e que o mercado brasileiro ainda não tem peso para ser um formador de preços desse combustível, o seu preço será formado no mercado internacional. Ainda não há clareza de qual deverá ser o indexador dos contratos de GNL no futuro, mas sabe-se que provavelmente será influenciado pelos preços de gás natural no mercado norte-americano (o Henry Hub), pelos preços do petróleo (Brent), e talvez pontualmente pelos preços de GNL no mercado asiático (JCC) e pelos preços de GNL no mercado europeu (NBP). O fato é que o preço oscila conforme condicionamentos de oferta e demanda pelo combustível no cenário internacional, e conforme variações nos preços de seus substitutos diretos nos mercados de peso. O mercado spot (curto prazo) de GNL no mundo ainda é bastante incipiente e não possui tanta liquidez como os mercados de óleo e derivados, por exemplo25. Sendo assim, uma demanda por cargas spot de GNL será tanto mais cara quanto maior for o volume demandado. Como o aviso de despacho térmico ocorre com no máximo dois meses de antecedência26, a compra de GNL para atendimento à essa demanda ocorre no mercado spot. Os primeiros volumes demandados irão disputar com consumidores que são bi-combustíveis ou que podem facilmente, por um motivo ou por outro, substituir o GNL por outro combustível (ou até mesmo possuem outra fonte de oferta de gás), mas à medida que mais GNL é demandado pelo Brasil, as cargas passarão a ser disputadas com clientes cada vez mais inflexíveis em seus consumos, de modo que há que se pagar cada vez mais. 25 O volume de GNL comercializado no mundo em 2008 foi de 643 MMm³/dia. Desses, apenas 142 MMm³/dia foram no mercado spot. A Petrobras, atualmente, possui capacidade de importação de 21 MMm³/dia de GNL , o que corresponde a 15% do total do mercado spot. Fonte: Petrobras, área de Inteligência Competitiva do Gás e Energia. 26 Para as térmicas que declararam custo de GNL nos últimos leilões apenas. 49 Premio pago pelo GNL Volume de GNL demandado Figura 4.2 – Prêmio do GNL como Função do volume Demandado No limite, pode ser tão caro o desvio de uma carga para atendimento do mercado no Brasil, que o comercializador opte por pagar uma penalidade (Pt,s) de desabastecimento do mercado térmico nos cenários em que o spot GNL não tenha capacidade de atender ao déficit de demanda (nesse momento essa dificuldade de atendimento será refletida em prêmios estratosféricos). O custo dessa penalidade é muito alto. Para térmicas de terceiros, há que se remunerar o gerador pela energia que ele foi obrigado a comprar para cumprir os seus compromissos de venda de energia. Se ele tiver sido obrigado a comprar energia no mercado spot de energia, então essa conta será paga pelo fornecedor de gás que descumpriu o compromisso da entrega. Para térmicas próprias, a penalidade pode ser a perda de garantia física27. A curva de preço de GNL dependente do volume negociado bem como uma multa ou penalidade pelo déficit de atendimento à demanda não foram considerados neste trabalho. Contudo, tais fatores poderiam ser facilmente incorporados no modelo aqui proposto através da soma desses termos na expressão (4-1) e de um ajuste na expressão (4-2) para contemplar a dependência do preço do GNL com o montante total adquirido. 27 A quantidade máxima de energia que as usinas hidrelétricas e termelétricas podem comercializar é a sua garantia física, conforme estabelecido na Le i nº 10.848 de 15 de março de 2004 e regulamentada pelo art. 2º do Decreto nº 5.163, de 30 de julho de 2004. 50 4.2.2 Formação das Receitas Conforme mencionado no capítulo 2, a receita do comercializador (apresentada a seguir – expressão (4-3)) deve ser composta pelas seguintes parcelas: (i) receita com o consumo firme, (ii) receita com o consumo interruptível e (iii) receita decorrente do consumo termoelétrico. Seguindo a notação apresentada no capítulo 2, a expressão da receita é então composta pela soma das expressões (2-1) a (2-3): RTotalt,s(PI) = PF⋅[QNT – QI(PI)] + PI⋅(1–Dt,s)⋅QI(PI) + PTM⋅(QTM⋅Dt,s+QTFirme) Observa-se que tanto a receita oriunda da venda (4-3) termoelétrica quanto aquela oriunda dos contratos interruptíveis são estocásticas e dependentes do despacho termoelétrico, mas em direções opostas. Se o despacho aumenta, a receita termoelétrica aumenta e a receita interruptível é reduzida, e vice-versa para os casos de redução do despacho. Podemos então, identificar formalmente os efeitos que o contrato interruptível introduz na receita total do produtor. Observa-se que a função RTotalt,s(PI) é não decrescente com o preço do interruptível (e não crescente com a quantidade QI), uma vez que: ∂RTotalt,s(PI)/∂PI ≥ 0 para todo PI∈[0,PF]. Esta relação pode ser facilmente identificada ao realizarmos uma análise dos termos desta derivada. Como ∂RTotalt,s(PI)/∂PI = (1–Dt,s)⋅QI(PI) + [PI⋅(1–Dt,s) – PF]⋅∂QI(PI)/∂PI, e por hipótese, 0 ≤ PI ≤ PF e a curva de demanda é não crescente, ou seja, ∂QI(PI)/∂PI≤0, qualquer que seja o cenário de despacho, Dt,s ∈ [0,1], podemos afirmar que tanto (1–Dt,s)⋅QI(PI) ≥ 0 como [PI⋅(1–Dt,s) – PF]⋅∂QI(PI)/∂PI ≥ 0. Assim, para todo PI∈[0,PF], ∂RTotalt,s(PI)/∂PI ≥ 0. Esta lógica corrobora o raciocínio, anteriormente introduzido, de que o benefício para o produtor/comercializador com os uso dos contratos interruptíveis 51 (aumento de QI devido a uma redução de PI) encontra-se na redução dos custos de compra de GNL, evidenciado pela expressão (4-2). Assim, o “preço” que se paga por este benefício, ao reduzir PI e aumentar QI(PI), é a diminuição da renda em todos os cenários. A seguir, ambos os efeitos serão combinados na expressão do lucro final do produtor. Desta maneira, através de uma métrica de preferência, que levará em conta este trade-off em todos os cenários, o produtor poderá encontrar o PI mais adequado para o seu perfil de risco. 