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AMORIM, I. F. de., v. 05, nº 2, p. 04-23, JUL-DEZ, 2013.
Revista Eletrônica “Diálogos Acadêmicos” (ISSN: 0486-6266)
ÉTICA COMO FUNDAMENTO FILOSÓFICO DO TRABALHO
EDUCATIVO: Reflexões sobre valores universais, desenvolvimento
moral e educação
AMORIM, Ivair Fernandes de 1
RESUMO
Este trabalho é uma discussão a respeito dos fundamentos do trabalho educativo,
mais especificamente da fundamentação ética do trabalho educativo. Aborda o
conceito de ética, assim como suas divisões por meio de revisão literária. Passando
pela ética das virtudes de Aristóteles e se prendendo mais à ética do dever de Kant,
parte para a compreensão dos estudos sobre desenvolvimento moral. São evocadas
também as idéias de Piaget e Kohlberg. Relacionando a ética de Kant e as teorias
de Piaget e Kohlberg este trabalho tem como objetivo propor uma educação moral
que não vise transmitir conteúdos morais, mas sim elevar o nível de
desenvolvimento moral dos educandos, por meio de uma abordagem qualitativa e
com o método de pesquisa a partir de revisão literária.
Palavras-chave: Julgamento Moral. Educação Moral. Desenvolvimento Moral. Ética.
ABSTRACT
This work is a discussion about the basis of educational work, more specifically of
ethics base of educational work. Discusses the concept of ethics, as well as its
divisions through literature review. Passing trough Aristóteles ethics of virtues and
fixing more to Kant’s ethics of duty, depart from the comprehension of studies about
moral development. Piaget’s and Kohlberg’s ideas are evoked too. Connecting
Kant’s ethics and Piaget’s and Kohlberg’s. This paper aims to propose that moral
education is not intended to convey moral content, but raising the level of moral
development of students, through a qualitative approach and the method of research
from literature review.
Key words: Duty Judgment. Ethics. Moral Education. Moral Development.
INTRODUÇÃO
Este trabalho vem ao encontro do anseio atual das ciências da educação:
fundamentar o trabalho educativo. Acreditamos que os esforços realizados neste
1
Doutor em Educação Escolar pela UNESP de Araraquara-SP. Licenciado em Pedagogia pela
UNIFEV - Centro Universitário de Votuporanga. Atualmente é Pedagogo do Instituto Federal de
Educação,
Ciência
e
Tecnologia
de
São
Paulo
Campus
Votuporanga.
E-mail:
[email protected]
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sentido são louváveis e de suma importância para o desenvolvimento da educação,
em especial, em um país como o nosso onde a educação não tem o respaldo e
valorização merecidos.
Com o intuito de colaborar com a fundamentação do trabalho educativo e
instigado pelas discussões realizadas na Disciplina: Fundamentos Filosóficos do
Trabalho Educativo, coordenada pela Profa. Dra. Carlota Boto e vinculada ao
Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e
Letras da UNESP – Campus de Araraquara, realizamos este trabalho a fim de
contribuir com as reflexões realizadas sobre ética e educação.
Iniciaremos o trabalho com uma breve introdução ao conceito de ética e
conseqüentemente às diferenças e às unidades propostas entre os conceitos de
moral e ética. Feita esta explanação por meio de uma abordagem qualitativa e com o
método de pesquisa a partir de revisão literária, falaremos das divisões existentes na
ética.
Partiremos
então
para
a
compreensão
de
dois
autores
clássicos
indispensáveis para a compreensão da ética: Aristóteles e Kant. Aquele nos ajudará
a compreender a ética das virtudes e este a ética do dever.
Explanada as posições destes dois autores e evidenciada nossa preferência
pela ética kantiana, partiremos a outra etapa do trabalho em que discorreremos
sobre os estudos a respeito do desenvolvimento moral. Para tanto lançaremos mão
das idéias de Piaget e Kohlberg.
Por fim concluiremos este trabalho relacionando a ética do dever com a
compreensão do desenvolvimento moral buscando demonstrar como a união destas
concepções pode auxiliar a fundamentação ético-filosófica do trabalho educativo.
ÉTICA COMO FUNDAMENTO FILOSÓFICO DO TRABALHO EDUCATIVO:
Reflexões sobre valores universais, desenvolvimento moral e educação.
Educar é uma atividade abrangente que ocorre cotidianamente de forma
assistemática e sistemática. A ausência de sistematização no processo educativo se
dá nas relações de convivência por meio da inter-relação social, em que recebemos
e transmitimos conhecimentos de forma espontânea, dessa forma, adquirimos
capacidades básicas. Um entre muitos exemplos de aprendizagem que se efetivam
desta maneira é a aquisição da linguagem oral, que nos permite um convívio social e
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nos lança à aquisição da escrita e de um novo tipo de conhecimento. Ao falarmos
em escrita, referimo-nos ao conhecimento sistemático, que em contrapartida ao que
foi dito desenvolve-se de forma intencional e programada visando objetivos
educacionais claros e definidos. Sistematizar a educação faz com que esta seja um
Trabalho Educativo.
Ao partir desta simples diferenciação entre estas duas facetas da Educação é
que delineia-se este trabalho. Trataremos aqui da educação que é intencional, que é
fruto do trabalho educativo de pedagogos e educadores em geral.
Deste ponto em diante adotaremos o termo Trabalho Educativo para indicar a
atividade educacional sistemática e intencional.
Quando tratamos de Trabalho Educativo, colocamos em pauta a atividade de
profissionais (que podem atuar na parte administrativa ou diretamente ligados à
docência) que apoiados por teorias pedagógicas, psicológicas, sociais, políticas e
filosóficas cuidam da educação em seus vários níveis. Estes suportes teóricos são à
base de todo o trabalho desenvolvido, ou seja, fundam toda a prática educacional e
por isso são chamados de fundamentos. Podemos então afirmar que devido à
complexidade
da
natureza
humana
faz-se
necessária
à
educação
uma
fundamentação teórica vinda de diversas áreas científicas.
