Gabinete do Procurador Silvestre Gomes dos Anjos
processo n.º 26188830
PARECER N.º 0048 GPSG/11
Origem:
Interessada:
Assunto:
Conselheiro:
Auditor:
Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Estado
Prefeitura Municipal de Joviânia-GO
Termo de Cessão de Uso
Sebastião Joaquim Pereira Neto Tejota
Luiz Murilo Pedreira e Sousa
CESSÃO DE USO. AUSÊNCIA DE
REQUISITOS OBJETIVOS NA ESCOLHA
DOS BENEFICIÁRIOS. DESOBEDIÊNCIA A
PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS.
ILEGALIDADE DO ATO. RESTITUIÇÃO DO
BEM AO ESTADO.
I - RELATÓRIO
1.
Trata-se no presente processo da análise do Termo de Cessão de Uso firmado
entre o Estado de Goiás (Cedente), por meio da Secretaria de Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (SEAGRO), e o município de Joviania (Cessionário), tendo por objeto 01
(um) "Kit de Irrigação", conforme a especificação constante às fls. 030/032-TCE.
2.
A Procuradoria Geral do Estado, à fl. 040-TCE, manifestou-se no sentido de que
o Cessionário apresentou a documentação completa exigida, outorgando o ato de
Cessão de Uso firmado.
3.
Encaminhados os autos a esta Corte de Contas, a Quinta Divisão de Fiscalização,
por meio da "Instrução Técnica" n.º 0221 5ª DF/09, fls. 060/062-TCE, manifestou-se
pela legalidade do acordo firmado.
4.
Por sua vez, este Parquet, à fl. 045-TCE, solicitou da SEAGRO a informação dos
critérios utilizados na escolha dos beneficiários do programa de distribuição de "Kits de
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Irrigação", tendo aquela Secretaria apresentado "justificativas", às fls. 049/050-TCE.
5.
Por seu turno, o Auditor substituto de conselheiros, às fls. 063/066-TCE,
sugeriu a realização de inspeção in locu para a averiguação das condições de execução
do ajuste.
6.
É o relatório.
II - FUNDAMENTAÇÃO
7.
Antes de adentrar na análise do Termo de Cessão de Uso, é necessário tecer
algumas considerações sobre os bens públicos.
8.
Desde janeiro de 2003, vige a Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002,
instituidora do novo Código Civil, no qual estão disciplinados --- no Capítulo III do
Livro II, arts. 98 a 103 ---, em linhas gerais, os bens públicos.
9.
Nesse diploma normativo, que não inovou nesse assunto em relação ao Código
anterior, bens públicos são todos aqueles pertencentes às pessoas jurídicas de direito
público interno, divididos nas categorias de bens de uso comum do povo, bens de uso
especial e bens dominicais. Os bens alienáveis são os dominicais, que somente o podem
ser na forma determinada em lei.
10.
Como regra geral, os bens públicos podem ser utilizados por todos, com
igualdade de condições, desde que observadas as restrições que a Administração, no
exercício do seu poder de polícia e regulador, impuser em prol do interesse público.
11.
Como exceção, os bens públicos podem ser utilizados, com exclusividade, por
pessoas
determinadas, na forma da lei, de modo impessoal, abstrato e
normatizada a forma pela qual a relação se desenvolve.
12.
A utilização com exclusividade, utilização privativa ou especial, de um bem
público pode ser outorgada a pessoas jurídicas ou físicas, públicas ou privadas,
respeitados alguns requisitos legais, vinculados e discricionários.
13.
Essa outorga de utilização especial possui natureza declaratória, no caso dos
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requisitos vinculados, ou constitutiva, no caso do requisito discricionário.
14.
Nos casos de requisitos vinculados, é necessário ou uma situação jurídica
especial, situação denominada reconhecimento, ou um direito subjetivo à utilização
privativa, situação denominada licença.
15.
No caso de requisito discricionário, pode-se conceder ao particular uma
autorização, desde que também atendidas certas condições legais mínimas,
respeitando-se o princípio constitucional da impessoalidade.
16.
Entretanto, em qualquer hipótese, para "que se possa outorgar essa utilização
privada, com caráter exclusivo, a Administração se sujeita às formas nominadas,
previstas em lei federal, estadual ou municipal, conforme a respectiva
titularidade pública" (p. 340, Diogo Figueiredo M. Neto, in Curso de Direito
Administrativo, Editora Forense, Rio de Janeiro: 2004).
17.
As modalidades de outorga dessa utilização privativa são a lei, o contrato e o ato
unilateral. Na modalidade legal, a própria lei constitui o instrumento de utilização,
temporária, de determinado bem público por uma entidade; na modalidade contratual,
caracterizada também pela estabilidade da relação jurídica, celebra-se um pacto –
contrato – entre o Poder Público e a entidade; na unilateral, outorga-se, por meio de
ato administrativo, discricionária e precariamente, uma permissão ou uma cessão de
uso.