4.3 O Problema de otimização do Produtor/Comercializador Juntando as expressões,de custo (4-1) e de receita (4-3), pode-se escrever a expressão de lucro como função do preço dos contratos interruptíveis: Lt,s(PI) = RTotalt,s(PI) – CTotalt,s(PI) (4-4) Observa-se que o lucro, por conta das incertezas contidas no preço do GNL e no despacho, será estocástico, de modo que o comercializador deverá fazer uma escolha entre fluxos estocásticos. Um fator relevante para a modelagem deste problema é a posição que o comercializador ocupa nesse mercado, já que atualmente é praticamente o único fornecedor de gás natural (com 90% da oferta interna) e a indústria de gás, por suas condições de altos custos fixos, impõe muitas barreiras à entrada de novos participantes. Mesmo com as alterações prometidas na regulação, o peso da Petrobras nesse setor impõe que ela não será uma tomadora de preços nem no curto nem no médio prazo, mas sim o agente que irá estabelecer os preços nesse mercado. Dito isso, é natural que o problema de maximização se dê através da escolha de um preço ótimo a ser estabelecido sob o ponto de vista de um monopolista, isto é, escolhendo o preço que maximiza a métrica que melhor caracteriza a sua preferência. Desta forma, neste trabalho foi escolhido como funcional de preferência uma combinação entre o α-CVaR e o Valor Esperado do VPL (Valor Presente Líquido) dos lucros futuros ao longo do horizonte de tempo (T períodos) em que os contratos analisados estarão em vigência. 52 Conforme discutido no capítulo 3, o CVaR possui uma série de virtudes teóricas e práticas que impulsionaram o seu uso em aplicações financeiras. Desta forma, se o VPL traduz a preferência temporal do agente para fluxos determinísticos, ao lidarmos com fluxos estocásticos, na expressão (4-5), a componente λ⋅CVaR(.) “representa o risco” (quantificando a média dos (1α)100% piores cenários) enquanto que a componente (1-λ)⋅E(.) representa o resultado esperado. O parâmetro λ torna-se então um parâmetro de aversão a risco que calibra a contribuição que cada parcela representa na preferência do agente decisor. O parâmetro α também é um parâmetro de aversão a risco, contudo o seu valor é geralmente utilizado entre 95% e 99% (neste trabalho adotado o valor de 95%). O problema de otimização do comercializador de gás natural será definido pela seguinte expressão: Max(PI≥0) λ⋅CVaRα{VPLK,T[L(PI)]} + (1-λ)⋅E[VPL[L(PI)]} (4-5) onde, λ é um peso que assume valores entre zero e um. Em (4-5), uma notação compacta foi adotada para especificar a função objetivo de forma simples. Nesta, VPLK,T[L(PI)]} = ∑t≤T Lt(PI)⋅(1+K)-t, onde K e T são, respectivamente, o custo de capital (% por período) e o número de períodos total no horizonte de avaliação dos contratos. De acordo com esta notação, L(PI) é o vetor de variáveis aleatórias contendo em cada coordenada o lucro Lt(PI) de cada período t. Conforme especificados em (4-4), cada variável aleatória Lt(PI) é caracterizada por uma distribuição discreta (proveniente de uma simulação) com S cenários independentes e equiprováveis. Assim sendo, CVaRα{VPLK,T[L(PI)]} representa a média dos (1-α)100% piores cenários de VPL do lucro que a empresa pode ter dado o preço PI e E[VPL[L(PI)] o valor esperado do mesmo. O modelo reflete o fato de que o comercializador não está apenas preocupado com a maximização de seu lucro esperado (perfil neutro a risco), mas também se preocupa com o controle de sua exposição ao risco (representada pela 53 média dos piores cenários dada pelo α-CVaR). A inclusão do termo CVaRα{VPLK,T[L(PI)]} na função objetivo visa valorar o controle de risco, através do peso λ. Quando λ = 1, o decisor torna-se bastante avesso a risco e desta forma concentra todos os seus esforços buscando o preço do interruptível que proporcione o maior CVaR da distribuição do VPL do lucro, mesmo que para isso a média seja penalizada28. Quando λ = 0, entretanto, o decisor não está preocupado com o controle de riscos, e escolhe apenas o preço que maximiza o valor esperado do VPL de sua função de lucro, mesmo que este leve a uma distribuição com alta probabilidade de perdas elevadas. O problema de maximização irá gerar como produto o par ordenado (PI*,QI(PI*)), em que o PI* foi o preço escolhido pelo comercializador como solução do seu problema de otimização, e QI(PI*) a quantidade consumida/fornecida de contratos interruptíveis, observada na curva de demanda estimada para aquele nível de preço. A escolha desta métrica visa ponderar, na escolha do comercializador, tanto risco quanto retorno, sem uma restrição a priori. Se, por exemplo, utiliza-se uma maximização de valor esperado do VPL com restrição de risco, estar-se-ia excluindo, por hipótese, algumas decisões que levariam a resultados fabulosos, porém com uma pequena violação da restrição de risco estabelecida. Com a ponderação dada pela métrica selecionada, tal decisão pode até vir a ser escolhida, dependendo do valor que o decisor atribuir a cada uma das parcelas, média e piores casos. A figura abaixo ilustra de que forma se dará a escolha ótima de PI através da métrica selecionada. 28 Cabe aqui salientar o fato de que usualmente a medida de risco CVaR é definida para perdas financeiras, ou seja, o negativo do lucro, e portanto, o CVaR normalmente quantifica o valor esperado das (1-α)% maiores perdas (atuando sobre o lado direito da distribuição). Contudo, neste trabalho, o CVaR foi definido como a média dos (1-α)% piores (mais baixos) cenários do VPL, atuando assim sobre o lado esquerdo da distribuição. 54 Figura 4.3 – Otimização pela escolha de PI* Em seguida será realizado um estudo de caso para o modelo apresentado neste capítulo, com premissas e números da indústria, no intuito de avaliar sua aplicabilidade de extrair informações sobre as relações entre a política ótima de preço e alguns dos principais parâmetros do modelo. 5 Estudo de caso Para o estudo de caso em questão, algumas premissas foram estabelecidas sobre as variáveis envolvidas de forma a simplificar o problema e permitir uma análise mais detalhada da precificação correta dos contratos interruptíveis, que é o foco do trabalho. Nota: a partir deste ponto, todos os volumes (quantidades) serão representados em MMm³/dia (milhões de metros cúbicos por dia) e os preços em US$/MMBtu (dólar por milhão de BTU – British Thermal Units – uma medida de energia). Além disso, o lucro ou qualquer outro fluxo monetário será representado em MMUS$ (milhões de dólares). 