No entanto, notamos que atualmente os fundamentos teóricos ocultam-se e
não são muito evidentes àqueles profissionais que se dedicam à atividade docente,
em especial aos que trabalham com os níveis de educação básica. Dessa forma é
necessária uma constante reflexão acerca dos fundamentos do trabalho educativo
para que haja uma resignificação da atividade do docente.
É neste sentido que propomos neste trabalho a reflexão a respeito de um
fundamento que me parece importantíssimo para o êxito educacional no contexto
atual: a ética.
Esta não é uma tarefa fácil e não se pretende esgotar a questão. Neste
trabalho queremos apenas levantar alguns pontos sobre este tópico que possam
propiciar uma reflexão proveitosa para a compreensão do trabalho educativo.
Ao estabelecer tal propósito alguns questionamentos florescem a nossa
mente: O que é ética? Quais os tipos de ética? Qual posicionamento ético tomar?
Como fundar um trabalho ético aliado ao trabalho educativo? É possível pensar em
uma educação moral?
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De acordo com nossa capacidade teórico-prática procuraremos indicar
caminhos para a solução destes questionamentos.
1. ÉTICA
Antes de prosseguir devemos nos ater sobre alguns esclarecimentos sobre o
termo Ética. É praticamente inevitável falar em Ética sem que se deslinde a
superfície de nossa memória o termo Moral. Muitos entendem os dois termos como
sinônimos, outros preferem distingui-los. Vejamos interessante explanação a este
respeito encontrada no texto dos Parâmetros Curriculares Nacionais (2000, p.69):
Moral e ética, às vezes são palavras empregadas como sinônimos:
conjuntos de princípios ou padrões de conduta. Ética pode também
significar Filosofia da Moral, portanto, um pensamento reflexivo sobre
os valores e as normas que regem as condutas humanas. Em outro
sentido, ética pode referir-se a um conjunto de princípios e normas
que um grupo estabelece para seu exercício profissional (por
exemplo, os códigos de ética dos médicos, dos advogados, dos
psicólogos, etc.). Em outro sentido, ainda, pode referir-se a uma
distinção entre princípios que dão rumo ao pensar sem, de antemão,
prescrever formas precisas de conduta (ética) e regras precisas e
fechadas (moral). Finalmente, deve-se chamar a atenção para o fato
de a palavra “moral” ter, para muitos, adquirido sentido pejorativo,
associado a “moralismo”. Assim, muitos preferem associar à palavra
ética aos valores e regras que prezam, querendo assim marcar
diferenças com os moralistas.
O sentido lexicográfico das palavras Ética e Moral, confirma a explanação dos
PCN’s. Tanto a palavra moral quanto a palavra ética são definidas como conjunto de
regras, valores e condutas em uma sociedade, no entanto, a sentido da palavra
Ética aponta para uma significação que a palavra moral não contempla, é neste
ponto que os PCN’s, os lexicógrafos e muitos autores designam a Ética como
disciplina filosófica que reflete acerca dos princípios morais.
É também opinião de autores renomados como Borges, Dall’Agnol e Dutra
(2003, p. 06) afirmando que “a ética é a disciplina que procura responder às
seguintes questões : como e por que julgamos que uma ação é moralmente correta?
e que critérios devem orientar esse julgamento?”.
E para complementar esta significação de Moral e Ética o estudioso do
desenvolvimento moral La Taille (s/d), no vídeo: Desenvolvimento Moral: Princípios
valores e sentimentos concorda que as duas palavras possam ser entendidas como
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sinônimos, mas que a moral estaria mais próxima da obrigatoriedade e a ética da
reflexão, chega a afirmar que Moral manda e a Ética reflete.
Nesse trabalho não queremos defender uma ou outra definição de Ética, ou
defini-la em detrimento da Moral. Portanto, entenderemos Ética e Moral como termos
complementares, porém, abordaremos a Ética como disciplina reflexiva que deve
permear todo o Trabalho Educativo fundamentando as bases de uma verdadeira
Educação Moral.
Borges, Dall’Agnol e Dutra (2003, p.7-8) dividem a Ética em: metaética, ética
normativa e ética aplicada, conformo discorrem:
[...] A ética normativa pretende responder a perguntas como “o que
devemos fazer?” ou , de forma mais ampla, “qual a melhor forma de
viver bem?”[...]
[...] a metaética não pretende determinar o que devemos fazer, mas
investiga a natureza dos princípios morais, indagando se são
objetivos e absolutos os preceitos defendidos pelas diversas teorias,
ou se são de fato inteligíveis, ou, ainda se podem ser verdadeiros
esses princípios éticos num mundo sem Deus.
A ética aplicada diz respeito à aplicação de princípios extraídos da
ética normativa para a resolução de problemas éticos cotidianos, isto
é, procura resolver problemas práticos de acordo como os princípios
da ética normativa.[...]
Acreditamos que para os objetivos propostos para este trabalho devemos nos
ater sobre a ética normativa, pois uma Educação Moral deve dar condições para que
o aluno saiba o que deve fazer e qual é a melhor forma de se viver bem. Vemos,
neste caso, que as perguntas relativas à ética normativa são as mais adequadas a
serem feitas durante um Trabalho Educativo.
Utilizando ainda as reflexões de Borges, Dall’Agnol e Dutra, observa-se que a
Ética
Normativa
também
possui
divisões:
Éticas
Teleológicas
e
Éticas
Deontológicas.
Podemos dividir as correntes da ética normativa em duas categorias:
a ética teleológica e a ética deontológica. A primeira determina o que
é correto de acordo com uma certa finalidade (télos) que se pretende
atingir. Suas duas subdivisões principais são: a ética
conseqüencialista, que se baseia nas conseqüências da ação, e a
ética das virtudes, que considera o caráter moral ou virtuoso do
indivíduo.
