EDUCAR
E
CUIDAR
PELA
PERSPECTIVA
DAS
RELAÇÕES DE GÊNERO NA EDUCAÇÃO INFANTIL*
Maria Cristina Bezerra Cardoso (FACEQ)**
Tâmara de Oliveira (FACEQ) ***
Maria Clara Lopes Saboya (FAFE/FACEQ) ****
Resumo
Este trabalho tem com proposta apresentar a importância do gênero masculino na docência
da Educação Infantil. A partir deste texto, procurou-se apresentar que a história da
Educação Infantil configurou-se como um espaço totalmente feminino e, em contrapartida,
a figura masculina é de certo modo excluída. Para tanto, este trabalho propõe os conceitos
de cuidar e educar pela perspectiva dos gêneros na Educação Infantil. O objetivo foi
analisar fatores culturais e sociais que envolvem a exclusão e a discriminação do professor
homem na Educação Infantil. Constatou-se que há muito preconceito e discriminação
incrustados nessa modalidade e que o professor encontra muitos obstáculos para exercer
essa profissão. Esta pesquisa ressalta a necessidade de reflexão e ações contrárias
concernentes à postura social relacionada à exclusão e discriminação do gênero masculino
no tocante à docência na Educação Infantil.
Palavras-Chave: Relações de Gênero. Educação Infantil. Docência Masculina.
Abstract
This work has proposed to present the importance of males in teaching in early childhood
education. From this text, we sought to present the history of early childhood education
was configured as a totally feminine space, however, the male figure is excluded certain
way. For both this present work proposes the care and education from the perspective of
gender in early childhood education. The aim was to analyze cultural and social factors
related to exclusion and discrimination of male teacher in early childhood education. It was
found that there is a lot of prejudice and discrimination embedded in this mode, the teacher
finds many obstacles to pursue that profession. This research highlights the need for
*
Artigo resultante do Trabalho de Conclusão de Curso das duas primeiras autoras, apresentado à Faculdade
Eça de Queiros (FACEQ – UNIESP Jandira) em 2014, como exigência parcial para obtenção do título de
Licenciatura em Pedagogia, sob orientação da Professora Dra. Maria Clara Lopes Saboya.
**
Licenciada em Pedagogia pela FACEQ – UNIESP Jandira.
***
Licenciada em Pedagogia pela FACEQ – UNIESP Jandira.
****
Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP). Mestre e
Pedagoga pela mesma instituição. Bacharel e Licenciada em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP).
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reflection and actions contrary stance concerning social exclusion and discrimination
related to males in relation to teaching in early childhood education.
Keywords: Gender Relations. Early Childhood Education. Teaching Men.
Introdução
Por muitos anos, na história da Educação Infantil, o cuidar e o educar eram vistos
como atividades que poderiam ser desenvolvidas apenas pelo gênero feminino. Marcado
pela cultura do feminismo, o ato de cuidar era exercido apenas como uma atividade
corporal, no qual mães e outras mulheres próximas às crianças poderiam executar, sendo
ele apenas uma atividade doméstica, o cuidar era responsabilidade da mulher. O educar,
embora visto como uma atividade intelectual, não fica aquém dessa visão, pelo vínculo
maternal, e a divisão social do papel feminino na sociedade, o educar também se mostrou
nessa perspectiva como uma atividade desenvolvida pelo gênero feminino, tendo como
finalidade a preservação da figura feminina (materna) fora de casa, fortalecendo ainda mais
a responsabilidade da mulher em transmitir também a educação formal.
Diante desse fato, percebe-se que a mulher assume a responsabilidade de
educadora na Educação Infantil, quase que erradicando a figura do gênero masculino.
Sendo assim, este trabalho propõe-se a afirmar a importância do gênero masculino na
Educação Infantil, sendo o homem, valorizado também como professor.
O tema abordado tornou-se objeto de pesquisa devido à observação no campo da
Educação Infantil, em que se percebe a grande ausência da figura masculina como
educador e/ou cuidador nas escolas e instituições de Educação Infantil. Diante dessa
realidade, surgem alguns questionamentos tais como: 1) A ausência do gênero masculino
na Educação Infantil refere-se ao fato da sociedade impor papéis para ambos os
sexos/gêneros?; 2) Há preconceito em relação ao homem exercer o papel de cuidador tal
como também educador?; 3) Acredita-se que o homem tenha competências e habilidades
suficientes para ser parte integrante na Educação Infantil?
Em resposta a essas problemáticas, levantamos as seguintes hipóteses: 1) Vítimas
de uma sociedade machista, os gêneros masculino e feminino desempenham tarefas
diferentes em que, mulheres deveriam cuidar do lar e de seus filhos, e homens trabalhar
fora, e serem supridores de seus lares. Entretanto, essa mesma sociedade cresceu se
desenvolveu, e com ela, foram quebrados vários paradigmas, entre eles, a presença da
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mulher no mercado de trabalho, a conquista por direitos sociais, entre outros. Com todas
essas mudanças e conquistas, vivenciamos a igualdade perante os gêneros, o que nos faz
acreditar que assim como muitos paradigmas foram quebrados, homens e mulheres podem
desempenhar várias funções sem desigualdades.
2) Dentre os vários papéis que homens e mulheres desempenham na sociedade, o
papel de cuidar e educar também pode e deve ser desempenhado pelo gênero masculino. A
prática do cuidar e do educar exercida pelo homem, não desdenha a figura feminina, nem
tão pouco desvaloriza a figura masculina, mas fortalece o conceito de uma sociedade
igualitária e humanística, em que independente de gêneros, competências e habilidades são
dadas a todos.
3) Outro paradigma que precisa ser vencido é o preconceito que há em relação ao
gênero masculino como educador na Educação Infantil. Cuidar e educar não são uma
tarefa exclusiva das mulheres, mas uma tarefa que pode ser desempenhada por ambos os
gêneros, sendo exigida para essa tarefa certa qualificação. Partindo desse pressuposto, a
escola deveria se caracterizar em um espaço que não excluísse, mas uma aliada na quebra
de tabus, um ambiente que não tivesse tantos desencontros em suas ações. Como
formadora de opiniões, a escola pode reverter o preconceito que há em relação ao homem
como educador, mostrando a sociedade que a educação não exige um gênero específico,
mas qualificação.
Na história da Educação Infantil no Brasil, o gênero feminino ocupou o espaço de
educadora concernente à mulher ser uma fiel representante da figura materna. Ainda no
tocante à Educação Infantil, a preocupação era atender as crianças de uma maneira
assistencialista, sendo essa função destinada às mulheres.
Com o passar dos anos, percebeu-se que as crianças necessitavam mais do que
apenas cuidados maternos, e que as instituições de Educação Infantil poderiam oferecer
muito mais que apenas cuidados assistencialistas. Relevante a essa vertente, a lei e a
constituição exigiram preparo profissional para o atendimento às crianças. Diante desse
fato, tanto na lei como na constituição, não especifica mulheres ou homens de forma
singular capaz para exercer a função de educador (a).
O critério para atender as crianças na Educação Infantil não é uma questão de
gênero, mas é preciso que haja competência e habilidade. Competências se constituem
num conjunto de conhecimentos, atitudes, capacidades e aptidões que habilitam alguém
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para vários desempenhos da vida. Habilidades se ligam a atributos relacionados não apenas
ao saber-conhecer, mas ao saber-fazer, saber-conviver e ao saber-ser. Sendo assim, o
homem tem aptidão para exercer a função de educador na Educação Infantil. Por meio de
dados históricos, bibliográficos e pesquisa em campo, pretende-se averiguar como o
gênero masculino é visto no âmbito da Educação Infantil e como é sua participação e
contribuição para o exercício do cuidar e educar.
Em suma, será apresentado nesta pesquisa um breve recorte da Educação Infantil
na educação no Brasil, a perspectiva dos gêneros na educação e por fim a importância do
gênero masculino na Educação Infantil. Em seguida será apresentada a pesquisa de campo
realizada em três escolas privadas na cidade de São Paulo. A primeira escola é a Escola
Viva, localizada na Vila Olímpia –São Paulo, a segunda escola é Red Balloon localizada
em Santana de Parnaíba- São Paulo e a terceira e ultima é Maria Montessori localizada no
Jabaquara- São Paulo. Dentro de cada escola foi abordado um professor de Educação
Infantil, e esses professores responderam um questionário composto por oito perguntas
abertas concernentes à docência masculina na Educação Infantil.