5.1 Premissas de Receitas e Custos 5.1.1 Preços Firme e Termoelétrico PF, PTM : Os contratos firmes tiveram seu valor estabelecido conforme as regras atuais de precificação da indústria, que conta tanto com contratos bolivianos quanto nacionais. Tais contratos guardam uma relação com os preços de óleo combustível, o energético substituto, que faz com que acompanhem parcialmente as oscilações dos preços de óleo combustível (e, conseqüentemente, do Brent, dada a correlação entre as duas variáveis), mas não buscam paridade. Entretanto, os contratos possuem uma parcela fixa não atrelada ao óleo, que além de ter o objetivo de remunerar os custos fixos de transporte, acaba servindo como um redutor da variabilidade dos preços de gás natural frente ao óleo. Os contratos firmes costumam ser de longo prazo com reajuste apenas quando há alteração nos preços de óleo e para acompanhar os índices de preço. 56 Sendo assim, aqui eles serão considerados constantes no período de 4 anos analisado (assumindo um fluxo de moeda constante). Os contratos termoelétricos são normalmente de prazo mais longo que os firmes, em geral de 20 anos. Assim, os preços atuais se dividem em contratos antigos, firmados sobre condições não mais existentes (contratos PPT29, por exemplo), e contratos de leilões recentes, que já consideram uma indexação ao GNL e uma parcela fixa para remuneração da infra-estrutura disponibilizada. Aqui, utilizou-se preços médios, procurando refletir ambos os tipos de contrato e seu peso no total desse mercado. Como conseqüência, os preços médios termoelétricos são inferiores aos preços dos contratos firmes, já que os últimos foram renegociados recentemente sob novas condições. Tal simplificação é realizada com a intenção de não desviar o foco do estudo de caso, que poderia facilmente contemplar separadamente a ponderação entre os preços e quantidades praticados de forma detalhada. Contudo, o objetivo deste trabalho se restringe a evidenciar e estudar o posicionamento estratégico da empresa monopolista no “mercado interruptível” frente a incerteza do uso do gás termelétrico. 5.1.2 Preços de GNL PGNLt,s: Conforme mencionado, os preços de GNL são formados no mercado internacional, determinados conforme condições das variáveis que afetam esse preço a cada momento de tempo, por exemplo: preço do Brent, custos de geração a carvão nos Estados Unidos (porque afeta a demanda por gás natural que por sua vez afeta os preços de GNL), unidades de liquefação novas entrando em operação, etc.. Além disso, o prêmio a ser pago pela Petrobras por cada carga a ser adquirida é influenciado pela demanda total por GNL. Quanto maior o volume, maior o prêmio a ser pago sobre o preço internacional do combustível. Quando as condições no mercado internacional estão desfavoráveis ao comprador, como por exemplo em 2007, quando houve um problema com uma 29 Da época do Programa Prioritário de Termoelétricas, os contratos PPT têm preços muito baixos quando comparados aos atuais preços de gás natural, já que foram estabelecidos em uma época de superávit de gás no Brasil, e seu reajuste apenas acompanha o crescimento inflacionário. 57 planta de geração nuclear no Japão, forçando o país a aumentar significativamente sua importação de GNL, os preços de GNL podem subir muito. E vice-versa para mercados favoráveis aos compradores. A modelagem correta dessa variável implica no desenvolvimento de um modelo estocástico, mas neste estudo de caso os preços de GNL foram considerados determinísticos e constantes ao longo dos períodos. Desta maneira, a modelagem das incertezas foca nas incertezas oriundas do despacho termoelétrico que lastreia os contratos interruptíveis. Uma interessante extensão deste trabalho seria a incorporação de uma modelagem estocástica do preço de GNL, já que picos de altos preços de GNL agregam valor aos contratos interruptíveis, que como visto antes, mitigam a exposição ao risco de compra de GNL. Algumas restrições sobre os parâmetros do modelo podem ser derivadas de uma análise da equação de lucro, com destaque para as duas seguintes, que relacionam o preço PGNL (assumido determinístico e constante ao longo do horizonte de estudo) com o preço termelétrico e custo de aquisição de oferta firme pelo comercializador: • PTM ≤ PGNL – Se o custo de aquisição de GNL puder ser repassado diretamente para o consumidor final, sem risco de o preço de GNL superar o preço termelétrico (esse “risco”só existe quando o preço do GNL é modelado de forma determinística), não há incentivo nenhum para a criação de um mercado interruptível, desaparece a vantagem que ele apresenta ao reduzir o risco de exposição ao GNL. Desta forma, o preço do GNL deve ser superior ao preço de venda termelétrico para sinalizar o fato de que o mercado de GNL será utilizado apenas em cenários de déficit de oferta, caso esta hipótese não seja atendida, o modelo não encontrará nenhuma vantagem na venda de contratos interruptíveis. O equivalente no caso estocástico seria baseado no conceito de não arbitragem, onde com alguma probabilidade maior que zero o preço do GNL deve superar o preço de venda termelétrico, ou seja, para algum t∈TTM≠{∅} e s∈ΩTM≠{∅}, PTM ≤ PGNLt,s. • CF ≤ PGNL – O preço do gás no mercado firme deve ser menor ou igual ao preço do GNL, caso contrário não haveria mercado para o gás firme, todo 58 o mercado seria atendido pelo GNL, que apresenta uma vantagem de flexibilidade, e portanto deve ter preço maior. Outras restrições envolvendo o preço do firme e os demais parâmetros poderiam ser enumeradas seguindo a mesma lógica anterior. Contudo, em função da hipótese considerada para fins deste estudo de caso, de que o preço do GNL seja constante e determinístico, torna-se importante que os efeitos desta estejam bem explicitados. Na ausência de um modelo para caracterizar a influência da estocasticidade dos preços de GNL nas decisões, uma análise de sensibilidade com relação a este parâmetro será realizada para capturar o impacto na decisão ótima para diversas hipóteses deste preço. 