Direito Civil Constitucional Brasília – DF. Elaboração Georges Carlos Frederico M. Seigneur Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Todos os direitos reservados. W Educacional Editora e Cursos Ltda. Av. L2 Sul Quadra 603 Conjunto C CEP 70200-630 Brasília-DF Tel.: (61) 3218-8314 – Fax: (61) 3218-8320 www.ceteb.com.br [email protected] | [email protected] SUMÁRIO APRESENTAÇÃO...................................................................................................................................... 4 ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA.................................................................................. 5 Introdução.......................................................................................................................................... 7 Unidade úNICA O Direito Civil na Constituição Federal.................................................................................................. 9 capítulo 1 Aspectos propedêuticos do direito civil constitucional......................................................... 11 Capítulo 2 A questão dos direitos fundamentais nas relações privadas................................................... 13 Capítulo 3 Os institutos tradicionais do direito privado à luz da constituição: propriedade, posse, empresa e contrato................................................................................ 27 Capítulo 4 Análise da relativização do conceito de direito subjetivo: o abuso de direito.......................... 37 Capítulo 5 A vedação ao enriquecimento sem causa como princípio.......................................................... 43 Capítulo 6 Aspectos constitucionais da responsabilidade civil................................................................ 47 Capítulo 7 Os modelos constitucionais de família e seu impacto no direito sucessório............................ 53 PARA (NÃO) FINALIZAR.......................................................................................................................... 61 Referências....................................................................................................................................... 62 3 APRESENTAÇÃO Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial 4 ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Pensamentos inseridos no Caderno, para provocar a reflexão sobre a prática da disciplina. Para refletir Questões inseridas para estimulá-lo a pensar a respeito do assunto proposto. Registre sua visão sem se preocupar com o conteúdo do texto. O importante é verificar seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. É fundamental que você reflita sobre as questões propostas. Elas são o ponto de partida de nosso trabalho. Textos para leitura complementar Novos textos, trechos de textos referenciais, conceitos de dicionários, exemplos e sugestões, para lhe apresentar novas visões sobre o tema abordado no texto básico. Sintetizando e enriquecendo nossas informações abc Espaço para você, aluno, fazer uma síntese dos textos e enriquecê-los com sua contribuição pessoal. 5 Sugestão de leituras, filmes, sites e pesquisas Aprofundamento das discussões. Praticando Atividades sugeridas, no decorrer das leituras, com o objetivo pedagógico de fortalecer o processo de aprendizagem. Para (não) finalizar Texto, ao final do Caderno, com a intenção de instigá-lo a prosseguir com a reflexão. Referências Bibliografia consultada na elaboração do Caderno. 6 Introdução A Constituição Federal de 1988, orientada pelo respeito à dignidade humana e compromissada com a construção de uma sociedade igualitária, justa e fraterna, determinou uma repersonalização e publicização do Direito Privado, o que desencadeou o surgimento de um Direito Civil renovado. Com efeito, como norma jurídica hierarquicamente superior a todas as demais, a Lei Maior estabeleceu regras e princípios em relação aos mais importantes institutos do Direito Civil, por isso que tal ramo deixou de encontrar suas fontes formais apenas no Código Civil e na legislação ordinária. Destarte, temas tradicionais do Direito Privado, como a família, a empresa e a propriedade, foram axiologicamente reconstruídos para se apresentarem como instituições com valores constitucionalmente delimitados, na busca de realização dos direitos fundamentais e concretização de um Estado Social de Direito. De fato, cada vez mais o Estado intervém em áreas que antes interessavam apenas ao âmbito privado. Há uma tendência de que o Estado direcione as condutas das pessoas e, assim, a liberdade individual está cada vez menor e até mesmo princípios como a autonomia da vontade nos negócios jurídicos têm sido mitigados. No mesmo sentido, o próprio Código Civil de 1916, cuja concepção constituiu historicamente fruto das doutrinas individualistas liberais do século XIX – e que por isso mesmo preservava, de forma indisputável, a propriedade, o patrimônio, a família e a autonomia da vontade, colocando-as a salvo das ingerências do Poder Público – foi substituído pelo Código Civil de 2002 que, sobre ter sido concebido antes da ordem constitucional vigente, mostra-se, sem sombra de dúvida, mais com ela afinado. Realmente, o Código Civil em vigor abandonou sob certo prisma a postura liberal herdada e colocou o valor existencial acima da propriedade, isto é, o patrimônio passou a estar num plano secundário e a dignidade da pessoa humana é que passou a ocupar o primeiro plano. Pelo pouco que se disse já fica evidente que não se pode entender o Direito Privado atual sem o necessário suporte do Direito Constitucional. A constitucionalização do Direito Privado é um fenômeno inquestionável, cujas matérias até então relegadas à legislação civil e comercial ordinária ganharam sede constitucional, notadamente no que respeita à fixação dos seus parâmetros interpretativos, à luz de valores e princípios aclamados como garantias e direitos fundamentais dos cidadãos e da sociedade como um todo, como é o caso do princípio da dignidade da pessoa humana, da solidariedade social, da igualdade social, da função social da propriedade, da boa-fé e confiança etc. Assim, hoje não mais se discute se há influência da Constituição no Direito Civil, mas sim a amplitude e o modo como ela se dá essa incidência, o que constitui a finalidade da presente disciplina, ora iniciada. Nela teremos a oportunidade de abordar, detalhadamente, todos esses temas, iniciando pelos aspectos propedêuticos do Direito Civil Constitucional, com o debate acerca da irradiação dos direitos fundamentais nas relações privadas, como o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem 7 e outros mais. Por último, faremos uma análise dos institutos tradicionais do Direito Privado à luz da Constituição, notadamente no que diz respeito a propriedade, empresa e família. Bons estudos! Objetivos »» Aperfeiçoar profissionais do Direito quanto aos delineamentos dos mais importantes institutos de Direito Privado, que mereceram tratamento específico no âmbito da Constituição Federal. »» Abordar a Teoria Geral do Direito Privado em nível constitucional. »» Identificar temas controversos no âmbito do Direito Civil Constitucional. »» Fomentar o conhecimento do aluno em relação ao Direito Privado, em sede de doutrina e jurisprudência, capacitando-o a um raciocínio crítico e sedimentado no âmbito de tal ramo jurídico. »» Permitir ao aluno a identificação dos mais importantes temas do Direito Privado, bem como o comentário seguro acerca de suas respectivas disciplinas no texto da Constituição Federal, enumerando suas características essenciais e suas devidas peculiaridades. 8 Unidade O Direito Civil na Constituição Federal úNICA capítulo 1 Aspectos propedêuticos do Direito Civil Constitucional O Direito Civil não pode mais ser visto por uma ótica meramente privatística. A Constituição Federal de 1988 é uma grande prova disso, haja vista a submissão de toda a legislação infraconstitucional ao disposto na Constituição Federal, que desde o clássico julgamento Marbury versus Madison, em 1803, pela Suprema Corte americana1, estabeleceram a primazia da Constituição sobre todas as outras leis comuns. A compatibilização do Direito Civil à Constituição não se dá apenas no plano da legalidade, ainda mais que a própria Carta Magna, em diversos pontos, trata expressamente de assuntos antes exclusivos do Direito Civil. Garantias constitucionais são criadas, os conceitos dos institutos são alterados, assim como a responsabilidade civil e a intervenção do Estado no direito de família, sempre conhecido como o mais público dos direitos civis. O Código Civil de 1916 era fruto de uma doutrina individualista e voluntarista, consagrada pelo Código de Napoleão.2 Todavia, mais de setenta anos se passaram até a promulgação da Constituição de 1988 e o país era outro. O liberalismo anterior à primeira guerra não permitia a intervenção do Direito Público no Direito Privado, sendo esta uma grande conquista da época. A primeira evolução foi nos direitos fundamentais, que passaram a ter um conteúdo mais social. É comum a expressão de que cada geração dos direitos fundamentais representa um dos ideais da Revolução francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. De um Código Civil para outro, a igualdade e a fraternidade ainda não existiam como geração de direitos, demonstrando o hiato entre essas leis. É bem verdade que a Constituição de 1946 já representava o início de uma tendência de intervenção do Direito Público nas relações privadas, mas a grande evolução está na Constituição de 1988, como visto acima e explorado em todo o texto, boa parte em face do caráter social da Carta. Para melhores informações: http://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_Marbury_contra_Madison e texto original do julgamento: http://www.law. cornell.edu/supct/html/historics/USSC_CR_0005_0137_ZS.html (em inglês). TEPEDINO, Gustavo! Temas de direito civil. 3. ed. atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 2. 1 2 11 UNIDADE única | O direito civil na constituição federal A mudança não vem apenas na lei, mas no espírito dela. O legislador passa a se valer de cláusulas gerais, abdicando da técnica regulamentar que, na égide da codificação, define os tipos jurídicos e os efeitos deles decorrentes, cabendo ao intérprete depreender das cláusulas gerais os comandos incidentes sobre inúmeras situações futuras, algumas sequer previstas em lei.3 Gustavo Tepedino aponta que, além dessa característica acima, temos outras quatro bem claramente presentes4: 1. A norma passa a ter uma linguagem menos jurídica e mais setorial, atendendo aos interesses dos outros ramos da ciência, como a economia, a informática, entre outros. 2. A lei passa a incentivar mais do que reprimir, tendo, nas palavras de Norberto Bobbio, “uma função promocional”. 3. O legislador não se limita à disciplina das relações patrimoniais, na esteira do Direito Constitucional, impondo inúmeros deveres extrapatrimoniais nas relações privadas, visando à realização da personalidade e à tutela da dignidade humana. 4. A norma tem um caráter contratual, em que associações, sindicatos e grupos interessados participam do processo de criação das leis civis. Com a Constituição, diversas foram as leis editadas para se ampliar o caráter social do Direito Civil, como a Lei de locações (no 8.245/1991), o Código de Defesa do Consumidor (no 8.078/1990) até a edição em 2002 do Código Civil, demonstrando-se a necessidade de atualizar e aproximar o Direito Civil do Constitucional. Não se deve falar em agigantamento do Direito Público em detrimento do Direito Civil, mas apenas de se utilizar de conceito racional de interpretação civil-constitucional, atualizando institutos completamente defasados em face da nossa realidade, compatíveis com as demandas sociais e econômicas da sociedade atual.5 Não se pretende com o Direito Civil Constitucional um retrocesso na liberdade adquirida, mas um aprimoramento das relações privatísticas, favorecendo a coletividade contra o abuso individual. TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3. ed. atualizada, Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 9. Idem, ibidem. TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3. ed. atualizada, Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 21. 