A DURA REALIDADE DO ALUNO NEGRO NA EDUCAÇÃO ESCOLAR BRASILEIRA Jaqueline da Costa Reis Silva (FACEQ) * Solange Deolinda da Silva (FACEQ) ** Luciana Eliza Santos (FEUSP/SENAC/FACEQ)*** Resumo Nesse artigo trataremos da árdua realidade que os alunos negros enfrentam no cotidiano escolar, estabelecido pelo preconceito na sociedade, que os rotula como incapazes de realizar atividades ou adquirir novos conhecimentos. Este mecanismo é justificado pela condição social que impulsiona estas crianças a reagirem hostilmente. O preconceito, entretanto, tende a ser mascarado ou amenizado por parte daqueles que o fazem, usando como pretexto o mau desenvolvimento dos alunos. Por meio disso, supomos que a agressividade apresentada por parte das crianças, na tentativa de defesa ou ataque contra aqueles que os rejeitam, faz com que sejam culpados da rejeição cometida pela sociedade, ocultando o nítido preconceito exposto a todos os negros. Palavras chave: Desigualdade. Preconceito. Escola. Raça. Estereótipo. Introdução O ambiente escolar é o primeiro meio social que o indivíduo passa a ocupar após seu meio familiar, levando em conta que a sociedade brasileira, desde sua gênese, é constituída de significativa diversidade cultural e étnica, que se estende da família para a escola. O preconceito está presente na humanidade desde o início da mais remota história, rotulando raça, gênero e classe social, aos quais durante todo processo de desenvolvimento da vida humana vão sendo incorporadas ideias, valores, sentimentos e maneiras de pensar que nem sempre são aceitos por todos. Desse modo, são estabelecidos padrões sociais que * Aluna do curso de Pedagogia da Faculdade Eça de Queirós (FACEQ). Aluna do curso de Pedagogia da Faculdade Eça de Queirós (FACEQ). *** Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP). Docente na Faculdade Eça de Queirós. 1 ** E-FACEQ: revista dos discentes da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2238-8605, Ano 4, número 6, agosto de 2015. http://www.faceq.edu.br/e-faceq tendem a excluir os que não se encaixam em determinada normalidade imposta pela sociedade vigente. As diferenças existentes entre as pessoas não são vistas como diversidade cultural e étnica; algo positivo que poderia resultar em um amplo diálogo para uma possível convivência. Entretanto, o que ocorre é uma repulsa que impede aceitar o outro com as qualidades e diferenças próprias, denominando assim o preconceito. De acordo com o conceito estabelecido por McLaren: Preconceito é o prejulgamento negativo de indivíduos e grupos com base em evidências não reconhecidas, não pesquisadas e inadequadas. Como essas atitudes negativas ocorrem com muita frequência, elas assumem um caráter de consenso ou cunho ideológico que é, muitas vezes, usado para justificar atos de discriminação. (MCLAREN, 1997, p. 212) 1 Diferença e diversidade na escola A escola trata de uma prática homogênea que oculta as particularidades de cada indivíduo, pois é controverso tomar uma descrição da realidade escolar do século passado, e se deparar com escolas atuais agindo de forma semelhante. É comum a concepção de professores de que a “criança mal educada” em certa disciplina, cometerá o mesmo erro em todas as demais, não considerando que a indisciplina pode ser uma resposta ao abandono ou dificuldades de exercício das funções discentes em sala de aula. Outra forma contraditória para os profissionais da educação é atribuir o sucesso escolar à ação pedagógica, e quando abordado o “fracasso escolar” tornar isentas a escola e a sala de aula, atribuindo a outras instâncias, como as crianças e as famílias. Algumas hipóteses da questão disciplinar/indisciplinar são: Isolar a indisciplina como um problema individual do aluno; Não considerar que este ato revela algo sobre as relações institucionais escolares do dia a dia; E o ato de apontar razões para indisciplina, mas não demonstram caminhos para uma possível solução ou administração. Assim, podemos supor que “É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima pratica” (Paulo Freire, 1996, p. 39). Dados da pesquisa de Carvalho (2012, p. 51) mostram que os alunos adjetivados como “ótimos ou excelentes” se destacam como alunos brancos, pois os alunos negros são 2 E-FACEQ: revista dos discentes da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2238-8605, Ano 4, número 6, agosto de 2015. http://www.faceq.edu.br/e-faceq dificilmente citados. Quando mencionados estes alunos, acarretava o maior número de suspensão, expulsão ou considerados com dificuldades de aprendizagem e encaminhados à educação especial. Nesse sentido, escreve Paulo Freire: “A prática preconceituosa de raça, de classe, de gênero ofende a substantividade do ser humano e nega radicalmente a democracia”. (FREIRE, 1996, p. 36). A escola deveria ser o principal lugar onde as crianças e jovens pudessem aprender a conviver com a diversidade cultural. Mas como isso pode ocorrer, se em muitas pesquisas podemos comprovar que os docentes que ali atuam também cometem discriminação? Em diferentes circunstâncias os docentes contribuem para a modelagem de uma imagem positiva ou negativa dos negros. Em outros termos, em se tratando de discutir