5.1.3 Custo do Gás Firme No modelo aqui desenvolvido, analisa-se o caso sob o ponto de vista do comercializador, e não do produtor. Sendo assim, o custo do gás produzido pela própria Petrobras será comprado pelo “comercializador”, que é a área de Gás e Energia da Petrobras, por um preço interno de transferência acordado entre as partes. Entretanto a modelagem perderia todo o sentido se a solução de precificação encontrada atendesse ao problema de maximização da área de gás e Energia mas não representasse a melhor solução para a companhia com um todo. Uma forma de resolver essa questão é fazer com que esses preços de transferência reflitam o custo de oportunidade envolvido na decisão de uma compra intra-companhia. O custo de oportunidade considerado aqui foi o de GNL, já que cada molécula não produzida internamente teria que ser comprada no mercado internacional no formato liquefeito. O termo CF, entretanto, faz uma ponderação entre os custos de GNL (Custo de Oportunidade estabelecido para o gás firme nacional) e o custo do gás boliviano contratado, de modo que seu valor final (média ponderada) é inferior àquele do custo de GNL nos cenários em que o custo de aquisição do gás boliviano está inferior ao do GNL, e superior nos cenários em que o Boliviano está mais caro. Uma vez que a análise aqui desenvolvida foca em cenários de 59 GNL de custos altos, os preços internos de transferência são inferiores aos de aquisição de GNL. 5.1.4 Quantidades Contratadas QF e QTM: A quantidade de contratos firmes disponíveis, obtida diretamente através da diferença entre a demanda total e os contratos interruptíveis, foi determinada considerando as projeções da indústria para os anos em questão. Foram consideradas variações apenas de um ano para o outro, e não foram considerados os possíveis efeitos da crise, que podem reduzir as projeções de demanda. Da mesma forma, a quantidade termoelétrica contratada também seguiu as projeções da indústria, com variações anuais. QI(PI): é uma curva de demanda em função do preço, adaptada a partir do artigo de Street. et al. [1] e da dissertação de Mendes, A.[1], atualizada com as premissas deste trabalho. Essa premissa, devido à sua importância para o desenvolvimento deste estudo de caso, está explicada e desenvolvida no anexo A. A tabela a seguir resume as premissas de preço e quantidade: Tabela 5.1 – Premissas de Volume (MMm³/dia) Demanda Industrial Total Demanda Térmelétrica Total Oferta Firme (BoL+E&P) 2013 85 44 97 2014 88 45 97 2015 89 51 97 2016 89 62 100 2015 7,5 7,0 11 7 2016 7,5 7,0 11 7 Tabela 5.2 – Premissas de Preço (US$/MMBtu) Preço dos Contratos Firmes Preço dos Contratos Termelétricos Preço do GNL Custo da Oferta Firme 2013 7,5 7,0 11 7 2014 7,5 7,0 11 7 60 5.2 Premissas de Despacho Para a projeção do despacho termelétrico foram utilizados 200 cenários de despacho gerados pelo software SDDP30 da Consultoria PSR. A modelagem do software está descrita no capítulo 3 deste trabalho. As premissas para esta simulação foram obtidas a través de dados do sistema elétrico brasileiro existente e futuro, e são compatíveis com o cenário de março/2008 disponibilizado pelo ONS. Alguns dados referentes à performance das termoelétricas foram substituídos por dados da Petrobras, como por exemplo, heat rates31. 5.3 Penalidades Não foram consideradas penalidades de não-atendimento ao mercado para efeito deste estudo de caso. O modelo é montado de forma que todos os déficits de oferta podem ser adquiridos no mercado spot GNL e o objetivo incorpora a minimização da probabilidade do desabastecimento do mercado e conseqüente pagamento de penalidades através do desenvolvimento de um mercado interruptível de gás. Além disso, a necessidade máxima de GNL possível (representada pela demanda termelétrica flexível) chega a apenas 50% do mercado de GNL Spot atual, de modo que ainda não está perto o limite superior de quantidade disponível neste mercado. Pode ser, entretanto, que seja pontualmente interessante pagar uma penalidade de não-atendimento ao invés de prêmios tão altos no mercado de GNL, mas essa hipótese não foi considerada aqui. 30 www.psr-inc.com.br Medida de eficiência de uma térmica que determina quanto de gás natural será necessário àquela térmica para gerar um megawatt ou outra medida de energia. 31 61 5.4 Horizonte Temporal A operação do sistema é simulada para os anos de 2013 a 2016. A escolha desse horizonte temporal se deve ao fim dos contratos firmes recém-celebrados pela Petrobras. Recentemente a estatal renovou seus contratos de fornecimento para as modalidades não-termoelétricas, com horizonte temporal de 5 anos na maioria dos casos. Pode ser que a empresa opte por não negociá-los todos no vencimento (que seria em final de 2012), e que já haja abertura para ir renegociando aos poucos, mas de qualquer forma há uma probabilidade de um espaço para renegociação de preços no final de 2012, início de 2013. As mudanças recentes no cenário econômico internacional também penalizam uma análise de curto prazo. Em apenas 6 meses, o Brent caiu 66%, passando de 133 dólares o barril32 para 44 dólares33. Como conseqüência, o gás natural perdeu competitividade frente ao seu maior competidor, o óleo combustível. Em janeiro deste ano, o consumo da indústria caiu 27,73% em relação ao mesmo mês do ano passado, os primeiros números que apontavam o efeito da crise sobre o consumo. Mas a maior queda foi mesmo da geração termoelétrica, que caiu 65,12% em relação à janeiro de 2008 [37]. Com a redução da demanda oriunda da crise e a migração de consumidores para outros energéticos por conta da perda de competitividade do gás natural, adicionado a um período de alto índice pluviométrico, e, portanto baixo despacho termoelétrico, o país se viu em uma situação de sobra de gás natural. Impressiona que em tão pouco tempo a situação tenha se modificado tão intensamente, o que nos leva a crer que essa situação pode ser conjuntural. Assim sendo a desvantagem de olharmos para o curto prazo é que qualquer projeção pode estar excessivamente contaminada pela conjuntura, que pode ou não ser passageira. Uma motivação adicional para a escolha deste horizonte temporal é que, segundo o Plano de Negócios 2009-2013 divulgado pela companhia, 2013 é o ano em que, após incorporação de demandas por gás natural oriundas das 32 33 Valores médios de julho no Índice Platts [38]. Valores médios de janeiro no Índice Platts [38]. 