A ética deontológica procura determinar o que é correto, não
segundo uma finalidade a ser atingida, mas segundo as regras e as
normas em que se fundamenta a ação. Uma das correntes mais
importantes da ética deontológica é a ética Kantiana ou ética do
dever. (BORGES et all. 2003, p. 8).
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Para melhor entender os rumos que este trabalho tomará, nos deteremos
sobre as divisões da ética normativa e faremos uma explanação a respeito da ética
das virtudes, fazendo breves alusões ao pensamento de seu ilustre doutrinador:
Aristóteles. Em seguida discorremos sobre as idéias de Kant, ícone incontestável da
ética do dever.
1.1. Aristóteles e a Ética das Virtudes
A ética das virtudes é enquadrada no campo da ética normativa como uma
corrente teleológica, ou seja, voltada à finalidade, ao télos. Aristóteles filósofo grego
é pioneiro nesta abordagem filosófica e, que é, crucial ao entendimento da
fundamentação ética do Trabalho Educativo.
A obra intitulada O que é Ética? de Borges et al. (2003), nos diz a respeito da
ética de virtudes:
Pode-se dizer que o marco inicial da ética de virtudes é a doutrina
moral que Aristóteles desenvolve na obra Ética a Nicômaco. A
questão central da teoria aristotélica das virtudes alude ao que nós
queremos em nossa vida indagando qual a finalidade das nossas
ações. A resposta, ou seja, a justificativa para as nossas ações, é a
busca da felicidade (eudaimonia). Essa felicidade de que fala
Aristóteles não consiste em uma alegria momentânea nem em uma
euforia efêmera, mas sim em um estado duradouro de satisfação.
Aristóteles afirma que é preciso desconsiderar motivos pessoais e
subjetivos para se alcançar a felicidade, pois o homem feliz é feliz
apenas quando realiza bem a sua função (ergon) própria, a sua
razão. Assim, o bem supremo constitui uma condição de bem estar
duradouro, conquistada pela realização da racionalidade humana,
que é a finalidade da vida virtuosa. Apenas o desenvolvimento da
capacidade racional do ser humano poderá proporcionar-lhe uma
vida plena. Esse desenvolvimento só é possível pela virtude, que é a
excelência moral do ser humano (BORGES et al. 2003, p.11).
A citação acima deixa claro que a moral Aristotélica busca a concretização de
uma vida boa, o que consistiria em uma felicidade duradoura, ou seja, para
Aristóteles o homem deveria ser ético para alcançar esta satisfação permanente.
Dessa forma, as ações humanas são tomadas com o objetivo de alcançar esta
finalidade. Serei ético para alcançar o bem-estar, minhas ações são norteadas de
acordo com as conseqüências que vislumbro.
Para que isto ocorra é necessária uma vida virtuosa, em que o homem
prudente busca o equilíbrio por meio do cultivo de qualidades desejáveis as pessoas
racionais: as virtudes.
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Aristóteles deixa claro que a virtude não é inata do ser humano e que esta
assim como a habilidade intelectual ou o trabalho artístico é adquirida pela prática.
Um indivíduo se torna justo praticando a justiça, assim como o injusto assim se faz
pela prática da injustiça. Ainda segundo este filósofo, os vícios e as virtudes se
originam das mesmas fontes, no entanto os vícios se fundam sobre excessos ou
deficiências e a virtude se firma sobre o equilíbrio que é chamada mediana.
A virtude, portanto, é um estado mediano no sentido de que é ela
apta a vida a mediana. Outrossim, o erro é multiforme (pois o mal é
uma forma do ilimitado como conjecturam os pitagóricos, e o bem
uma forma do limitado) ao passo que o êxito somente é possível de
uma única maneira (razão pela qual é fácil falhar e difícil obter êxito –
fácil errar o alvo e difícil acertá-lo); e com isso contemplamos uma
razão adicional do porque o excesso e a deficiência são uma marca
do vício e a observância da mediana uma marca da virtude ou seja:
Simples é a bondade, múltipla a maldade (ARISTÓTELES 2002, p.
74).
A virtude pode ser compreendida como a prática do equilíbrio, o homem justo,
moralmente correto e portanto, virtuoso, não se excede nem falta em suas ações,
ele busca pautar sua atitude de forma racional escolhendo uma atuação moderada e
prudente que vise sempre um ponto médio, uma mediana.
A grosso modo podemos afirmar que o homem virtuoso é o homem moderado
e prudente.
Em suma, podemos afirmar que a Ética Aristotélica é Teleológica, pois busca
uma finalidade (télos) que constitui a satisfação duradoura, a verdadeira felicidade,
que só pode ser concebida através de uma vida equilibrada e prudente, em que se
busque a mediana em todas as ocasiões, buscando distanciar-nos dos excessos e
deficiências para alcançarmos a virtude: forma racional de se viver uma vida boa.
1.2. Kant e a Ética do Dever
A ética do dever tem em Kant um alicerce sólido, pois é ele que defende a
existência de máximas universais. Isso é confirmado por Borges, Dall’Agnol e Dutra
(2003, p. 12):
A ética do dever, iniciada por Kant, pretende discriminar as regras do
que é certo ou errado moralmente utilizando uma noção chamada
imperativo categórico, segundo o qual a ação é moral se a regra da
ação puder ser tomada como regra universal, ou seja, se puder ser
observada e seguida por todos os seres humanos, sem contradição.
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Para chegar à formulação dos imperativos categóricos Kant (1988), defende
uma idéia contrária à filosofia moral aristotélica. Diz-nos que temperança, coragem,
argúcia, prudência, entre outras virtudes consideradas moralmente louváveis não
são via de regra totalmente boas se a vontade que as mover for de natureza torpe,
podendo estas ditas virtudes servirem a objetivos incoerentes e assim moralmente
indesejáveis. Neste ponto o filósofo alemão defende que apenas uma coisa pode ser
considerada boa sem limitação: a boa vontade.
