O ENSINO DE ÉTICA PROFISSIONAL Luiz I. S. Sebenello - [email protected] Universidade Luterana do Brasil rua Miguel Tostes, 101 - Canoas, RS CEP 92420-280 e mail: [email protected] Resumo. A proposta é debater a experiência desenvolvida na Universidade Luterana do Brasil, relativa à disciplina de Ética e Legislação Profissional, com ênfase para a Ética. São expostos os crítérios utilizados na Disciplina, segundo os quais os alunos tomam conhecimento da função social que exercerão na sua futura profissão; suas responsabilidades perante si mesmos e a coletividade social e profissional, indicando como deverá agir na busca de seus objetivos pessoais, sempre respeitando "Bem Comum". É mostrado que a sociedade estabelece regras de comportamento para o convívio harmônico de comunidades, desde o Código de Hamurabi (2.000 A.C.), que já fazia menção de punição ao mau profissional. Há abordagens, ainda, sobre a atuação do Engenheiro como patrão, empregado, funcionário público, chefe, subordinado e as relações com seus clientes, empregados e subalternos. Por isto, o exercício profissional consciente necessita do conhecimento da legislação e do Código de Ética que regulamentam a futura profissão e que deverão nortear os procedimentos para a tomada de decisões. Para tal, o aluno deve estabelecer seus próprios critérios de discernimento entre o bem e o mal, formando juizo próprio, estabelecendo a sua convicção e adotando decisões fundamentadas no Livre Arbítrio. Palavras-chave: Ulbra, Ética, Cobenge, Sebenello MTE - 109 1. OBJETIVO. O presente trabalho enfocará a disciplina de Ética e Legislação Profissional, com ênfase para o ensino da Ética e, em especial, à aplicação prática do Código de Ética do Engenheiro, do Arquiteto e do Engenheiro Agrônomo, regulamentado pela Resolução 205 do CONFEA- Conselho Federal de Engenharia, da Arquitetura e da Agronomia. Nossa proposta é de expor e submeter a debate, a experiência desenvolvida na ULBRA, que já se prolonga por mais de 10 anos, mostrando os critérios como a Ética Profissional é lecionada. 2. PRELIMINARES. A disciplina ora abordada é relativamente nova no Brasil e, como tal, paga os ônus de não possuir tradição e de não apresentar conteúdos uniformes e consagrados, na relação entre as diversas Escolas de Engenharia do Brasil. O tempo disponível para o ensino de Ética e Legislação Profissional é de um semestre e a parte específica de Ética tem sido dada com a carga de 16 horas, muito embora, a cada a oportunidade, mesmo ministrando outros conteúdos, haja referências quanto ao comportamento ético-profissional. Esta carga horária é insuficiente para expor ao aluno todos os conteúdos desejáveis, representando, pois, uma limitação ao professor, um condicionante. A partir das limitações assim impostas, foi elaborado um programa eminentemente prático para o ensino da Ética, com análise dos diversos artigos do seu Código e das recomendações do Guia do Profissional. Por óbvio, não foram esquecidos alguns referenciais teóricos, entendidos como obrigatórios para o encadeamento do raciocínio e a formulação de conclusões. 3. O ENSINO DA ÉTICA PROPRIAMENTE DITO. 3.1. Pequeno histórico. A evolução do homem, acarretou sua agregação, primeiramente na forma de bandos, depois como aldeias e, mais tarde, formando cidades. Consta que os primeiros núcleos urbanos teriam surgido ao redor de 5.000 anos A.C., na região da Mesopotâmia, quando passou a fixar-se à terra, alterando seu comportamento nômade. Com as cidades, surgiram conflitos de coexistência até então desconhecidos, que passaram a ser objeto de estudos e análises e que, com o passar do tempo, foram sendo aprofundados, adquirindo caráter perene, especialmente em razão da tendência do homem em tornar-se urbano, da busca da qualidade de vida e da evolução da humanidade. No seu desenvolvimento, as pesquisas do comportamento do homem pelo próprio homem levaram ao estudo do seu comportamento, ao estudo da Ética e da Moral e, com estes, o estabelecimento de regras de convivência. Conforme Aquino et al.