62 termoelétricas vencedoras do leilão A-3 de 2008 e A-5 de 2008, há um salto na demanda termoelétrica total (aumento na necessidade de lastro), e portanto, é o momento onde a flexibilidade oriunda dos contratos interruptíveis a princípio se torna mais valiosa. 5.5 Outras Premissas Relevantes Para o cálculo do valor presente líquido na métrica esperada utilizou-se a taxa de desconto de 10% a.a., considerando que a atividade de comercialização não é tão arriscada quanto a exploração, mas tampouco, conforme demonstrado, possui uma taxa livre de risco. A escolha de 10% levou em conta que a taxa deveria ser algo entre uma taxa de desconto de baixo risco34, e uma de risco alto, como aquela utilizada largamente no setor de petróleo, já que o setor de Gás e Energia (comercialização) não é tão arriscado quanto o de exploração e produção de petróleo e gás. A escolha do λ para o estudo de caso se deu em λ = 95%, considerando que sua condição de empresa de capital aberto com o Governo como acionista controlador coloca a empresa em uma posição de aversão ao risco. Para o CVaR foi escolhido um α de 95%. 5.6 Resultados Para as premissas estabelecidas acima, obtém-se como métrica os resultados da Figura 5.1, onde no eixo horizontal temos o preço do interruptível discretizado, e no eixo vertical a métrica de preferência baseada no CVaR a ser maximizada. 34 Como, por exemplo, a TJLP – Taxa de Juros de Longo Prazo que é a taxa que órgãos de fomento como o BNDES utilizam em seus empréstimos. 63 0 0 1 2 3 4 5 6 7 8 -500 Métrica (MM US$) -1000 -1500 Preço Monopolista, 6.45, -761.4 -2000 -2500 -3000 -3500 -4000 -4500 Preços do Interrupitível (US$/MMBTU) Figura 5.1 – Métrica para λ = 95% Nota-se que, para preços firmes em torno de 7,5 (premissa deste estudo de caso), a métrica assume um comportamento crescente na medida em que PI se aproxima de PF, “por baixo” e irá atingir o máximo no ponto em que PI = 6,45 US$/MMBTU. Este seria, portanto, o preço ótimo monopolista que deveria ser praticado para maximizar a métrica de preferência do comercializador. Esse valor corresponde a um desconto de 14% sobre o preço do firme. Além disso, o “valor” que este posicionamento estratégico proporciona ao comercializador pode ser calculado pela diferença entre a métrica da empresa no ponto ótimo e a métrica no ponto onde não há consumo de contratos interrupitíveis (PI=PF). Este valor pode ser diretamente inferido do gráfico anterior, sendo da ordem de U$$ 115 MM. Isso significa que o potencial benefício do mercado interruptível é de 13%. Note que, dada a premissa de que a decisão será tomada sob o ponto de vista de um monopolista, o preço monopolista desloca a demanda/oferta deste contrato de maneira a atender o interesse do produtor/comercializador. Desta maneira, pode-se medir o desvio que este comportamento proporciona se comparado ao caso hipotético “competitivo”35, onde a quantidade total deste 35 O termo competitivo aparece entre aspas em função do uso desta terminologia para um caso hipotético onde seria imposta uma competição através de um leilão, assumindo-se que o produtor não teria a informação da demanda dos consumidores. 64 contrato poderia ser dada através de um leilão em que o comercializador para cada preço ofereceria uma quantidade que está disposto a vender (sem a informação da demanda dos consumidores, ou seja, para cada preço PI encontraria a quantidade quantidade QI que maximizaria a métrica de preferência) e os consumidores as quantidades que estariam dispostos a comprar. Desta maneira, através de um leilão iterativo onde o preço e quantidades negociadas são tais que a oferta e a demanda total se igualam, o desvio monopolista poderia ser medido como a variação percentual do preço e quantidade negociados no caso monopolista para o caso “competitivo”. 5.7 Desvio Monopolista: Equilíbrio Competitivo versus Monopólio Conforme argumentado anteriormente, o cálculo do desvio monopolista preconiza quantificar o impacto das decisões monopolístas. Para tanto, uma situação hipotética é criada em que é assumido o desconhecimento total da curva de demanda dos compradores por parte do vendedor. Neste contexto, o vendedor (comercializador) e os compradores (consumidores) participariam de um leilão de preços iterativos que definiria o preço de cada rodada. Para cada preço definido pelo leiloeiro, o vendedor e os compradores ofertariam os totais que estariam dispostos a vender e a comprar e assim, o preço final do leilão seria tal que igualasse as quantidades de oferta e demanda. Esta situação é uma situação hipotética dada toda a informação que o produtor tem sobre os consumidores e pelo fato de ser o único fornecedor de tais contratos. Contudo, matematicamente, o “equilíbrio competitivo” ou solução competitiva, pode ser acessada através da interseção entre a curva de demanda dos consumidores e a curva de oferta do vendedor, sob a hipótese do desconhecimento da curva de demanda. Neste sentido, o objetivo do vendedor seria maximizar a mesma métrica de preferência (função objetivo) definida em (4-5), porém otimizando a quantidade QIvenda36 de interruptível que este estaria disposto a vender para cada preço PI. Este raciocínio é formalizado em (5-1), onde em todas 36 O montante QI(PI) anteriormente definido como a demanda dos consumidores e oferta fornecida pelo comercializador, neste ponto do trabalho, simbolizará apenas a demanda dos consumidores. A oferta do vendedor para cada preço PI do leilão passará a ser chamada então de QIvenda(PI). 