XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
INTERAÇÃO UNIVERSIDADE ESCOLA: CONTRIBUIÇÕES À FORMAÇÃO
CONTINUADA DE PROFESSORES
Eliane Aparecida Galvão dos Santos/UNIFRA
Silvana Martins de Freitas Millani/UFSM
Karina Silva Molon de Souza/UFSM
Resumo
Este trabalho emerge de estudos que as autoras vêm realizando no Grupo de pesquisa
Formação de Professores e Práticas Educativas: Educação Básica e superior
(GPFOPE) vinculado ao programa de Pós Graduação da Universidade Federal de Santa
Maria (RS). A dinâmica de investigação é qualitativa com abordagem narrativa
sociocultural baseada na concepção de Vygotski (2003, 1993), Freitas (2002), Bakhtin
(1992, 2010), Bauer e Gaskell (2002) e Bolzan (2002). Como instrumento foi utilizado
a entrevista narrativa semi-estruturada envolvendo professoras da Educação Básica. O
objetivo do trabalho consiste em compreender as concepções dos professores sobre a
dinâmica de propostas de formação continuada a partir da interação universidade/escola.
Para tanto, destacamos conceitos cunhado por Marcelo Garcia (1999) sobre ações de
formação: a hetero, a auto e a interformação. A partir desse referencial, discutimos a
necessidade de consolidar novas concepções de formação continuada de professores em
contraponto com o modelo vigente, o qual se centra em ações de heteroformação. O
estudo evidenciou que as ações de auto e interformação colaboram para que as
professoras procurem espaços de compartilhamento para qualificar a ação docente.
Portanto, a compreensão sobre o processo formativo requer a construção de espaços de
formação, onde seja possível atribuirmos significados intra e intersubjetivo sobre as
práticas cotidianas, contribuindo tanto para o desenvolvimento da pessoa do educador
quanto para o aprimoramento do profissional. Os achados desta pesquisa apontam
alguns elementos que poderão contribuir para a qualificação dos processos formativos
dos docentes, destacando, nesta dinâmica, o desenvolvimento de propostas de formação
continuada a partir da interação da universidade com a escola como elemento
potencializador para a consolidação de uma nova concepção de formação e, por
conseguinte, para a qualificação dos processos formativos dos docentes.
Palavras- Chave: aprendizagem docente; formação continuada de professores;
interação universidade/escola.
A formação continuada de professores no contexto da Educação Básica
O tema formação de professores, ultimamente, vem sendo bastante discutido
entre os envolvidos neste processo. Temos uma considerável produção de pesquisas
acadêmicas nesse campo (MARCELO GARCIA, 1999; NÓVOA 1995; CANDAU
2007; MIZUKAMI 2002; BOLZAN 2002, 2005, 2007, 2009, 2011 E BEHRENS, 1996)
assim como, um maciço investimento do governo federal, dos estados e dos municípios
na criação de políticas de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica.
O governo Federal institui, em 2009, o Plano Nacional de Formação dos Professores da
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Educação Básica no âmbito do Ministério da Educação e organizou a Rede Nacional de
Formação Continuada dos Profissionais da Educação Básica, através da Portaria nº
1.129 de 27 de novembro de 2009. Logo, em 2011, através da portaria nº 1.087 o MEC
institui o Comitê Gestor da Política Nacional de Formação Inicial e Continuada de
Profissionais da Educação Básica, responsável pela formulação, coordenação e
avaliação das ações e programas do MEC, no âmbito da Política Nacional de Formação
de Profissionais da Educação Básica.
Deste modo, surge um leque de possibilidades para o estabelecimento de ações,
programas e projetos de formação continuada que poderão ser desenvolvidos a partir de
múltiplas possibilidades, como por exemplo, a proposta de articulação entre as
Instituições de Ensino Superior e as escolas públicas de educação.
Acreditamos que proposições de formação continuada dos professores da
Educação Básica em parceria com instituições de Ensino Superior, bem como, destas
com os sistemas de ensino, poderão trazer significativas contribuições, uma vez que a
articulação das experiências acumuladas nestes dois lócus auxiliarão na construção de
novas aprendizagens docentes, podendo refletir na melhoria do aprendizado dos
estudantes.
Entretanto, há uma clara necessidade de se efetivar uma reflexão mais densa
sobre as práticas de formação de professores em andamento, tanto por parte dos
especialistas que pensam e criam as políticas de formação continuada como por parte
dos docentes. É preciso nos questionarmos sobre quais formas e estratégias de formação
continuada poderão contribuir para os docentes ampliarem sua gama de conhecimentos
e constituirem novas aprendizagens sobre o ser professor.