1 Referencial teórico
1.1 A história da Educação Infantil
Historicamente falando, a Educação Infantil apresenta uma política de
atendimento assistencialista e de grandes batalhas para a valorização da infância enquanto
processo importante do desenvolvimento infantil. Este título propôs-se em reunir
importantes fatos históricos da Educação Infantil no geral, observando paradigmas,
compreendendo os avanços, até chegar ao que a constitui hoje a Educação Infantil
Brasileira (KRAMER, 2005).
Segundo Rizzo (2003), de um modo geral, a Educação Infantil surgiu com o
fenômeno da era industrial, em que a mão de obra humana deixa de ser relevante, sendo
ela substituída pelas maquinas. Foi na Revolução Industrial que a mão de obra feminina foi
incorporada no mundo fabril, e se separou o trabalho doméstico do trabalho remunerado no
mercado de trabalho formal, mesmo que de forma subalterna.
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Inicia-se então uma era em que a mulher deixa as funções de mãe em tempo
integral, dona de casa, para assumir o papel de provedora do lar e funcionária remunerada.
Norteado por esse contexto, em meados dos séculos XVIII e XIX, na Europa e nos Estados
Unidos, surge o embrião do que seria a Educação Infantil (RIZZO, 2003).
Com as mulheres no mercado de trabalho, muitas delas não tinham com quem
deixar seus filhos, e, com a finalidade de sanar esse problema, surgem mulheres que
tomam por opção cuidar dessas crianças em suas casas, enquanto suas mães trabalham.
Com a crescente participação do trabalho dos pais nas fabricas, fundição e mina de carvão,
ergue-se uma alternativa no tocante ao cuidado com as crianças, de maneira formalizada,
mulheres da comunidade (sem proposta instrucional formal), desenvolvem com as crianças
atividades voltadas para o ensino de bons hábitos de comportamento e a internalização de
regras morais.
Com o aumento das mulheres no mercado de trabalho, mais se aumentava essas
pequenas zonas de assistencialismo doméstico, crescendo os riscos de maus tratos às
crianças, reunidas em um numero maior, aos cuidados de apenas uma cuidadora, essas
crianças eram vitimas da pouca alimentação e higiene, causando um quadro caótico
(RIZZO, 2003).
Ainda segundo essa autora, preocupados com a sobrevivência, famílias se
tornaram coniventes com o desprezo e os maus tratos com as crianças, sendo assim, a
sociedade aplaudiu a atitude de algumas pessoas que retiravam as crianças desvalidas das
ruas, com afinco de cuidar e dar assistência.
Na perspectiva de Didonet (2001), surgem no contexto de desenvolvimento
industrial, nos Estados Unidos e na Europa as primeiras instituições, que procuravam
cuidar e proteger as crianças enquanto suas mães estavam no trabalho. Dessa forma, o
surgimento dessas instituições é atribuído às transformações sociais e da família. As
escolas maternais, creches, jardins de infância, tiveram em seu inicio, o objetivo
assistencialista, cujo propósito era a guarda, alimentação, higiene e o cuidado físico com as
crianças.
Embora o aparecimento dessas instituições fosse assistencial, Kuhlmann Jr.
(2001) afirma que havia uma preocupação com a educação, visto que eram apresentadas
desde o inicio como instituições pedagógicas. Essa afirmativa é respaldada com a Escola
de Principiantes, ou a escola de tricotar, criada pelo pastor Orbelin, na França, em meados
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de 1769, com o atendimento para crianças de dois a seis anos. Essa instituição tinha como
objetivo desenvolver nas crianças diferentes habilidades como: hábitos de obediência,
bondade, identificação das letras do alfabeto, pronuncia correta das palavras, além de
noção moral e religiosa.
Como exemplo, podemos citar a escola de Robert Owen, criada no ano de 1816
em New Lanark, na Escócia: uma instituição pensada com proposta pedagógica, já que
atendia crianças de um ano e seis meses até vinte e cinco anos de idade, e tinha como
objetivo trabalhar questões que abordavam a natureza, exercícios de dança e canto coral.
Nessa instituição eram usados materiais didáticos com proposta educativa, desenvolvendo
nos alunos raciocínio e o julgamento correto diante das situações problema proposta pelo
professor (KUHLMANN JR, 2001).
Outra instituição considerada como pedagógica é o Jardim de Infância, do ponto
de vista histórico, essa instituição não tinha como prioridade o cuidar somente, (embora
essa questão estivesse sempre atrelada ao educar). Todavia, vale ressaltar que o primeiro
jardim de infância criado em meados de 1840, em Blankenburgo, por Friedrich Froebel,
não tinha uma preocupação apenas educativa e assistencial, mas de transformar a estrutura
familiar, de maneira que as famílias pudessem dar melhor assistência aos seus filhos. Para
essa afirmação diz Kuhlmann Jr:
Os estudos que atribuem aos Jardins de Infância uma dimensão educacional e
não assistencial, como outras instituições de Educação Infantil, deixam de levar
em conta as evidências históricas que mostram uma estreita relação entre ambos
os aspectos: a que a assistência é que passou, no final do século XIX, a
privilegiar políticas de atendimento à infância em instituições educacionais e o
Jardim de Infância foi uma delas, assim como as creches e escolas maternais.
(KUHLMANN JR, 2001, p. 26)
A despeito dos jardins de infância, de acordo com Kramer (2006, p. 25) “surgem
os jardins da infância por Froebel, nas favelas alemãs; por Montessori nas favelas italianas
A pré-escola era encarada, por esses educadores, como uma forma de superar a miséria, a
pobreza e a negligência familiar”.
Partindo da segunda metade do século XIX, as instituições destinadas à primeira
infância, eram formadas por creches e jardins de infância, acompanhadas de outras
modalidades educacionais que foram obtidas como modelo em vários países. Em contexto
diferente, numa realidade assistencialista, nasce a Educação Infantil no Brasil, em
detrimento dos outros países que tinham como objetivo não apenas assistir as crianças, mas
também educa-las. No tocante a esse objetivo, é de suma importância avaliar essa
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diferença para que possa haver uma compreensão da trajetória da Educação Infantil no
Brasil, na relação estabelecida com o contexto universal (Revista HISTEDBR, 2009).
1.2 A Educação Infantil no Brasil
Segundo Rizzo (2003), a Educação Infantil nasce, no Brasil, com caráter
assistencial. Pautada numa realidade em que mulheres trabalhavam fora, viúvos
desamparados e órfãos abandonados, surgem as primeiras tentativas de organização de
creches, asilos e orfanatos. Além disso, fatores como alto índice de mortalidade infantil,
desnutrição generalizada e um numero significativo de acidentes domésticos, religiosos,
empresários e educadores começaram a pensar num espaço de cuidado para as crianças
fora do ambiente familiar. Foi através dessa preocupação que a criança começou a ser vista
com um sentimento filantrópico, caritativo, assistencial, e que começou a ser atendida fora
da família (DIDONET, 2001).
Enquanto para as famílias mais abastadas pagavam uma babá, as pobres viam-se
na contingência de deixar os filhos sozinhos ou colocá-los numa Instituição que
deles cuidasse. Para os filhos das mulheres trabalhadoras, a creche tinha que ser
de tempo integral; para os filhos de operárias de baixa renda, tinha que ser
gratuita ou cobrar muito pouco; ou para cuidar da criança enquanto a mãe estava
trabalhando fora de casa, tinha que zelar pela saúde, ensinar hábitos de higiene e
alimentar a criança. A educação permanecia assunto de família. Essa origem
determinou a associação creche, criança pobre e o caráter assistencial da creche.
(DIDONET, 2001, p. 13)
Nesse contexto, vale ressaltar que ao longo das décadas, foram se constituindo
arranjos alternativos para atender as crianças menos favorecidas. No Brasil, por exemplo,
uma das instituições mais perduráveis foi a roda dos excluídos ou a roda dos expostos, em
que crianças recém-nascidas abandonadas eram colocadas num tabuleiro, puxava-se então
uma corda que servia de aviso para as auxiliadoras dessa instituição de que uma criança
havia sido posta naquele local. Por mais de cem anos a roda dos expostos foi uma
alternativa para as crianças abandonadas, e mesmo vista por muitos como uma alternativa
ruim de atendimento a criança, a roda dos expostos perdurou até meados do século XX
(MARCÍLIO, 1997).