[1], na média Mesopotâmia, os amorritas, vindos do Deserto Arábico, estabeleceram-se em uma povoação, que com o tempo converteu-se em importante centro comercial - a cidade de Babilônia-. Entre os reis e dinastias amorritas, destacou-se Hamurábi (2067-2025 a.C.), que formou o Primeiro Império Babilônico, que abrangeu toda a Mesopotâmia, reunindo diversas cidades sob uma autoridade central. Necessitando estabelecer normas procedimentais, Hamurábi, baseado no código de Dungi, de Ur, criou um dos mais antigos documentos jurídicos conhecidos, o Código de Hamurábi, que dizia respeito a praticamente todos os aspectos da vida da sociedade babilônica: comércio, família, propriedade, herança, escravidão, etc., identificando direitos e deveres, sendo os delitos acompanhados da respectiva punição, variando esta conforme a categoria social do infrator e da vítima. Tinha este Código, inicialmente, 282 artigos, muitos perdidos na deterioração das colunas de pedra onde estavam escritos em caracteres cuneifórmicos, restando alguns a seguir mencionados: - Se um homem apresenta-se como testemunha de acusação e não prova o que disse, se o processo é uma causa de vida ou morte, este homem é passível de morte. - Se um homem roubou o tesouro do deus ou do palácio, este homem é passível de morte e aquele que recebeu o objeto roubado, também é passível de morte. - Se um homem furar o olho de um homem livre, furar-se-lhe-á um olho. - Se ele fura o olho de um escravo alheio ou quebra um membro ao escravo alheio, deverá pagar metade de seu preço. - Se um arquiteto constrói uma casa para alguém, porém não a faz sólida, resultando daí que a casa venha a ruir e matar o proprietário, este arquiteto é passível de morte. - Se, ao desmoronar ela mata o filho do proprietário, matar-se-á o filho deste arquiteto. Observe-se que vigorava, então, a tese do “olho por olho, dente por dente”. Oito séculos após Hamurábi, ocorreu a saída dos hebreus do Egito em direção à Palestina, sob a liderança de Moisés (1220-1180 A.C.), que recebeu no Monte Sinai, as Tábuas da Lei, que continham os Dez Mandamentos da Lei de Deus. Em 450 A.C. - 1.500 anos após Hamurábi -, aparece em Roma o primeiro código escrito (romano): A Lei das Doze Tábuas. As Doze Tábuas eram de bronze e foram expostas no fórum para conhecimento de toda a população. Representava ela uma grande conquista para a época, eis que atendia a grande clamor da plebe, pela publicação de leis escritas, já que até então a justiça estava nas mãos da aristocracia, a quem cabia o monopólio do conhecimento e da interpretação dos costumes. Continha dispositivos tais como: - Se alguém é chamado a juízo, compareça. - Se alguém comete furto à noite e é morto em flagrante, o que matou não será punido. MTE - 110 - O pai terá sobre os filhos nascidos de casamento legítimo, o direito de vida e de morte e o poder de vendê-los. - O escravo a quem foi concedida liberdade por testamento, sob a condição de pagar certa quantia, e que é vendido em seguida, tornar-se-á livre se pagar a mesma quantia ao comprador. - Se alguém causa um dano premeditadamente, que o repare. - Que não se estabeleçam privilégios em lei. - Que a última vontade do povo tenha força de lei. 2.000 anos depois de Hamurábi e 450 anos após a Lei das Doze Tábuas, surge Jesus Cristo, com uma revolução nos conceitos e padrões até então vigentes, dentre os quais destaca-se a introdução do perdão. Partindo do pressuposto de que o homem que agiu erradamente pode ser recuperado e que deve ter tal oportunidade, a pregação de Cristo revoga a "lei do olho por olho, dente por dente” , como bem demonstram, o perdão a Maria Madalena, uma prostituta; o perdão ao “Bom Ladrão” quando já crucificado; a conhecida frase "... quem nunca cometeu qualquer pecado que atire a primeira pedra". Sua doutrina trouxe grandes alterações nos preceitos éticosociais, sentidas até hoje nas leis e na sociedade. Este breve histórico, mostra contextos sociais, desde a antigüidade mais remota, que procuraram elaborar normas comportamentais para os seus cidadãos; da humanidade que evoluiu no estabelecimento destas regras, motivada pela necessidade permanente