UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE DIREITO
MESTRADO EM SEGURANÇA PÚBLICA, JUSTIÇA
E CIDADANIA
TÓPICOS ESPECIAIS EM SEGURANÇA PÚBLICA
Profa. Núbia dos Reis Ramos
E-mail: [email protected]
DIREITOS HUMANOS, JUSTIÇA E
SEGURANÇA PÚBLICA: PARADOXOS E
CONTRADIÇÕES DA DEMOCRACIA NO
BRASIL
DIREITOS HUMANOS: VALORES MORAIS,
CÓDIGOS LEGAIS E AÇÃO COLETIVA

Direitos humanos: são princípios que consubstanciam a
concepção de indivíduo como elemento basilar das
organizações sociopolíticas nas sociedades contemporâneas.

Os DHs emergem com a autonomização do sujeito moderno e
a consagração da liberdade como um valor que fundamenta a
vida social;

Dizem respeito a ideia de dignidade humana, concretizada tanto
na igualdade de direitos universalizados quanto no respeito às
diferenças de grupos com identidades específicas.

Os DHs articulam os princípios da liberdade, igualdade e
fraternidade que subsidiam as normas jurídicas positivadas
pelas instituições do Estado nacional, tornando-os valor político
e social mediante os códigos legais (Constituição);

Os direitos do homem acompanham o sentido que a história
lhes confere, transformando-se, a partir da criação de novos
valores morais e novas normas no âmbito da justiça
institucionalizada;

Transcendem as fronteiras dos estados nacionais, situando-se
em um plano cosmopolita de princípios convergentes no
cenário internacional;

Decorrem de lutas sociais e políticas que mobilizam indivíduos
e grupos, sendo um campo de permanente de tensão, conflito e
negociação.

Na contemporaneidade, a expansão dos direitos humanos pode
ser interpretada como um sinal de progressos moral, permitindo
transformar a consciência prática por meio da cultura política;
ampliando a atuação de grupos e indivíduos na esfera pública
(Bobbio, 1992);

O potencial emancipatório da política dos DHs, em tempos de
globalização, reside no fato de que eles possuem,
simultaneamente, um caráter universalista e global, mas
também proeminência e legitimidade local (SOUZA SANTOS,
2003).

O discurso dos direitos humanos ao longo das últimas décadas,
em âmbito mundial, teve a importância de criar uma consciência
sobre a universalidade dos direitos e influenciar nações.
Internamente, sua importância reside na garantia e eficácia dos
DHs para as populações locais, onde se reproduz a vida social
(ROBINSON, 2002).

Os DHs são na atualidade instrumento imprescindível da luta
democrática e dão sustentação a práticas sociais e discursivas
com base nos valores de igualdade e respeito á dignidade
humana;

A linguagem dos DHs é mola propulsora para a ação dos
movimentos sociais e organizações em nível local, regional e
transnacional. Mobilizam e dão visibilidade as demandas por
justiça social destes atores na esfera pública;

DHs na contemporaneidade dizem respeito à justiça social, pois
se referem a um mínimo de qualidade de vida (material e
simbólica) para os sujeitos cidadãos;
DIREITOS HUMANOS E SEGURANÇA PÚBLICA
EM UMA DEMOCRACIA EM CONSTRUÇÃO

No Brasil, desenvolvimento histórico dos DHs está diretamente
vinculado ao processo de redemocratização e a promulgação
da Carta Magna de 1988;

Nas últimas décadas, é possível observar avanços na garantia
dos direitos sociais, políticos e civis. Contudo, a realidade atual
demonstra fragilidades no sistema de proteção desses direitos;

Organizações não governamentais apontam que as principais
violações dos DHs no Brasil:
(a) elevado número de homicídios, principalmente de jovens;
(b) violência policial, execuções sumárias e extrajudiciais;
(c) precariedade do funcionamento do sistema penitenciário;
(d) impunidade pela ineficiência da justiça criminal;
(e) dificuldades no acesso à justiça

A segurança é uma questão política e social ampla; ela envolve
também parte dos aparelhos do Estado, como as próprias
corporações policiais ou mesmo os presídios. Em geral, os
órgãos de segurança, o sistema de justiça e a legislação são
foco de tensões e debates sobre a questão da violência;

A questão da violência resulta de uma cultura política que é
tolerante com a fraca operacionalidade da polícia e do sistema
judiciário, criando o sentimento de impunidade e um baixo grau
de confiança dos cidadãos nas instituições públicas;

Contribui também para o aumento da violência, os
investimentos insuficientes em ações de segurança e o ineficaz
funcionamento do aparelho estatal, caracterizado por falta de
unidade estratégica, logística, recursos, infraestrutura, carência
de pessoal, e mesmo falta de unidade e detalhamento
adequado dos dados estatísticos sobre segurança, entre outros.