A boa vontade não é boa por aquilo que promove ou realiza, pela
aptidão para alcançar qualquer finalidade proposta, mas tão somente
pelo querer, isto é em si mesma e, considerada em si mesma, deve
ser avaliada em grau muito mais alto do que tudo o que por seu
intermédio possa ser alcançado em proveito de qualquer inclinação,
ou mesmo, se se quiser, da soma de todas inclinações (KANT 1988,
p.23).
É isto que caracteriza a teoria de Kant como a ética do dever, pois ele
despreza o valor moral de uma ação tomada com vistas a uma finalidade, não
considera que um ato praticado em prol de uma conseqüência futura benéfica ou
aprazível pode ser considerada boa, porque não foi movida por uma boa vontade e
sim pela busca de certo objetivo. Somente a atitude tomada de acordo com a boa
vontade pode ser considerada moral, pois busca o que é justo sem a interferência de
inclinações de qualquer espécie, ou seja, sem que o indivíduo busque saciar
qualquer um de seus anseios pessoais, sentimentais ou de qualquer natureza. E é
nesse ponto que podemos inserir a noção de dever que para Kant é indissociável da
noção de boa vontade, pois:
[...] o conceito do Dever que contém em si o de boa vontade, posto
que sob certas limitações e obstáculos subjectivos, limitações e
obstáculos esses que, muito longe de ocultarem e tornarem
irreconhecível a boa vontade, a fazem antes ressaltar por constante
e brilhar com luz mais clara (KANT 1988, p.26).
Ainda Kant (1998), defende que a ação moralmente correta é aquela guiada
pelo dever, dever este que possui em si a boa vontade que é a única capaz de
superar as inclinações.
Logo, agir moralmente é fazer o que é devido e nem sempre o que é
desejado.
Aqui já podemos perceber um ponto polêmico da teoria Kantiana, pois um
indivíduo que mantenha uma conduta moralmente correta de acordo com os
deveres, mas o faça para que viva sem retaliações ou porque é vantajoso para ele
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assim proceder, não estará sendo verdadeiramente moral, pois não ponderou seus
atos pelo dever, mas sim por uma inclinação. Assim, pode-se agir de acordo com o
dever, mas não pelo dever, o que desmerece o caráter moral da ação. Só é
moralmente correto aquele que age pelo dever de acordo com a boa vontade.
Podemos nos indagar: Como designar o dever? É possível prescrever o que é
certo e moralmente correto?
Kant (1988, p. 33), responde a este questionamento dizendo que “devo
proceder sempre de maneira que eu possa querer também que a minha máxima se
torne uma lei universal.
Vemos um ponto chave da ética kantiana, a universalidade das ações morais.
E é esta proposição que nos permite compreender os conceitos de imperativos
hipotéticos e categóricos.
Primeiramente
Kant
(1988,
p.48)
nos
define
imperativo
como
“a
representação de um princípio objectivo, enquanto obrigante para uma vontade,
chama-se mandamento (da razão), e a fórmula do mandamento chama-se
Imperativo.
E também diferencia imperativos hipotéticos e imperativos categóricos.
Ora, todos os imperativos ordenam ou hipotética- ou
categoricamente. Os hipotéticos representam a necessidade de uma
acção possível como meio de alcançar qualquer outra coisa que se
quer (ou que é possível que se queira). O imperativo categórico seria
aquele que nos representasse uma acção como objectivamente
necessária por si mesma sem relação com qualquer outra
finalidade[...]
O imperativo hipotético diz pois apenas que a ação é boa em vista de
qualquer intenção possível ou real. No primeiro caso é um princípio
problemático, no segundo um princípio assertórico-prático. O
imperativo categórico, que declara a acção como obejctivamente
necessária por si, independentemente de qualquer intenção, quer
dizer sem qualquer finalidade, vale como princípio, apodíctico
(prático) (KANT 1988, p.50-51).
Podemos perceber que o imperativo da moralidade para Kant é o imperativo
categórico, pois este é determinado por uma ação necessária em si, livre de
inclinações ou intenções como no caso do imperativo hipotético.
Vemos que na ética do dever de Kant, algumas ações que são tomadas de
forma racional baseada nos imperativos categóricos que se constituem máximas
universais são moralmente corretas e por isso preferíveis.
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Nesse trabalho embora não rejeitemos a importância das idéias aristotélicas
para o desenvolvimento da ética, adotaremos um viés kantiano, ou seja, nos
basearemos na ética do dever que julga que existem atitudes que podem ser
consideradas aplicáveis universalmente e devido a este caráter possuem uma
validade moral e são mais desejáveis que aquelas que atendem apenas a
inclinações. Proporemos que um trabalho educativo fundado na ética Kantiana visa
propiciar aos alunos condições de julgar o que pode ou não pode ser universalizado
no âmbito moral.
Para tanto, baseados nas breves e incompletas considerações aqui
realizadas sobre a teoria de Kant, iremos discorrer sobre algumas teorias que de
certa forma influenciadas pela ética do dever propõem uma explanação sobre o
desenvolvimento moral. Com base nas máximas universais de Kant e as teorias de
desenvolvimento moral, tentaremos esboçar uma fundamentação ética do trabalho
educativo.
2. DESENVOLVIMENTO MORAL
Quando tratamos de educação, refletimos a respeito de um processo
infindável de formação que nos acompanha durante toda nossa existência. Todavia,
é fato que a educação nos primeiros anos de vida tem papel crucial para a
constituição do ser humano. É no início de nossa vida, talvez na nossa primeira
década de nossa existência que adquirimos conhecimentos e habilidades que
propiciam nossa sobrevivência.
Por isso e por outros fatores costumamos dizer que as crianças e
adolescentes estão em fase de desenvolvimento.
Aos profissionais da educação cabe buscar um entendimento cada vez mais
profundo sobre o desenvolvimento dos seres humanos, para que haja interferências
adequadas, cada uma a seu tempo, propiciando uma crescimento saudável para os
jovens que se inserem em uma sociedade tão complexa.