Pesquisas demonstram que grande parte das estratégias de formação continuada
se caracterizam por um caráter disciplinar, aplicacionista, fortemente distanciadas das
necessidades especificas das instituições de ensino. Andaló (1995), em seus estudos,
mostrou que as mesmas eram dispendiosas, ineficazes, elaboradas de forma
descontextualizada das realidades escolares, de modo que os docentes pouco
fomentavam discussões sistemáticas e coletivas sobre a sua atuação.
Tais atividades, algumas vezes, são desenvolvidas através de propostas
estanques, eventuais, de curta duração e, portanto, abrigam poucas possibilidades de
serem geradoras de saberes, pois o conhecimento acerca da docência não é algo acabado
a ser repassado para o professor. Nesse sentido, Behrens (1996, p. 133) comenta que:
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Os projetos de formação do profissional do magistério normalmente são
planejados e executados por grupos de especialistas. Os professores são
convidados a participar destes encontros e destes cursos, que os especialistas
julgam pertinentes para aquele momento histórico [...]. A metodologia
utilizada leva à reunião de grandes grupos de docentes (às vezes até
oitocentos professores), que se restrigem a ouvir sobre a ação pedagógica na
escola. Deste modo não há possibilidade de envolvimento dos docentes.
No que concerne a esta dinâmica de formação, Marcelo García (1999) apresenta o
conceito de heteroformação, o qual se caracteriza como um processo que se organiza e se
desenvolve por especialistas de fora, sem que haja um maior comprometimento dos professores
com as ações formativas. Compreendemos que as ações heteroformativas se qualificam quando
pensadas a partir da autoformação e da interformação, nas quais o docente participa como
sujeito aprendente e ensinante neste processo.
Assim, a autoformação é compreendida como o processo no qual o sujeito
busca, a partir de seus interesses e necessidades, distintas ações formativas capazes de
contribuir para o desenvolvimento de conhecimentos e competências necessários ao
exercício da atividade docente. A consciência de seu inacabamento, bem como o desejo
de qualificar seu trabalho conduz o professor à atividade autoformativa, a qual envolve
uma característica da aprendizagem que é a vontade de se formar (MARCELO
GARCIA, 1999).
A interformação, por sua vez, diz respeito a um processo interpessoal, no qual os
professores se formam a partir de atividades grupais, realizadas no decorrer da
profissão. A oportunidade de interação entre os professores por meio de interesses e
necessidades comuns promove a busca de aperfeiçoamento e de desenvolvimento de
competências profissionais. (ISAIA, 2006)
Nestas ações, o assessoramento por parte da universidade constitui-se como um
apoio para auxiliar o professor na problematização das questões relativas às
necessidades formativas, sendo ponto de partida para a compreensão sobre as situações
envolvidas na ação docente e elemento provocador à produção de novas elaborações.
Assim, ao pensarmos em estratégias de formação continuada de professores é
imprescindível a criação de espaços para o autoconhecimento do professor e da sua
prática profissional, de modo a reconhecer e compreender os seus limites e
possibilidades frente à ação docente. Desta forma, a subjetividade dos professores
poderá ser melhor explorada, de forma que estes possam se assumir como sujeitos que
produzem conhecimentos específicos de seu trabalho.
Tais aspectos nos remetem a compreender o propósito da formação continuada
para além da promoção de palestras ou de cursos. Essas experiências são importantes,
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mas constituem-se em ações que resultam em entendimentos periféricos, que não
sustentam a efetivação das suas práticas, porque nem sempre o professor tem
oportunidade de reelaborar seus conhecimentos. Elas só serão formadoras se
provocarem a reflexão das situações vividas pelos professores e contribuírem para
ampliar conhecimentos e para constituir novas aprendizagens docentes. Isto é, essas
experiências poderão ser o ponto de partida para que o professor possa pensar sobre sua
própria formação.
Neste sentido, Nóvoa (1991) apresenta dois modelos de formação de
professores, o modelo estruturante e o modelo construtivista. O primeiro deles se
aproxima das formações oferecidas por palestras e cursos, organizados por profissionais
distantes das realidades das escolas, sendo organizado a partir da lógica da
racionalidade científica e técnica e ainda aplicados a diversos tipos de professores. Já o
modelo construtivista, se ocupa da reflexão contextualizada para a construção de
dispositivos de formação continuada. Ele tem como finalidade a regulação permanente
das práticas e do processo de trabalho, possibilita verdadeiras mudanças na prática
porque surge das reais necessidades dos educadores.