Partindo do pressuposto de abandono e fragilidade no contexto da Revolução
Industrial, as crianças menos favorecidas eram atendidas nessas instituições que além de
assistencialistas, eram também instituições femininas, pois as tarefas do cuidar e do educar
eram direcionadas apenas às mulheres, pois o gênero feminino era visto como uma
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performance perfeita da figura materna. Assim, essas instituições crescem no Brasil, ainda
sem respaldo judiciário e governamental; um número significativo de creches foi criado
por entidades filantrópicas com a proposta de atender não apenas as crianças menos
favorecidas, mas também, ser suporte para mães operárias com jornada de trabalho de
meio à período integral (KUHLMANN JR, 1998).
Outro fator, segundo Haddad (1993), considerado contribuinte para o nascimento
de creches e instituições foram os movimentos feministas iniciados nos Estados Unidos,
essas manifestantes defendiam a ideia de que tanto creches como pré-escolas deveriam
atender todas as mulheres, independente da sua situação econômica. O resultado desse
movimento culminou num número significativo de instituições mantidas e geridas pelo
poder público.
Foi apenas em meados das décadas de 70 e 80 que a Educação Infantil começou a
ter apoio judiciário e governamental, a criança passou a ser vista como pequeno cidadão,
sendo assim, deveria receber seus direitos e não poderia sofrer de privação social. Em
consequência de uma forte reivindicação das massas para que todos, irrestritamente,
tivessem acesso à educação, em 1988 a Constituição Federal Brasileira reconhece a
Educação Infantil como um direito de toda criança e dever do Estado. Em 1990, se elabora
o ECA (Estatuto da criança e do Adolescente), afirmando os direitos universais a infância.
A LDB 9394/96 incorpora a Educação Infantil como primeira etapa da Educação Básica e
formaliza a municipalização desta etapa do ensino.
Em 1998 é elaborado o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
– RCNEI – um documento que norteia o trabalho pedagógico realizado com as crianças de
0 a 5 anos. Além desse importante documento para o avanço da qualidade dessa etapa de
ensino, o Ministério da Educação Cultura e Desporto/MEC, lanças outros como:
Parâmetros em Ação – Educação Infantil (1999); Política Nacional de Educação Infantil:
pelo direito da criança de 0 a 5 anos à educação (2006); Parâmetros Nacionais de
Qualidade para a Educação Infantil (2006) com dois volumes; Parâmetros Básicos de
infraestrutura para Instituições de Educação Infantil (2006); Indicadores da Qualidade na
Educação Infantil (2009). Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
(2010) todos esses materiais, visam propiciar uma educação voltada para a diversidade.
(BRASIL, 1988).
Além da Constituição Federal de 1988, do Estatuto da Criança e do Adolescente
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de 1990, destaca-se a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, que, ao
tratar da composição dos níveis escolares, inseriu a Educação Infantil como primeira etapa
da Educação Básica. Essa Lei define que a finalidade da Educação Infantil é promover o
desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, complementando a ação da
família e da comunidade (BRASIL, 1996). De acordo com o Ministério da Educação, o
tratamento dos vários aspectos como dimensões do desenvolvimento e não áreas separadas
foram fundamentais, já que “[...] evidencia a necessidade de se considerar a criança como
um todo, para promover seu desenvolvimento integral e sua inserção na esfera pública”
(BRASIL, 2006, p. 10).
Sendo assim, agora a Educação Infantil recebe um grande avanço concernente aos
direitos da criança pequena, uma vez que a Educação Infantil passa a ser considerada como
a primeira etapa da Educação Básica, embora, não obrigatória, é um direito da criança.
Partindo desse pressuposto, segundo DIDONET (2001), três importantes objetivos devem
ser observados nessa nova modalidade educacional:
 Objetivo Social: associado à questão da mulher enquanto participante da vida
social, econômica, cultural e política;
 Objetivo Educativo: organizado para promover a construção de novos
conhecimentos e habilidades da criança.
 Objetivo Político: associado à formação da cidadania infantil, em que, por
meio deste, a criança tem o direito de falar e de ouvir, de colaborar e de respeitar e ser
respeitada pelos outros (DIDONET, 2001, p. 53).
Em uma relação coerente com a Legislação, o Ministério da Educação publicou
em 1998, documentos que dariam suporte para que instituições infantis fossem
credenciadas, concomitantemente nasce também o Referencial Curricular Nacional
(BRASIL, 1998a), com o objetivo de contribuir para a implantação de práticas educativas
de qualidade. Este último foi concebido de maneira a servir como um guia de reflexão de
cunho educacional sobre os objetivos, conteúdos e orientações didáticas para os
profissionais que atuam com crianças de zero a cinco anos de idade. Para a concretização
desses objetivos, o Referencial Curricular para a Educação Infantil engaja uma proposta
que possibilita compreender a criança, como um sujeito de direitos, autônoma, capaz de
usar sua voz para, constituir um fazer educativo eficiente e prazeroso, e acima de tudo
transformador:
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 Desenvolver uma imagem positiva de si, atuando de forma cada vez mais
independente, com confiança em suas capacidades e percepção de suas limitações;
 Descobrir e conhecer progressivamente seu próprio corpo, suas potencialidades
e seus limites, desenvolvendo e valorizando hábitos de cuidado com a própria saúde e
bem-estar;
 Estabelecer vínculos afetivos e de troca com adultos e crianças, fortalecendo
sua autoestima e ampliando gradativamente suas possibilidades de comunicação e
interação social;
 Estabelecer e ampliar cada vez mais as relações sociais, aprendendo aos
poucos a articular seus interesses e pontos de vista com os demais, respeitando a
diversidade e desenvolvendo atitudes de ajuda e colaboração;
 Observar e explorar o ambiente com atitude de curiosidade, percebendo-se
cada vez mais como integrante, dependente e agente transformador do meio ambiente,
valorizando atitudes que contribuam para sua conservação;
 Brincar,
expressando
emoções,
sentimentos,
pensamentos,
desejo
e
necessidades;
 Utilizar as diferentes linguagens (corporal, musical, plástica, oral e escrita)
ajustadas às diferentes intenções e situações de comunicação, de forma a compreender e
ser compreendido, expressar suas ideias, sentimentos, necessidades e desejos e avançar no
seu processo de construção de significados, enriquecendo cada vez mais sua capacidade
expressiva;
 Conhecer algumas manifestações culturais, demonstrando atitudes de interesse,
respeito e participação frente a elas e valorizando a diversidade (BRASIL, 1998a, p. 63, v.
1).
Dentre os direitos promulgados pela Legislação e Constituição, destaca-se
também para a efetivação de qualidade na Educação Infantil, a preparação de funcionários,
para o atendimento às crianças. Todavia nesses documentos, não há especificidade de
gênero para atender as necessidades das crianças, mas apenas preparo profissional, uma
vez que a Educação Infantil passa a ser vista como a primeira etapa da Educação Básica.
(BRASIL, 1998).
O trabalho docente na Educação Infantil desde sua origem esteve ligado ao gênero
feminino, isso porque segundo Souza (2010), embora essa primeira etapa da Educação
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Básica tenha diversas origens, nas várias propostas o cuidar e o educar se relacionavam à
maternidade e ao âmbito doméstico, características consideradas femininas.
Além disso, no início da história da Educação Infantil, consolidando-se
socialmente a profissão de professora como feminina, amparada em uma concepção, que
tinha como pressuposto a escola como extensão do lar e continuidade da maternidade para
atuar em Educação Infantil. Como afirma Carvalho (1998, p. 5):
Predomina uma visão maternal e feminina na docência no curso primário,
colocando em relevo os aspectos formadores, relacionais, psicológicos, intuitivos
e emocionais da profissão, frente aqueles aspectos socialmente identificados com
a masculinidade, tais como a racionalidade, a impessoalidade, o
profissionalismo, a técnica e o conhecimento cientificam.
Sendo assim, dentre as várias transformações que a Educação Infantil sofreu e
sofre, vale ressaltar que um dos avanços desejados é de que homens possa ser um
personagem igualitário no tocante à docência feminina. Embora as mulheres tenham uma
vantagem na história da Educação Infantil, sendo ela tida como o único ser capaz de
educar, paradigmas tem se levantado de maneira positiva a essa vertente, de maneira que o
gênero masculino, têm se mostrado como um forte contribuinte à Educação Infantil como
papel de educador.