Muitos foram os estudos que se dedicaram a explicar e a entender em vários
âmbitos o desenvolvimento humano. Embora este seja de natureza complexa e
indivisível faremos aqui um recorte (unicamente para fins de compreensão e
discussão do presente trabalho) tratando de um único aspecto do desenvolvimento:
o desenvolvimento moral.
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Creio que no meio acadêmico os teóricos que mais se dedicaram a este
respeito são os que se debruçaram sobre estudos psicológicos. Em busca de uma
maior compreensão do pensamento humano, pesquisaram a respeito da constituição
da moralidade nas mentes jovens, evidenciando maneiras de como se forma a
consciência moral.
Yves de La Taille insigne estudioso do desenvolvimento moral ao prefaciar a
obra de Josep Maria Puig (1998), a construção da personalidade moral contextualiza
o que é aduzido pelo autor, dizendo que durante o Século Vinte, três teorias
indicaram os caminhos para as pesquisas sobre moralidade: Freud e sua teoria
psicanalítica, Skinner e sua teoria behaviorista e Piaget com o construtivismo.
Seguindo a discussão proposta por La Taille (1988, p.09) vemos que:
Para Freud, a instância psíquica responsável pelo sentimento de
dever é o superego, que se forma durante as peripécias do complexo
de Édipo (por volta dos cinco anos de idade). Para ele, a criança
seria, por natureza, essencialmente anti-social porque está inclinada
a sempre saciar seus desejos. Sua educação, e decorrente entrada
no mundo da cultura, exige que ela renuncie a certos desejos (por
exemplo, o desejo incestuoso). A moral é portanto, vista como
repressora, indo de encontro às tendências “naturais” dos
indivíduos.[...]
Para Skinner o comportamento moral explica-se pela eficácia dos
reforçadores sociais. A sociedade recompensa o que ela considera
bom e castiga o que considera ruim, e este jogo de
condicionamentos explica a presença ou a ausência de
comportamentos morais.[...]
Para Piaget, pelo contrário, a criança participa ativamente de seu
desenvolvimento moral, pois é nas suas interações com a sociedade
que ela constrói valores e regras.
Nesse trabalho debruçaremos sobre a teoria construtivista de Piaget que
buscou compreender as fases do desenvolvimento psíquico, para melhor entender a
assimilação dos conteúdos morais. Em decorrência da escolha por Piaget,
discutiremos a respeito das idéias de Lawrence Kohlberg: psicólogo que partindo
dos mesmos preceitos que Jean Piaget melhor desenvolveu a noção de
desenvolvimento moral. Pois:
É com o construtivismo de Jean Piaget (1896-1980) e com o enfoque
cognitivo-evolutivo de Kohlberg que aparece o papel do sujeito
humano como agente do processo moral, como veremos a seguir.
Focalizam esses autores não tanto o sentimento de culpa do real
comportamento moral, mas o julgamento moral, o conhecimento do
certo e do errado, o que a pessoa acha ou julga como certo ou
errado (BIAGGIO 2006, p.21).
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Vemos claramente que Piaget e Kohlberg são teóricos marcantes para a
compreensão do desenvolvimento moral e, por conseguinte, para compreensão da
moral e o reconhecimento da ética como fundamento ao trabalho educativo.
2.1. Jean Piaget: Moral Heterônoma e Moral Autônoma
Piaget
foi
estudioso
do
desenvolvimento
cognitivo
e
dedicou-se
a
compreender o pensamento lógico e o processo de aquisição do conhecimento,
vejamos o que diz Biaggio (2006, p.21):
Piaget dedicou a obra de praticamente uma vida inteira às
investigações sobre como se processa o desenvolvimento cognitivo,
como evoluem o pensamento e o conhecimento. Numa perspectiva
construtivista, fala da interação entre estruturas cognitivas,
biologicamente determinadas, e da estimulação ambiental. A parte
mais conhecida de seu trabalho consiste na identificação de estágios
universais pelos quais evolui o pensamento, numa seqüência
invariante [...]
Esses estágios são o sensório-motor, o pré-operacional, o de
operações concretas e o de operações formais.
Vemos neste trecho um esboço geral do cerne da teoria de Piaget na obra de
Díaz-Aguado e Medrano (1999), a construção moral e educação: Uma aproximação
construtivista para trabalhar os conteúdos transversais confirmou o que aqui foi
citado.
Díaz-Aguado e Medrano (1999), nos esclarecem que Piaget relacionou seus
estudos sobre desenvolvimento lógico e consciência moral, logo, para se
compreender esta há que se estabelecer os pontos comuns com aquele e verificar
quais suas relações. Utilizando-se do método clínico e da teoria do jogo, Piaget
determina a existência de dois tipos de moral: a moral heterônoma e a moral
autônoma. E assim como no desenvolvimento cognitivo estabelece estágios de
desenvolvimento moral, que levam da heteronomia a autonomia.
Creio que primeiramente necessitamos compreender a distinção de
heteronomia e autonomia para Piaget:
a moral heterônoma, baseada na obediência, e a moral autônoma,
baseada na igualdade; postulando que as relações
com os
companheiros são uma condição necessária para a autonomia. A
relação com o adulto é fonte, pelo contrario, de respeito unilateral e
heteronomia. Desse modo, neste tipo de relação, a criança ocupa
sempre o mesmo papel, o de quem deve obedecer; papel que
dificilmente pode intercambiar com o adulto. O descobrimento da
justiça entre iguais permite à criança adquirir consciência da
imperfeição da justiça do adulto, e o igualitário substitui os conceitos
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de autoridade, obediência e expiação. Piaget identificou assim um
importante conflito que desequilibra o conceito infantil da justiça,
baseado em relações unilaterais de obediência e castigo, que são
substituídas por relações recíprocas (DÍAZ-AGUADO; MEDRANO
1999, p. 20).