65 as expressões apresentadas neste trabalho em que a função de demanda QI(PI) aparecem seriam substituídas por uma variável de decisão do modelo (qI: quantidade a ofertar no leilão). Assim, para cada preço PI o comercializador otimizaria esta quantidade, tomado como dado o preço PI, resultando em uma curva definida por QIvenda(PI) = qI* para cada PI. QIvenda(PI) = argmax(qI≥0) λ⋅CVaRα{VPLK,T[L(qI,PI)]} + (1-λ)⋅E[VPL[L(qI,PI)]} (5-1) Sob essas hipóteses, o preço competitivo pode ser definido como PIcomp tal que QIvenda(PIcomp) = QI(PIcomp), ou seja, oferta igual a demanda. Este ponto, dado pelo par preço e quantidade (PIcomp, QI(PIcomp)) pode ser então comparado com o ponto monopolista (PI*, QI(PI*)) e calculado, o aqui denominado, desvio monopolista: • em termos de preço (PI* - PIcomp)/PIcomp, • quantidade [QI(PI*) - QI(PIcomp)]/QI(PIcomp) e • e benefício [fobj(4-5)(PI*) - fobj(5-1)(qI*,PIcomp)]/fobj(5-1)(qI*,PIcomp), onde fobj(4-5) é a função objetivo do problema definido em (4-5) e fobj(5-1) respectivamente. A curva de oferta e demanda definidos para o caso competitivo pode ser ilustrada na figura 5-2 onde o ponto competitivo é dado na interseção das curvas e o ponto monopolista, obtido anteriormente, é conjuntamente apresentado. 66 Curva de Oferta e Demanda para Contratos Interruptíveis de Gás (Leilão) 20 Quantidade Ofertada (MMm³/dia) 18 16 14 12 10 8 Monopolista, 6.45, 5.96 Competitivo, 6.01, 7.02 6 4 2 0 0.00 1.00 2.00 3.00 4.00 5.00 6.00 7.00 Preço Contrato Flexível (US$/mmbtu) Figura 5.2 – Equilíbrio Competitivo vs Monopolista A figura 5-2 acima representa as curvas de oferta e demanda formadas sob a hipótese competitiva. O equilíbrio, representado pelo ponto de interseção entre as curvas (losango) aponta para um ponto de equilíbrio a um preço inferior ao monopolista. No quadro abaixo os resultados monopolista e competitivo e o respectivos desvios são contrastados. Nesta, fica evidente que o conhecimento da curva de demanda faz com que o comercializador determine um preço 7% mais caro do que o que seria obtido em uma situação competitiva, para se beneficiar de um aumento de 14% em sua métrica de preferência. A diferença de 15% da quantidade negociada representa então, uma possível medida de distorção causada pelo posicionamento estratégico do vendedor monopolista. Tabela 5.3 – Comparação entre hipótese competitiva e modelo monopolista (desvio monopolista). Preço US$/MMBTU Quantidade (MMm³/dia) Métrica MMUS$ Competitivo Monopolista 6.01 7.02 -887.03 6.45 5.96 -761.4 Desvio Abs 0.44 -1.06 125.65 Desvio % 7% -15% 14% 67 Entretanto, como pode ser observado, o preço de equilíbrio competitivo não está muito distante do preço de monopólio. Esse resultado não ocorre sempre, mas ele é verdadeiro para as premissas aqui consideradas e indica que a elasticidade-preço da demanda por contratos interruptíveis é muito alta, o que está relacionado ao preço do combustível substituto, no caso o óleo combustível. Note que na verdade existem dois efeitos opostos de uma variação no preço do substituto. O primeiro é que, na medida em que este aumenta, aumenta a perda dos consumidores em caso de despacho, portanto para um mesmo nível de despacho, aumenta a perda esperada, o que reduz a demanda por interruptíveis. Por outro lado, como os dois combustíveis são substitutos, um aumento do custo do substituto aumenta a demanda por interruptíveis. O maior efeito parece ser o segundo, já que um aumento de apenas 1% nos preços interruptíveis acarretou uma queda de demanda de 24%, mas para se ter certeza seria necessária uma análise quantitativa mais completa. 5.8 Sensibilidades 5.8.1 Sensibilidades em relação à λ: Os valores de λ foram discretizados de 0,3 até 1 (100% de aversão ao risco). Observou-se para todos os valores de λ inferiores a 0,33 (33%), o comercializador não avalia como interessante a criação de contratos interruptíveis, de modo que o desconto que ele dá é nulo, e a esse desconto, não há mercado interruptível. O resultado faz sentido uma vez que os contratos interruptíveis são em essência mitigadores de risco, que como contrapartida apresentam uma redução do retorno na medida em que reduzem a contratação firme. Conforme o valor que o decisor atribui à essa mitigação se reduz, é natural que ele esteja disposto a abrir mão de cada vez menos retorno para uma redução no risco. Sendo assim, conforme a aversão ao risco aumenta, aumenta o desconto sobre o preço do firme para contratos interruptíveis. Essa relação pode ser observada na tabela e na figura a seguir: 68 Tabela 5.4 – Sensibilidades para λ PI* λ (De 0 a 1) (Em US$/MMBTU) QI(PI*) (Em MMm³/dia) 30% 7,50 0,00 40% 6,90 0,75 50% 6,83 1,62 55% 6,75 2,48 60% 6,68 3,35 65% 6,68 3,35 70% 6,60 4,22 80% 6,53 5,09 85% 6,53 5,09 90% 6,45 5,96 95% 6,45 5,96 PI - US$/MMBtu QI (PI) - MMm³/dia 7,00 7,60 QI (PI) 7,40 7,20 6,00 5,00 7,00 4,00 6,80 6,60 PI 6,40 3,00 2,00 6,20 6,00 1,00 5,80 0,00 30% 40% 50% 55% 60% 65% 70% 80% 85% 90% 95%100% Valores de λ Figura 5.3 – Sensibilidades para λ Na figura acima, a curva azul (PI*), representa o preço ótimo de contratos interruptíveis que seria escolhido pelo comercializador para cada cenário de λ, de modo que PI*cai na medida em que a aversão ao risco cresce, como era de se esperar. 69 A curva vermelha QI (PI), por sua vez, representa a quantidade de equilíbrio desse mercado, a ser determinada pela curva de demanda em função de cada cenário de λ e PI* , e cresce na medida em que λ cresce, fazendo o caminho inverso ao preço, que é o natural de uma curva de demanda. 5.8.2 Sensibilidades para Preço de GNL Também foram feitas análises de sensibilidades para os preços de GNL, sabendo que o preço das cargas pode oscilar bastante num curto espaço de tempo. Qual seria o impacto de uma oscilação nessa variável? Se se espera patamares de preço maiores no futuro, isso afetaria significativamente a contratação? O gráfico a seguir ilustra os resultados obtidos: PI - US$/MMBtu QI (PI) - MMm³/dia 8,00 16,0 QI (PI) 7,00 14,0 6,00 12,0 5,00 10,0 4,00 8,0 PI 3,00 6,0 2,00 4,0 1,00 2,0 0,00 0,0 9 10 11 12 13 14 15 16 17 Preços de GNL (US$/MMBtu) Figura 5.4 – Sensibilidades para Preços de GNL Na sensibilidade realizada os preços de GNL partem de um patamar de 7,00 US$/MMBTU, que é justamente o preço para termoelétricas neste estudo de caso. Conforme mencionado antes, o mercado de interruptíveis só existe quando PTM ≤ PGNL , pois caso contrário do ponto de vista do comercializador não há 70 perigo de perda com os despachos termoelétricos, já