2 A perspectiva dos gêneros na Educação Infantil
O presente texto tem como objetivo apresentar uma síntese no tocante as relações
de gêneros na Educação Infantil. Partindo do pressuposto de que não só na Educação
Infantil, mas na historia da humanidade, a sociedade sempre se dispôs a impor papéis para
homens e mulheres, veremos através de alguns autores, a perspectiva que se tem em
relação aos gêneros feminino e masculino, e os papéis que são estipulados pela sociedade
para ambos na Educação Infantil.
2.1 Gêneros e sua Terminologia
Para compreender a separação de papeis e tarefas destinadas aos gêneros feminino
e masculino, é preciso compreender o que se entende por gênero. O termo “Gênero” tem
significação polissêmica, podendo ser utilizado para diversas atribuições em diferentes
campos do conhecimento, o que permite interpretá-lo como conceito e categoria de análise.
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Para Scott (1995), ele descreve que a o emprego terminológico de gênero é muito
recente, no que se refere às diferentes formas de pensar a organização entre os sexos.
Nesse sentido, gênero é um conceito originário das Ciências Sociais que surgiu nos anos
60/70, relacionado a uma construção social do sexo. Assim, o termo gênero significa a
“distinção entre atributos culturais alocados a cada um dos sexos e à dimensão biológica
dos seres” (SCOTT, 1995, p. 86).
Segundo Felipe:
O conceito de gênero está relacionado fundamentalmente aos significados que
são atribuídos a ambos os sexos em diferentes sociedades. Homens e
mulheres, meninos e meninas constituem-se mergulhados nas instâncias
sociais em um processo de caráter dinâmico e contínuo. Questões como
sexualidade, geração, classe, raça, etnia, religião também estão imbricadas na
construção das relações de gênero. (FELIPE, 2004, p. 33)
O questionamento da diferença entre homens e mulheres não é fixado na questão
biológica, mas sim numa questão social e cultural. Porém, não significa que as
características biológicas do sexo sejam negadas, pois a valorização e a desvalorização do
ser humano com base na diferença sexual são socialmente constituídas, também em relação
a essas diferenças biológicas.
Para Meyer:
O conceito de gênero enfatiza a pluralidade e conflitualidade dos processos
pelos quais a cultura constrói e distingue corpos e sujeitos femininos e
masculinos, tornasse necessário admitir que isso se expressa pela articulação de
gênero com outras “marcas” sociais, tais como classe, raça, etnia,
sexualidade, geração, religião, nacionalidade. É necessário admitir também que
cada uma dessas articulações produz modificações importantes nas formas
pelas quais as feminilidades ou as masculinidades são, ou podem, ser, vividas e
experiências por grupos diversos, dentro dos mesmos grupos ou ainda, pelos
mesmos indivíduos, em diferentes momentos de sua vida. (MEYER, 2005, p.
17).
Como vivemos em diferentes culturas, lugares, níveis sociais, pode se perceber
que esses fatores influenciam e agem como determinantes na maneira de viver a
masculinidade e a feminilidade.
Partindo desse pressuposto, Louro afirma que:
Ao afirmar que o gênero institui a identidade do sujeito (assim como a etnia, a
classe, ou a nacionalidade, por exemplo) pretende-se referir, portanto, a algo
que transcende o mero desempenho de papéis, a ideia é perceber o gênero
fazendo parte do sujeito, constituindo-o. (LOURO, 1997, p. 25)
Todas essas mudanças e estruturas vão se construindo ao longo da vida em
determinados momentos históricos, em uma determinada sociedade, em diversos grupos,
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tais com: raciais, religiosos, de classe, gêneros entre outros. Sendo assim, existem
concepções de gêneros que não abordam diferenças simplesmente como distinções
biológicas entre homens e mulheres, mas que percebem tais diferenças como construção
social.
Nesse sentido, Mayer afirma:
O conceito de gênero propõe um afastamento de análises que repousam sobre
uma ideia reduzida de papéis, funções de mulher e de homem, para aproximarnos de uma abordagem muito mais ampla que considera que as instituições
sociais, os símbolos, as normas, os conhecimentos, as leis, as doutrinas e as
políticas de uma sociedade são constituídas e atravessadas por representações e
pressupostos de feminino e de masculino ao mesmo tempo em que estão
centralmente implicadas com sua produção, manutenção ou ressignificação.
(MEYER, 2005, p. 18)
Portanto, vale ressaltar que há uma necessidade de perceber o gênero não como
uma simples forma de perceber atitudes para mulheres e homens, mas sim de examinar
como é vista essa diferença, imposta e constituída pela sociedade, deixando de ver o que
homens e mulheres fazem ou como se constituem como homens e mulheres e passar a
considerar o gênero em si como fator operante, que estrutura e determina socialmente a
masculinidade e a feminilidade dos seres humanos, e que acima de tudo, opera na
constituição de ideologias e políticas, normatizando a vida em sociedade.
Felipe afirma que:
O conceito de gênero se contrapõe à ideia de uma essência (masculina ou
feminina) natural, universal e imutável, enfatizando os processos de construção
ou formação histórica, linguística e socialmente determinada. A constituição de
cada pessoa deve ser pensada como um processo que se desenvolve ao longo de
toda a vida em diferentes espaços e tempos. Desta forma, o conceito de gênero
trouxe a possibilidade de colocar em discussão as relações de poder que se
estabelecem entre homens e mulheres, posicionando os como desiguais em suas
possíveis e múltiplas diferenças. (FELIPE, 2004, p. 33)
A construção de gênero, considerada como uma construção histórico-cultural
assume uma face muito mais complexa do que é vista nas relações entre as pessoas. Nessa
perspectiva, Furlan e Santos afirmam que:
[...] não é propriamente a diferença sexual – de homens e mulheres – que
delimita as questões de gênero, e sim as maneiras como ela é representada na
cultura através do modo de falar, pensar ou agir sobre o assunto. (FURLAN e
SANTOS, 2010, p.1)
Sendo assim, a relação entre os gêneros tem em sua concepção além da
sexualidade homem e mulher, papéis diferenciados e estipulados, o que fortalece a ideia de
que dentre esses papéis, homens não devem exercer a atividade de educador na Educação
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Infantil.
2.2 Gêneros e os papéis desempenhados na Educação Infantil
Partindo do pressuposto da observação das relações de gênero que ocorrem no
espaço escolar, e como essas são centrais na construção da identidade das crianças, e
também como é primordial a participação do pedagogo (a), na construção das significações
do que é ser homem e mulher, este recorte tem como propósito expor os papéis que são
impostos para os gêneros feminino e masculino, na docência na Educação Infantil.
As diferentes representações relacionadas aos papeis profissionais concernente ao
gênero, são veiculados pelo tecido social envolvente, traduzindo-se em preferências por
colocações e ocupações que oferecem diversas responsabilidades de nível instrumental e
expressivo, tornando-as respectivamente masculinas e femininas.
Existem profissões que ao longo do tempo ganharam características de um
determinado gênero. Podemos citar, por exemplo, a de professor (a) que foi criada de
homens para homens e as mulheres não tinham direito a escolarização, pois desde o inicio
da colonização até o Brasil Império, a sociedade da época as via como cuidadoras do lar,
dos filhos e do marido, não necessitando investir em conhecimento.
Entretanto, apesar das influencias socioculturais transmitirem uma orientação
negativa concernente à figura masculina nos primeiros níveis de ensino, a presença
masculina começa ser relevante na Educação Infantil à medida que paradigmas vão sendo
quebrados, no tocante aos papeis desempenhados pelo gênero masculino.
Muitos desses paradigmas expressam-se pela feminização da docência na
Educação Infantil. Por muito tempo se permaneceu engessada a ideia de que cuidar e
educar era uma tarefa terminantemente feminina, nisso, o magistério foi ao longo dos anos
tornando-se feminino em decorrência de vários fatos históricos e culturais, a ideia de que a
mulher está mais preparada para atuar com crianças pequenas está relacionada ao fato da
maternidade.