No que concerne ao modelo estruturante, Bernado (2004) exemplifica-o
comentando que os cursos de formação de professores, freqüentemente são oferecidos
fora do espaço e do horário escolar, abrangendo um número grande de educadores,
oriundos de diferentes realidades escolares, o que pode prejudicar as reflexões sobre
questões focais de cada escola. Para a autora, as experiências de formação continuada
podem ser positivas quando possibilitam a modificação ou consolidação de crenças e
práticas das professoras, mas para que isso se concretize precisamos construir parcerias
com as escolas e os sistemas de ensino.
Desse modo, favorecer o intercâmbio de saberes e experiências entre a escola e a
universidade, a fim de problematizar as situações conflituosas, as quais exigem dos
professores, cada vez mais, o domínio do saber (conhecimento científico) e o domínio
do saber fazer (conhecimento prático), pressupõe uma nova perspectiva de formação
(BOLZAN, 2009).
A formação continuada de professores da Educação Básica é sem dúvida um dos
caminhos para buscar reverter a situação que se encontra a educação no Brasil. Porém,
precisa ser desenvolvida a partir de uma dinâmica de valorização dos saberes docentes e
superação da concepção assistencialista, em que se espera que a universidade diga o
que deve ser feito, como se ele tivesse a fórmula para a solução dos problemas
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escolares.
Portanto, acreditamos que a consolidação desse processo implica na criação de
políticas públicas que leve a cabo as experiências vividas pelos professores da Educação
Básica. Do mesmo modo, que fomente a interação entre a universidade e a escola, em
ambientes que sejam dinamizadores de aprendizagens grupais, a partir do investimento
na criação de espaços em que esses professores possam interagir, estudar, refletir,
compartilhar saberes, problematizar ações, produzir conhecimentos a partir de pesquisas
sobre suas práticas pedagógicas. Nesse movimento o professor poderá ampliar o seu
repertório de conhecimentos teórico - práticos no intuito de qualificar o seu fazer
cotidiano.
A relação universidade/escola como possibilidade de desenvolvimento de processos
auto e interformativos
A concepção de formação que nos propomos a apresentar neste trabalho está
além da perspectiva heteroformativa. Compreende o professor como sujeito individual e
coletivo, construindo-se e reconstruindo-se cotidianamente a partir de distintas relações
pessoais e profissionais. Para Bolzan (2002), os docentes constroem conhecimento
sobre o trabalho pedagógico por meio de trocas interativas, as quais possibilitam o
compartilhamento de ideias e significados. Desse modo, a criação de espaços de
interlocução e interação entre os professores da Educação Básica e os professores
universitários podem contribuir para que se estabeleça o compartilhamento de ideias e
experiências, proporcionando assim, a construção de conhecimento pedagógico
compartilhado.
Pensar os processos formativos, nessa perspectiva, é a oportunidade que se tem
de aproximar dois espaços de formação que, por sua função social e educativa, precisam
ser compreendidos como indissociáveis. Não se trata de uma relação vertical, na qual a
universidade é considerada como detentora dos conhecimentos científicos e os repassa
ao contexto escolar, enquanto este apenas os absorve. Trata-se, portanto, da relação
universidade/escola sob a ótica da colaboratividade, do trabalho compartilhado, do
intercâmbio de conhecimentos e da aprendizagem mútua, na qual ambos os sujeitos
deste processo têm muito a ensinar e a aprender a partir das situações que vivenciam em
sala de aula. É desta relação de aprendizagem colaborativa que nos dedicamos a refletir
neste trabalho, buscando as possíveis contribuições deste processo recíproco à formação
de professores.
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Para tanto, apresentamos o recorte de uma pesquisa realizada com professoras
da Educação Básica a partir de suas experiências em atividades de ensino, pesquisa e
extensão. A pesquisa emerge do projeto Cultura Escrita: inovações metodológicas na
escola desenvolvida pelo Grupo de pesquisa Formação de Professores e Práticas
Educativas: educação básica e superior (GPFOPE) vinculado programa de Pós
Graduação da Universidade Federal de Santa Maria (RS). A dinâmica de investigação é
qualitativa com abordagem narrativa sociocultural baseada na concepção de Vygotski
(2003, 1993), Freitas (2002), Bakhtin (1992, 2010), Bauer e Gaskell (2002) e Bolzan
(2002). Como instrumento utilizamos a entrevista narrativa semiestruturada,
envolvendo professores da Educação Básica.