Estamos diante de uma contribuição significativa de Jean Piaget. A
heteronomia é necessária nos primeiros anos de vida, o adulto unilateralmente
impõe regras e normas que são obedecidas pelas crianças, tal obediência deve-se
ao fato de que o descumprimento das regras adultas gera castigos e penas aos
infratores. Nesta fase a criança não compreende as regras ou a razão de sua
existência, a aceitação de normas se dá apenas por receio as conseqüências. Este
pensamento é sem dúvida designado aos primeiros estágios do desenvolvimento
lógico e, portanto, também dos primeiros estágios de consciência moral, ao passo
que o pensamento lógico e a consciência moral se desenvolvem quando as crianças
adquirem estruturas cognitivas que interagem com o meio e que proporcionam uma
reavaliação de suas posições. O infante começa a entender que as regras são
necessárias para estabelecer patamares de igualdade e reciprocidade e não apenas
para salvaguardar-se de expiações. Neste ponto é que Piaget propõe a moral
autônoma, pois não é necessário mais que haja coerção externa, internamente o
sujeito é capaz de proceder a um julgamento moral baseado em relações recíprocas.
Vemos ainda, que este processo não ocorre magicamente de forma harmoniosa,
assim como em toda teoria de Piaget este desenvolvimento ocorre em processo
equilíbrio »desequilíbrio » equilíbrio.
Como
dissemos
anteriormente
Piaget
estabelece
estágios
para
o
desenvolvimento cognitivo, pelos quais todos os seres humanos passariam de
acordo com determinações etárias próprias a cada nível. Também para a prática de
regras estabelece estágios de desenvolvimento, para tanto Piaget utiliza o jogo para
estabelecer relações entre a consciência e prática. Vejamos o que é dito a respeito
destes estágios:
Com respeito à prática das regras, Piaget distingue quatro estágios
sucessivos: 1) o estagio motor e individual (crianças abaixo de dois
anos de idade), em que a pratica do jogo se caracteriza pela
inexistência de regras e por uma atividade puramente manipulativa e
individual; 2) o estágio egocêntrico (inicia-se nas crianças entre dois
e cinco anos), no qual as crianças, ainda que brinquem juntas, não
compartilham nem têm a atitude de compartilhar as regras de jogo –
limitam-se a imitar os adultos, fazendo uso individual dos exemplos
recebidos; 3) o estágio de cooperação nascente (aparece entre sete
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ou oito anos), em que crianças tentam dominar seus companheiros
de jogo mostrando-se preocupados pelo controle mútuo e iniciandose no uso titubeante de regras coletivas; 4) o estagio de codificação
das regras (inicia-se entre os onze ou doze anos), no qual se
manifestam plenamente as atitudes para codificar e discutir as regras
que se aplicam ao jogo. Neste estágio as partidas de bola de gude
se acham regulamentadas minuciosamente, e o código é respeitado
sem vacilação pelos participantes (PUIG 1998, p.51).
Já podemos compreender que Piaget é um marco na compreensão de
desenvolvimento moral, pois estabeleceu uma explicação que relacionasse
desenvolvimento
lógico
e
consciência
moral
determinando
estágios
de
desenvolvimento, para ambos, demonstrando que a moral que a princípio é externa
devido a ausência de estruturas cognitivas para sua compreensão, passa por um
processo evolutivo estágio a estágio a uma assimilação interna que busca atuar
autonomamente para decidir o que é mais justo, baseada num parâmetro de
reciprocidade e igualdade.
Queremos fazer aqui uma importante ressalva feita por Yves de La Taille, que
achamos de grande importância para a compreensão de educação moral.
Piaget não acredita que os comportamentos morais sejam redutíveis
a simples hábitos. Suas pesquisas o convenceram de que os valores
e as regras passam pela consciência e de que é justamente a
qualidade da assimilação racional destes que determina morais
diferentes: a moral é heterônoma quando as regras são meramente
legitimadas em função do prestígio de quem as impõe e entendidas
ao pé da letra, e a moral é autônoma quando as regras são
claramente compreendidas no seu espírito e legitimadas em razão
de contratos feitos entre pessoas que se concebem como livres e
iguais. Do ponto de vista educacional, em vez de propor uma
pedagogia moral que privilegie a influência do adulto sobre a criança
(assimetria que gera, justamente a heteronomia), Piaget aconselha
promover relações de cooperação entre as crianças, relações que
promovem a descentralização (e, em decorrência, maior apropriação
racional) por serem baseadas no diálogo e no acordo (LA TAILLE,
1998, p.10).
No trecho acima vemos que uma educação moral baseada nas idéias de
Piaget visa superar a imposição heterônoma através de uma construção que se
baseie no diálogo coletivo.
Após compreender alguns aspectos importantes da teoria de Jean Piaget,
passaremos a discutir as idéias daquele que de certa forma aprofundou seu
pensamento: Lawrence Kohlberg.
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2.2. Lawrence Kohlberg: Juízo moral Pré-convencional, Convencional e Pósconvencional
É interessante que iniciemos a seção deste trabalho destinada as idéias de
Kohlberg tomando conhecimento da diferenciação feita por Puig (1998), a respeito
das idéias de Piaget e as do teórico em questão, embora admita que os dois tenham
como ponto de partida para seus trabalhos a existência de diferentes etapas de
desenvolvimento moral que são universais e regulares com base formal cognitiva.
Vejamos o que é dito:
Ainda que se sua contribuição possa ser entendida como
continuação das principais idéias assinaladas por Piaget, há
discrepâncias entre os dois autores em relação a vários aspectos.
Em primeiro lugar Kohlberg utiliza o conceito de “estágio” para definir
o processo de amadurecimento moral, enquanto Piaget se limita a
considerar etapas, pois o conceito de estágio, tal como ele o
entende, não se aplica ao âmbito da moral. Em segundo lugar,
Piaget assinala duas etapas de desenvolvimento moral: a
heteronômica e a autônoma, e considera que esta última pode ser
atingida até os doze anos. Kohlberg, contudo, estabelece seis
estágios no desenvolvimento do juízo moral e considera que o sexto
estágio se completa, na melhor das hipóteses, ao redor dos vinte
anos. Por último ambos os autores divergem na relação existente
entre juízo e ação moral. Enquanto para Piaget a ação precede o
juízo moral, sendo que este é uma tomada de consciência retardada
em relação à ação moral, Kohlberg considera que o juízo é anterior à
ação e dá sentido a ela. Apesar destas diferenças, podemos afirmar
que o enfoque , a metodologia e os objetivos gerais desses autores
coincidem (PUIG, 1998, p.54).