No Brasil, os órgãos e agências de segurança pública
enfrentam uma realidade formada de antagonismos em relação
à função de proteção do cidadão e à prática da sua ação dentro
dos princípios dos DHs;

O direito à vida é um princípio fundante dos direitos humanos
nas sociedades democráticas contemporâneas e se encontra
na base da problematização da capacidade dos agentes
públicos em prover segurança e proteção na vida cotidiana;

Ao desempenhar seu papel, os agentes da segurança pública
algumas vezes se envolvem em ações que resultam em
violação da proteção à vida, em situações caracterizadas como
confronto ou auto de resistência seguida de morte;

A ação policial também não tem logrado reduzir as taxas de
mortalidade. Nos grandes centro urbano, os homicídio, o crime
organizado e o tráfico de drogas marcam o cotidiano das
população, comprometendo a efetividade dos DHs e a
cidadania.
Quadro 1 - Taxas de Homicídio por Capital e Região (em 100 mil) – Brasil
(2000/2010)
Região
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
∆%
Norte
Nordeste
Sudeste
Sul
Centro-oeste
Capitais
34.2
34.0
58.9
29.9
39.2
45.8
32.1
39.5
58.0
30.3
39.1
46.5
34.2
39.4
55.0
34.8
37.4
45.5
34.4
41.7
54.5
35.5
39.3
46.1
31.8
40.8
47.5
39.3
36.8
42.4
35.6
44.8
36.5
40.4
33.4
38.5
34.9
49.6
34.5
40.3
33.4
38.7
33,0
52,4
27,8
43,3
34,1
36,6
39.8
55.5
24.0
49.0
36.3
37.3
40.3
56.7
23.7
46.5
38.4
37.4
45.8
55.7
19.9
44.5
34.4
35.4
33.6
64.0
-66.1
48.5
-12.2
-22.8
Fonte: Mapa da Violência, 2012 (p. 29). Quadro montado pelas autoras.
Quadro 2 – Evolução da Taxa de Homicídio – Brasil (2000 e 2010)
2000
2010
∆%
Bahia
9.4
37.7
303.2
Maranhão
6.1
22.5
269.3
Pará
13.0
45.9
252.9
Alagoas
25.6
66.8
160.4
Paraíba
15.1
38.6
156.2
9.0
22.9
153.9
UF
Rio Grande do Norte
Fonte: Mapa da Violência, 2012 (p. 29). Quadro montado pelas autoras.
Quadro 3 – Ordenamento das dez maiores taxas de homicídios – Brasil
(2000 e 2010)
2000
UF
2010
Posição
Taxa %
Taxa%
Posição
Alagoas
25.6
11º
66.8
1º
Espírito Santo
46.8
3º
50.1
2º
Pará
13.0
21º
45.9
3º
Pernambuco
54.0
1º
38.8
4º
Amapá
32,5
9º
38.7
5º
Paraíba
15,1
20º
38.6
6º
9.4
23º
37.7
7º
Rondônia
33.8
8º
34.6
8º
Paraná
18.5
16º
34.4
9º
Distrito Federal
37.5
7º
34.2
10º
Bahia
Fonte: Mapa da Violência, 2012 (p. 25).
DEMOCRACIA E JUSTIÇA: DESAFIOS
CONTEMPORÂNEOS

A democracia contemporânea inaugura a era dos direitos, que,
por serem cada vez mais amplos e diversificados, são mais
difíceis de serem concretizados;

Há múltiplos atores demandantes de direitos cada vez mais
amplos (redistribuição) e, ao mesmo tempo, específicos
(reconhecimento).

Mudanças ocorridas nas últimas décadas complexificaram e
tensionaram as relações sociais gerando uma pluralidade de
interesses ao mesmo tempo convergentes, conflitantes e
excludentes.