racismo como um tipo de violência, além do dito e percebido por diversos atores na escola, interessa também retratar silenciamentos. (UNESCO, 2006, p. 205) Segundo Carvalho (2009), dentre os meninos com dificuldade de aprendizagem ou indisciplinados, há uma maioria de alunos percebidos como negros e provenientes de famílias de baixa renda, tendência que encontra explicações estereotipadas e discriminatórias no senso comum, as quais na maioria das vezes culpam o próprio aluno pelo seu insucesso. Tanto alunos, como professores e outros profissionais da escola percebem que há desigualdade racial entre os alunos, que são demonstradas por meio de apelidos e brincadeiras de forma pejorativa; estas brincadeiras carregam uma carga depreciativa atribuída aos alunos negros, e alguns deles se sentem ofendidos. Mesmo quando o “agressor” tenta diminuir este impacto fazendo uso do termo “é brincadeira”, e que nem sempre o “agredido” colabora para tal prática, pois geralmente o agredido sente-se menosprezado em sua identidade sócio racial. Segundo o artigo 5° previsto na Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer opressão, punindo na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. Esse ato não isenta também o professor que as comete por meio do olhar, do silencio, e do distanciamento destes alunos que as compara com os comportamentos dispensados a alunos brancos, deixando clara a insensibilidade dos professores diante tal situação, ocorrida principalmente nas escolas públicas. 3 E-FACEQ: revista dos discentes da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2238-8605, Ano 4, número 6, agosto de 2015. http://www.faceq.edu.br/e-faceq O racismo não se trata de uma teoria científica, mas de um conjunto de opiniões pré-concebidas que tem como maior objetivo a valorização entre as diferenças biológicas entre os seres humanos, onde alguns acreditam serem superiores a eles devido a sua raiz racial. A existência das raças superiores e inferiores é justificada pela escravidão, onde alguns povos “os negros” eram comandados por outros grupos. (SOUZA, 2009, p. 82) 2 Discriminação racial Outro tipo de discriminação além dos apelidos e brincadeiras pejorativas é o que retrata a estética, com a desvalorização do cabelo, que em muitos casos se torna alvo de gozação e deboche, o que afeta mais diretamente as meninas deixando claro que esta discriminação não escolhe gênero. A tentativa de desviar o foco da discriminação racial está presente nos relatos de que os negros também são racistas descriminando outros negros ou negando sua própria identidade, demonstrada por meio de baixa autoestima ocasionada pelas perseguições provocadas pela sociedade. Assim entendemos que o ambiente escolar tem a função de promover a democratização e o respeito, o discurso de que o negro tem que aceitar primeiro a si mesmo, vem como uma máscara daquilo que está implantado em toda a intolerância racial. Estudos comprovam que as relações no âmbito escolar permeiam a depreciação da identidade de alunos negros, lhes atribuindo adjetivos de inferioridade racial ocasionando aos negros nítida desvantagem em relação aos grupos reconhecidos como brancos. (FAZZI, 2006; LOPES, 2005). O ideal (de branqueamento) inculcado através de mecanismos psicológicos ficou intacto no inconsciente brasileiro, rodando sempre na cabeça dos negros e mestiços. Esse ideal prejudica qualquer busca baseada na “negritude”, já que todos sonham ingressar um dia na identidade branca, por a julgarem superior. (MUNANGA, 2004, p. 16) Classificando o “poder” como estereótipos únicos dos brancos podendo ser assimilados como “heróis” responsáveis pela construção de nossa historia, associando a brancura à capacidade literária, Luciana Alves (2012, p. 147) escreve que “Além dos brancos presentes nas aulas de história, André mencionou grandes nomes da literatura, tais como Castro Alves, Lima Barreto e Machado de Assis. Este último era imaginado por ele 4 E-FACEQ: revista dos discentes da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2238-8605, Ano 4, número 6, agosto de 2015. http://www.faceq.edu.br/e-faceq como branco”.1 Isso deixa claro que a visão do aluno retrata que tais capacidades literárias são atribuídas aos grandes homens e associadas como sendo de capacidade específica dos brancos. Os próprios livros que trazem a consciência dos alunos sobre o início de nossa história ou pelo menos a colonização brasileira já vem com uma bagagem de discriminação racial motivada de forma taxativa, maltrapilhos e explorada pela escravidão negra, e desde então só se tem a imagem do negro como inferior ou sem valor algum ao ponto de serem considerados desalmados (sem alma), abrindo uma brecha para atitudes desrespeitosas por parte dos alunos brancos, muitas vezes ocasionando a violência em sala de aula. “Quão ausentes da democracia se acham os que queimam igrejas de negros porque, certamente, negro não tem alma?” (FREIRE, 1996, p. 36). Os livros didáticos que trazem o sofrimento da raça e do gênero tido pela discriminação não conseguem ser suficientemente claros para conscientizar os alunos; se por outro lado os profissionais que os manuseiam não se propuserem a ser isentos de seus