A despeito dessa afirmativa, Carvalho esclarece:
A existência de uma matriz cultural comum informando os ideais de relação
mãe-filho na família e professora-aluno na escola, uma matriz estruturada a
partir das prescrições de cuidado infantil e ideais de maternidade como atributo
natural das mulheres, cujas raízes mais profundas podem ser encontradas no
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pensamento pedagógico do século XVIII e nas ideias de infância, feminilidade e
maternidade então gestadas. (CARVALHO, 1999, p. 25)
A sociedade na qual estamos inseridos costuma pensar que as mulheres devido ao
seu instinto maternal exercem mais aptidão para serem educadoras na Educação Infantil do
que homens. Assim, fica claro como ainda é compreendido o papel da mulher como
cuidadora, carinhosa, paciente, qualidades essas que não contextualizam o universo de
significações do gênero masculino. Esses adjetivos remetem a uma visão normativa no
tocante ao ser homem e ser mulher, porém não há apenas uma forma de ser homem ou
mulher, mas sim diferentes maneiras de viver a feminilidade e a masculinidade.
Embora o gênero masculino se contraponha como educador na Educação Infantil,
nem sempre essa vertente foi estabelecida. Até o final do século XIX, no Brasil a docência
na educação era tida como uma profissão masculina até que aos poucos as mulheres foram
tomando espaço como educadoras, segundo Almeida (1998), dois motivos para a inserção
da mulher no magistério seria o repudio a coeducação liderado pela Igreja Católica, e pela
necessidade de professoras para reger as classes femininas (ALMEIDA, 1998, p. 65).
Ainda no âmbito da feminização na docência, o homem foi deixando aos poucos a
profissão de educador na Educação Infantil, nesse sentido, é possível identificar além da
mulher ser considerada como o estereotipo perfeito como educadora, alguns fatores que
contribuíram para esse afastamento. Dentre esses fatores segundo (RABELO, 2010), vale
ressaltar os baixos salários, o baixo status social, o paradigma estabelecido pela sociedade
de que homens trabalhando na Educação Infantil aumentaria o risco de abuso sexual, a
possível homossexualidade associada ao docente masculino (RABELO, 2010 p. 145).
Os baixos salários e o baixo status social têm colaborado para o desinteresse e a
desmotivação para que o homem não procure a carreira de professor de Educação Infantil.
Isso se reflete também no contexto social, em que a figura masculina ainda se encontra e se
espera que o homem seja provedor do lar, o que se torna difícil com a remuneração paga a
esses trabalhadores. O inicio dessa desvalorização, rende-se ao fato em que as mulheres
começam a ocupar esse espaço, como o salário delas não seria a única renda da casa, logo
não haveria necessidade de serem bem remuneradas.
Partindo desse pressuposto, segundo (RABELO, 2010), a visão da sociedade de
que a profissão de professor (a) está relacionada com uma suposta “vocação”, cujo louvor
é de ordem espiritual, como uma missão que deve ser cumprida no espaço terreno para que
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seja recompensada nos céus. Sendo assim, caracterizado por uma missão, e não uma
profissão a ser valorizada, não exige que sejam bem pagos os profissionais que se
disponham a servir nessa área (RABELO, 2010, p. 137).
Outro fator apontado anteriormente é o medo do possível abuso sexual se tratando
de professores homens na Educação Infantil, tendo em vista que esse profissional é
responsável também pelo cuidado corporal relacionado às crianças. Segundo Jensen,
As pessoas que se opõem a ideia do professor na Educação Infantil, o fazem sob
a alegação de que o risco de abuso sexual aumentaria e que homossexuais
masculinos em particular seriam atraídos para a profissão. Isto coloca ênfase na
sexualidade masculina enquanto a sexualidade feminina nunca é levada em
consideração. (JENSEN, 1993, p. 92)
Em uma pesquisa realizada por Ramos e Xavier (2010), apresenta que há certo
desdém dos demais colegas e da comunidade escolar quando um homem professor de
Educação Infantil atua na área. Muitas vezes a sexualidade desse profissional é colocada
em questão, e associada à homossexualidade, tendo em vista que o campo da Educação
Infantil não seja um ambiente apropriado para a docência masculina, pois é uma atividade
que abarca tanto o cuidar como o educar, tarefas essas desempenhadas pelo gênero
feminino.
Partindo desse pressuposto, como a Educação Infantil é vista ainda como uma
extensão da maternidade, e essa função acarretam cuidados pessoais das crianças, tais
como troca, banho, um homem ocupando essa função acarretaria muitos conflitos, duvidas
questionamentos, estigmas e preconceitos (SAYÃO, 2005, p. 16). Essa autora ainda aponta
que “é indubitável a crença disseminada de um homem sexuado, ativo, perverso e que deve
ficar distante do corpo das crianças. Em contrapartida, há formas explícitas de conceber as
mulheres como assexuadas e puras e, portanto, ideais para este tipo de trabalho”.
Ainda persiste o pensamento de que a sexualidade pertence apenas ao mundo
masculino, definindo a mulher como assexuada. SAYÃO ainda afirma que o “que
“capacita” as mulheres a tocarem nos corpos das crianças e gera a desconfiança quanto ao
abuso dos homens é que as primeiras controlariam sua sexualidade, enquanto os homens
seriam incontroláveis” (SAYÃO, 2005, p. 189).
Numa pesquisa feita pela mesma autora, persiste a ideia de que muitos entraves
são impostos aos homens, concernente a troca de fraldas, ao banho, e ao contato corporal
dos alunos. Um dos entrevistados da autora afirma que em diversas vezes foi questionado
tanto pelos pais como pelas colegas de profissão como seria se tivesse que dar banho em
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uma criança, respondendo a pergunta, ele diz que faria essa tarefa como faz em seus filhos
e em crianças mais próximas afetivamente (SAYÃO, 2005, p. 191).
Sendo assim, a representação social dessa profissão em relação à figura masculina
é ainda negativa, identificando-se em situações de diferenciação tangentes em seus locais
de trabalho, e na sociedade em geral, tendo o risco de serem acusados de desvio sexual e
ou até mesmo de falhas no seu suposto papel masculino. Badinter afirma que:
Ao retirar aos homens o conforto de modelos sexuais diferenciados, as nossas
sociedades tornam-lhes ainda mais difícil a aquisição do sentimento de
identidade. À falta de se sentirem suficientemente ancorados no seu próprio
sexo, os homens receiam que a realização de tarefas tradicionalmente femininas
desperte neles pulsões homossexuais. (BADINTER, 1986, p. 283)
Devido à sexualidade masculina ser colocada em xeque, o exercício profissional
do educador pode se tornar desagradável numa atmosfera de desconfiança, criando
situações de desigualdade e ou discriminação perante o gênero feminino, no qual estas
questões são vistas com desdém.
Assim, essas identidades que acabam se dissertando nos professores homens que
atuam na Educação Infantil, representam um pouco do que esses profissionais sofrem de
suas colegas, dos pais e da sociedade. Dessa forma, percebe-se que mesmo com todas as
dificuldades enfrentada pelos professores homens na Educação Infantil, muitos desses têm
enfrentado os preconceitos e paradigmas estabelecidos pela sociedade, e prosseguem na
carreira quebrando o feminismo imposto nessa profissão.
3 pesquisa de campo
3.1 Histórico das escolas
A pesquisa de campo foi realizada em três escolas de ensino privado em São
Paulo. A primeira escola é a Escola Viva, localizada na Vila Olímpia - São Paulo, essa
instituição existe há 40 anos, e segue uma proposta construtivista. A equipe de trabalho da
escola conta com uma diretora, uma gestora pedagógica, uma coordenadora, duas
professoras de apoio, e sete professores de Educação Infantil, sendo dois desses
professores homens. A segunda instituição é a Escola Red Balloon localizada em Santana
de Parnaíba, São Paulo; essa escola possui cerca de três professores homens, sendo apenas
um de Educação Infantil, além disso, a equipe da escola é formada por um diretor, duas
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coordenadoras pedagógicas e sete professores. E a terceira e ultima é Maria Montessori
localizada no Jabaquara, São Paulo, essa escola também segue uma proposta construtivista,
possui em sua equipe uma diretora, três coordenadoras pedagógicas e doze professores de
Educação Infantil, sendo que apenas um é homem.
3.2 O homem como professor de Educação Infantil
Partindo de uma reflexão sobre a participação de profissionais homens que atuam
na Educação Infantil e analisando a perspectiva de gênero na organização nessa
modalidade de ensino, Lopes (2000) aponta que não é por acaso que essa categoria
profissional é formada basicamente por profissionais do sexo feminino.