A democracia e segurança se combinam para fomentar a
capacidade de os governos produzirem respostas que sejam
condizentes com a função de proteger e com o
desenvolvimento da cidadania e, em consequência, com a
própria estabilidade democrática (CANO, 2006);

Os direitos humanos e a democracia são fenômenos
intrinsecamente ligados. Eles representam tanto no imaginário
social quanto nas instâncias legais a garantia das liberdades
básicas e condição necessária para que as pessoas tenham
voz ativa nos negócios e nas esferas públicas plurais nas
sociedades modernas (FRASER; BEETHAM,1992, 1998)

A cidadania e a justiça social têm papel fundamental para a
estruturação de um sistema político justo, capaz de se
contrapor às injustiças de toda ordem (tortura, trabalho infantil,
etc) e de proteger os indivíduos de normas e legislações
repressivas e antidemocráticas por parte do governo;

Nas sociedades democráticas reconhecimento e justiça social
são dimensões inter-relacionadas, seja numa perspectiva mais
liberal – parâmetro mínimo do justo e do bem – numa
concepção
comunitarista – identidade, subjetividade e
autoconsciência)

A justiça no plano do discurso político-filosófico ou como
expressão institucional é condição sine qua non para garantir a
efetividade dos direitos humanos em democracias pluralistas;

Assegurar um sistema de justiça transparente e que funcione
com eficiência e eficácia tem sido um desafio para sociedades,
como a América Latina, que passou por experiências
sociopolíticas ditatoriais (ANONNI, 2006).

A justiça é um campo de ação social no qual estão envolvidas
relações de reciprocidade e confiança, atualizadas pelos
mecanismos de troca, que importam em compromissos,
identidades e valores que respaldam a cultura política de
diferentes grupos sociais.

Sob esse prisma, a justiça para se realizar necessita da
concretização do princípio da equidade social, o qual iguala os
homens perante a lei, mas não os homogeneíza, preservando
as suas diferenças.

A justiça social deve contemplar a produção e reprodução
contínua das condições que garantam o usufruto da cidadania,
ou seja, equacionar a universalização dos direitos quanto o
reconhecimento das identidades singulares nas sociedades
democráticas.

A justiça social como campo de ação política contribui para a
construção de um espaço plural para diferente atores na esfera
pública; Problematiza a questão da igualdade de oportunidade
e sua efetiva concretização; Aponta a necessidade de respeito
e valorização do grupo minoritário na cena pública;