Assim, podemos concluir que Piaget foi inaugurador dos estudos cognitivos
relacionados à moral. No entanto, e salvo as divergências entre os dois teóricos, foi
Kohlberg que levou adiante a fundamentação do que chamamos de enfoque
cognitivo-evolutivo. Nesta perspectiva postula-se que o desenvolvimento produz
mudanças que reestruturam o significado que é dado ao mundo, ou seja, o indivíduo
passa a olhar o seu contexto de forma diferente, sendo que esta nova perspectiva é
superior às anteriores. Em suma, os estágios finais do desenvolvimento são
preferíveis aos iniciais, pois dão ao sujeito maior capacidade de julgar racionalmente
o mundo ao seu redor.
Ao lermos Puig (1998), Díaz-Aguado & Medrano (1999) e Biaggio (2006),
constatamos que Kohlberg propõe três níveis para o desenvolvimento moral que
são: nível pré-convencional, nível convencional e nível pós-convencional.
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No primeiro nível designado pré-convencional as regras são externas ao
sujeito, ele as respeita devido ao receio da retaliação e dos castigos. O nível
seguinte chamado de convencional contempla uma fase do desenvolvimento em que
os indivíduos se preocupam com o coletivo, portanto, as regras são respeitadas para
a manutenção da ordem social, tem-se um respeito muito grande à lei, que jamais
deve ser infringida. No terceiro e último nível que recebe o nome de pósconvencional, existe uma orientação para a construção de princípios morais
autônomos. O individuo que se encontra neste nível reconhece a existência de
direitos universais e julga seus dilemas morais de uma perspectiva que vai além da
organização social ou da obediência cega à lei.
Um fator interessante é que Kohlberg subdivide os três níveis do
desenvolvimento em estágios. O nível pré-convencional compreende os estágios um
e dois, o nível convencional os estágios três e quatro e o nível pós-convencional os
estágios cinco e seis.
Díaz-Aguado & Medrano (1999) dizem que há três estágios de raciocínio, a
saber:
No nível pré-convencional:
O estagio um (moralidade heterônoma) caracteriza-se por sua total
unilateralidade. [...] Identifica o bem com a obediência do fraco ao
forte e com o castigo do forte ao fraco. [...] O indivíduo do estágio um
é incapaz de diferenciar perspectivas nos dilemas morais.[...]
O sujeito do estágio dois (moralidade do intercâmbio) compreende
que cada pessoa tem seus próprios interesses e que esses podem
estar em conjunto com os demais. A descoberta de que cada um tem
seus próprios interesses o leva a superar o absolutismo e ingênuo
realismo do estágio anterior, fazendo-o adotar uma perspectiva moral
hedonista e relativista, segundo a qual a forma melhor de resolver os
conflitos é através de intercâmbios instrumentais diretos e concretos,
tratando os interesses de cada indivíduo de forma estritamente igual
(DÍAZ-AGUADO;MEDRANO, 1999, p.30).
Nível convencional:
No estágio terceiro (moralidade da normativa interpessoal) as
perspectivas individuais em conflito reconhecidas no estágio anterior
se coordenam a um nível mais complexo, adotando a perspectiva de
uma terceira pessoa. Isso permite superar o individualismo
instrumental e construir um conjunto de normas compartilhadas que
se espera todos cumpram. Essas normas ou expectativas morais são
a base para estabelecer relações de confiança mútua que
transcendem os interesses e situações particulares (a diferença do
estagio dois).[...]
O indivíduo do estágio quatro (moralidade do sistema social) adota
a perspectiva de um membro da sociedade baseada em uma
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concepção do sistema social como um conjunto consistente de
códigos e procedimentos que se aplicam imparcialmente a todos os
seus membros, sistematizando assim as normas compartilhadas que
no estágio três eram informais (DÍAZ-AGUADO;MEDRANO, 1999,
p.30-31).
E por fim no nível pós-convencional:
A perspectiva no estágio cinco (moralidade dos direitos humanos)
vai além da sociedade; é a de um agente moral racional que conhece
valores e direitos universalizáveis que qualquer indivíduo racional
poderia eleger para construir uma sociedade moral. Julga a validade
das leis e sistemas sociais segundo o grau com que garantem esses
direitos humanos universais. Orienta-se mais para a criação de uma
sociedade ideal, definindo seus critérios, do que para a manutenção
do sistema social. [...]
O estagio sexto (que Kohlberg postulou como hipótese, mas sobre o
qual não encontrou evidência empírica) caracteriza por adotar uma
perspectiva sócio-moral que idealmente todos os seres humanos
deveriam adotar para com os outros como pessoas livres, iguais e
autônomas (DÍAZ-AGUADO;MEDRANO, 1999, p.31-32).
Vemos que para Kohlberg o desenvolvimento moral evolui de um estágio
inicial baseado na lei do mais forte até um estágio autônomo em que o sujeito
reconhece valores e direitos universais e, por isso, pode pautar-se em uma conduta
que seria ideal e moralmente desejável, buscando uma sociedade moralmente
correta, mesmo que para isso seja necessário superar a organização social vigente.
O interessante da teoria de Kohlberg é que os indivíduos dos estágios
superiores são capazes de julgar além das regras socialmente prescritas, pois estas
podem não ser justas e consequentemente ferir alguns direitos inalienáveis como a
dignidade e a vida humana, por exemplo. Assim, o individuo que atinja o nível pósconvencional alcançaria a capacidade de julgar racionalmente os conflitos morais
sem estar apegado às estruturas de poder ou coerção social. Este seria o tipo de
julgamento moral que todos os indivíduos deveriam alcançar.