3 4 5 12 Capítulo 2 A questão dos direitos fundamentais nas relações privadas Historicamente, sempre foi de extrema relevância a separação entre o Direito Privado e o Direito Público. A ideia de propriedade no direito romano chegava a ser absoluta, incluindo aí o domínio do pater familiae tanto aos objetos quanto às pessoas sujeitas de seu corpo familiar. Em uma visão mais clara, o destinatário das normas constitucionais, restritas às matérias atinentes à estruturação do Estado, seria o legislador ordinário, a quem incumbiria disciplinar as relações privadas, por meio do Código Civil.6 Esta visão de direito começa a ser alterada no início do século XX na Europa, e após os anos 1930 no Brasil, com uma maior intervenção do Estado na economia e a restrição à autonomia privada, que se associa ao fenômeno do dirigismo contratual.7 Tal raciocínio também poderia ser incorporado à questão dos direitos fundamentais. Segundo Carl Schmitt, os direitos fundamentais são vistos, inicialmente, como direitos do homem livre e isolado em face do Estado.8 Tal concepção, apoiada na visão liberal predominante dos séculos XVIII e XIX, também sofre com a intervenção estatal acima mencionada, cujo principal marco foi a Constituição de Weimar de 1919. No Brasil, a primeira Constituição a tratar de direitos sociais, também conhecidos como de segunda geração, foi a de 1934. Entretanto, a Constituição que mais trouxe avanços na questão dos direitos fundamentais e suas relações privadas é a de 1988. Para se ter uma noção de como as relações privadas tiveram uma forte influência na questão relativa aos direitos fundamentais, apenas para se ater no art. 5o, o constituinte tratou da matéria nos seguintes incisos: V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado; TEPEDINO, Gustavo. Problemas de Direito Civil-Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000 p. 2. TEPEDINO, op. cit., p. 3. Apud BONAVIDES, Paulo. Direito Constitucional. 13. ed., São Paulo: Malheiros, p. 561. 6 7 8 13 UNIDADE única | O direito civil na constituição federal XXIII – a propriedade atenderá a sua função social; XXVI – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento; XXXI – a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus; XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; O rol acima mencionado não inclui os direitos e as garantias originários da liberdade individual ou relativos aos direitos do cidadão contra o Estado, nem os chamados direitos sociais, cuja intervenção passou a determinar a tendência de intersecção entre direito público e privado, mais especificamente no direito do trabalho, hoje entendido como uma terceira via entre a dicotomia acima apontada. Nesses incisos, percebe-se que o constituinte passa a se preocupar com determinadas consequências advindas exclusivamente das relações privadas. Direito de resposta A Carta Magna em seu art. 5o, V, previu um remédio contra o abuso praticado por particulares, garantindo o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem. Na verdade, o constituinte evoluiu do pensamento existente na Constituição anterior, que, no § 8o do art. 153, garantia apenas o direito de resposta.9 A imprensa acabou tornando-se o maior destinatário da regra prevista no inciso mencionado. A Lei de Imprensa no 5.250/1967 teve dois artigos não recepcionados pela Constituição, conforme decisões do Supremo Tribunal Federal. Tanto o art. 5210, que tratava da limitação da indenização, como o 5611, que versava sobre o curto prazo decadencial para ajuizamento da ação, não foram recebidos pela Constituição sob o argumento de que o dano moral, inovação constitucional, é incompatível com qualquer limite tarifado, conforme disposto na lei de imprensa, interpretando-se, ainda, que o disposto no inciso V, não § 8o É livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica, bem como a prestação de informação independentemente de censura, salvo quanto a diversões e espetáculos públicos, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros, jornais e periódicos não depende de licença da autoridade. Não serão, porém, toleradas a propaganda de guerra, de subversão a ordem ou preconceitos de religião, de raça ou de classe, e as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes. 9 “Indenização. Responsabilidade civil. Lei de Imprensa. Dano moral. Publicação de notícia inverídica, ofensiva à honra e à boa fama da vítima. Ato ilícito absoluto. Responsabilidade civil da empresa jornalística. Limitação da verba devida, nos termos do art. 52 da Lei no 5.250/1967. Inadmissibilidade. Norma não recebida pelo ordenamento jurídico vigente. Interpretação do art. 5o, IV, V, IX, X, XIII e XIV, e art. 220, caput e § 1o, da CF de 1988. Recurso extraordinário improvido. Toda limitação, prévia e abstrata, ao valor de indenização por dano moral, objeto de juízo de equidade, é incompatível com o alcance da indenizabilidade irrestrita assegurada pela atual Constituição da República. Por isso, já não vige o disposto no art. 52 da Lei de Imprensa, o qual não foi recebido pelo ordenamento jurídico vigente.” (RE 447.584, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 28/11/2006, DJ de 16/3/2007). 10 11 14 Dano moral: ofensa praticada pela imprensa. Decadência: Lei no 5.250, de 9/2/1967 — Lei de Imprensa — art. 56: não recepção pela CF/1988, art. 5o, V e X. O art. 56 da Lei no 5.250/1967 — Lei de Imprensa — não foi recebido pela Constituição de 1988, art. 5o, incisos V e X.” (RE 420.784, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 25/6/2004). No mesmo sentido: RE 348.827, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 1/6/2004, DJ de 6/8/2004. O direito civil na constituição federal | UNIDADE única pode se sujeitar ao prazo decadencial de três meses, conforme dispôs o Ministro Carlos Velloso em seu voto como relator no leading case sobre a questão.12 No tocante ao direito de resposta, o Supremo Tribunal Federal entendeu que é parte ilegítima no polo passivo o jornalista que escreve a matéria, devendo ser preenchido pela empresa de informação ou divulgação.13 Intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação A Constituição Federal de 1988 inovou ao trazer o texto do inciso X. Nenhuma outra Constituição brasileira versou sobre a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Mais do que mencionar tais temas e elevá-los ao status de direito fundamental, o inciso X reformula a noção de dano moral, assim como o inciso V, transcrito anteriormente. Antes de 1988, o dano moral já possuía previsão infraconstitucional, todavia circunscrito à questão da indenização por algum dano causado conforme regulamentado no art. 53 da Lei de Imprensa.14 Com o dispositivo constitucional, os tribunais passaram a disciplinar o dano moral, haja vista que o Código Civil de 1916 não tratava do assunto, que só teve início no Codex de 2002, em seu art. 186. Voto marcante na conceituação do dano moral foi o do Relator, à época Desembargador do TJRJ, Carlos Alberto Menezes Direito, no julgamento da Apelação Cível no 3.059/1991 que recolhe vários exemplos doutrinários sobre o dano moral: Lição de Aguiar Dias: o dano moral é o efeito não patrimonial da lesão de direito e não a própria lesão abstratamente considerada. Lição de Savatier: dano moral é todo sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária. Lição de Pontes de Miranda: nos danos morais a esfera ética da pessoa é que é ofendida: o dano não patrimonial é o que, só atingindo o devedor como ser humano, não lhe atinge o patrimônio.15 RE 348.827, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 1/6/2004, DJ de 6/8/2004. Inteiro teor do julgamento em: http://www.stf.jus.br/portal/ inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=348827&classe=RE. 12 “(...) O pedido judicial de direito de resposta previsto na lei de impressa deve ter no polo passivo a empresa de informação ou divulgação, a quem compete cumprir a decisão judicial no sentido de satisfazer o referido direito, citado o responsável nos termos do § 3o do art. 32 da Lei no 5.250/1967, sendo parte ilegítima o jornalista ou o radialista envolvido no fato. Falta interesse recursal ao requerido pessoa física, já que, no caso concreto, o Juiz de Direito proferiu decisão condenatória apenas no tocante à empresa de radiodifusão. O não conhecimento da apelação do requerido pessoa física, hoje Deputado Federal, implica a devolução dos autos ao Tribunal de origem para que julgue a apelação da pessoa jurídica que não tem foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal. (...)”. (Pet. 3.645, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 20/2/2008, DJE de 2/5/2008.). 13 Art . 53. No arbitramento da indenização em reparação do dano moral, o juiz terá em conta, notadamente: I – a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a posição social e política do ofendido; II – A intensidade do dolo ou o grau da culpa do responsável, sua situação econômica e sua condenação anterior em ação criminal ou cível fundada em abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação; III – a retratação espontânea e cabal, antes da propositura da ação penal ou cível, a publicação ou transmissão da resposta ou pedido de retificação, nos prazos previstos na lei e independentemente de intervenção judicial, e a extensão da reparação por esse meio obtida pelo ofendido. 14 TJRJ, RDA 185/198, AC 3.059/91, Rel. Des. Carlos Alberto Direito. 15 15 UNIDADE única | O direito civil na constituição federal A questão se apontava com tal novidade no direito brasileiro que o Superior Tribunal de Justiça sumulou a possibilidade de cumulação entre dano moral e dano material decorrentes do mesmo fato.16 José de Aguiar Dias distingue o dano moral do patrimonial, informando que a diferença não decorre da natureza do direito, bem, ou interesse lesado, mas do efeito da lesão, do caráter de sua repercussão sobre o lesado.17 Ressalte-se que o dano material nunca é irreparável, seja restaurando-se a situação anterior, seja pagando-se o equivalente pelo desfalque, enquanto que no dano moral ocorre uma diversidade dos prejuízos que envolvem, e que de comum só tem a característica negativa de não serem patrimoniais, resultando confusão entre uma pena a ser aplicada e a indenização a ser recebida.18 Álvaro Villaça Azevedo arrola, como exemplo de bens materiais, um imóvel, um animal, uma soma em dinheiro, enquanto que determinados bens são imateriais como a honra, a vida e a liberdade.19 Assim, se o dano se dirigir ao bem material, o dano será material; se ao bem imaterial, o dano será moral.20 Uma discussão levantada com o inciso X, do art. 5o, é a de que só caberia dano moral nas hipóteses taxativas da Constituição. A experiência jurisprudencial tem derrubado essa ideia, permitindo a aplicação de indenização por dano moral a situações além das meramente trazidas pelo inciso. Entretanto, as indenizações por dano moral não se transformaram em uma possibilidade irrestrita de aplicação, tendo os tribunais limitado a interpretação de acordo com o caso concreto. O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, entende que o dano moral é o que atinge a esfera legítima da afeição da vítima, agredindo seus valores, que humilha ou causa dor, não se incluindo aí meras situações desagradáveis.21 Tal entendimento também está presente no Superior Tribunal de Justiça22, que não admite a condenação por dano moral quando há um simples incômodo comum, decorrente da vida cotidiana.23 Uma das maiores dificuldades na configuração do dano moral está no quantum debeatur, ou seja, na definição do valor a ser indenizado, haja vista a falta de materialização do dano. Muitas dessas ações acabam sendo resolvidas no Superior Tribunal de Justiça, que tem se manifestado no sentido de que os Tribunais de Segunda Instância são livres para definir o valor da indenização, havendo o cabimento do Recurso Especial ao STJ, apenas na hipótese de o valor do dano ser determinado como ínfimo ou Súmula no 37: SÃO CUMULÁVEIS AS INDENIZAÇÕES POR DANO MATERIAL E DANO MORAL ORIUNDOS DO MESMO FATO. 16 DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 992. 17 Op. Cit., p. 993. 18 Código Civil comentado: negócio jurídico. Atos jurídicos lícitos. Atos ilícitos: artigos 104 a 188, volume II, coordenador Álvaro Villaça Azevedo. São Paulo: Atlas, 2003, p. 357. 19 Idem, ibidem. 20 21 “O dano moral indenizável é o que atinge a esfera legítima de afeição da vítima, que agride seus valores, que humilha, que causa dor. A perda de uma frasqueira contendo objetos pessoais, geralmente objetos de maquiagem da mulher, não obstante desagradável, não produz dano moral indenizável.” (RE 387.014-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 8/6/2004, DJ de 25/6/2004). Dano moral. Extravio de bagagem. Retorno ao local de residência. Precedentes da Terceira Turma. 1. Já decidiu a Corte que não se justifica a “reparação por dano moral apenas porque a passageira, que viajara para a cidade em que reside, teve o incômodo de adquirir roupas e objetos pessoais” (REsp n° 158.535/PB, Relator para o acórdão o Ministro Eduardo Ribeiro, DJ de 9/10/2000; no mesmo sentido: REsp n° 488.087/RJ, da minha relatoria, DJ de 17/11/2003). 2. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 740.073/RJ, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/10/2005, DJ de 6/3/2006, p. 385). 22 RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. BANCO. SAQUE FRAUDULENTO NA CONTA DE CORRENTISTA. DANO MORAL. O saque fraudulento feito em conta bancária pode autorizar a condenação do banco por omissão de vigilância. Todavia, por maior que seja o incômodo causado ao correntista ou poupador, o fato, por si só, não justifica reparação por dano moral. Recurso não conhecido. (REsp 540.681/RJ, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/9/2005, DJ de 10/10/2005, p. 357). 23 16 O direito civil na constituição federal | UNIDADE única excessivo24, impedindo assim que o dano moral seja um motriz para o enriquecimento ilícito daquele que sofreu o dano25, respeitando o disposto no Código Civil, que faz essa previsão em seu art. 944.26 Intimidade e vida privada O constituinte expressamente previu a proteção da intimidade como garantia fundamental, trazendo de forma antecipada na Carta Magna um conceito que não havia, à época, na legislação infraconstitucional. Junto com a intimidade, o constituinte tratou da vida privada. Manoel Gonçalves Ferreira Filho os diferencia afirmando que: Os conceitos constitucionais de intimidade e vida privada apresentam grande interligação, podendo, porém ser diferenciados por meio da menor amplitude do primeiro, que se encontra no âmbito de incidência do segundo. Assim, o conceito de intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa humana, suas relações familiares e de amizade, enquanto o conceito de vida privada envolve todos os relacionamentos da pessoa, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo etc.27 A delimitação do direito à vida privada possui uma característica complexa, haja vista a diversidade de povos, crenças, podendo alguns comportamentos ser entendidos como tolerados por uns e repulsivos por outros. Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald afirmam que a vida privada é o refúgio impenetrável pela coletividade, sendo o direito de viver a própria vida em isolamento, não se submetendo à publicidade que não provocou e nem desejou.28 Com esse pensamento, o Superior Tribunal de Justiça condenou empresa jornalística ao pagamento de dano moral por ter divulgado o nome completo e o bairro onde morava uma determinada vítima de 24 DIREITO DO CONSUMIDOR. INSCRIÇÃO NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO NO STJ. 1. A revisão de indenização por danos morais só é possível em recurso especial quando o valor fixado nas instâncias locais for exorbitante ou ínfimo. 2. Agravo regimental desprovido. (RCDESP no Ag 1028443/ RJ, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJE de 2/2/2009). CIVIL E PROCESSUAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DISPOSITIVOS PROCESSUAIS. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. APOSENTADO. VEDAÇÃO DE ACESSO A EDIFÍCIO QUE ABRIGA ENTIDADE BANCÁRIA. DANO MORAL. ATO ILÍCITO SUFICIENTE PARA GERAR INDENIZAÇÃO. REEXAME DOS FATOS. QUANTUM RESSARCITÓRIO EXCESSIVO. REDUÇÃO. SÚMULAS Nos. 282 E 356-STF E 7-STJ. I. As questões federais não enfrentadas pelo Tribunal estadual recebem o óbice das Súmulas no 282 e 356 do STF, não podendo, por falta de prequestionamento, ser debatidas no âmbito do recurso especial. II. A conclusão de que o ato lesivo é suficiente para consubstanciar dano moral indenizável depende do reexame do conteúdo fático da causa, vedado pela Súmula no. 7-STJ. III. Constatado flagrante excesso na fixação do valor da indenização concedida a título de reparação, impõe-se a sua redução a patamar razoável, afastado o enriquecimento sem causa. IV. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, parcialmente provido. (REsp 628.490/PA, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 7/8/2007, DJ de 8/10/2007 p. 287). 25 Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização. 26 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira de 1988, 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1997, p. 35. 27 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Teoria Geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 147. 28 17 UNIDADE única | O direito civil na constituição federal estupro.29 Da mesma forma, o STJ entendeu cabível indenização contra empresa telefônica por divulgação, sem autorização de anúncio comercial de serviços de massagem em suas páginas amarelas.30 No esteio do raciocínio do conceito, não há ofensa ao direito à intimidade quando a própria pessoa provocou ou desejou a situação. Se alguém se coloca de topless em uma praia, não pode pedir indenização por danos morais com a divulgação de sua foto na imprensa.31 Todavia, a vida privada não se resume ao direito à intimidade, podendo ser entendida aquela como gênero, composta pelas espécies do direito à intimidade e pelo direito ao sigilo. O direito ao sigilo é, sem dúvida, um dos grandes desafios constitucionais. O constituinte apenas tratou expressamente dos sigilos de correspondência, dados telegráficos e telefônicos no inciso XII do art. 5o. Todavia, como tais sigilos são mais relacionados ao Direito Público, não será feita a devida abordagem no presente trabalho. Ressalte-se que o tal inciso disciplina a quebra instantânea e não meramente eventuais registros telefônicos, com as informações das ligações efetuadas, cujo tratamento também fica adstrito ao inciso X.32 Além dos sigilos mencionados, estão presentes outros segredos implícitos, que ganharam corpo com a evolução da interpretação constitucional, entre eles, o sigilo bancário e o sigilo fiscal. A primeira discussão acerca desses sigilos está na sua limitação. O Supremo Tribunal Federal já decidiu que tais sigilos não são absolutos, devendo ceder aos interesses público, social e da Justiça, observando-se os ditames legais e as regras de razoabilidade.33 DANO MORAL. DIVULGAÇÃO. NOME. NOTICIÁRIO. Trata-se de ação de indenização por dano moral pela divulgação, em noticiário de rádio, do nome completo e do bairro onde residia a vítima de crime de estupro. Ressalta a Min. Relatora que há limites ao direito da imprensa de informar, isso não se sobrepõe nem elimina quaisquer outras garantias individuais, entre as quais se destacam a honra e a intimidade. Afirma que, no caso dos autos, a conduta dos recorrentes não reside na simples divulgação de um fato verídico criminoso e de interesse público, vai muito além, ao divulgar o nome da autora: sua intimidade e sua honra foram violadas. Por isso, foram condenados a compensá-la pelos danos morais no valor de R$ 40.000,00. Outrossim, o prazo prescricional em curso quando diminuído pelo novo Código Civil só sofre a incidência de sua redução a partir de sua entrada em vigor. Assim, a decisão a quo está de acordo com a jurisprudência deste Superior Tribunal. Com essas considerações, entre outras, a Turma não conheceu do recurso. Precedentes citados: REsp 717.457-PR, DJ de 21/5/2007; REsp 822.914-RS, DJ de 19/6/2006; REsp 818.764-ES, DJ de 12/3/2007; REsp 295.175-RJ, DJ de 2/4/2001, e REsp 213.811-SP, DJ de 7/2/2000. REsp 896.635-MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/2/2008. 29 RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. VIOLAÇÃO. DIREITOS DA PERSONALIDADE. INTIMIDADE. VEICULAÇÃO. LISTA TELEFÔNICA. ANÚNCIO COMERCIAL EQUIVOCADO. SERVIÇOS DE MASSAGEM. 1. A conduta da prestadora de serviços telefônicos caracterizada pela veiculação não autorizada e equivocada de anúncio comercial na seção de serviços de massagens, viola a intimidade da pessoa humana ao publicar telefone e endereço residenciais. 2. No sistema jurídico atual, não se cogita da prova acerca da existência de dano decorrente da violação aos direitos da personalidade, dentre eles a intimidade, imagem, honra e reputação, já que, na espécie, o dano é presumido pela simples violação ao bem jurídico tutelado. 3. Recurso especial parcialmente conhecido e provido. (REsp 506.437/SP, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 16/9/2003, DJ 6/10/2003, p. 280). 30 DIREITO CIVIL. DIREITO DE IMAGEM. TOPLESS PRATICADO EM CENÁRIO PÚBLICO. Não se pode cometer o delírio de, em nome do direito de privacidade, estabelecer-se uma redoma protetora em torno de uma pessoa para torná-la imune de qualquer veiculação atinente a sua imagem. Se a demandante expõe sua imagem em cenário público, não é ilícita ou indevida sua reprodução pela imprensa, uma vez que a proteção à privacidade encontra limite na própria exposição realizada. Recurso especial não conhecido. (REsp 595.600/SC, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 18/3/2004, DJ 13/9/2004, p. 259). 31 VII – A quebra do sigilo dos dados telefônicos contendo os dias, os horários, a duração e o números das linha chamadas e recebidas, não se submete à disciplina das interceptações telefônicas regidas pela Lei no 9.296/1996 (que regulamentou o inciso XII do art. 5o da Constituição Federal) e ressalvadas constitucionalmente tão somente na investigação criminal ou instrução processual penal. (...)(RMS 17.732/MT, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 28/6/2005, DJ de 1/8/2005, p. 477). 32 O sigilo bancário, espécie de direito à privacidade protegido pela Constituição de 1988, não é absoluto, pois deve ceder diante dos interesses público, social e da Justiça. Assim, deve ceder também na forma e com observância de procedimento legal e com respeito ao princípio da razoabilidade. Precedentes.” (AI 655.298-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 4/9/2007, DJ de 28/9/2007). 33 18 O direito civil na constituição federal | UNIDADE única A Suprema Corte também decidiu que tanto o sigilo bancário quanto o fiscal só podem ser quebrados por via judicial, impossibilitando a atuação meramente administrativa34. O Juiz, no momento da decretação, deve estipular claramente os limites da quebra, a fim de que não haja invasão à privacidade do indivíduo.35 Última questão polêmica acerca do direito à intimidade e à vida privada está na possibilidade de gravações ambientais, sejam elas de áudio ou de vídeo. Discute-se a hipótese de tais gravações estarem invadindo a privacidade do indivíduo e com isso haver ofensa ao art. 5o, X, da Constituição Federal. Exemplo disso decorre hoje das câmeras, cada vez mais comuns em estabelecimentos comerciais, mas que começam a ser utilizadas pelas autoridades públicas, seja para coibir infrações de trânsito, seja para prevenir e reprimir a prática de crimes. Com a acessibilidade cada vez maior dos meios de gravação, mais e mais pessoas se utilizam de tais métodos para comprovar determinadas situações ou até mesmo para se defender de eventuais ameaças. A pergunta que se faz é: isso é legal? O STF entende plenamente constitucional a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, podendo ser usada como meio de prova36. Do mesmo modo, não há ilegalidade nas gravações clandestinas, tão comumente mostradas nos telejornais37, podendo ser feitas “Possibilidade de quebra de sigilo bancário pela autoridade administrativa sem prévia autorização do Judiciário. Recurso extraordinário provido monocraticamente para afastar a aplicação do art. 8o da Lei no. 8.021/1990 (‘Iniciado o procedimento fiscal, a autoridade fiscal poderá solicitar informações sobre operações realizadas pelo contribuinte em instituições financeiras, inclusive extratos de contas bancárias, não se aplicando, nesta hipótese, o disposto no art. 38 da Lei no. 4.595, de 31 de dezembro de 1964. ’) e restabelecer a sentença de primeira instância. A aplicação de dispositivo anterior em detrimento de norma superveniente, por fundamentos extraídos da Constituição, equivale à declaração de sua inconstitucionalidade.” (RE 261.278-AgR, Rel. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 1/4/2008, DJE de 1/8/2008.). 