Com base nessas considerações, apresentamos a seguir um conjunto de
narrativas que nos remetem aos processos formativos docentes a partir da interação
universidade/escola por meio da tríade ensino, pesquisa e extensão. As falas das
professoras colocam em evidência o desenvolvimento de ações auto e interformativas
que denotam a importância da atividade colaborativa entre estas duas esferas educativas.
Assim expressam as professoras ao relatarem a busca pessoal por processos
formativos que atendam suas necessidades e motivações, atribuindo significativa
importância à interação com a universidade neste processo.
Eu acho assim, que é muito importante essa integração, porque a gente se sente um pouco
sozinha na sala de aula, a gente fica meio perdida. Com a universidade tu tens um respaldo,
tu tens as leituras que tu te baseias, porque muitas vezes tu vais para sala de aula e esquece,
por mais que tu tenhas estudado, por mais que tu tenhas alguma coisa, tu deixas um pouco
de lado. Então é uma maneira de estar sempre avaliando, sempre procurando, sempre
estudando (Profª. L.).
Sem essa relação eu acho que eu estaria bem perdida nesse momento, a escola muda muito
a cabeça da gente e se a gente não tem o apoio da academia, do teórico, tu acabas mesmo
acreditando que do outro jeito é o jeito melhor, porque é uma pressão. [...]Por isso que eu
reforço, a universidade para mim é o meu apoio, a minha bengala, se não fosse lá, a gente
acaba sendo corrompida mesmo, porque é uma pressão muito forte em cima da gente
(Profª. T.).
Essas narrativas explicitam que os processos formativos das professoras são
mobilizados pela necessidade de romper com rotinas escolares que as afastam dos
estudos e conhecimentos teóricos pertinentes ao desenvolvimento da prática
pedagógica, a qual se orienta, principalmente, nas experiências empíricas constituídas
como verdades absolutas.
A universidade aparece, assim, como mobilizadora da atividade reflexiva sobre a
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ação docente. Atividade na qual a teoria constitui-se como fonte de renovação, de
revalidação, assim como, de reconstrução das concepções teórico-práticas apropriadas
durante os processos formativos das professoras. Desse modo, as ações auto e
interformativas orientam as professoras à busca de espaços de compartilhamento, tanto
de experiências práticas, quanto de conhecimentos teóricos capazes de dar subsídio à
atividade docente.
Nessa direção, apresentamos narrativas nas quais as professoras enfatizam a
relevância da interação com a universidade como alternativa para o desenvolvimento de
atividades docentes de estudo. O conceito sobre a atividade de estudo foi desenvolvido
por Davidov e Markova (1987) e explorado por Isaia (2006) e Bolzan (2002). Para estas
autoras a atividade de estudo é um dispositivo para a aprendizagem da docência, o qual
envolve o domínio de procedimentos capaz de encaminhar o docente a reestruturação e
o enriquecimento das aprendizagens. Esse processo é desenvolvido na medida em que
os professores são instigados ao confronto e intercâmbio de ideias e ao
compartilhamento de conhecimentos e experiências, o que possibilita a construção e
reconstrução de saberes e fazeres docentes.
A universidade, eu acho importante a participação dela, porque ela traz novas ideias,
avaliações. Tudo que a gente [referindo-se ao trabalho do grupo de pesquisa em aula] fazia
era importante para a gente ver o quanto a gente estava crescendo, o quanto a gente poderia
melhorar, quais eram os recursos necessários, com o auxílio da universidade (Profª. L.).
[...] o projeto [...] ele possibilita aquele olhar diferente e isso é importante para que as
coisas não fiquem adormecidas. [...]é muito significativo, porque eu que estou muito com
as professoras, as professoras ainda pensam assim: “ah, aquilo que se pensa na universidade
não tem sentido na prática”. E o projeto mostra bem o contrário. Aquilo que se pensa na
universidade tem sim sentido na prática (Profª.T.).
Nestas narrativas as docentes enfatizam a importância da promoção de ações
formativas nas escolas, considerando a universidade como mediadora na construção e
reconstrução de conhecimentos que, muitas vezes, submergem na rotina escolar. A
interação entre universidade e escola é concebida, portanto, como uma via de
valorização da formação docente, a qual possibilita aproximar os saberes experienciais
aos saberes científicos.