18.
No que diz respeito ao Termo de Cessão de Uso ora em análise, importante se
faz mencionar a definição dada pelo doutrinador José dos Santos Carvalho Filho, o qual
nos ensina o seguinte:
Cessão de uso é aquela em que o Poder Público consente o uso gratuito de bem
público por órgãos da mesma pessoa ou de pessoa diversa, incumbida de
desenvolver atividade que, de algum modo, traduza interesse público.
A grande diferença entre a cessão de uso e as formas até agora vistas consiste
em que o consentimento para a utilização do bem se fundamenta no benefício
coletivo decorrente da atividade desempenhada pelo cessionário. (in Manual de
Direito Administrativo. 19ª edição, revista, ampliada e atualizada. Editora Lumen
Juris, Rio de Janeiro: 2008).
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19.
Percebe-se dos autos que, no concernente ao elemento subjetivo, o Termo de
Cessão de Uso aparentemente não apresentou irregularidades, haja vista que a
concessão foi feita entre entes públicos de forma gratuita.
20.
Entretanto, em relação ao alcance social da cessão de uso, deve-se levar em
conta o princípio da supremacia do interesse público, visando-se a beneficiar o maior
número de pessoas possível, o que não ficou comprovado nos autos, haja vista a
ausência de critérios que permitissem a participação de todos os municípios
interessados e que garantissem uma escolha justa e igualitária dos beneficiários.
21.
Por outro lado, estes não são os únicos requisitos a serem respeitados, para que
ocorra a devida cessão de uso de bens públicos entre entidades diferentes. Hely Lopes
Meirelles ensina que estas transferências deverão obrigatoriamente serem precedidas
de autorização legislativa, em suas próprias palavras o doutrinador explica o seguinte:
A cessão de uso entre órgãos da mesma entidade não exige autorização
legislativa e se faz por simples termo e anotação cadastral, pois é ato ordinário
de administração através do qual o Executivo distribui seus bens entre suas
repartições para melhor atendimento do serviço. Quando, porém, a cessão
é para outra entidade, necessário se torna a autorização legal para
essa transferência de posse, nas condições ajustadas entre as
Administrações interessadas. (in Direito Administrativo Brasileiro. 34ª
edição, atualizada até a Emenda Constitucional n.º 53. Editora Malheiros
Editores, São Paulo: 2008) (grifou-se)
22.
Tal exigência é de simples elucidação, sendo fundada na tentativa de se evitar o
atendimento de interesses particulares em detrimento do interesse público, uma vez
que a discricionariedade conferida a esta forma de transferência de bens públicos
poderia gerar desrespeito ao princípio constitucional da igualdade, mediante
favoritismos políticos.
23.
Neste sentido, foi requerida por esta Procuradoria de Contas a intimação da
Cedente para que informasse os critérios na escolha dos municípios beneficiados, tendo
esta apresentado justificativas que não comprovam o respeito ao princípio da
supremacia do interesse público, nem tampouco ao princípio da isonomia.
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24.
O estabelecimento de critérios para se conceder os "Kits de Irrigação" visa a
promover a maior eficiência possível dos bens cedidos, a fim de possibilitar que tenham
o devido alcance social, devendo ser concedidos aos municípios em que,
comprovadamente, atenderão ao maior número de famílias possível.
25.
Ademais, a jurisprudência pátria é no sentido de se exigir licitação para a cessão
de uso (RESP n.º 32575/SP, STF, DJU, I, 22.09.1997), além do que, nos casos em que
ela não couber, deve sempre haver respaldo legal para sua realização, conforme
precedentes judiciais que se fundam nos seguintes diplomas normativos federais: Lei
n.º 9.636/98, Decreto-Lei n.º 980/1946, Decreto n.º 980/1993.
26.
Desta feita, não estando satisfeitas as condições mínimas para a celebração do
acordo entre o Estado de Goiás e o município de Joviania, imperioso se mostra o seu
desfazimento, com a imediata restituição do bem ao Cedente, caso tal medida ainda não
tenha sido efetivada.
III - CONCLUSÃO
27.
Diante o exposto, esta Representação do Ministério Público junto ao Tribunal de
Contas manifesta-se pela não conformidade do ato sob análise.
É o Parecer.
Goiânia,
de janeiro de 2011.
Ao Serviço de Comunicações e Protocolo do MP: entranhe-se; registre-se;
numerem-se; e rubriquem-se.
Por fim, encaminhe-se ao eminente Conselheiro-relator, com cordiais
saudações.
Silvestre Gomes dos Anjos
Procurador do Ministério Público
TOK
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