A noção de justiça social na contemporaneidade requer ser
pensada considerando as transformações de cunho
sociohistórico e político, sobretudo, aquelas marcadas pela
globalização e pela intensificação dos contatos com diferentes
culturas;
Os dados apresentados sobre os homicídios no Brasil se reportam
a elementos estruturais das sociedades em desenvolvimento:
(a) Desigualdades sociais, que reduzem oportunidades de
indivíduos, grupos e classes e geram o esgarçamento das
relações sociais;
(b) Baixa resposta dos Estados às necessidades do
desenvolvimento e às demandas sociais correlatas;
(c) Pouca capacidade que os Estados têm de fazer cumprir as leis
e assegurar direitos, desequilibrando as condições para a
justiça social;
(d) Baixo grau de confiança que as instituições dos regimes
republicanos (os três poderes) e os aparelhos de segurança
(eg.: polícias) gozam, fragilizando a legitimidade do sistema
político;
(e) Baixa densidade do capital social, em longo prazo, devido à
instabilidade do funcionamento das instituições, o que favorece
uma cultura política tolerante com a violência e com as suas
consequências.
 A pressão da opinião pública e da mídia sobre os governos para
combater a violência têm gerado demandas por ações na área
de segurança, tornando-se uma questão de política interna de
Estado, que se impõe tanto na agenda governamental como na
legitimação dos arranjos políticos e da governabilidade.
 A violência é um fator desestruturante da vida democrática e
fragiliza instituições, uma de suas consequências mais graves é
a impunidade que, em si mesma, afronta os DHs. Portanto, a
impunidade é uma variável relevante para avaliar o incremento
da violência
 A confiança é parte da opinião pública que se realiza nas
diversas esferas públicas, tendo um papel muito forte nas
democracias contemporâneas;
 A opinião pública tende a ter um efeito mobilizador da ação
coletiva e da organização da sociedade civil, principalmente no
que diz respeito às liberdades e garantias democráticas e à luta
constante pela multiplicação dos DHs e pela sua efetividade;
Tabela 1 – Níveis de confiança no Poder Judiciário – Brasil (2000-2010)
.
Nível de confiança
Período
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Muita
12.3
18.9
12.9
13.2
17.3
5.6
14.7
9.3
8.9
11.5
12.2
Alguma
24.1
21.3
20.9
31.0
32.4
21.1
31.4
32.7
33.9
31.5
40.7
Pouca/nenhuma
63.6
59.8
66.3
55.8
50.2
73.3
53.9
58.0
57.1
57.0
47.0
Total
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
Fonte: Latinobarômetro, 2012. (http://www.latinobarometro.org/latino/latinobarometro.jsp). Para esta tabela, foram somados os
percentuais de caráter negativo – pouca e nenhuma – apresentados nos dados originais.
Tabela 2 – Níveis de confiança na polícia – Brasil (2000-2010)
Nível
confiança
Período
de
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
7.1
14.5
14.5
11.1
11.6
5.8
12.4
10.3
8.0
9.3
9.6
Alguma
21.9
17.7
23.3
25.9
24.7
15.9
30.1
25.6
31.6
25.2
31.1
Pouca ou
nenhuma
71.0
67.8
62.2
63.1
63.6
78.3
57.5
64.1
60.4
65.5
59.2
Total
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
Muita
Fonte: Latinobarômetro, 2012. (http://www.latinobarometro.org/latino/latinobarometro.jsp). Para esta tabela, foram somados os
percentuais de caráter negativo – pouca e nenhuma – apresentados nos dados originais.
QUESTÕES PARA DEBATE
1. De que serve a liberdade política se ela não conduz o
indivíduo a uma cidadania de usufruto?
2. De que serve a igualdade se ela não se traduz em igualdade
de oportunidades de ser e fazer, provida por meio da justiça
distributiva?
3. Como entender que, mesmo com mais democracia e políticas
de desenvolvimento econômico, políticas de assistência social
para a pobreza e integração dos mercados em uma economia
mundial cada vez mais globalizada, a violência, em vários
países, tende a crescer sempre mais?
4. Qual a contribuição do sistema de justiça para uma maior
eficácia da segurança pública no Brasil?
5. A impunidade é um fator que contribui para o aumento da
violência e criminalidade????
Referências bibliográficas
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ANNONI, Daniele. O acesso à justiça como direito humano fundamental. In: ____________
Direitos humanos e acesso à justiça no Direito Internacional: responsabilidade internacional
do Estado. Curitiba: Juruá Editora, 2006.
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BOBBIO, N. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

CANO, Ignácio. Políticas de segurança pública no Brasil: tentativas de modernização e
democratização versus a guerra contra o crime. SUR – Revista Internacional de Direitos
Humanos, n. 5, ano 3, 2006.

LATINOBARÓMETRO - OPINION PÚBLICA LATINOAMERICANA. Análise dos resultados
online. Disponível: <http//: www.latinobarometro.org>Acesso: 18.07.2012.
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ROBINSON, Mary Robinson. Making Human Rights Matter: Eleanor Roosevelt’s Time Has
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Harvard University, September 30, 2002.
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SOUZA SANTOS, Boaventura – Introdução: as tensões da modernidade ocidental.
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
WAISELFISZ, Júlio Jacobo. Mapa da violência 2012: os novos padrões da violência
homicida no Brasil. São Paulo: Instituto SANGARI, 2011. Disponível:
<http://www.mapadaviolencia.org.br> Acesso: 20.07.2012.
Algumas
conclusões
ALGUMAS
CONCLUSÕES.......
O aumento da taxa de homicídios no Brasil coloca o paradoxo
da democracia e a adesão à boa legislação sobre direitos
humanos, que são defendidos internamente e em âmbito
mundial, exigem capital social e humano em construção
contínua, por meio de políticas que possam atualizar
constantemente a inserção dos direitos humanos na práxis da
sociedade e do aparelho do Estado.
O alargamento da esfera pública, por meio da participação e da
multiplicação das normas legais democráticas, só pode se
efetuar de forma consistente quando os direitos humanos, como
princípios democráticos, logram se converter em direitos de
usufruto real e garantia de vida.
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