34 35 “A quebra de sigilo não pode ser manipulada, de modo arbitrário, pelo Poder Público ou por seus agentes. É que, se assim não fosse, a quebra de sigilo converter-se-ia, ilegitimamente, em instrumento de busca generalizada e de devassa indiscriminada da esfera de intimidade das pessoas, o que daria, ao Estado, em desconformidade com os postulados que informam o regime democrático, o poder absoluto de vasculhar, sem quaisquer limitações, registros sigilosos alheios. Doutrina. Precedentes. Para que a medida excepcional da quebra de sigilo bancário não se descaracterize em sua finalidade legítima, torna-se imprescindível que o ato estatal que a decrete, além de adequadamente fundamentado, também indique, de modo preciso, dentre outros dados essenciais, os elementos de identificação do correntista (notadamente o número de sua inscrição no CPF) e o lapso temporal abrangido pela ordem de ruptura dos registros sigilosos mantidos por instituição financeira. Precedentes.” (HC 84.758, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 25/5/2006, DJ de 16/6/2006). É lícita a gravação ambiental de diálogo realizada por um de seus interlocutores. Esse foi o entendimento firmado pela maioria do Plenário em ação penal movida contra ex-Prefeito, atual Deputado Federal, e outra, pela suposta prática do delito de prevaricação (CP, art. 319) e de crime de responsabilidade (Decreto-Lei no 201/1967, art. 1o, XIV) (...). Asseverou-se que a gravação ambiental, feita por um dos fiscais municipais de trânsito, de uma reunião realizada com a ex-Secretária Municipal, seria prova extremamente deficiente, porque cheia de imprecisões, e que, dos depoimentos colhidos pelas testemunhas, não se poderia extrair a certeza de ter havido ordem de descumprimento do CTB por parte do ex-Prefeito (...). Vencidos, no que tange à licitude da gravação ambiental, os Ministros Menezes Direito e Marco Aurélio, que a reputavam ilícita.” (AP 447, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em 18/2/2009, Plenário, Informativo 536). 36 Paciente denunciado por falsidade ideológica, consubstanciada em exigir quantia em dinheiro para inserir falsa informação de excesso de contingente em certificado de dispensa de incorporação. Gravação clandestina realizada pelo alistando, a pedido de emissora de televisão, que levou as imagens ao ar em todo o território nacional por meio de conhecido programa jornalístico. (...) A questão posta não é de inviolabilidade das comunicações, e sim da proteção da privacidade e da própria honra, que não constitui direito absoluto, devendo ceder em prol do interesse público.” (HC 87.341, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 7/2/2006, DJ de 3/3/2006). 37 19 UNIDADE única | O direito civil na constituição federal tranquilamente em lugares de frequentação comum, não sendo possível a gravação dentro da residência do indivíduo sem sua autorização.38 Honra A honra tem uma estreita ligação com a privacidade. Enquanto esta resguarda o que compõe a intimidade, aquela protege a pessoa humana contra falsos ataques que podem macular sua boa fama social. Dessa forma, a honra é a soma dos conceitos positivos que cada pessoa goza na vida em sociedade.39 A honra divide-se em diferentes aspectos: a honra objetiva e a honra subjetiva. Enquanto a objetiva diz respeito à reputação que a coletividade dedica a alguém, a subjetiva trata do próprio juízo valorativo que determinada pessoa faz de si mesmo.40 Ambas as formas de violação da honra são admitidas, ensejando eventual indenização pelo fato. Ressalte-se que a ofensa à honra pode ensejar inclusive a persecução criminal pela prática da injúria. A proteção à honra fez com que o legislador, na edição do Código Civil, previsse em seu art. 20: Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. Assim, o legislador permite no caso de autorização do indivíduo, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, imagens, documentos escritos ou palavras que possam vir ofender a sua honra. Desse modo, a lei ordinária limita expressamente o caráter absoluto do direito à proteção da honra. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. GRAVAÇÃO AMBIENTAL REALIZADA POR UM DOS INTERLOCUTORES SEM O CONHECIMENTO DO OUTRO. INVESTIDA CRIMINOSA NÃO CONFIGURADA. ILICITUDE DA PROVA. AFRONTA À PRIVACIDADE (ART. 5o, X, DA CF). INVESTIGAÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO. INQUÉRITO CIVIL E CRIMINAL. ART. 33, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LOMAN. CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE PARA SUSTENTAR O RECEBIMENTO DA EXORDIAL ACUSATÓRIA. ART. 6o DA LEI no 8.038/1990. I – A análise da licitude ou não da gravação de conversa por um dos interlocutores sem a ciência do outro deve ser verificada de caso a caso. II – Quando a gravação se refere a fato pretérito, consumado e sem exaurimento ou desdobramento, danoso e futuro ou concomitante, tem-se, normalmente e em princípio, a hipótese de violação à privacidade. Todavia, demonstrada a investida criminosa contra o autor da gravação, a atuação deste – em razão, inclusive, do teor daquilo que foi gravado – pode, às vezes, indicar a ocorrência de excludente de ilicitude (a par da questão do princípio da proporcionalidade). A investida, uma vez caracterizada, tornaria, daí, lícita a gravação (precedente do Pretório Excelso, inclusive, do c. Plenário). Por outro lado, realizada a gravação às escondidas, na residência do acusado, e sendo inviável a verificação suficiente do conteúdo das degravações efetuadas, dada a imprestabilidade do material, sem o exato delineamento da hipotética investida, tal prova não pode ser admitida, porquanto violadora da privacidade de participante do diálogo (art. 5o, inciso X, da CF). III – A atuação do Ministério Público no inquérito civil tem previsão legal (art. 8o, § 1o da Lei no 7.347/1985). Tal não se confunde com a situação do inquérito criminal envolvendo magistrado de segundo grau (art. 33, parágrafo único, da LOMAN). IV – No processo penal, a exordial acusatória deve vir acompanhada de um fundamento probatório mínimo apto a demonstrar, ainda que de modo indiciário, a efetiva realização do ilícito penal por parte do denunciado. Se não houver uma base empírica mínima a respaldar a peça vestibular, de modo a torná-la plausível, inexistirá justa causa a autorizar a persecutio criminis in iudicio. Tal acontece, como in casu, quando a situação fática não está suficientemente reconstituída. V – Acolhida a primeira preliminar relativa à ilicitude da prova obtida mediante gravação clandestina. Rejeitada a segunda preliminar referente à alegada usurpação da função da polícia judiciária pelo Ministério Público. Denúncia rejeitada por falta de justa causa. (Apn .479/RJ, Rel. Ministro FELIX FISCHER, CORTE ESPECIAL, julgado em 29/6/2007, DJ de 1/10/2007, p. 198). 38 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson, op. cit., p. 149. 39 Idem, ibidem. 40 20 O direito civil na constituição federal | UNIDADE única O direito à proteção da honra também entra em conflito ao ser analisado com a liberdade de imprensa, também elevada à garantia constitucional. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a crítica a uma pessoa pública não significa ataque à honra.41 Entretanto, quando a notícia divulgada extrapola o limite da informação, ofendendo a honra do indivíduo,42 ou é mentirosa,43 surge o direito à indenização pelo dano moral causado. Até mesmo as imunidades previstas em lei e pela Constituição não são absolutas se ofendem a honra do indivíduo. Advogado que ofende Juiz ou Promotor de Justiça responde pelos seus atos44, tanto civil quanto criminalmente, mesmo com a imunidade prevista no Estatuto dos Advogados e a inviolabilidade 41 RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS E MORAIS. ENTREVISTA DE ADVOGADO. REFERÊNCIA A JULGADOS. 1. O dano moral deve ser visto como violação do direito à dignidade, estando nela inseridos a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem. Dessa forma, havendo agressão à honra da vítima, é cabível indenização. 2. Críticas à atividade desenvolvida pelo homem público, in casu, o magistrado, são decorrência natural da atividade por ele desenvolvida e não ensejam indenização por danos morais quando baseadas em fatos reais, aferíveis concretamente. 3. Respaldado nas disposições do § 2o do art. 7o da Lei no . 8.906/1994, pode o advogado manifestar-se, quando no exercício profissional, sobre decisões judiciais, mesmo que seja para criticá-las. O que não se permite, até porque nenhum proveito advém para as partes representadas pelo advogado, é crítica pessoal ao Juiz. 4. Recurso especial de Sérgio Bermudes conhecido e provido. Recurso especial da empresa CRBS S/A Cuiabana conhecido em parte e provido. (REsp 531.335/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 2/9/2008, DJE de 19/12/2008). RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – DANOS MORAIS – PUBLICAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA OFENSIVA À HONRA DE ADVOGADO – LIBERDADE DE INFORMAÇÃO E DE INFORMAÇÃO – DIREITOS RELATIVIZADOS PELA PROTEÇÃO À HONRA, À IMAGEM E À DIGNIDADE DOS INDIVÍDUOS – VERACIDADE DAS INFORMAÇÕES E EXISTÊNCIA DE DOLO NA CONDUTA DA EMPRESA JORNALÍSTICA – REEXAME DE PROVAS – IMPOSSIBILIDADE – APLICAÇÃO DO ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA/STJ – QUANTUM INDENIZATÓRIO – REVISÃO PELO STJ – POSSIBILIDADE – VALOR EXORBITANTE – EXISTÊNCIA, NA ESPÉCIE – RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. I – A liberdade de informação e de manifestação do pensamento não constituem direitos absolutos, sendo relativizados quando colidirem com o direito à proteção da honra e da imagem dos indivíduos, bem como ofenderem o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. II – A revisão do entendimento do Tribunal a quo acerca da não veracidade das informações publicadas e da existência de dolo na conduta da empresa jornalística, obviamente, demandaria revolvimento dessas provas, o que é inviável em sede de recurso especial, a teor do disposto na Súmula no 07/STJ. III – É certo que esta Corte Superior de Justiça pode rever o valor fixado a título de reparação por danos morais, quando se tratar de valor exorbitante ou ínfimo. IV – Recurso especial parcialmente provido. (REsp 783.139/ES, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, QUARTA TURMA, julgado em 11/12/2007, DJ de 18/2/2008, p. 33). 42 Civil. Recurso especial. Compensação por danos morais. Ofensa à honra. Político de grande destaque nacional que, durante CPI relacionada a atos praticados durante sua administração, é acusado de manter relação extraconjugal com adolescente, da qual teria resultado uma gravidez. Posterior procedência de ação declaratória de inexistência de relação de parentesco, quando demonstrado, por exame de DNA, a falsidade da imputação. Acórdão que afasta a pretensão, sob entendimento de que pessoas públicas têm diminuída a sua esfera de proteção à honra. Inaplicabilidade de tal tese ao caso, pois comprovada a inverdade da acusação. – A imputação de um relacionamento extraconjugal com uma adolescente, que teria culminado na geração de uma criança – fato posteriormente desmentido pelo exame de DNA – foi realizada em ambiente público e no contexto de uma investigação relacionada à atividade política do autor. – A redução do âmbito de proteção aos direitos de personalidade, no caso dos políticos, pode em tese ser aceitável quando a informação, ainda que de conteúdo familiar, diga algo sobre o caráter do homem público, pois existe interesse relevante na divulgação de dados que permitam a formação de juízo crítico, por parte dos eleitores, sobre os atributos morais daquele que se candidata a cargo eletivo. – Porém, nesta hipótese, não se está a discutir eventuais danos morais decorrentes da suposta invasão de privacidade do político a partir da publicação de reportagens sobre aspectos íntimos verdadeiros de sua vida, quando, então, teria integral pertinência a discussão relativa ao suposto abrandamento do campo de proteção à intimidade daquele. O objeto da ação é, ao contrário, a pretensão de condenação por danos morais em vista de uma alegação comprovadamente falsa, ou seja, de uma mentira perpetrada pelo réu, consubstanciada na atribuição errônea de paternidade – erro esse comprovado em ação declaratória já transitada em julgado. – Nesse contexto, não é possível aceitar-se a aplicação da tese segundo a qual as figuras públicas devem suportar, como ônus de seu próprio sucesso, a divulgação de dados íntimos, já que o ponto central da controvérsia reside na falsidade das acusações e não na relação destas com o direito à intimidade do autor. Precedente. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 1025047/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/6/2008, DJE de 5/8/2008). Direito civil e processual civil. Indenização por danos morais. Correição parcial. Ofensa a juiz. Imunidade profissional do advogado. Caráter não absoluto. Valor dos danos morais. – A imunidade profissional, garantida ao advogado pelo Estatuto da Advocacia, não é de caráter absoluto, não tolerando os excessos cometidos pelo profissional em afronta à honra de quaisquer das pessoas envolvidas no processo, seja o Juiz, a parte, o membro do Ministério Público, o serventuário ou o advogado da parte contrária. Precedentes. A indenização por dano moral dispensa a prática de crime, sendo bastante a demonstração do ato ilícito praticado. – O advogado que, atuando de forma livre e independente, lesa terceiros no exercício de sua profissão responde diretamente pelos danos causados. – O valor dos danos morais não deve ser fixado em valor ínfimo, mas em patamar que compense de forma adequada o lesado, proporcionando-lhe bem da vida que aquiete as dores na alma que lhe foram infligidas. Recurso especial provido. Ônus sucumbenciais invertidos. (REsp 1022103/RN, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/4/2008, DJE de 16/5/2008). 