As falas das docentes explicitam, ainda, a visão de que elas nem sempre se
percebem como pesquisadoras e produtoras de conhecimentos sobre a prática
pedagógica. Necessitam, por isso, de mediações que as impulsionem às atividades
docentes de estudo, nas quais a investigação e a reflexão sobre a prática são elementos
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essenciais ao processo de aprendizagem docente e de desenvolvimento profissional
(DEMO, 2001; SCHÖN, 1997; ZEICHNER, 1993).
Nesse sentido, as narrativas na sequência apontam para a relevância da interação
com a universidade como possibilidade de desenvolvimento de atividades de estudo:
Eu acho que a gente tem que fazer leituras na escola com os professores, não só a prática,
mas a leitura também, porque, não que nós não saibamos, mas reforçar, trazer novas ideias,
debater em cima das leituras, relacionar a prática com a teoria para ver o que está
faltando.(Profª. L.).
Acredito que as pesquisas da universidade, se elas tivessem uma duração maior na escola,
que não fosse um período tão curto, seriam muito mais significativas[...]até para envolver,
para mobilizar mais professores, porque eu acho que o que falta é isso (Profª. M.).
Observamos, assim, na narrativa da professora L. a importância atribuída ao
trabalho da universidade na escola, considerando-a como um espaço privilegiado para a
formação profissional, de modo que a prática possa ser qualificada a partir do contato
com a teoria. Da mesma forma, a professora M. defende que esta interação precisa se
consolidar no espaço escolar como um processo contínuo, capaz de motivar os
professores, promovendo ações de formação continuada mais contextualizadas e
significativas.
Os processos formativos das docentes são marcados, portanto, por ações auto e
interformativas desenvolvidas em uma estrutura espiralar, que demarca um processo
contínuo de busca por qualificação da formação profissional, no qual o trabalho
colaborativo é gerador de novas aprendizagens sobre a docência. Por meio desse
processo, as professoras têm a possibilidade de elaborar ou reelaborar suas
compreensões acerca da atividade pedagógica, envolvendo-se em atividades reflexivas
sobre suas práticas capazes de promover situações de alternância pedagógica. Nestas
situações, é possível que o professor transite entre a ação docente e os conhecimentos
acerca desta ação, isto é, o professor é capaz de distanciar-se de sua prática e refletir
sobre ela com o auxílio de atividades mediadas (BOLZAN, 2009).
Corroboramos estas colocações a partir das seguintes narrativas:
Eu já conhecia os níveis [de leitura e de escrita], porque quando eu fiz pedagogia na UFSM
a gente já trabalhava bastante, mas na prática não. E a partir do grupo eu comecei a ver o
quanto é importante, o quanto é válido para o trabalho, estar sempre atenta (Profª. L.).
Tem muitas coisas da teoria, do próprio Vygotski, que quando eu li na academia, eu
entendia, mas parece que a compreensão está se dando agora. Então quando ele fala da
importância do falar para ti organizar o teu pensamento, como as crianças quando vão
escrever elas ficam lá: “ma-ca-co” e sai aquele macaco. Então, eu acho isso fantástico e eu
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volto lá para o Vygotski, leio aquele aspecto, sublinho e digo: olha, está aqui o que ele
estava dizendo. (Profª. T.).
Compreendemos, com base nestas narrativas, que a alternância pedagógica se
desenvolve quando as professoras começam a tomar consciência da importância dos
conhecimentos teóricos, de modo que estes passam a assumir sentidos e significados a
partir da relação com os saberes da prática. A alternância pedagógica é compreendida
por Bolzan (2010) como um movimento, o qual se constrói em espaços/tempos
transacionais entre o fazer (prática docente) e a produção de conhecimento sobre este
fazer (ação formativa), exigindo do professor a produção de certo afastamento que lhe
possibilite tomar sua ação como objeto de análise.
Nessa direção, Ferry (2004) afirma que não é possível compreender a prática se
não houver a apropriação de referenciais teóricos pertinentes à atividade reflexiva sobre
a mesma, assim como não é possível desenvolver a formação nas universidades com a
centralidade apenas na teoria, tendo em vista a pertinência da dimensão prática nesse
processo.