de diminuir conflitos e de promover a convivência harmônica entre as pessoas. Semelhante à sociedade como um todo, existe uma outra, específica, menor, formada por Engenheiros, Arquitetos e Engenheiros Agrônomos, que em seus relacionamentos, predominantemente profissionais, vêm-se amiúde diante de desentendimentos, fruto da imperfeição humana, por tudo indesejáveis. Assim como o todo posui regras, é recomendável que existam recomendações de normas e procedimentos de convivência que atinjam especificamente a esse grupo de profissionais, seja orientando as relações entre os colegas; dos profissionais com os clientes e empregados; com outros estratos sociais ou, ainda, com a sociedade global. Estas normas, devem resguardar as peculiaridades e idiossincrasias das profissões envolvidas e não elidindo as demais regras gerais de procedimentos. Esta é a razão principal de haver o Código de Ética Profissional. 3.2. Conceituação De Ética. Generalidades. Em tese, o homem é um ser livre para fazer o que quiser. Entretanto, ele não é uma ilha; não vive isolado. Ao viver em sociedade, constata que existem outras pessoas que também são livres, podendo, em tese, fazer o que quiserem, porque também são livres. Em conseqüência, o uso que um indivíduo pode fazer de sua liberdade freqüentemente o coloca em confronto com outra pessoa que também quer fazer uso de sua liberdade. Decorre que o desfrute da sua liberdade não é tão livre e amplo quanto aparenta, eis que a própria sociedade estabeleceu a uma série de regulamentos e procedimentos que constituem-se em “limitadores” do exercício da liberdade absoluta de cada um. Ao praticar atos livres, não pode o homem causar prejuízos para outrem, que também tem a mesma liberdade de agir. Dentre os inúmeros regulamentos, destacam-se alguns, didáticamente, buscando fundamentar as razões de suas existências. Ao morar em um condomínio, seja em um edifício ou em um condomínio horizontal, as pessoas submetem-se ao Regimento Condominial, que é um documento elaborado pelo conjunto dos moradores, aprovado em assembléia geral e que pode, inclusive, ser registrado em cartório. Dentre seus artigos, estes Regimentos contém dispositivos estabelecendo, por exemplo, o Horário de Silêncio e a proibição de não haver nos apartamentos, animais de porte, etc. O argumento destas limitações, é o do resguardo do sossego do grupo de pessoas daquele condomínio. Veja-se que não há limitação de horário para que alguém entre ou saia de sua casa à hora que quiser, assim como não há limitações à todas às liberdades, mas apenas para algumas atividades, ou para certos horários. Nos clubes, seja para freqüentar as piscinas ou para usar as canchas de esporte, é comum encontrarem-se determinações referentes a horários, taxas a pagar, forma de vestir, exames médicos, etc. Estas determinações constituem-se em normas de utilização de espaços e bens patrimoniais, que restringem a liberdade absoluta de sua utilização. Estas restrições são parciais, podendo qualquer sócio adentrar ao clube no horário de seu funcionamento e geralmente vedado o acesso aos não associados. Quando pessoas se juntam para formar uma empresa, estabelecem os objetivos sociais da mesma e definem as responsabilidades, forma e o “quantum” de participação de cada um dos associados, nas despesas e nos lucros. Num clube, num condomínio ou numa empresa, constata-se a existência de regras, que não só visam o resguardo dos interesses comuns das pessoas abrangidas por aquelas comunidades, como definem os direitos e limitações que as mesmas têm. Representa dizer que as coisas correm como livremente foram acertadas e combinadas entre os interessados e que consta na redação dos documentos exemplificados. Há outras sociedades, de espectro mais amplo do que as anteriormente citadas, que podem ser de âmbito nacional ou internacional e que também estabelecem normas para os membros que a elas queiram se integrar. É a participação "por adesão", onde a entidade é existente, tem suas regras, seu regimento e a ela é facultado o ingresso. Dentre estes tipos de entidades, que têm âmbito