que as térmicas remuneram qualquer compra feita nesse patamar de preços. Sendo assim, o preço escolhido é o preço do firme, e conseqüentemente a quantidade é zero nesse ponto37. Do ponto entre PGNL=7 até PGNL=10, o ofertante até tem interesse em algum desconto, mas não há demanda para esse pequeno desconto, de modo que não há mercado interruptível. A partir daí, na medida em que os preços de GNL aumentam, o preço do interruptível de equilíbrio vai caindo, pois preços de GNL mais altos aumentam a exposição ao risco do comercializador, tornando os contratos mais valiosos, e o comercializador aceita oferecer descontos maiores nesses contratos de modo a evitar esses riscos. A partir de determinado ponto, por volta de PI = 4,27 MMBtu, o comercializador não consegue mais atrair consumidores, pois o potencial do mercado interruptíveis está esgotado, todos os consumidores potencialmente bicombustíveis já migraram para um contrato desse tipo. Observa-se, entretanto, que a elasticidade dessa curva de oferta vai aumentando conforme se avança para patamares de custo de GNL maiores. Isso ocorre porque preços mais altos de GNL aumentam muito à exposição da renda desse comercializador a uma perda por conta de compra de GNL para atender despachos. 5.8.3 Outras Sensibilidades de Interesse Outros fatores que afetam o preço ótimo dos contratos interruptíveis também são interessantes, como por exemplo a “sobra”ou “falta” de oferta firme em relação à demanda firme. Foi feita uma sensibilidade com uma redução de 20% na oferta firme total. Essa alteração reduziu o preço interruptível ótimo para 6,37 US$/MMBTU (no estudo de caso o valor era de 6,45), e a quantidade ótima (função do preço) aumentou de 5,96 para 6,31 MMm³/dia. 37 Para esse estudo de caso, porque quando o GNL for considerado estocástico, o mercado existe independente dos patamares de preços considerados, mas apenas por conta de uma possível oscilação. 71 Para uma variação no preço do GNL de mesmo tamanho (por exemplo, de 10 para 12) o preço interruptível ótimo sofreu uma variação que 5%, indicando que, ao menos para os patamares considerados, a variável “excedente firme” pode ter um peso decisório tão grande quanto os patamares de preço de GNL. Entretanto, como se mostrou nas 2 figuras anteriores, os patamares considerados das variáveis de interesse podem ser determinantes quando se olha para os seus efeitos sobre o preço ótimo. Outro item que certamente afeta bastante a decisão de contratação do ofertante é o despacho considerado. A projeção considerada aqui neste estudo de caso apresenta valores médios de 24% (2013-2016), e se esses valores fossem maiores certamente aumentaria a atratividade dos contratos interruptíveis para o comercializador, embora diminuíssem a demanda por esses contratos por parte dos consumidores potencialmente bi-combustíveis. 6 Conclusões e Trabalhos Futuros Quando o trabalho foi iniciado, havia clareza de que os contratos interruptíveis poderiam representar o papel de um mitigador de risco frente à incerteza da demanda termoelétrica. O que não se tinha certeza, entretanto, era que existiam condições e um preço sob qual seria interessante ofertá-lo. O desenvolvimento deste trabalho mostrou que o risco de não atendimento à demanda é significativo, em função da necessidade de compras no mercado spot GNL, e que portanto, o comercializador está disposto a “pagar um prêmio” (oferecendo um desconto sobre o preço do firme) para evitá-lo. Apesar desse tipo de contrato ser novo no mercado, tudo leva a crer que seu papel irá crescer nos próximos anos como forma de melhorar a eficiência do uso compartilhado da demanda termelétrica por gás natural e dos consumidores industriais. Ficou claro, entretanto, que existem algumas condições de contorno para que haja atratividade nesse tipo de contrato. A primeira delas é certa aversão ao risco. Não havendo aversão ao risco, não há nenhum valor numa possível redução das incertezas, uma vez que o preço ótimo desse contrato é estabelecido no mesmo patamar que o contrato firme, e o mercado não se desenvolve (quantidade total negociada igual a zero). Em segundo lugar, a exposição a preços consideravelmente altos de GNL, pois quando os preços de GNL estão baixos, os contratos térmicos de longo prazo conseguem cobrir esse custo, de modo que o comercializador não se importa com a sua exposição a esses preços. A incerteza embutida nos preços de GNL, entretanto, agrega valor aos contratos flexíveis mesmo para patamares baixos de preços de GNL, pois significa que ele tem uma probabilidade de atingir valores altos, o que é a realidade nesse mercado. A expansão da participação da geração a gás natural na matriz elétrica brasileira já é uma tendência consolidada. Cada vez mais, as térmicas aparecem como forma de dar segurança ao sistema, na medida em que se esgotam as fontes hídricas mais baratas, e com reservatório de grande capacidade. Essa segurança que as térmicas geram, entretanto, é algo que tem valor para todos os 73 consumidores elétricos, e o custo de deve ser dividido por todos os participantes desse mercado, através de um aumento no preço da energia, o que ainda não foi feito. Independente disso, entretanto, essa segurança implica em um volume total térmico cada vez maior, e extremamente volátil. O desenvolvimento de fontes de flexibilidade que acompanhem essa expansão é imperativo. 6.1 Trabalhos Futuros Uma extensão interessante desse trabalho seria a inclusão da estocasticidade dos preços de GNL, que conforme mencionado no corpo do trabalho agrega valor aos contratos flexíveis. Outro estudo relevante seria a incorporação no modelo da não-linearidade de cortes e preços dos contratos interruptíveis. Isto é, na prática os consumidores possuem diferentes graus de flexibilidade (dependendo do tamanho da planta, da natureza da indústria, etc...) e valoram de maneiras diferentes os contratos interruptíveis. O estudo poderia incluir uma diferenciação dos contratos interrupitíveis por categoria de confiabilidade: uma hierarquia para os cortes, de modo que os consumidores que fossem cortados primeiro tivessem um desconto maior no valor dos seus contratos. Desta maneira, cada consumidor poderia selecionar o produto mais adequado para si. Por último, a inclusão de um detalhamento no que se refere à penalidade de não-fornecimento de gás natural é relevante do ponto de vista da maximização econômica, pois em determinadas situações limites de preço de GNL (com baixa probabilidade de ocorrência), o pagamento de penalidades pode ser a solução ótima. 