Assim, a interação entre universidade e escola é compreendida pelas professoras
como uma oportunidade de trabalho colaborativo capaz de promover a autoafirmação de
que suas concepções teóricas e práticas são válidas e coerentes com sua atividade
docente, ou do contrário, como uma via de reflexão sobre as possibilidades de
reorganização da ação pedagógica. Exemplos deste entendimento encontram-se nas
narrativas a seguir:
Eu sempre participei de estudos, de grupos para poder modificar a minha prática, ter novos
conhecimentos, mas eu senti que favoreceu para eu ter um entendimento e uma garantia de
que o que eu estava fazendo era certo. (Profª. L.).
Onde tiver um parceiro diferente, um sangue novo, eu acho que o vigor é outro. É nesse
sentido, é a comprovação do professor, a certeza de que o caminho que ele está seguindo é
para continuar ou para recuar e retomar, porque são as duas situações. Ou tu segues, ou tu
paras e revê e traça de novo. (Profª. M.).
Então, o que eu sentia da necessidade de voltar para o grupo, esse negócio de me
autoafirmar, de poder estar em um lugar onde as concepções e os preceitos teóricos são os
mesmos meus, porque eu me sinto dentro da escola como se estivesse nadando contra
correnteza. [...] E ao mesmo tempo isso me dá uma angústia e várias vezes eu já me deparei
pensando assim: será que eu estou fazendo errado? Será que eu estou no caminho certo?
[...] porque eu me sinto uma professora segura no que eu faço, mas a questão de ser a
diferente, em alguns momentos te dá essa instabilidade ( Profª. T.).
A partir dessas narrativas consideramos que o processo formativo é produzido
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por meio de ações de autoformação que se desenvolvem com o auxílio de atividades
interformativas. Nesse processo, as docentes enfatizam a relevância do trabalho
colaborativo com a universidade como possibilidade de tomada de consciência acerca
dos elementos envolvidos na produção da docência, instigando à reflexão sobre as
experiências profissionais e à busca pela qualificação do trabalho docente.
Apontamentos atuais: reflexões sobre os processos formativos continuados
Os achados desta pesquisa nos permitem destacar alguns elementos que poderão
ser balizadores para o repensar das propostas e ações de formação continuada para
professores da Educação Básica:
 as professoras da Educação Básica nem sempre se reconhecem como
pesquisadoras e produtoras de conhecimentos sobre a atividade docente.
Nesse sentido, as mediações e interações entre pares poderão instigá-las
a reflexão sobre as práticas que desenvolvem;
 compreender o processo formativo implica na construção de espaços de
estudo/reflexão/compartilhamento de experiências vividas, onde a
atribuição de significados intra e intersubjetivo transforme tal
experiência em conhecimento formativo, contribuindo tanto para o
desenvolvimento da pessoa do educador quanto para o aprimoramento
do profissional;
 a interação universidade/escola é compreendida como uma possibilidade
de qualificação docente a partir da aproximação dos conhecimentos
experienciais e científicos (Candau, 2007, Nóvoa, 1991);
 as ações de auto e interformação mobilizam as educadoras a buscarem
espaços de compartilhamento capazes de subsidiar positivamente a ação
docente.
Nessa direção, com o intuito de apresentar a importância das aprendizagens
experienciais para a formação continuada de professores, Tardif (2007) comenta que os
docentes são profissionais competentes para refletir, avaliar e reconstruir o seu trabalho,
porque estão expostos diretamente com a dinâmica da escola. Deste modo, o
profissionalismo emerge como um processo permeado pela autogestão dos
conhecimentos compartilhados no grupo. No entanto, este comportamento só nasce
numa escola reflexiva, assim como descreve Alarcão (2001). Numa escola
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comprometida com a formação continuada dos professores, assim como com a
qualidade de suas práticas pedagógicas.
Portanto, é imprescindível a promoção de espaços de compartilhamento entre a
universidade e a escola, uma vez que, a partir das mediações e interações, os
professores poderão construir um ambiente de profissionalização para discutir seus
enfrentamentos diários, suas ideias, inquietações e suas dúvidas, constituindo uma
dinâmica potencializadora para o exercício reflexivo, o protagonismo e a autonomia
pedagógica.
Assim, a criação de uma cultura de colaboração entre a universidade/escola
constitui-se como uma das premissas para que a reflexão compartilhada acerca das
práticas educativas experienciadas e vivenciadas nos contextos escolares. Acreditamos,
pois, que o trabalho conjunto promovido pela cultura de colaboração pode ser o ponto
chave para a configuração das propostas de formação continuada de professores.
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Junqueira&Marin Editores
Livro 2 - p.004549
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