nacional, encontramos os Partidos Políticos, nos quais podem ingressar pessoas, desde que concordem com as regras estabelecidas, com a sua ideologia. Num grande clube de futebol a coisa é assemelhada, MTE - 111 entretanto, os associados não se conhecem - todos -, muito embora existir, além do fator ideológico, um fator diferenciado, a Emoção. Partidos políticos e clubes de futebol têm suas regras e normas, aplicáveis dentro de espaços limitados, definidos, conhecidos. A nível global, mundial, também há grupamentos de pessoas que têm regras para seus participantes ou filiados. Veja-se o exemplo de Igrejas Cristãs. A forma em que estão estabelecidas e o modo que funcionam estas sociedades religiosas, atendem a princípios perfeitamente definidos, como ocorre com toda e qualquer sociedade. Têm seus mandamentos, seus dogmas e suas normas a serem seguidas por seus ministros; padres, pastores, irmãos, freiras e fiéis. As regras maiores, em geral, permanecem, não impedindo que haja alterações ao longo do tempo. Também, não há impedimentos que uma religião Cristã tenha uma regra particular oposta em relação a outra também Cristã, como ocorre, por exemplo, em relação ao direito ao casamento de ministros religiosos. Ministros católicos não podem contrair Casamento, vedação que não existe para ministros de outras Igrejas (Luterana, Anglicana, etc.). Esta contraposição regulamentar exemplificada, não representa incoerência; não faz com que deixem estas religiões de serem Cristãs, nem tampouco altera seus objetivos maiores. Estes exemplos, mostram grupos de pessoas, que formam entidades, que têm objetivos comuns e regras de convivência de âmbito universal, limitadas aos seus associados, agregados ou fiéis, com espaço físico ilimitado. Uma outra forma de sociedade, particular, é a Familiar, por todos conhecida, que também segue regras, para serem compostas e para serem desfeitas, assim como para seus membros. Poderiam ser citados, ainda, os clubes de serviço Lyons e Rotary, a Cruz Vermelha e muitos outros exemplos de associações e grupamentos de âmbito internacional, que também têm suas regras e parâmetros perfeitamente definidos, de acordo com as suas finalidades e interesses. Estas regras visam estabelecer uma forma de convívio harmônico interno, de tal modo que melhor sejam atingidos os objetivos das coletividades que representam. As pessoas são livres para aderir e, uma vez aceitas, condicionam-se a cumprir as regras estabelecidas. Observe-se que os exemplos até agora citados, referiram a grupamentos de indivíduos que escrevem as próprias regras ou que aderem a regras pré firmadas por outrem, sem interferências governamentais diretas. Se para um determinado grupo pode ser relativamente fácil definir os seus interesses e as regras comuns, para a sociedade em geral não o é. Para ela, os interesses de cada indivíduo ou interesses de um determinado grupo de pessoas são secundários, porque não atendem aos seus objetivos globais. A sociedade busca o estabelecimento do bem-estar social ou o bem comum de todos os cidadãos, independentemente de condições sociais, raças, crenças, nível intelectual, estratos sociais, influências de regiões e climas, etc., daí porque não podem ser considerados predominantes os interesses individuais ou de determinado grupo de pessoas. Diferenciam-se os interesses das corporações e os da sociedade. A sociedade está estruturada através de seus órgãos governamentais, estratificados nos Poderes de Governo: Executivo, Legislativo e Judiciário, que no âmbito de suas atuações, também seguem regras comportamentais, que valem para as instituições e para todos os cidadãos. Estas regras esão formadas pelas Leis, Decretos e outros instrumentos jurídicos, que, teoricamente, partem do seio da própria sociedade e visam o seu bem estar geral. A abrangência de uma lei ou de qualquer instrumento legal, é bem mais ampla do que os regimentos de empresas ou associações privadas, eis que devem atender a um universo de pessoas, que não se conhecem, inominadas, que podem guardar entre si profundas diferenças sociais e de costumes e cujo