Entretanto, este capítulo propõe a análise da inserção do professor de Educação
Infantil na perspectiva das relações de gênero, analisando os fatores sociais e culturais que
envolvem a inserção e o trabalho do professor na Educação Infantil, para assim
compreender a exclusão e a discriminação que envolve este profissional em sala de aula
com crianças de zero a cinco anos.
A proposta inicial para essa pesquisa era recolher dados de professores de
Educação Infantil nas escolas municipais existentes nos municípios de Santana de
Parnaíba, Barueri, Itapevi e Jandira. Porém, não foi possível recolher esses dados junto às
secretarias de Educação dos municípios citados devido à negação de informações que
teriam de ser disponibilizadas por estes órgãos municipais. Sendo assim, buscou-se uma
nova alternativa, e foi possível realizar a pesquisa com professores de Educação Infantil de
outros municípios em escolas particulares dentro do Estado de São Paulo.
3.3 Coleta de dados
Para a coleta de dados, foram realizadas entrevistas com três professores
pedagogos especificamente da área da Educação Infantil. O instrumento utilizado para a
pesquisa foi um questionário semiestruturado organizado sobre os seguintes eixos: 1)
Dados de identificação, procurando caracterizar os sujeitos, sua formação e tempo de
trabalho; 2) A escolha pela profissão, os obstáculos encontrados, a discriminação de
gêneros pela sociedade, escola e família para exercer a profissão e; 3) O contexto do
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trabalho dos professores e a relação sobre o cuidar e o educar na Educação Infantil e; 4) A
opinião desses profissionais referente a causa da ausência de professores homens na
Educação Infantil e por ultimo a opinião desses professores referente a sua colaboração
docente na quebra de paradigmas estabelecidos contra a docência masculina.
Para a realização dessa pesquisa, foram entrevistados três professores de
Educação Infantil, todos com graduação em Pedagogia, um dos professores além de
Pedagogia, é graduado também em Psicologia, e outro com especialidade em Língua
Inglesa, todos os três residentes na cidade de São Paulo.
3.4 Análise de dados
3.4.1 Luiz Alberto Duarte Camacho, um valente na docência masculina
O primeiro professor entrevistado foi o pedagogo Luiz Alberto Duarte Camacho.
Muito responsivo, ele não hesitou em responder ao questionário de pesquisa. Luiz disse
que já havia dado uma entrevista para uma revista a despeito da docência masculina na
Educação Infantil, um tema segundo ele pertinente, que deve ser visto com respeito e
interesse pela sociedade, pelos pais e pela escola.
Luiz Alberto Duarte Camacho tem 39 anos, é casado pai de três filhos, formado
inicialmente em psicologia e logo após formou-se também em Pedagogia. Trabalha na
escola de ensino privado de Educação Infantil Escola Viva situada na rua Prof. Vahia de
Abreu, 664 - Vila Olímpia – São Paulo, Luiz trabalha nessa escola há 16 anos, sendo deles,
14 na Educação Infantil.
Professor Luiz Alberto formou-se em pedagogia aos 32 anos, embora formado em
psicologia, não conseguia manter a ideia de se manter em um consultório de atendimento
psicológico, a respeito de sua opção por pedagogia, Luiz diz: “Sou psicólogo e quando
terminei a faculdade, a perspectiva de ficar confinado em um consultório me dava certa
aflição”. Desde os 23 anos Luiz trabalha na área da Educação Infantil, na Escola Viva,
instituição essa que lhe abriu as portas ainda sem a formação em pedagogia, durante os três
primeiros anos, ele foi o único docente homem na instituição.
Para Luiz, o que o motivou a seguir a profissão de educador foi sempre gostar de
crianças, e formado em psicologia, despertou o interesse em ajudar as crianças referentes
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às dificuldades de aprendizagem. Ao entrar na escola, todos os professores teriam de
passar pela Educação Infantil, e, ao passar por essa fase, Luiz sentiu-se desafiado a
trabalhar com essas crianças, e desenvolver seus projetos para auxiliar os pequenos nos
processos de ensino e aprendizagem.
Quando foi perguntado ao professor Luiz a respeito dos desafios encontrados na
escola para exercer a função de educador, Luiz relata que embora a escola onde trabalhe
siga uma proposta construtivista, quando iniciou na escola, como professor auxiliar, a
coordenadora pedagógica o orientou a não ter problemas com os pais, e de inicio manter-se
distante dos cuidados corporais das crianças. Aos poucos a confiança e o bom trabalho
foram dando lugar ao medo, e tanto a coordenação como o restante do corpo docente da
escola passaram a ter Luiz como um grande colaborador no crescimento educacional dos
alunos.
Já o relacionamento com os pais e as mães, houve algumas relutas, pois os pais de
crianças menores tinham certo receio de que seus filhos fossem cuidados por Luiz.
Quando cheguei à escola, havia um professor que estava de saída, e embora os
pais já de certa forma estivessem habituados com a presença de um professor do
sexo masculino, ao entrar outro professor houve um estranhamento da parte dos
pais, demorou um pouco até eu conquistar a confiança deles. (PROF. LUIZ
ALBERTO)
Segundo Luiz, ele não encontrou obstáculo referente a pratica pedagógica, porém
se tratando dos cuidados corporais, havia certas objeções dos pais, certa vez, Luiz diz ter
sido questionado por um pai dizendo: “é você quem vai trocar meu filho?”, o pai disse isso
sem ar arrogante, porém surpreso por ser ele quem trocaria o filho. Hoje, Luiz conquistou a
confiança dos pais, não apenas pelo trabalho desempenhado por ele, mas segundo ele, isso
se deve também ao apoio que a escola deu ao seu trabalho e a sua postura profissional
diante dos pais, inclusive o igualando as suas colegas de profissão.
No tocante a pratica do cuidar e do educar, o professor Luiz afirma que cuidar de
crianças vai além de práticas assistencialistas, segundo ele como educador do gênero
masculino, sua contribuição é atribuída principalmente à quebra de paradigmas, do seu
ponto de vista, homens e mulheres tem a mesma capacidade de ser educador. Embora os
pais e a sociedade vejam os professores homens como uma ameaça aos pequenos,
professores homens podem e contribuem muito na educação da criança, pois um lar não é
feito apenas da figura materna, o docente masculino torna através do cuidado e da
convivência, a escola como verdadeiramente uma extensão completa do lar.
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Para muitos não seria normal um homem trocar fraldas, alimentar, dar banho ou
colocar para dormir, porém, faço essas atividades com muita naturalidade, e
quando questionado pelos pais ou até mesmo pelas colegas de trabalho, digo a
eles que assim como um pai biológico participa do crescimento de seus filhos, eu
também como professor participo, cuido e ensino. (PROFESSOR LUIZ
ALBERTO)
Todavia, a profissão de educador do gênero masculino não é só flores ou baseada
em ideologias, quando foi perguntado ao professor Luiz sobre qual seria a causa de haver
poucos professores homens na Educação Infantil, o pedagogo afirma que uma das causas
seriam os baixos salários pagos para essa profissão, como ainda o homem é visto como
provedor do lar, segundo Luiz, é impossível um pai de família sustentar sua casa
trabalhando apenas como professor. Essa não seria a única causa, Luiz afirma que o
preconceito referente à masculinidade afasta homens dessa profissão.
Por diversas vezes fui questionado em relação a minha opção sexual, e o fato de
ser casado ser pai de três filhos, não me isentaram de comentários maldosos,
porém nunca deixei que esses comentários me fizessem desistir dessa profissão.
(PROFESSOR LUIZ ALBERTO)
Em nossa última questão, referente como pode ser quebrado os paradigmas
estabelecidos em relação à docência masculina, o professor Luiz Alberto alega que:
Muitos são os desafios que enfrentamos e enfrentaremos até a docência
masculina ser vista como algo natural, eu acredito que os paradigmas começarão
a ser quebrados a partir do momento em que a sociedade deixar de estipular
papéis para homens e mulheres, embora a questão de gêneros na ciência esteja
bem definido, na pratica social isso ainda esta um pouco longe de acontecer. A
escola pode ser uma grande colaboradora nessa quebra de tabus, a escola deve
nortear mudanças sociais, e ser apoiadora de novas mudanças que contribuem
para a igualdade. (PROFESSOR LUIZ ALBERTO)
Segundo o pedagogo, os desafios são muitos, porém com o passar dos anos houve
uma melhora significativa referente à docência masculina. Para ele, o importante é que a
escola, os novos professores homens, as professoras, trabalhem em prol de um único
objetivo, serem colaboradores na educação de seus alunos, ensinando-os a respeitar as
diversidades, o outro e incentivar a igualdade.