43 44 21 UNIDADE única | O direito civil na constituição federal constitucional do art. 133.45 A mesma regra se dá aos Deputados e Senadores, cuja imunidade material não permite que a ofensa ultrapasse os limites naturais de seu trabalho parlamentar.46 Assim, a honra, cuja proteção já existia antes da Constituição Federal, por meio da lei de imprensa, conforme visto anteriormente, continua tendo a proteção dos Tribunais, que cada vez mais delimitam a forma de como a honra deve ser tratada no meio jurídico. Imagem De todos os direitos de personalidade tratados pela Constituição, o direito à imagem foi aquele que mais evoluiu, principalmente em face dos avanços tecnológicos, seja pelos seus novos meios de comunicação, seja pelo exponencial crescimento da televisão. O direito à imagem corresponde à reprodução fisionômica do indivíduo e as sensações, bem como as características comportamentais que o tornam particular, destacado nas relações sociais. Assim, a imagem pode ser caracterizada por fotografia, pintura, desenho, filme, caricatura ou até por um atributo específico.47 A proteção a esse direito adentrou também no tratamento dos direitos autorais, haja vista que o artista depende muitas vezes da sua imagem para manter-se ligado ao sucesso. Paralelo ao direito de imagem tem-se o chamado direito de arena, que é o direito de transmissão e retransmissão de evento esportivo, não se confundindo com o direito de imagem.48 A separação pela jurisprudência determina, inclusive, EMENTA: Advogado: imunidade judiciária: (CF art. 133; C.Penal., art. 142, I; EAOAB, art. 7o, § 2o): não compreensão do crime de calúnia. 1. O art. 133 da Constituição Federal, ao estabelecer que o advogado é “inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão”, possibilitou fosse contida a eficácia desta imunidade judiciária aos “termos da lei”. 2. Essa vinculação expressa aos “termos da lei” faz de todo ocioso, no caso, o reconhecimento pelo acórdão impugnado de que as expressões contra terceiro sejam conexas ao tema em discussão na causa, se elas configuram, em tese, o delito de calúnia: é que o art. 142, I, do C. Penal, ao dispor que “não constituem injúria ou difamação punível (...) a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador”, criara causa de “exclusão do crime” apenas com relação aos delitos que menciona - injúria e difamação -, mas não quanto à calúnia, que omitira: a imunidade do advogado, por fim, não foi estendida à calúnia nem com a superveniência da Lei no 8.906/1994, - o Estatuto da Advocacia e da OAB -, cujo art. 7o, § 2o, só lhe estendeu o âmbito material - além da injúria e da difamação, nele já compreendidos conforme o C.Penal -, ao desacato (tópico, contudo, em que teve a sua vigência suspensa pelo Tribunal na ADInMC no 1127, 5/10/1994, Brossard, RTJ 178/67).(HC no 84446, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 23/11/2004, DJ de 25/2/2005 PP-00029 EMENT VOL-02181-01 PP-00130 RTJ VOL-00192-03 PP-00974 LEXSTF v. 27, no 316, 2005, p. 439-449 RMDPPP v. 1, no 4, 2005, p. 124-131). 45 EMENTA: I. Imunidade parlamentar material: extensão. 1. Malgrado a inviolabilidade alcance hoje “quaisquer opiniões, palavras e votos” do congressista, ainda quando proferidas fora do exercício formal do mandato, não cobre as ofensas que, pelo conteúdo e o contexto em que perpetradas, sejam de todo alheias à condição de Deputado ou Senador do agente (Inq 1710, Sanches; Inq 1344, Pertence). 2. Não cobre, pois, a inviolabilidade parlamentar a alegada ofensa a propósito de quizílias intrapartidárias endereçadas pelo Presidente da agremiação – que não é necessariamente um congressista – contra correligionário seu. II. Crime contra a honra: inexistência em entrevista que não ultrapassa as raias da crítica à atuação partidária de alguém. (Inq 1905, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 29/4/2004, DJ de 21/5/2004 PP-00033 EMENT VOL-02152-01 PP-00011 RTJ VOL 00192-01 PP-00050). 46 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson, op. cit., p. 140. 47 48 22 INDENIZAÇÃO. DIREITO À IMAGEM. JOGADOR DE FUTEBOL. ÁLBUM DE FIGURINHAS. ATO ILÍCITO. DIREITO DE ARENA. -É inadmissível o recurso especial quando não ventilada na decisão recorrida a questão federal suscitada (Súmula no 282-STF). - A exploração indevida da imagem de jogadores de futebol em álbum de figurinhas, com intuito de lucro, sem o consentimento dos atletas, constitui prática ilícita a ensejar a cabal reparação do dano. - O direito de arena, que a lei atribui às entidades desportivas, limita-se à fixação, transmissão e retransmissão de espetáculo esportivo, não alcançando o uso da imagem havido por meio da edição de “álbum de figurinhas”. Precedentes da Quarta Turma. Recursos especiais não conhecidos. (REsp 67.292/RJ, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 3/12/1998, DJ de 12/4/1999, p. 153). O direito civil na constituição federal | UNIDADE única que o titular de direitos de arena não pode utilizá-los para divulgação da imagem de jogador, haja vista a diferença entre as situações.49 O dano à imagem também protege a pessoa jurídica, no que diz respeito aos seus atributos, sendo passível indenização para reparação do dano.50 Nesse caso, a imagem não tem caráter pessoal, analisando-se a imagem que aquela empresa possui junto aos seus sócios ou consumidores. O direito ao uso da imagem pode, sem qualquer problema, ser autorizado pelo seu titular, seja de forma expressa, seja de forma implícita. Esta última se dá, por exemplo, quando uma pessoa se deixa fotografar ou filmar em evento, sabendo que a câmera é de uma rede de televisão pela logomarca estampada ou pela identificação do fotógrafo de uma revista qualquer.51 Todavia, tal imagem não pode ser desvirtuada, quando um artista posa para uma determinada revista e sua imagem é utilizada para outro fins, como, por exemplo, para propagandas.52 Até mesmo fotos de pessoas comuns utilizadas sem autorização para fins comerciais ensejam direito à indenização por dano moral53. Fotos de multidão, seja em passeata, eventos esportivos, festas, desfiles, mesmo que permitam identificar o indivíduo, não ensejam indenização, salvo se o foco da imagem estiver centralizado no indivíduo.54 Último aspecto relevante ao direito de imagem está no tratamento dado às pessoas públicas, comumente conhecidas como celebridades. Nesse aspecto, o art. 20 do Código Civil estabelece alguns limites aplicáveis tanto à honra quanto ao direito à imagem. É absurdo que uma autoridade ou celebridade venha a ter indenização por ter seu nome e sua imagem exposto pela mídia, haja vista a condição pública da pessoa e a própria liberdade de imprensa. É óbvio que tal situação deve ser vista sem eventual abuso de direito, como, por exemplo, os papparazzi que invadem a intimidade da celebridade, que mesmo sendo uma pessoa pública tem direito, em sua residência, a manter um grau mínimo de privacidade. DIREITO À IMAGEM. DIREITO DE ARENA. JOGADOR DE FUTEBOL. ÁLBUM DE FIGURINHAS. O DIREITO DE ARENA QUE A LEI ATRIBUI ÀS ENTIDADES ESPORTIVAS LIMITA-SE A FIXAÇÃO, TRANSMISSÃO E RETRANSMISSÃO DO ESPETÁCULO DESPORTIVO PÚBLICO, MAS NÃO COMPREENDE O USO DA IMAGEM DOS JOGADORES FORA DA SITUAÇÃO ESPECÍFICADO ESPETÁCULO, COMO NA REPRODUÇÃO DE FOTOGRAFIAS PARA COMPOR “ÁLBUM DE FIGURINHAS”. LEI no 5.989/1973, ARTIGO 100; LEI no 8.672/1993. (REsp 46.420/SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 12/9/1994, DJ de 5/12/1994, p. 33565). 49 50 Direito empresarial. Dano moral. Divulgação ao mercado, por pessoa jurídica, de informações desabonadoras a respeito de sua concorrente. Comprovados danos de imagem causados à empresa lesada. Dano moral configurado. Fixação em patamar adequado pelo Tribunal a quo. Manutenção. – Para estabelecer a indenização por dano moral, deve o julgador atender a certos critérios, tais como nível cultural do causador do dano; condição socioeconômica do ofensor e do ofendido; intensidade do dolo ou grau da culpa do autor da ofensa; efeitos do dano, inclusive no que diz respeito às repercussões do fato. – Na hipótese em que se divulga ao mercado informação desabonadora a respeito de empresa-concorrente, gerando-se desconfiança geral da clientela, agrava-se a culpa do causador do dano, que resta beneficiado pela lesão que ele próprio provocou. Isso justifica o aumento da indenização fixada, de modo a incrementar o seu caráter pedagógico, prevenindo-se a repetição da conduta. – O montante fixado pelo Tribunal a quo, em R$400.000,00, mostra-se adequado e não merece revisão. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson, op. cit., p. 143. 51 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson, op. cit., p. 144. 52 “Dano moral: fotografia: publicação não consentida: indenização: cumulação com o dano material: possibilidade. Constituição Federal, art. 5o, X. Para a reparação do dano moral não se exige a ocorrência de ofensa à reputação do indivíduo. O que acontece é que, de regra, a publicação da fotografia de alguém, com intuito comercial ou não, causa desconforto, aborrecimento ou constrangimento, não importando o tamanho desse desconforto, desse aborrecimento ou desse constrangimento. Desde que ele exista, há o dano moral, que deve ser reparado, manda a Constituição, art. 5o, X.” (RE 215.984, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 4/6/2002, DJ de 28/6/2002). 53 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson, op. cit., p. 144. 54 23 UNIDADE única | O direito civil na constituição federal A regra do art. 20 abre exceção ao direito de imagem no caso de interesse público e da administração da justiça como, por exemplo, a revelação da foto de um foragido da justiça, haja vista o interesse social na sua captura. Entretanto, caso haja uma divulgação equivocada da imagem ou até a própria investigação chegue à conclusão de que o indivíduo não foi o autor do fato, tem-se um direito claro à indenização, como foi o conhecido caso da Escola Base em São Paulo.55 Direito de reunião e de associação A Constituição Federal de 1988 dispôs nos inciso XVI ao XXI, do seu artigo 5o, acerca do direito de livre reunião e do direito de livre associação. O direito constitucional de livre reunião teve sua origem no art. 16 da Declaração da Pensilvânia, de 1776. A Constituição brasileira de 1891 foi a primeira a versar sobre esse direito, ainda, à época, mesclado com o direito de livre associação, só havendo a separação dos conceitos na Constituição de 1934.56 Ressalte-se que a liberdade de reunião pacífica não necessita de autorização, exigindo-se apenas prévio aviso à autoridade competente, a fim de que se impeça eventual frustração de outra reunião na mesma localidade. O livre direito de associação previsto na Constituição garante ao cidadão a liberdade para escolha de acordo com os seus interesses. A questão ganha um contorno mais relevante quando comparado com o art. 8o, V, da Carta Magna, que permite a plena liberdade de associação aos sindicatos, não obrigando ninguém a ficar associado. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido a favor da liberdade de associação, quando questionado acerca da Lei no 10.779/2003, que determinava a concessão de seguro-desemprego a pescador desde que estivesse filiado à colônia de pescadores da região.57 A liberdade de associação não se estende às pessoas jurídicas, principalmente quando lei ordinária determina a necessidade de filiação.58 Tanto é assim que, as confederações formadas pelo conjunto de Ver: http://www.conjur.com.br/2002-set-03/stj_rever_indenizacao_escola_base. 55 A primeira Constituição política do Brasil a dispor sobre a liberdade de associação foi, precisamente, a Constituição republicana de 1891, e, desde então, essa prerrogativa essencial tem sido contemplada nos sucessivos documentos constitucionais brasileiros, com a ressalva de que, somente a partir da Constituição de 1934, a liberdade de associação ganhou contornos próprios, dissociando-se do direito fundamental de reunião, consoante se depreende do art. 113, § 12, daquela Carta Política. Com efeito, a liberdade de associação não se confunde com o direito de reunião, possuindo, em relação a este, plena autonomia jurídica (...). Diria, até, que, sob a égide da vigente Carta Política, intensificou-se o grau de proteção jurídica em torno da liberdade de associação, na medida em que, ao contrário do que dispunha a Carta anterior, nem mesmo durante a vigência do estado de sítio se torna lícito suspender o exercício concreto dessa prerrogativa. (...) Revela-se importante assinalar, neste ponto, que a liberdade de associação tem uma dimensão positiva, pois assegura a qualquer pessoa (física ou jurídica) o direito de associar-se e de formar associações. Também possui uma dimensão negativa, pois garante, a qualquer pessoa, o direito de não se associar, nem de ser compelida a filiar-se ou a desfiliar-se de determinada entidade. Essa importante prerrogativa constitucional também possui função inibitória, projetandose sobre o próprio Estado, na medida em que se veda, claramente, ao Poder Público, a possibilidade de interferir na intimidade das associações e, até mesmo, de dissolvê-las, compulsoriamente, a não ser mediante regular processo judicial.” (ADI no 3.045, voto do Min. Celso de Mello, julgamento em 10/8/2005, Plenário, DJ de 1/6/2007). 