limite é uma fronteira politicamente estabelecida. Decorre daí, que a legislação estabelece Direitos e Deveres para TODAS as pessoas do seu universo de abrangência, visando a harmonia de convívio entre todos os cidadãos, de tal modo que melhor sejam atingidos os seus objetivos. Exemplificando e particularizando: as pessoas que não fumam, molestadas pelas que fumam, reclamaram pelo incômodo, acarretando a legislação específica que proíbe fumar em certos locais. Inicialmente nos ônibus, esta proibição foi ampliada e há bem pouco tempo, surgiu lei federal sobre este assunto, englobando o transporte interestadual de passageiros, aviões e o fumar em ambientes fechados. Sem adentrar no mérito desta regra, constata-se que é uma norma, é geral, surgiu do interesse público e que, por ser lei, todos devem cumpri-la. Para Engenheiros, Arquitetos, Engenheiros Agrônomos, há uma lei, de particular interesse, qual seja, a Lei Federal 5.194/66 que, complementada por outros instrumentos jurídicos, regulamenta o exercício profissional destas atividades. Esta , atribui ao CONFEA- Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia a competência de emitir Resoluções com vistas ao seu melhor entendimento e aplicação. Dentre as Resoluções, destaca-se a de nº 205 de 30 de setembro de 1971, segundo a qual foi adotado o Código de Ética elaborado pelas entidades de classe da Engenharia, da Arquitetura e da Agronomia. Para seu estudo e melhor compreensão de seus conteúdos, inicialmente é necessária a análise de algumas características extremas do comportamento do ser humano, quais sejam: Egoísmo e Altruísmo. Estas são palavras que se contrapõem. Representam comportamentos antagônicos, que nos seus extremos, referem-se a pessoas que só pensam em si mesmas (ego) ou pessoas que só pensam nos outros (altro). Os limites definidos pelo egoísmo e pelo altruísmo têm a mesma dimensão da faixa de variação vulgarmente chamada de "entre 8 e 80". Mostram, egoísmo e altruísmo parâmetros extremos, que, como extremos, não representam o comportamento médio do cidadão. Como indivíduos, todos buscam crescer, melhorar. Querem progredir no emprego, querem melhorar profissionalmente, querem aumentar ganhos; trocar de carro; comprar apartamento, enfim, MELHORAR. A busca individual pela melhora, é produtiva, inerente ao ser humano e gera progresso. Entretanto, esta "busca" está condicionada a regras, especialmente MTE - 112 naquilo que se refere a bens materiais . Há limites. Para ao melhor entendimento destes limites, veja-se o que estabelece a Filosofia, no estudo do comportamento humano e, posteriormente, comparem-se estes limites com que estabelece Código de Ética. Moral Particular e Moral Social. Segundo Jolivet, [2], a Moral Particular é a parte da Moral que estuda a aplicação dos princípios universais da moralidade às diversas situações da existência e às relações do homem c/ o próximo. Divide os deveres do homem em três partes: Deveres para com Deus, Deveres para Consigo e Deveres para com o Próximo. Santos [3], no estudo da Moral Particular, define-a como "A Ciência dos Deveres", dividindo estes em dois grandes grupos: deveres do homem como ser pessoal - tratados na Moral Pessoal - e deveres do homem como ser social, tratados na Moral Social. Este autor, inclui, ao final destes títulos, os deveres do homem para com Deus. Ambos autores citados tratam dos mesmos “deveres”, que traduzem os limites que o homem deve respeitar, na busca de sua realização, conforme seguem: Deveres do homem para consigo mesmo. Deveres Corporais. Resultam da obrigação do homem com a conservação e o desenvolvimento de seu corpo, a manutenção da vida, da saúde e defesa da sua integridade física. Incluem o exercício normal e organizado das funções orgânicas e psíquicas, evitando excessos de alimentação, bebida e sexualidade; resguardando normas higiênicas e preservando-se de vícios que comprometam a saúde e a Interdição ao Suicídio. Parte do princípio de que a ninguém é dado o direito de se matar, porque o suicídio viola o direito natural, em face de que o homem não é o criador nem o