3.4.2 Professor Rafael Carvalho, um acaso que se tornou vocação
O segundo professor entrevistado foi o professor Rafael Carvalho, educador de
Educação Infantil na Escola Red Balloon Educação Infantil Bilíngue situada na rua:
Alameda Dali, 85, Santana de Parnaíba - SP. Rafael prontificou-se em responder ao
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questionário sem hesitação, achou o tema do trabalho muito pertinente e sentiu-se
esperançoso concernente a mudanças no tocante a docência masculina.
Rafael Carvalho tem 28 anos é solteiro, inicialmente teve licenciatura em Letras
na PUC – SP em 2009, e atualmente está cursando Pedagogia pela mesma Faculdade.
Embora Rafael tenha cursado letras por gostar de ler e escrever e especializou-se em língua
Inglesa, sua grande paixão tornou-se a pedagogia. Rafael iniciou por acaso em 2009 numa
escola que tinha acabado de se tornar bilíngue iniciou como auxiliar de classe dos alunos
de ensino fundamental, 1° e 2° ano, a principio ele auxiliava uma professora e participava
apenas nas atividades lúdicas.
A despeito dessa experiência, Rafael afirma:
A experiência de participar do letramento foi muito boa, apesar de uma das
professoras ter se referido a mim como "mais uma criança para cuidar". Isso
aconteceu porque eu participava do playground e brincava de jogar os alunos
para cima, de pendurar. Agora entendo esse comentário: eu tinha mesmo vários
aspectos a lapidar e outra professora me deu várias dicas, para não brincar de
alguns modos que pudessem machucar as crianças. (PROFESSOR RAFAEL
CARVALHO)
Logo após essa escola, em 2010, Rafael ingressou na Red Balloon onde está até o
momento; iniciou como assistente de sala, e hoje tem uma turma com sete alunos de dois
anos e meio, junto com uma professora assistente. Fora ele, na escola, existem ainda mais
dois professores homens, um é especialista em Educação Física e o outro, em música.
Depois da experiência em sala de aula com crianças menores, Rafael decidiu
cursar pedagogia, se especializar no cuidar e educar crianças menores. A respeito de sua
formação Rafael diz que:
Eu comecei por acaso. Cursei licenciatura em letras na PUC-SP porque gostava
de escrever e ler. Tenho vontade de fazer psicologia e hoje curso pedagogia,
porque é minha área atual. Na prática aprendi muito, e quando me perguntam
como eu consigo dar aulas em inglês para crianças de 2 anos e meio, eu não sei
responder. Talvez seja porque tem pouca gente fazendo isso e acho que, se mais
pessoas fizessem, elas também iriam gostar. Já tentei jogar futebol
profissionalmente, fui monitor de acampamento, vendedor de loja, telemarketing
e agora estou aqui aprendendo a ser professor, estou me construindo.
(PROFESSOR RAFAEL CARVALHO)
Rafael está trabalhando na área desde 2009, porém na Educação Infantil trabalha
desde 2010. Como afirmado pelo professor, ele iniciou por acaso, embora especializado na
língua inglesa, descobriu nos pequenos a paixão por ensinar além do idioma. Sua
motivação para a profissão foi sempre gostar de crianças, além disso, Rafael sempre gostou
de ensinar, e sempre se achou hábil para o ensino.
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Ao ser perguntado em relação aos obstáculos que enfrentou ou enfrenta na escola,
Rafael afirma que embora sendo um dos três professores homens eu existem na escola, não
encontrou por parte da coordenação objeção para trabalhar, porém houve dificuldade de
aceitação de algumas colegas de trabalho. A despeito disso Rafael afirma:
Muitas professoras ficavam me perguntando se era mesmo isso que eu queria
fazer, que eu não tinha habilidade para trabalhos manuais, muita até mesmo se
sentiam ameaçadas com a minha presença, porém com o passar do tempo fui
conquistando o respeito e a confiança delas. (PROFESSOR RAFAEL
CARVALHO)
Em relação às dificuldades enfrentadas com os pais, Rafael diz que não encontrou
nenhuma objeção ao seu trabalho, porem os pais sempre estavam e são até hoje muito
presentes se tratando dele como professor. “Nenhum pai se opôs ao meu trabalho, porém
consigo perceber neles pontos de interrogação dizendo: o que você faz aqui”? (Professor
Rafael Carvalho).
No relacionamento entre o cuidar e educar, Rafael sente-se muito realizado, para
ele o coração da Educação Infantil se estabelece nessa relação. Tarefas como troca,
alimentação, ajudar a ir ao banheiro são ricas oportunidades para ensinar, assim como
ensinar a se vestir, amarrar o cadarço, o vocabulário que é desenvolvido nessa fase. Rafael,
não separa o educar do cuidar, e na sua perspectiva, sua colaboração como docente do
gênero masculino se resume em incentivar a autonomia das crianças, o bom
relacionamento que tem com elas faz gerar uma confiança, que elas acabam se
desprendendo.
Muitos de meus alunos de dois anos e meio já conseguem ir ao banheiro sozinho,
sempre os motivo a ir sozinhos, percebo que com minhas colegas isso é mais
difícil de acontecer, acho que elas seguram demais as crianças, tem medo dela se
machucarem, mais eu tento ao máximo fazer com que meus alunos acreditem em
si mesmos, e que são capazes sim de fazer as atividades sozinhas. (PROFESSOR
RAFAEL CARVALHO)
Concernente à opinião em relação à pequena quantidade de professores homens
na Educação Infantil, o professor alega que além dos baixos salários, muitos homens veem
essa profissão como sendo algo inferior, justamente por ela ser vista como uma profissão
feminina, sendo vista como uma extensão da maternidade.
Em relação à ausência masculina na Educação Infantil Rafael diz:
Talvez esse tipo de serviço afaste um pouco os homens, porque temos uma
exposição social diferente e a expectativa da família em relação a nós. Às vezes
penso em fazer outra coisa para ganhar dinheiro e, no minuto seguinte, volto
atrás. Não sei se me vejo dando aulas até os 40 anos, mas, hoje, aos 28, eu gosto
do meu trabalho. (PROFESSOR RAFAEL CARVALHO)
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Em nossa última questão relacionada à opinião de Rafael no tocante à quebra de
paradigmas na docência na Educação Infantil, o professor compreende que ainda há muitos
obstáculos a serem rompidos, mais o que ele considera primordial, seria a mudança da
visão masculina em relação a essa profissão. Rafael afirma que:
Já foram vencidos muitos obstáculos nessa profissão, porém eu acho que os
homens no geral deveriam ver a docência masculina na Educação Infantil como
uma profissão digna, honrosa, assim como medicina, direito, engenharia, afinal
estamos trabalhando com o futuro do nosso país, somos formadores de opinião.
Se mudarmos a nossa opinião em relação aos valores dessa profissão, acredito
que toda a sociedade mudará. (PROFESSOR RAFAEL CARVALHO)
3.4.3 Valdson Tolentino Filho, um apaixonado pela profissão
O terceiro e último professor entrevistado foi o professor Valdson Tolentino
Filho, que trabalha no colégio Maria Montessori situada - Av. Gen. Valdomiro de Lima,
288, Jabaquara - São Paulo. O Professor Valdson tem 33 anos é solteiro e tem dois filhos.
É formado em Letras/Inglês – Especialização em Educação Infantil, e assim como os
outros dois professores, respondeu prontamente ao questionário, inclusive achou o tema
interessante, ressaltando que em sua defesa de mestrado falará sobre a feminização da
docência e a ausência do gênero masculino na Educação Infantil.
Valdson formado em Letras desde 2007, em 2009 especializou-se em Educação
Infantil, trabalha na área ha de 16 anos. Motivado pelo gostar de crianças, e por ver os
resultados do processo educacional, esse professor decidiu seguir essa honrosa profissão.
Valdson afirma que “gostar de crianças e ver os resultados desse processo educacional” foi
sua motivação. Professor Valdson Tolentino.
Relacionado aos obstáculos que encontrou ou encontra na escola para exercer a
docência, Valdson alega que não teve nenhum problema, sempre com livre acesso para
trabalhar na escola, foi muito bem recebido pelos alunos e pelos colegas de profissão.