7 Referências bibliográficas [1] Mendes, A., “Impactos da Criação do Mercado Interruptível de Gás Natural”, Jun. 2006 [2] Street A., Barroso L.A., Chabar R. M., Mendes A.T.S., Pereira M. V. “Pricing Flexible Natural Gas Supply Contracts Under Uncertainty in Hydrothermal Markets” IEEE Transactions on Power Systems, Vol.23(3), pp. 1009–1017, Aug. 2008. [3] Alexander C., Risk Management and Analysis – Measuring and Modelling Financial Risk, John Wiley&Sons, 1998. [4] Dembo R. “Mark to Future: A Consistent Firm-Wide Paradigm for Measuring Risk and Return”, Risk Management and Analysis, Vol. 1: Measuring and Modelling Financial Risk, John Wiley&Sons, 1998. 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Barroso L.A., Rosenblatt J., Supply Adequacy in the Brazilian Power Market, Proceedings of the IEEE General Meeting, Denver, 2004 – Available at http://www.psr-inc.com [18] Barroso, L. A., Rosenblatt J., Bezerra B., Resende A., Pereira M. “Auctions of Contracts and Energy Call Options to Ensure Supply Adequacy in the Second Stage of the Brazilian Power Sector Reform,” in Proceedings of the IEEE PES General Meeting, Montreal, Canada 2006. [19] Bezerra B., Barroso L.A., Granville S., Guimarães A., Street, A., Pereira M., Energy Call Options Auctions for Generation Adequacy in Brazil, IEEE General Meeting, Montreal, Quebec, Canada, 2006. [20] Rockafellar R.T., Uryasev S.P., “Optimization of Conditional Value-atRisk”, The Journal of Risk, 2000, pp. 21-41. [21] Acerbi, C., “Coherent Measures of Risk in Everyday Market Practice”, Quantitative Finance, Aug. 2007, Vol. 7(4), pp. 359–364. 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[34] Website ONS: www.ons.com.br [35] Maceira M.E.P., Programação Dinâmica Dual Estocástica aplicada ao Planejamento da Operação Energética de Sistemas Hidrotérmicos com Representação do Processo Estocástico de Afluências por Modelos Autoregressivos Periódicos. Relatório técnico 237/93, Cepel, 1993. [36] Philippe A., Delbaen F., Eber J.M., Heath D. “Coherent Measures of Risk”, Mathematical Finance 9(3), 1999, pp. 203-228. [37] Sítio Abegás: WWW.abegas.org.br [38] Sítio Platts: WWW.platts.com [39] Sítio ONS: www.ons.com.br [40] Sítio PSR Consultoria: www.psr-inc.com [41] A.Street, "On the Conditional Value-at-Risk Probability Dependent Utility Function: A relativistic pricing point of view". Theory and Decision Journal, 2009. ANEXO A – Cálculo da Curva de Disposição a Contratar dos Consumidores Industriais Esse anexo trata da metodologia para calculo da curva de demanda por contratos flexíveis (ou interruptíveis), desenvolvida em Street A., Barroso L.A., Chabar R. M., Mendes A.T.S., Pereira M. V. “Pricing Flexible Natural Gas Supply Contracts Under Uncertainty in Hydrothermal Markets” IEEE Transactions on Power Systems, Vol.23(3), pp. 1009–1017, Aug. 2008. O resultado do trabalho (que é a curva de disposição a contratar no mercado interruptível) se pauta na premissa de que os participantes estarão maximizando uma medida de desempenho, para cada um dos cenários possíveis de “leilão” 38 . Ou seja, haveria uma demanda para cada preço possível de resultado desse leilão. Assim, o espaço de preços é discretizado e para cada cenário de preço o consumidor irá minimizar o valor esperado do gasto com a compra de combustível considerando a possibilidade de comprar tanto no mercado flexível quanto no firme, mas lembrando que apesar de o mercado interruptível oferecer um desconto em relação ao preço do firme, ele carrega a possibilidade de interrupção do fornecimento, obrigando o consumidor a usar um combustível alternativo presumivelmente mais caro. Analisando o modelo, o que se espera é que na medida em que o desconto dos contratos interruptíveis for aumentando, aumente a disposição a contratar por parte dos consumidores, e vice-versa. Os autores desenvolvem então uma metodologia para o cálculo das despesas (que serão então minimizadas pela escolha ótima da quantidade a ser demandada desse tipo de contrato), o detalhamento encontra-se em [1] Por fim, a formação da curva de disposição a contratar de cada consumidor se dá na resolução do problema de otimização descrito para uma faixa de preços dos contratos interruptíveis, que varia de zero ao preço do contrato firme. Para aplicar a metodologia desenvolvida ao caso real, analisou-se o perfil dos potenciais compradores do gás. Utilizou-se como potenciais compradores os 38 Haveria leilões entre ofertantes e demandantes de contratos interruptíveis, dos quais sairia o preço e a quantidade de equilíbrio para esse tipo de contrato. 78 clientes industriais que utilizam o gás natural para geração de energia, conforme representado pelo seguinte gráfico: 100% 90% 74,60% Total: 14,3 milhões m³/dia 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 14,60% 6,90% 0-100 101-250 251-500 1,50% 501-1000 1,50% 1001-2000 Faixas de Consumo de Gás (mil m³/dia) [1] Figura A.1 – Distribuição do consumo industrial de gás para geração de energia Figura Fonte: Ministério das Minas e energia Das premissas utilizadas no modelo, apenas as seguintes foram alteradas para compatibilização com o trabalho desenvolvido aqui: 1 - Horizonte temporal: o modelo original calcular a demanda para os anos de 2010 a 2012, enquanto no modelo aqui desenvolvido foram analisados os anos de 2013 a 2016. 2 - os cenários de despacho termoelétrico. Como resultado, obteve-se a seguinte curva de demanda: Tabela A.1 – Curva de Demanda por contratos interruptíveis como função do preço. Preço Interruptível (US$/MMBtu) Quantidade Demandada (MMm³/dia) 0,0 0,5 1,1 1,6 2,1 2,7 3,2 3,8 4,3 4,8 5,4 5,9 6,4 7,0 7,5 14,3 14,3 14,3 14,3 14,3 14,3 14,3 14,3 14,3 10,7 8,8 7,3 6,2 0,0 0,0