dono de sua vida. Deveres Espirituais. Resultam do fato de ser o homem dotado de inteligência, de sensibilidade e de vontade, precisando desenvolver estas faculdades para que possa atingir a plenitude de sua natureza. Estes deveres Incluem a Instrução, que é a aquisição de conhecimentos que permitem ao homem a ciência da realidade que o envolve em especial a da Inteligência e a Vontade. Envolvem a Educação, definida como a aquisição de hábitos úteis e sadios, ajustando o homem aos quadros da vida e também a Cultura, que é a aquisição e a realização de ideais, segundo os quais o homem aperfeiçoa sua personalidade, por valores que dignificam a vida.. Deveres do homem para com o próximo. Os autores referidos descrevem os deveres do homem para com os outros como: Respeito à Vida Alheia. Não admite o homicídio, o duelo, a agressão e a mutilação (afora a operação cirúrgica), por serem atos que envolvem a força bruta, por isso irracionais, e porque não se resolvem questões de direito pela força. Respeito à liberdade alheia. Decorre do direito do homem à livre ação e, em conseqüência, a condenação à escravidão. Respeito ao Pensamento Alheio. Do direito à liberdade de pensamento, resulta o dever de respeitar a opinião do próximo. Decorre deste princípio, a condenação da mentira, que é a alteração consciente e deliberada da verdade. Respeito à reputação Alheia. Condena a calúnia, a maledicência, que decorrentes do desrespeito à reputação dos outros. Respeito à Propriedade Alheia. Resulta esta obrigação do Direito à Propriedade. A Justiça resguarda o direito de guardarmos aquilo que legitimamente adquirimos, usando e desfrutando de nossos bens - com exclusão de outremdentro dos limites estabelecidos. Respeito ao Trabalho Alheio. Todo o homem tem o direito e o dever de trabalhar, com a inteligência ou com as mãos, a menos que se entregue a uma atividade nociva a outrem ou ao bem comum. Do direito ao trabalho, resulta o dever de respeitar o trabalho do próximo Dever de Beneficência. Envolve o auxílio e o socorro do homem aos seus semelhantes, independentemente de laços de parentesco, interesse pessoal ou coação. Dever de Amizade. É uma forma de afeição especial que nos liga a outrem, impondo-nos partilhar de suas dores, alegrias e idéias, quando elevadas e dignas. Dever de Solidariedade. Partindo do princípio que todos buscamos o bem comum, existe a interdependência natural de interesses entre todos os membros da comunidade, daí o dever do homem em contribuir para o bem do próximo, renunciando ao próprio interesse, quando este colidir com o interesse e o bem-estar da comunidade. Finalmente são referidos os deveres do homem para com Deus, que se exprimem pelo Culto e pela Oração. A análise dos “Deveres” enunciados mostra estarem moralmente definidos os limites da individualidade de cada um e os interesses do todo formado pelo conjuntos destes mesmos indivíduos. Mostra que o limite do exercício da liberdade de alguém, é estabelecido pelo direitos decorrentes da liberdade alheia e que, ao cumpri-los, o homem estará buscando o equilíbrio entre Egoísmo e Altruísmo. A propósito, seguem abaixo alguns dos conceitos de Liberdade, segundo Ferreira [4]: Liberdade.- 1.- Faculdade de cada um de decidir ou agir segundo sua própria determinação. 2.- poder agir, no seio de uma sociedade organizada, segundo a própria determinação, dentro dos limites impostos por normas definidas. 3.faculdade de praticar tudo o que não é proibido. Constata-se, pois, que a Filosofia estabelece os limites do comportamento do homem, analisando-o ora como indivíduo, ora como ser social. Mostra que o exercício pleno e absoluto da liberdade individual não é viável para um ser social, evidenciando que há uma Moral Individual - fundamentada no homem como pessoa - e uma Moral Social, baseada no MTE - 113 interesse coletivo. Conceitos de Ética. Para que seja feita a comparação antes proposta, é conveniente buscar-se a conceituação de Ética, que não se resume a uma só expressão. Alguns autores diferenciam Ética de Moral, outros não. A Ref. [4] conceitua: Ética: “Estudo dos juízos