Valdson diz: “Na escola não encontrei nenhum [obstáculo]. Sempre tive toda liberdade
para trabalhar e muita aceitação por parte das crianças. Todos têm muito carinho por mim
e muita receptividade” (Professor Valdson).
O Professor trabalha numa escola construtivista, o que talvez faça com que a
docência masculina na Educação Infantil tenha uma melhor aceitação, tanto por parte da
escola quanto por parte dos pais. Quanto aos obstáculos enfrentados pelos pais, Valdson
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alega que:
Hoje estou na função de coordenador pedagógico. No início da minha carreira
sentia estranheza por parte dos pais por um homem ser o professor da turma
(minha primeira classe foi o maternal). Porém, nunca tive nenhum tipo de
problema ou de pais que se opuseram, embora eu perceba que há quem não
concorde de um homem ser o professor de uma classe de Educação Infantil.
(PROFESSOR VALDSON)
Em relação ao cuidar e o educar, algo tão essencial e significativo na Educação
Infantil, o papel do educador é muito importante e para Valdson não é diferente; segundo
ele, sua contribuição nessa relação resume-se na afetividade que há entre professor e aluno,
sendo professor do gênero masculino, a relação com seus alunos, a autoridade, segurança,
que ele passa é a de um pai, segundo Valdson: “Percebo, em grande número, que as
crianças têm em mim muita confiança e respeito. Para muitas, sou a voz masculina que ela
não tem em casa”.
Partindo da penúltima questão referente à causa de haver poucos professores
homens de Educação Infantil, o professor expressa sua opinião dizendo:
Pelo preconceito, por acharem que na Educação Infantil deve ser a mulher a
professora pelo fato do lado maternal, do cuidar. Muitos se esquecem do
processo educativo que pode, sim, ser conduzido por ambos os sexos. Outro
ponto que favorece o afastamento de homens na Educação Infantil é o de que
muitos não querem trabalhar com esta modalidade por medo de isso arranhar sua
sexualidade. Alguns educadores acreditam que só trabalham nessa fase
homossexuais ou pessoas afeminadas, o que se revela uma grande tolice.
(PROFESSOR VALDSON)
Em resposta à última pergunta, no tocante à sua opinião de como poderiam
quebrar os paradigmas estabelecidos na sociedade, concernentes à presença do homem
como professor de Educação Infantil, o professor Valdson afirma que a mudança deve
partir dos próprios profissionais de Educação Infantil, são eles que devem valorizar seu
papel de educador: “Mostrar que todo e qualquer processo educativo pode ser feito por
quem quer que seja. O que deve ser levado em conta é a formação, capacidade e perfil para
esta modalidade de ensino” (Professor Valdson). Sendo assim, não se devem ter restrições
os gêneros no que se refere à docência na Educação Infantil, o que deve ser avaliado são a
formação e preparação desse profissional para responder aos quesitos dessa modalidade.
Considerações finais
De acordo com a definição das relações de gênero, percebe-se que há uma
variável estabelecida nas representações referentes aos papéis desempenhados pelos
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profissionais na modalidade de Educação Infantil. Embora a definição dada para gênero
signifique, dentre várias, a “distinção entre atributos culturais alocados a cada um dos
sexos e à dimensão biológica dos seres” (Scott, 1995), para muitos, gênero significa a
separação de competências e habilidades entre o sexo feminino e masculino.
A partir dessa definição, segundo alguns autores, e observando-se a realidade de
nosso contexto escolar, ficou claro que referente à docência na Educação Infantil, essa
modalidade tem como profissional a maioria de mulheres. Analisando os fatos históricos
da Educação Infantil, percebe-se que a mulher foi inserida na Educação Infantil como uma
extensão da maternidade, excluindo o homem dessa profissão.
Embora haja a feminização da docência na Educação Infantil, esse atributo não se
refere somente ao fato da mulher ser uma representação fidedigna da maternidade, a
revolução industrial, a inserção da mulher no mercado de trabalho, os baixos salários dessa
modalidade foram grandes contribuintes para que o homem fosse afastado dessa profissão.
Além dos fatores apresentados, uma das questões mais pertinentes foi o
preconceito do homem como professor de Educação Infantil. A sociedade prega que o
homem é um ser forte, provedor do lar e se estiver lecionando em Educação Infantil ou
Series Iniciais, a orientação sexual desse professor é questionada, isso faz com que os
homens se tornem professores de disciplinas no ensino Fundamental II ou desistam dessa
profissão.
Com esta pesquisa, pôde-se identificar que durante toda a história da Educação
Infantil, a presença do gênero masculino como docente é uma exceção, os próprios
educadores não se encontram nesse espaço, incorporam em seu discurso que esse espaço é
das mulheres. Verificou-se que existe preconceito por parte da família, das colegas de
trabalho e da sociedade que acham que homens não podem exercer a docência na
Educação Infantil.
Na pesquisa de campo, percebeu-se que professores homens são a minoria, e que
os poucos que existem sofrem vários preconceitos e questionamento por terem decidido
por essa profissão. A permanência desses profissionais na docência deve-se à sua vocação
e paixão pelo que fazem. Os professores entrevistados nesta pesquisa, embora bem
estabelecidos profissionalmente, não ficaram aquém das dificuldades de exercer essa
atividade. Ainda está longe para desconstruírem-se os preconceitos; mas para que isso
ocorra, desde cedo a criança deve ter contato com a diversidade de gêneros para contribuir
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na construção de personalidades e aprender a respeitar o diferente que circula na sociedade
atual.
Retornando às hipóteses apresentadas no início desta pesquisa, percebeu-se que
todas as três hipóteses apontadas foram confirmadas. Infelizmente em nossa sociedade, e
também com as colegas de profissão, o educador do gênero masculino sofre o preconceito
e o desdém em relação a essa profissão. Partindo dos dados abordados pelos professores
entrevistados, pudemos presenciar que ainda hoje a sociedade impõe papéis para homens e
mulheres exercerem: o homem, por exemplo, ainda é visto como uma figura viril, forte,
robusta, intacto a emoções e sentimentos, o que acaba contribuindo à baixa procura do
gênero masculino para a profissão de educador infantil.
Além dos papéis impostos pela sociedade, o professor homem de Educação
Infantil sofre o preconceito da sociedade e até mesmo das próprias colegas de trabalho.
Constatou-se que por exercer essa profissão, muitos dos professores homens são
questionados no tocante à sua opção sexual, e até mesmo sendo acusados de pedofilia.
Infelizmente, a sociedade, em geral, vê o homem como um ser que não controla seus
impulsos e paixões sexuais, e pelo fato de que na Educação Infantil, há muito contato
físico do professor com o aluno, devido aos cuidados assistenciais, para muitos, o gênero
masculino não responde piamente ao papel que essa profissão exige.
A despeito da última hipótese, concernente às competências e habilidades para
exercer a profissão de educador, constatou-se que os professores homens enfrentaram
muitos desafios, inclusive, um desses professores entrevistados (professor Rafael) nos
disse que, no início, ele sentiu muita dificuldade para exercer tarefas como recorte,
montagem de painéis, etc. Porém foi aos poucos se familiarizando com a tesoura e outros
materiais usados na Educação Infantil. Entretanto, Rafael alegou que colegas (mulheres) o
questionavam dizendo como conseguia fazer esses materiais, sendo que ele era homem.
Assim, verificou-se que, infelizmente, a escola e as colegas de profissão duvidam das
competências e habilidades de um homem, o definindo como um ser inapto para exercer
essa profissão.
Para que essa realidade seja mudada, a escola precisa ser a grande porta voz da
mudança, do incentivo a igualdade na docência e da valorização da profissão. Entretanto a
escola ainda não está preparada para trabalhar com a diversidade de profissionais. Sendo
assim, conclui-se que homens e mulheres dividem as mesmas atribuições, e podem exercer
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a mesma profissão em qualquer circunstancia, independente de gênero. Entretanto, a
profissão de professor sofre os dogmas estabelecidos pela sociedade; infelizmente, a
docência na Educação Infantil é vista como uma profissão que não pode ser exercida por
ambos os gêneros, independente do preparo profissional e vocação. As mulheres ainda
continuam sendo as representantes dessa profissão e se alguém fugir desse padrão ou
modelo enfrentará preconceitos e desmotivações no decorrer do caminho.
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