56 “Art. 2o, IV, a, b e c, da Lei no 10.779/2003. Filiação à colônia de pescadores para habilitação ao seguro-desemprego (...). Viola os princípios constitucionais da liberdade de associação (art. 5o, inciso XX) e da liberdade sindical (art. 8o, inciso V), ambos em sua dimensão negativa, a norma legal que condiciona, ainda que indiretamente, o recebimento do benefício do seguro-desemprego à filiação do interessado a colônia de pescadores de sua região.” (ADI no 3.464, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 29/10/2008, Plenário, DJE de 6/3/2009). 57 58 24 Liberdade negativa de associação: sua existência, nos textos constitucionais anteriores, como corolário da liberdade positiva de associação e seu alcance e inteligência, na Constituição, quando se cuide de entidade destinada a viabilizar a gestão coletiva de arrecadação e distribuição de direitos autorais e conexos, cuja forma e organização se remeteram à lei. Direitos autorais e conexos: sistema de gestão coletiva de arrecadação e distribuição por meio do ECAD (Lei no 9.610/1998, art. 99), sem ofensa do art. 5o, XVII e XX, da Constituição, cuja aplicação, na esfera dos direitos autorais e conexos, hão de conciliar-se com o disposto no art. 5o, XXVIII, b, da própria Lei Fundamental. Liberdade de associação: garantia constitucional de duvidosa extensão às pessoas jurídicas.” (ADI no 2.054, Rel. p/ o ac. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 2/4/2003, Plenário, DJ de 17/10/2003). O direito civil na constituição federal | UNIDADE única associações, não possuem os mesmos direitos do que esta, sendo, por exemplo, parte ilegítima para propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade, haja vista serem meros organismos de coordenação de entidades sindicais, não podendo ser admitidas como hierarquicamente superiores às associações.59 As associações, como instrumentos de interesses comum entre seus participantes, não podem e nem devem ter a interferência estatal, sendo esta admitida apenas em casos extremos quando a finalidade das associações for ilícita60, situação que autoriza a suspensão ou até a dissolução compulsória, nos moldes do inciso XIX do art. 5o da Constituição Federal. Propriedade e direito sucessório A Constituição Federal versou em seu art. 5o, XXII a XXVI, acerca do direito de propriedade. O mesmo decorre dos incisos XXX e XXXI, que tratam do direito de herança, os quais serão tratados no capítulo correspondente. Direito do Consumidor O inciso XXXII do art. 5o da Constituição Federal previu a defesa do consumidor, que será promovida pelo Estado na forma da lei, no caso, a Lei no 8.078/1990, conhecida como Código de Defesa do Consumidor (CDC). A relação de consumo sofreu enorme alteração com a edição da lei. As regras contratuais perderam a rigidez clássica romana, admitindo-se um polo hipossuficiente, no caso o consumidor, que teria a proteção legal para realização de seus direitos. O ônus da prova passa a se inverter, ou seja, o consumidor não precisa provar que ele é o responsável pela falha no produto, conforme disposto no art. 6o, VIII, da referida lei. O Código também prevê a possibilidade de modificação de cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais, as chamadas cláusulas leoninas, bem como a revisão delas, na hipótese de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas. O art. 12 do CDC prevê a responsabilidade objetiva do fornecedor de produtos, sendo este obrigado a reparar o dano causado aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços e por informações insuficientes ou inadequadas sobre a utilização e riscos dos produtos; o mesmo decorre com o fornecedor de serviços (art. 14). Em seu art. 88, o CDC veda a chamada denunciação à lide, ou seja, o fornecedor não pode se eximir da responsabilidade dentro de um processo chamando terceira pessoa, podendo, se quiser, entrar com ação de regresso contra o verdadeiro responsável pelo defeito no produto. “Confederações como a presente são meros organismos de coordenação de entidades sindicais ou não (...), que não integram a hierarquia das entidades sindicais, e que têm sido admitidas em nosso sistema jurídico tão-só pelo princípio da liberdade de associação.” (ADI no 444, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 14/6/1991, Plenário, DJ de 25/10/1991). 59 “Cabe enfatizar, neste ponto, que as normas inscritas no art. 5o, incisos XVII a XXI da atual Constituição Federal protegem as associações, inclusive as sociedades, da atuação eventualmente arbitrária do legislador e do administrador, eis que somente o Poder Judiciário, por meio de processo regular, poderá decretar a suspensão ou a dissolução compulsórias das associações. Mesmo a atuação judicial encontra uma limitação constitucional: apenas as associações que persigam fins ilícitos poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou suspensas. Atos emanados do Executivo ou do Legislativo, que provoquem a compulsória suspensão ou dissolução de associações, mesmo as que possuam fins ilícitos, serão inconstitucionais.” (ADI no 3.045, voto do Min. Celso de Mello, julgamento em 10/8/2005, Plenário, DJ de 1/6/2007). 60 25 UNIDADE única | O direito civil na constituição federal Além dessas mudanças, diversas outras normas de cunho processual, como a possibilidade de o consumidor ajuizar a ação em seu domicílio, bem como várias proibições acerca das cláusulas abusivas e a previsão de que a cláusula será interpretada de maneira mais favorável ao consumidor (art. 47), foram inovações importantes trazidas pelo CDC. Com base nessas inovações, o Supremo admitiu, já em 1993, a constitucionalidade de lei que regulava a política de preços de bens, com fundamento no direito do consumidor, conciliando este com o direito à livre concorrência, previsto no art. 170 da Constituição.61 Em 1999, com a desvalorização cambial que elevou o valor do dólar a quase o dobro de seu valor em um espaço de um mês, muitos dos contratos de alienação fiduciária para financiamento de veículos eram atrelados à moeda norte-americana, o que gerou um desequilíbrio nos contratos e diversas ações judiciais requerendo a revisão contratual. O STJ, interpretando o CDC, utilizou-se do art. 6o, V, e entendeu a alteração cambial como fato superveniente capaz de ensejar a revisão contratual, reduzindo o valor da mudança cambial para a metade, repartindo o ônus do pagamento entre credores e devedores.62 O direito ao consumidor teve um grande avanço desde a edição do Código de Defesa do Consumidor, sendo efetiva a garantia constitucional de proteção pelo Estado do consumidor. Nesses anos, até as instituições financeiras se sujeitaram ao CDC, consolidando a importância que tal instituto passou a ter no direito brasileiro.63 “Em face da atual Constituição, para conciliar o fundamento da livre iniciativa e do princípio da livre concorrência com os da defesa do consumidor e da redução das desigualdades sociais, em conformidade com os ditames da justiça social, pode o Estado, por via legislativa, regular a política de preços de bens e de serviços, abusivo que é o poder econômico que visa ao aumento arbitrário dos lucros.” (ADI no 319QO, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 3/3/1993, Plenário, DJ de 30/4/1993). 61 62 “Embargos opostos pelo Procurador Geral da República. Contradição entre a parte dispositiva da ementa e os votos proferidos, o voto condutor e os demais que compõem o acórdão. Embargos de declaração providos para reduzir o teor da ementa referente ao julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade no 2.591, que passa a ter o seguinte conteúdo, dela excluídos enunciados em relação aos quais não há consenso: Art. 3o, § 2o, do CDC. Código de Defesa do Consumidor. Art. 5o, XXXII, da CF/1988. Art. 170, V, da CF/1988. Instituições financeiras. Sujeição delas ao Código de Defesa do Consumidor. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor. ‘Consumidor’, para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. Ação direta julgada improcedente.” (ADI no 2.591-ED, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 14/12/2006, Plenário, DJ de 13/4/2007). 63 26 AGRAVO REGIMENTAL. LEASING. VARIAÇÃO CAMBIAL. – “O aumento do dólar americano no mês de janeiro de 1999 representa fato superveniente capaz de ensejar a revisão contratual, nos termos do art. 6o, V, do Código de Defesa do Consumidor, devendo o ônus respectivo ser repartido entre o credor e o devedor” (REsp no 473.106-RS, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito). Agravo improvido. (AgRg no REsp 656.616/SP, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 7/2/2006, DJ de 10/4/2006, p. 202). Capítulo 3 Os institutos tradicionais do direito privado à luz da Constituição: propriedade, posse, empresa e contrato Com a promulgação da Constituição, alguns dos conceitos clássicos existentes no Direito Civil sofreram transformações profundas, seja em face do próprio texto constitucional, seja em face das interpretações decorrentes do espírito que a Carta Magna passou a refletir no Direito Civil. Quatro institutos, especificamente, passaram por essas mudanças nos últimos anos: propriedade, posse, empresa e contrato. Daí a relevância de se tratar cada um separadamente. Propriedade O conceito de propriedade sempre foi atrelado ao de uma regra de direito, enquanto a posse vislumbra uma situação de fato. Caio Mário aponta que não há um conceito inflexível do direito de propriedade.64 Orlando Gomes comunga da mesma ideia, dando três conceitos: Sua conceituação pode ser feita à luz de três critérios: o sintético, o analítico e o descritivo. Sinteticamente, é de se defini-lo com Windscheid, como a submissão de uma coisa, em todas as suas relações a uma pessoa. Analiticamente, o direito de usar, fruir e dispor de um bem, e de reavê-lo de quem injustamente o possua. Descritivamente, o direito complexo, absoluto, perpétuo e exclusivo, pelo qual uma coisa fica submetida à vontade de uma pessoa, com as limitações da lei.65 A propriedade sempre teve uma relevância fundamental, seja ela individual ou coletiva, visualizando-se o Code Civil francês que coloca todo o direito obrigacional dentro do livro relativo às formas de se adquirir a propriedade. O Estado atuava como um árbitro prévio das regras estipuladas entre os personagens, em que o proprietário de um bem poderia dispor, gozar, usar e abusar da coisa de forma praticamente absoluta.66 Esta era a disposição do Código Civil de 1916, que assegurava esses direitos ao proprietário, ao contrário do que fez o legislador em 2002, que passou a facultar o exercício desses mesmos direitos, dando uma ótica menos individualista da questão. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. V. 4. Direitos Reais. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 81. 64 GOMES, Orlando. Direitos Reais. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 97. 65 KATAOKA, Eduardo. In: TEPEDINO, Gustavo, op. cit. p. 461. 66 27 UNIDADE única | O direito civil na constituição federal A Constituição Federal de 1988, repetindo as anteriores, garante como direito fundamental a propriedade (art. 5o, XXII). Entretanto, sua grande inovação foi dar à propriedade uma função social (art. 5o, XXIII), regulado em lei ordinária no art. 1.228 e seus parágrafos do novo Código Civil. Não subsiste mais a ideia de uso total da propriedade, sem qualquer restrição, havendo todo um interesse e uma finalidade na sua utilização. Entretanto, apesar dos esforços de alguns setores da sociedade, a propriedade, no Brasil, continua a ser um instrumento de supremacia de determinada classe sobre as demais, em que o latifúndio e a especulação imobiliária ainda são o retrato mais fiel da propriedade em nosso país, restando ainda longe a reforma agrária e a urbana.67 Nessa ótica, a busca constitucional é da confirmação do direito de moradia e o direito à terra agrária, em contraposição ao mero direito especulativo individualista do proprietário de imóveis. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADIn no 2.213-2, em medida cautelar, definiu que o acesso à terra, a solução dos conflitos sociais, o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos de realização da função social da propriedade, tendo em vista que sobre o direito de propriedade pesa uma grave hipoteca social.68 Na verdade, o Supremo Tribunal Federal interpreta e amplia o conceito constitucional previsto no art. 186.69 Não se trata de um abandono do direito à propriedade, mas de uma mera limitação, em que se facilita a possibilidade de desapropriação, retratado no § 3o do art. 1.228.70 A propriedade não passa a ter os olhos do Estado, mas deve ser explorada, dentro de parâmetros legais, de forma a se evitar seu desperdício, para se atender aos direitos sociais previstos na Constituição, mais precisamente ao direito de moradia previsto no art. 6o. O não cumprimento à função social da propriedade não determina, exclusivamente, a desapropriação da área definida, podendo, por exemplo, o Estado tributar progressivamente a propriedade mal utilizada, nos moldes do art. 182, § 4o, II, da Constituição Federal71, ou o parcelamento ou a edificação compulsória prevista no inciso I do mesmo parágrafo. Não há que se confundir o instituto da desapropriação com a função social da propriedade, haja vista que aquela pode e é realizada, muitas vezes, na realização do interesse não social, mas pública, governamental, que, entretanto, também é limitado, sendo permitida, caso não cumpra a finalidade prevista na lei, a retrocessão a favor do desapropriado. GONDINHO, André Osório. In: TEPEDINO, Gustavo, op. cit., p. 398. 67 (ADI 2.213-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 4/4/2002, Plenário, DJ de 23/4/2004). 68 Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. 69 O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente. 70 “O STF firmou o entendimento – a partir do julgamento do RE 153.771, Pleno, 20/11/1996, Moreira Alves – de que a única hipótese na qual a Constituição admite a progressividade das alíquotas do IPTU é a do art. 182, § 4o, II, destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana.” (AI 456.513-ED, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 28/10/2003, 1a Turma, DJ de 14/11/2003). No mesmo sentido: RE 192.737, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 5/6/1997, Plenário, DJ de 5/9/1997. 71 28 O direito civil na constituição federal | UNIDADE única A desapropriação também pode servir como pena, a fim de que seja cumprida a função social da propriedade ou até para a realização da reforma agrária, sendo insuscetíveis, nesta hipótese, a pequena e a média propriedade rural, desde que o proprietário não possua outra, nem propriedade produtiva (art. 185 da Constituição). Ressalte-se que a desapropriação não se confunde com o confisco, já que na desapropriação se tem o justo pagamento prévio e em dinheiro, nos moldes do art. 182, § 3o da Carta Magna, sendo, no caso de desapropriação-pena, pago em títulos públicos resgatáveis em dez ou vinte anos, dependendo da hipótese.72 A Constituição Federal não limita a função social apenas aos bens imóveis, podendo a função ser aplicada a todos os bens, apesar de parte da doutrina, como Orlando Gomes e Eros Grau, entenderem ser impossível exigir uma função social dos bens de consumo, restando restrita aos bens de produção.73 Essa limitação do direito de propriedade tem, na doutrina, duas correntes que a justificam. A teoria da utilidade social, formulada por Trendlenburg, entende que a propriedade possui um elemento individual e um elemento social, haja vista que todo direito assenta-se sobre o pressuposto de um todo.74 A estabilização da propriedade da coisa lhe vem atribuída somente pelo todo que a reconhece ou pela lei.75 Já a teoria do ato de soberania, de Bluntschli, entende que a propriedade estaria sob o alto direito do Estado de governar a sociedade e o seu ofício de defender a coexistência dos indivíduos, exercendo, o Estado poder público como exerce sobre todas as pessoas.76 O Brasil adota ambos os modelos, seja no ponto de vista social, seja na visão da propriedade sujeita ao interesse público, fazendo com que no Brasil se aplique um modelo misto.77 Dessa forma, a propriedade sofreu uma profunda mudança com a Constituição de 1988, ao se adotar um modelo eficiente e não meramente liberal de propriedade. O papel do Poder Público passa a ser o de intervir, se necessário, a fim de garantir essa finalidade social. Essa intervenção não pode ser feita de modo arbitrário, até porque se estaria saindo de uma situação abusiva para se encaminhar à outra, mas, deve exigir que a propriedade seja utilizada adequadamente, respeitando os ditames legais previstos.78 Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. (...) § 4o É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: (...) III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. (...) Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. 72 GONDINHO, André Osório. In: TEPEDINO, Gustavo, op. cit., pp. 426/427. 73 Apud FONTES, André R. C. In: TEPEDINO, Gustavo, op. cit., pp. 446/447. 74 Apud FONTES, André R. C. In: TEPEDINO, Gustavo, op. cit., p. 447. 75 Idem, ibidem. 76 77 “A própria Constituição da República, ao impor ao Poder Público dever de fazer respeitar a integridade do patrimônio ambiental, não o inibe, quando necessária a intervenção estatal na esfera dominial privada, de promover a desapropriação de imóveis rurais para fins de reforma agrária, especialmente porque um dos instrumentos de realização da função social da propriedade consiste, precisamente, na submissão do domínio à necessidade de o seu titular utilizar adequadamente os recursos naturais disponíveis e de fazer preservar o equilíbrio do meio ambiente (...).” (MS 22.164, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30/10/1995, Plenário, DJ de 17/11/1995). PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: v. 4. Direitos Reais. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 18. 78 29 UNIDADE única | O direito civil na constituição federal Posse Duas são as teorias clássicas sobre a posse. A teoria subjetiva, de Savigny, e a objetiva, de Jhering. Na teoria subjetiva, o elemento material da posse caracteriza-se como a faculdade real e imediata de dispor fisicamente da coisa, e de defendê-la das agressões de quem quer que seja. É o poder físico da pessoa sobre a coisa. Basta a simples presença do adquirente, para que se perfaça a aquisição da posse.79 Para Savigny, não constituem relações possessórias aquelas em que a pessoa tem a coisa em seu poder, mesmo que com fundamento jurídico, como na locação, no penhor etc., pois lhe falta a intenção de tê-la como dono.80 Para Jhering, o elemento material da posse é a conduta externa da pessoa, que se apresenta numa relação semelhante ao procedimento normal do proprietário. É possuidor quem procede com a aparência de dono, sendo a posse a visibilidade do domínio, estando a intenção na vontade de proceder como se faz habitualmente o proprietário (animus tenendi). Dispensa-se a vontade de ser dono.81 O art. 1.196 supera a discussão, afirmando ser possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade, sendo, como se percebe, tendente à teoria objetiva. A grande mudança acerca da posse vem em seus modos de aquisição e perda. Ao contrário do Código de 1916, o Codex atual não responde analiticamente, casuisticamente, conceituando mais precisamente ambas as formas, impedindo assim ser omisso com relação a evoluções naturais e tecnológicas que poderiam, de certa forma, restar limitadas pelo texto legal. Diz o art. 1.204 que se adquire a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade, enquanto o art. 1.223 afirma que a posse é perdida quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder sobre o bem mencionado no art. 1.196. Com isso, se elimina o rol dos antigos arts. 493 e 520 do Código de 1916, que taxativamente previa as hipóteses legais. A outra alteração relativa ao direito possessório se encontra na usucapião. O prazo, que era de 20 anos para o indivíduo que não possuía título de boa-fé, passa para 15 anos, conforme redação do art. 1.238, mantendo o prazo de 10 anos, quando o possuidor tiver um título de boa-fé. Já nos arts. 1.239 e 1.240, o Código Civil nada mais fez do que repetir o disposto nos arts. 191 e 183 da Constituição que assim dispõe: Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade. Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. v. 4. Direitos Reais. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 19. 79 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. v. 4. Direitos Reais. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 20. 80 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil – Tomo II. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 156. 81 30 O direito civil na constituição federal | UNIDADE única Por fim, o legislador também criou uma nova situação, procurando assegurar ao possuidor de boa-fé, que adquiriu o imóvel confiando nas informações equivocadas ou falsas fornecidas pelo Cartório do Registro de Imóveis, a aquisição da propriedade após o decurso de 5 anos (parágrafo único do art. 1.242). É o exemplo do que ocorre no Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro, onde moram dois milhões de pessoas, sem qualquer segurança jurídica, em face de uma discussão judicial acerca de problemas registrais desde a época das Capitanias Hereditárias.82 Assim, além da função social da propriedade, poder-se-ia dizer que o legislador, facilitando a aquisição da posse pela usucapião, confirma a presença da função social da posse, cuja ausência no texto constitucional não se faz necessária, pois, segundo Gustavo Tepedino: a posse, sendo um exercício de fato, a sua própria existência, como uma relação de fato socialmente admitida, já pressupõe a conformidade deste exercício a uma finalidade socialmente relevante. O atendimento da função social apresenta-se, assim, como pressuposto de merecimento de tutela da posse que, por isso mesmo, não pode ser objeto de proteção jurídica apartada dos valores sociais e existenciais de que serve de instrumento.83 Tem-se, então, que a posse também teve sua utilização afetada pelo Direito Constitucional. Empresa O direito empresarial também sofreu forte mudança desde a promulgação da Constituição. Antigamente regulada por diversas leis esparsas, como a Lei da Sociedade Anônima e o Código Comercial, este datado de 1850, havia uma necessidade de regulamentação mais clara e atualizada das empresas. Com a edição do Código Civil, compilou-se o entendimento doutrinário e jurisprudencial dos últimos anos nos arts. 966 a 1.195. Como não poderia deixar de ser, o Código, ao tratar das empresas, incorporou as mudanças realizadas pela Constituição. Para o Código Civil, o empresário é quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, excluindo-se quem exerce profissão intelectual, de TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil – Tomo II. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 157. 82 DIREITO CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. LOCAÇÃO. EXECUÇÃO. DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. VIOLAÇÃO. EXAME. IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA RESERVADA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. PRESSUPOSTOS. AFERIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. Refoge à competência do Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso especial, o exame de suposta afronta a dispositivo constitucional, por se tratar de matéria reservada ao Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, III, da Constituição da República. 2. O afastamento, pelo Tribunal de origem, da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica da parte recorrida, em face da revaloração das provas dos autos, não importa em cerceamento de defesa, mormente quando tal decisão não se baseou em ausência de prova, mas no entendimento de que os pressupostos autorizativos de tal medida não se encontrariam presentes. 3. A desconsideração da pessoa jurídica, mesmo no caso de grupos econômicos, deve ser reconhecida em situações excepcionais, quando verificado que a empresa devedora pertence a grupo de sociedades sob o mesmo controle e com estrutura meramente formal, o que ocorre quando diversas pessoas jurídicas do grupo exercem suas atividades sob unidade gerencial, laboral e patrimonial, e, ainda, quando se visualizar a confusão de patrimônio, fraudes, abuso de direito e má-fé com prejuízo a credores. 