de apreciação que se referem à conduta humana, suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto”. Moral: “Conjunto de regras de conduta consideradas como válidas, quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer para grupo ou pessoa determinada” Vê-se que este Autor diferencia ‘Ética de Moral”, como se a Moral - conjunto de regras de conduta-, decorrese da Ética - estudo dos juízos de apreciação que se referem à conduta humana ... Na Ref. [3], temos: “Ética ou Moral é o estudo da ação humana enquanto livre e pessoal. Sua finalidade é traçar normas à vontade, na sua inclinação para o bem. Pode portanto ser definida como a ciência que trata do uso que o homem deve fazer da sua liberdade para atingir seu fim último.” Define ainda: “A Ética é uma ciência normativa porque estuda os princípios que devem governar a ação humana” Complementa, dizendo que três condições são necessárias ao exercício da vida moral: a Razão, o Livre-Arbítrio e a Inclinação para o bem. Na Ref. [2], encontramos: “... foram propostas numerosas definições de moral (chamada também Ética) . Várias destas definições não podem ser mantidas por não acentuarem com bastante clareza o caráter essencial da moral. A Moral é a Ciência do Homem (Pascal). A Moral é a ciência dos costumes (Dürkheim, Lévy,Brühl).” ... “A Moral é a ciência que define as leis da atividade livre do homem; é a ciência que trata do uso que o homem deve fazer de sua liberdade, para atingir seu fim último. É a ciência do bem e do mal. É a ciência dos deveres e das virtudes.” Observa-se que, tanto a Ref. [2] quanto a Ref. [3], têm Ética e Moral como sinônimas, mostrando aspectos comuns nos conceitos apresentados, dentre os quais os que se relacionam ao Juízo que o homem é capaz de fazer em relação ao bem e o mal; à Liberdade que o homem tem para a tomada de decisões, e a busca de seu Fim Último. Também vê-se que há autores que diferenciam Moral e Ética e outros que as têm como sinônimos. Desinteressa no presente trabalho, discutir se Moral e Ética são, ou não, sinônimos, eis que esta é uma abordagem preliminar que visa melhor entender o Código de Ética. Importa, isto sim, constatar que a análise dos conteúdos e dos conceitos acima, indica a necessidade de que cada indivíduo tenha Consciência do que deseja, que estabeleça seus objetivos de vida e que tenha Vontade de atingi-los. A busca destes objetivos, acaba sendo a busca da satisfação dos anseios e das aspirações de cada um, ou seja, a busca de um Padrão de Felicidade, ou da própria Felicidade. A propósito, a Ref. [3] ensina: A atividade voluntária é aquela em que o "eu" se sente "causa"... VONTADE é o poder que tem o espírito de se determinar, com consciência e reflexão, a uma ação de sua escolha. Eis porque devemos considerar a inteligência e a liberdade como as características essenciais do ato volitivo. A compreensão dos conceitos colocados (e de outros que possam ser aduzidos), mais a sua análise comparativa com os Deveres do Homem, são peças importantes para a melhor compreensão do “Código de Ética Profissional”. 4. CÓDIGO DE ÉTICA DA ENGENHARIA, DA ARQUITETURA E DA AGRONOMIA . O Código de Ética do Engenheiro, do Arquiteto e do Engenheiro Agrônomo foi elaborado pelas Entidades de Classe e formalizado pela Resolução nº 205 do CONFEA, de 30.09.1971, em atendimento ao disposto na Lei Federal 5.194 de 24.12.1966. Esta Resolução agrega ao mesmo o Guia do Profissional, também elaborado pelas entidades profissionais, o qual contém algumas explicações complementares sobre as exigências e recomendações, expressas na forma de deveres. O Código de Ética e o Guia do Profissional são ministrados após a explanação do conteúdo deste trabalho. Isto é feito com o intuito de mostrar ao aluno que o mesmo é um ser social e, como tal, tem compromissos consigo próprio e com a sociedade como um todo; que a evolução da sociedade é feita em busca da sua organização e do bem comum. Dentro desta sociedade global, existe uma outra parcial, formada pelos profissionais engenheiros que buscam ser felizes e, como tal, realizarem-se pessoal e