Tendo esta visão, embora incompleta, da teoria de Kohlberg, consideramos
suficiente para os objetivos deste trabalho, iniciaremos a etapa conclusiva, buscando
evidenciar qual a relação que enxergamos entre a ética kantiana e o
desenvolvimento moral (aqui ilustrado pelas teorias de Piaget e Kolberg),
vislumbrando o que consistiria a fundamentação ética do trabalho educativo.
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CONCLUSÃO
No início desse trabalho propomos que o objetivo era evidenciar a ética como
importante fundamento para o trabalho educativo. Tendo entendido os conceitos de
ética e moral, passamos rapidamente pela ética aristotélica que forneceu
importantes bases para o desenvolvimento dos estudos morais e da filosofia em
geral. No entanto, foi na ética kantiana que buscamos apoio para este trabalho.
Kant é precursor da ética do dever, ele defende a idéia de que todos os
indivíduos que agem com critério ético, agem conforme o dever. O dever é
constituído por imperativos categóricos que constituem ações perfeitamente
universalizáveis, pois não tem nenhuma finalidade imediata, mas são necessárias
por si próprias e, portanto, obedecem ao preceito central na teoria kantiana, que diz
que devemos agir de forma que todos possam proceder da mesma forma.
Acredito que para nós educadores esta é uma perspectiva bastante plausível.
Bom seria que todos nós educadores conseguíssemos dar aos nossos alunos
condições teóricas e empíricas de agir segundo a ética kantiana, em que todos são
respeitados em seus direitos primordiais, pois aquele que age de acordo com a
máxima da ética do dever, jamais tomaria uma atitude que ferisse de forma torpe os
direitos inalienáveis da pessoa humana.
Além dessa constatação benéfica da ética kantiana, podemos apresentar um
outro ponto que facilita a utilização pedagógica desta perspectiva: a facilidade de
compreensão da máxima kantiana. Quando dizemos aos nossos alunos que não
podem praticar atitudes que eles não gostariam que os outros praticassem
compreendem rapidamente mesmo que de forma inconsciente o fundamento ético
de Kant. Ninguém gostaria de ter sua dignidade ou sua vida ferida por uma atitude
alheia, dessa forma fica fácil demonstrar de uma maneira sutil o que é ser ético, pois
agir de forma ética é proceder de forma que não degrademos em outros aquilo que
em nós não gostaríamos de ver degrado.
Não queremos dizer aqui que basta dizer aos nossos educandos: não faça ao
outro o que não queres que façam a ti, e de repente em um passe de mágica todos
serão éticos e moralmente corretos. Embora seja a máxima kantiana de fácil
compreensão, para que as mentes jovens, que por nossas mãos passam, adquiram
uma conduta verdadeiramente ética é preciso que haja um trabalho consistente por
parte dos profissionais da educação, objetivando propiciar a aquisição de um
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aparato racional que dê condições a todos de operar de forma racional e autônoma
na detecção e no julgamento do que é realmente moral, de quais são os direitos
inalienáveis do ser humano e principalmente quais são as atitudes e valores que
podem ser universalizados a todos sem restrição.
Para que um educador compreenda toda a complexidade de uma educação
moral é preciso compreender como ocorre nos indivíduos o desenvolvimento do
raciocínio moral e é
por isso que discorremos aqui sobre a teoria de Piaget e
Kohlberg, porque somente compreendendo os níveis e estágios de desenvolvimento
moral o educador poderá entender que:
“[...] o propósito da educação, mais que transmitir informação moral, consiste em
estimular os educandos a atingir os estágios seguintes do desenvolvimento moral.”
(PUIG 1998, p.61)
Não basta que digamos aos alunos isto é certo, aquilo é errado, isto pode,
aquilo não pode, ao contrário devemos conduzi-los ao julgamento moral para que
eles sejam capazes de determinar o que é certo ou errado, o que podem ou não
realizar. O educador que compreende e detecta o nível de desenvolvimento moral
que seu aluno possui, pode atuar de forma contundente por meio do diálogo, de
situações hipotéticas, dos conteúdos disciplinares ou de qualquer ferramenta
pedagógica que possua para intervir de forma a elevar seu aluno a estágios
superiores de desenvolvimento.
Portanto, defendemos aqui que é preciso que o educador busque não só se
aprofundar nos conhecimentos científicos de sua disciplina específica ou nos
ensinamentos da pedagogia, mas que junte a estes conhecimentos os preceitos
filosóficos, para que compreenda o que é a ética, podendo assim desenvolver um
trabalho educativo nela fundamentado.
Acredito ainda que ao realizar um trabalho de educação moral que eleve o
desenvolvimento e julgamento moral dos educandos, o educador estará contribuindo
também para o desenvolvimento do gênero humano.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Bauru: Edipro, 2002.
BIAGGIO, A. Lawrence Kohlberg: ética e educação moral. 2. ed. São Paulo:
Moderna, 2006.
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BORGES, M. de L. et al. Ética: tudo que você precisa saber sobre. Rio de Janeiro:
DP&A, 2003.
DÍAZ-AGUADO, M. J.; MEDRANO, C. Construção moral e deducação: uma
aproximação construtivista para trabalhar os conteúdos transversais. Bauru: EDUSC,
1999.
LA-TAILLE, Y. de. Prefácio à edição brasileira. In: PUIG, Josep Maria. A
construção da personalidade moral. São Paulo: Ática, 1998.
LA-TAILLE, Y. de. Desenvolvimento moral: princípios, sentimentos, valores. São
Paulo: ATTA/Mídia e Educação, s/d.
KANT, l. Fundamentação da metafísica dos costumes. Lisboa: Edições 70. 1988.
PUIG, J. M. A construção da personalidade moral. São Paulo: Ática, 1998.
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Ética como Fundamento Filosófico do Trabalho Educativo