próprios preconceitos, deixando em evidência as suas preferências se distanciando, evitando contato com alunos negros, que em muitos casos permanecem despercebidos no âmbito escolar, a não ser quando percebidos pela hostilidade dispensada por estes em ato de defesa ou ataque, no intuito de imposição de seus direitos ao lugar em questão (escola). Embora alguns professores defendam, implicitamente, que não é a escola e sim a sociedade que alimenta racismos, outros contam casos, tanto de participação de alunos em hostilidades contra os colegas negros, como do seu efeito negativo, do sofrimento desses por tal vitimização. (UNESCO, 2006, p. 215) Alguns professores entendem que o aluno negro sofre sim um processo de discriminação, exclusão que infelizmente tem seu começo na sala de aula, que em muitos casos acaba sendo orientado pelo próprio professor, reconhecendo que o avanço escolar desses alunos se torna comprometido quando assumem que eles teriam mais dificuldades do que os alunos brancos tendo uma caminhada mais árdua. Alguns professores assumem a omissão como estratégia de ignorar a existência de um conflito racial, usando de argumento que suas ações se restringem somente ao que diz respeito ao magistério, limitando-se ao ensino de conteúdos e habilidades trazidas em 1 André é um aluno entrevistado, que assume para pesquisadora que não sabia que se tratava de um escritor negro, pois acreditava que Machado de Assis fosse branco. 5 E-FACEQ: revista dos discentes da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2238-8605, Ano 4, número 6, agosto de 2015. http://www.faceq.edu.br/e-faceq livros didáticos, ausentando-se de seu papel pedagógico na construção de indivíduos capazes de viverem harmonicamente em sociedade. [...] para reeducar as relações étnico-raciais, no Brasil, é necessário fazer emergir as dores e medos que têm sido gerados. É preciso entender que o sucesso de uns tem o preço da marginalização e da desigualdade imposta a outros. E, então, decidir que sociedade queremos construir daqui pra frente. (BRASIL, 2004, s/p). Ao olharmos por outro ângulo visando entender as atitudes tomadas por alguns professores, compreendemos que muitas vezes essa omissão se dá por motivo de medo a uma represália vinda por parte dos próprios alunos ou até mesmo por parte da gestão do ambiente em que estão inseridos. Pois sabemos que os professores passam a ser os primeiros adultos a impor certa autoridade sobre crianças que se encontram em uma sociedade onde pais lhes dão o direito de escolha desde muito cedo. Por exemplo, quando um pai pergunta ao filho o lugar em que ele quer se sentar em um restaurante ao invés de, simplesmente, solicitar que o filho sente-se no lugar designado pelo pai2. No momento em que estas crianças entram na escola levam com elas o conceito de que são donas de suas vontades e desejos, não aceitando os limites postos por adultos de um segundo âmbito social (a escola), quando sempre tiveram livre escolha no seu primeiro âmbito social (a família); os pais oferecem a uma criança de 8 ou 9 anos em nome de um carinho algo que as deseduca, direito de dormirem a hora que querem, comer a hora que querem, vestir o que querem, quando na escola encontrarão limites e regras que as desestabilizam e muitas reagem hostilmente. Não queremos justificar a falta de compromisso dos profissionais da educação, mas, sim trazer a consciência de que, para que haja formação ou construção de cidadãos é preciso haver uma parceira contínua entre escola e família, para alcançarmos educaçãoescolarização. Considerações finais Concluímos que a escola é sim o âmbito social em que a criança se depara com a vivência fora do contexto familiar; devido a essa socialização acreditamos que a própria escola deveria ser o cenário de democratização em que se construiria o respeito à 2 Exemplo citado por Mário Sergio Cortella em um vídeo que foi ao ar 14/11/2014 com tema “Educação x Escolarização”. 6 E-FACEQ: revista dos discentes da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2238-8605, Ano 4, número 6, agosto de 2015. http://www.faceq.edu.br/e-faceq diversidade cultural e racial em conjunto com a família. Com a introdução desses valores na escola, poderíamos fortalecer o respeito ao pluralismo cultural e étnico, ou seja, conscientizar que a escola não é só um lugar onde se ensina a ler e escrever, mas introduzir os conceitos de letramento e alteridade como respeito ao cidadão que se constrói neste ambiente, para a formação de uma sociedade consciente de seu papel. §1° O currículo deve difundir os valores fundamentais do interesse social, dos direitos e deveres dos cidadãos, do espeito ao bem comum e à ordem democrática, considerando as condições de escolaridade dos estudantes em cada estabelecimento, a orientação para o trabalho, a promoção de práticas educativas formais e não formais. (BRASIL, 2013, p. 66) Referências Bibliográficas ALVES, Luciana. Significado do ser branco: a brancura no corpo e para além dele. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Faculdade de Educação/ Universidade de São Paulo, 2010. _______. Diferenças e desigualdades na escola. 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