profissionalmente. Para tal, é importante a busca de valores materiais o que não prescinde dos valores espirituais como a satisfação interior e o legítimo orgulho profissional.. Ainda, é mostrado que o Código de Ética vale como se lei fosse, eis que é uma Resolução do CONFEA que decorreu da Lei 5.194. Sendo o curso da ULBRA noturno, a maioria dos alunos vêm à escola após um dia de trabalho. Alguns residem em MTE - 114 municípios fora da Região Metropolitana, percorrendo diariamente mais de 100 km. para assitir as aulas. Preocupados com estes dados, procuramos tornar as aulas atraentes e agradáveis. Assim, todos os conteúdos ministrados são expostos de forma integrada, vinculando a ética com o bem comum e com as leis em vigor, mesmo porque a disciplina também envolve conteúdos de legislação. Para tornar a matéria atrativa, ela é ensinada como se fosse Ética Aplicada, a partir de transparências do Código projetadas em tela, cujos textos recebem interpretações do professor. Nesta interpretação mostra-se o "jogo de palavras" e as decorrentes interpretações errôneas que podem ser feitas. Para cada artigo é referido algum caso prático podendo este ser trazido pelo professor ou pelos alunos, que são estimulados a relatarem as suas experiências profissionais. Citam-se julgados de tribunais sobre matérias que envolvem as diversas modalidades de engenharia e casos que surgem nos jornais como os acidentes com obras e as mortes de operários. Estimula-se o debate evidenciando-se a desuniformidade dos raciocínios e das maneiras de pensar. Com estas, a e enfatiza-se a necessidade de haver o respeito pessoal entre os colegas - respeito profissional -, assim como o respeito com todas as pessoas envolvidas na profissão e para com a Sociedade. Nos debates, dá-se ênfase especial à Liberdade, ao Livre Arbítrio e ao respeito à liberdade alheia; mostra-se a importância destas para as opções de vida e para os "juízos de bem e mal". Discute-se o fato de que o profssional é um ser humano, que tem as suas conveniências e que estas devem ser condicionadas para o acatamento do Código de Ética. Nas análises de casos, é recomendado aos alunos que os relatos sejam feitos sem identificação de nomes de circunstantes e que sejam discretos na sua profissão. São referidos o "segredo industrial" e a "importação de tecnologia", que acarretam ao engenheiro a a necessidade de serem reservados e, com isto, merecer a confiança que neles é depositada. Procura-se, ainda, identificar as alternativas e opções de procedimentos que tinham os profissionais nos casos discutidos e as escolhas possíveis. Também, é referido que o Código encerra recomendações de procedimentos extremamente convenientes de serem seguidos - independentemente de seus cocnteúdos éticos -, podendo ser vistas como conselhos de um pai ou de um irmão mais velho. Nesta condição, por exemplo, usamos a linguagem chula de "não fala o que não sabe" para exemplificar uma das recomendações encontradas. Reitera-se, sempre, que a busca dos valores materiais e espirituais que envolvem a profissão tem limites, e que estes são impostos pelo Código de Ética Profissional. Finalmente, refere-se que, deixando de respeitar o Código, o profissional poderá incorrer em penas por descumprimento da Lei 5.194 e, acessoriamente, em responsabilidades previstas no Código Civil e no Código Penal, na parte aplicável à Engenharia, o que representa a exposição a riscos dos mais variados tipos. É citada a pena imposta pela consciência Esta forma de ensino decorre do fato de que esta disciplina é uma oportunidade ímpar de mostrar ao aluno aspectos humanísticos da profissão e entendemos não haver momento melhor para tal. Porto Alegre, setembro de 2001 O autor. MTE - 115 5. REFERÊNCIAS. [1] R.S. L. Aquino, de et alii- História das Sociedades - Das sociedades primitivas às sociedades medievais, Rio de Janeiro, 1984, p.114,262. [2] R. Jolivet, em Curso de Filosofia, São Paulo , 1965. [3] T. M. Santos, - Manual de Filosofia- São Paulo, 1958, p. 319/348. [4] A. B. de H. Ferreira, -Novo Dicionário Aurélio- São Paulo,p. 591, 835, 944. MTE - 116