4. Tendo o Tribunal a quo, com base no conjunto probatório dos autos, firmado a compreensão no sentido de que não estariam presentes os pressupostos para aplicação da disregard doctrine, rever tal entendimento demandaria o reexame de matéria fático-probatória, o que atrai o óbice da Súmula no 7/STJ. Precedente do STJ. 5. Inexistência de dissídio jurisprudencial. 6. Recurso especial conhecido e improvido. (REsp 968.564/RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJE de 2/3/2009). 83 31 UNIDADE única | O direito civil na constituição federal natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo, nesses casos, se o exercício da profissão constituir elemento de empresa (art. 966). O Código Civil acaba com a antiga supressão doutrinária dos agricultores e construtores, que ficavam alheios ao conceito de comerciante. Da mesma forma, o Código trata mais claramente do empresário (art. 968) e da sociedade empresarial (art. 981). O Direito Civil sempre distinguiu o patrimônio da pessoa natural com o patrimônio da pessoa jurídica, não havendo comunicação entre elas, representado no brocardo latino: universitas distat a singulis. Todavia, tal entendimento perdeu seu caráter absoluto, em face da Teoria da Desconsideração da Pessoa Jurídica, teoria importada dos Estados Unidos, em que em situações de fraude, abuso de direito e má-fé com prejuízo a credores84, há a possibilidade de se alcançar os bens do sócio, pessoa natural, a fim de que se busquem os créditos referentes à pessoa jurídica que não suporta o ônus da dívida contraída. A desconsideração da pessoa jurídica, que evoluiu com a doutrina da defesa do consumidor, veio a ser transformada em lei no art. 50 do Código Civil, que diz: Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. Dessa forma, a empresa deixa de ser, por meio da pessoa jurídica, inatingível em seu patrimônio, cedendo aos limites de razoabilidade. Especialmente no que tange ao direito do consumidor e ao direito ambiental, a teoria da disregard doctrine, como é conhecida a desconsideração da pessoa jurídica, é ainda mais abrangente com relação à empresa. No voto da Min. Nancy Andrighi, o Superior Tribunal de Justiça confirmou que nessas duas hipóteses, não são exigíveis os requisitos do art. 50 do Código Civil, haja vista que tanto o consumidor como o usuário do meio ambiente não podem suportar o ônus da falência da empresa, podendo, nessas hipóteses específicas, ser alcançado o patrimônio dos sócios falidos, para satisfazer a indenização,85 respeitando o disposto no § 5o do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor ou no art. 4o da Lei no 9.605/1998. Responsabilidade civil e direito do consumidor. Recurso especial. Shopping Center de Osasco-SP. Explosão. Consumidores. Danos materiais e morais. Ministério Público. Legitimidade ativa. Pessoa jurídica. Desconsideração. Teoria maior e teoria menor. Limite de responsabilização dos sócios. Código de Defesa do Consumidor. Requisitos. Obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Art. 28, § 5o. – Considerada a proteção do consumidor um dos pilares da ordem econômica, e incumbindo ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, possui o Órgão Ministerial legitimidade para atuar em defesa de interesses individuais homogêneos de consumidores, decorrentes de origem comum. – A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração). – A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. – Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica. – A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5o do art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. – Recursos especiais não conhecidos. (REsp 279.273/SP, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 4/12/2003, DJ de 29/3/2004, p. 230). 84 (ADI no 1.950, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 3/11/2005, DJ de 2/6/2006). No mesmo sentido: ADI no 3.512, julgamento em 15/2/06, DJ de 23/6/2006. 85 32 O direito civil na constituição federal | UNIDADE única Verifica-se que se antes da Constituição o sócio da pessoa jurídica era absolutamente inviolável em seu patrimônio, dando ensejo a fraudes e abuso de direito, com o Código de Defesa do Consumidor – além de ele ser responsável nessas hipóteses, em face da situação fragilizada do consumidor – também poderá ser o sócio atingido na hipótese da existência de algum obstáculo para o recebimento de indenização pelos consumidores. Passou-se a preferir o modelo social de empresa, em contrapartida a ideia liberal. Por fim, não há como se falar em empresa sem levar em consideração os princípios do art. 170 da Constituição Federal que assim dispõe: Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. Verifica-se que o artigo acima assegura a livre iniciativa como fundamento da ordem econômica, assim como a valorização do trabalho, limitando, todavia, a atuação desta. Perguntar-se-ia: será que esse artigo realmente permite o que ele prevê, ou seja, a livre iniciativa? A crise econômica iniciada em 2008 é prova disso. A iniciativa privada e o Estado precisam um do outro para a realização eficiente e justa de uma economia sólida e que atenda aos interesses da Constituição. Contrato O contrato sempre foi a principal manifestação de vontade entre duas ou mais partes. As eventuais limitações sempre levaram em consideração o vício da vontade e as ofensas aos direitos fundamentais existentes, como a contratação, dando como garantia a vida ou a liberdade do indivíduo. 33 UNIDADE única | O direito civil na constituição federal O novo Código Civil, espelhando uma nova visão constitucional do Direito Civil e seguindo o direito de propriedade, limitou no art. 421 a liberdade contratual à chamada função social do contrato. Entretanto, a Carta Magna não fala expressamente sobre essa função social, sendo, na verdade, uma criação infraconstitucional amparada pelo espírito da Constituição. Aliás, não poderia ser de forma diferente, já que, lembrando o Code Civil francês, o contrato é o meio de aquisição da propriedade, a regra constitucional não teria efetividade se não fosse estendida aos contratos. Miguel Reale define bem o que vem a ser essa função social: O que o imperativo da “função social do contrato” estatui é que este não pode ser transformado em um instrumento para atividades abusivas, causando dano à parte contrária ou a terceiros, uma vez que, nos termos do art. 187, “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.86 De certa forma, tem-se uma concretização do disposto no art. 173, § 4o, da Constituição Federal, que proíbe o abuso do poder econômico. O Código Civil, buscando evitar situações abusivas, cria em seu art. 157, como um dos defeitos do negócio jurídico, a lesão que ocorre quando uma pessoa, sob necessidade ou inexperiência, se obriga à prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta, tendo-se claro golpe à liberdade absoluta do contrato, haja vista que a parte que assina o contrato nessa condição o faz por ausência de escolha. O Código prevê como hipótese de resolução do contrato de execução continuada ou diferida se uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, como descrito nos arts. 478 a 480. O interesse social torna-se claro nessas hipóteses em que a função do contrato vai além da mera vontade das partes. A função social do contrato vem agregada a outra inovação legal: a boa-fé objetiva. Admitida pela jurisprudência, a boa-fé objetiva vem disciplinada no art. 422, que obriga os contratantes a guardar, na conclusão e na execução do contrato, os princípios de probidade e boa-fé. A boa-fé é um modelo ético de conta social, caracterizada por uma atuação de acordo com determinados padrões sociais de lisura, honestidade e correção, de modo a não se frustrar a legítima confiança da outra parte.87 A boa-fé objetiva difere da subjetiva, já que esta é um estado psicológico, em que a pessoa possui a crença de ser titular de um direito, o que em verdade só existe na aparência.88 O indivíduo pode ter boa-fé subjetiva e não agir com boa-fé objetiva. Exemplo é o do cantor Zeca Pagodinho que assinou contrato com uma cervejaria e em muito pouco tempo se vinculou à outra FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Direito das obrigações. 3. ed., 2a tiragem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 59. 86 Idem, ibidem. 87 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Direito das obrigações. 3. ed., 2a tiragem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 60. 88 34 O direito civil na constituição federal | UNIDADE única empresa do mesmo ramo. A sua alegação de que não sabia da exclusividade do contrato poderia ser entendida como uma atuação de boa-fé subjetiva, mas é latente a falta de boa-fé objetiva.89 A análise da boa-fé objetiva é externa, não tem a ver com o ânimo do contratante, sendo o contrário de sua atuação a ausência de boa-fé e não a má-fé. O interesse é coletivo, no sentido de que as pessoas ajam com lealdade, honestidade e retidão.90 Enquanto a função social do contrato busca um caráter social, igualitário no contrato, a boa-fé busca a ética no direito das obrigações, devendo ser utilizada como instrumento de interpretação dos contratos, conforme redação do art. 113 do Código Civil; possui caráter de controle, já que a sua falta define o ato como ilícito, não se permitindo o abuso de direito e, por fim, desempenha uma função integrativa, já que os contratos, segundo a redação do art. 422, possuem a boa-fé objetiva independentemente de previsão entre as partes.91 A boa-fé objetiva passa a privilegiar a Teoria da Confiança, que mescla a teoria da vontade, a qual predominava a vontade interna das partes sobre a declaração e a Teoria da Declaração, pela qual prevalece o texto do contrato, independentemente da vontade das partes.92 Entretanto, não se pode deixar de lado a vontade das partes no momento da realização do contrato. A boa-fé objetiva é um limitador contra eventuais abusos de direito. Tanto a função social do contrato quanto a boa-fé objetiva não podem desconsiderar seu papel primário e natural, que é o econômico, não podendo ser alegada falta de boa-fé objetiva se a circunstância futura a qual estava o contrato obrigando as partes tiver alteração substancial, porém previsível.93 Idem, ibidem 89 MARTINS-COSTA, Judith, apud FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Direito das obrigações. 3. ed., 2a tiragem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 63. 90 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Direito das obrigações. 3. ed., 2a tiragem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 64. 91 92 DIREITO CIVIL E AGRÁRIO. COMPRA E VENDA DE SAFRA FUTURA A PREÇO CERTO. ALTERAÇÃO DO VALOR DO PRODUTO NO MERCADO. CIRCUNSTÂNCIA PREVISÍVEL. ONEROSIDADE EXCESSIVA. INEXISTÊNCIA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO, BOA-FÉ OBJETIVA E PROBIDADE. INEXISTÊNCIA. – A compra e venda de safra futura, a preço certo, obriga as partes se o fato que alterou o valor do produto agrícola não era imprevisível. – Na hipótese afigura-se impossível admitir onerosidade excessiva, inclusive porque a alta do dólar em virtude das eleições presidenciais e da iminência de guerra no Oriente Médio – motivos alegados pelo recorrido para sustentar a ocorrência de acontecimento extraordinário – porque são circunstâncias previsíveis, que podem ser levadas em consideração quando se contrata a venda para entrega futura com preço certo. – O fato do comprador obter maior margem de lucro na revenda, decorrente da majoração do preço do produto no mercado após a celebração do negócio, não indica a existência de má-fé, improbidade ou tentativa de desvio da função social do contrato. – A função social infligida ao contrato não pode desconsiderar seu papel primário e natural, que é o econômico. Ao assegurar a venda de sua colheita futura, é de se esperar que o produtor inclua nos seus cálculos todos os custos em que poderá incorrer, tanto os decorrentes dos próprios termos do contrato, como aqueles derivados das condições da lavoura. – A boa-fé objetiva se apresenta como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse modelo, agindo como agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal. Não tendo o comprador agido de forma contrária a tais princípios, não há como inquinar seu comportamento de violador da boa-fé objetiva. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 803.481/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/6/2007, DJ de 1/8/2007, p. 462). Contrato bancário. Ação revisional. CDC. Aplicação. Súmula no 297/STJ. Vedação da capitalização mensal de juros. Precedentes. Cobrança de comissão de permanência. Possibilidade. Aplicação das Súmulas nos 30, 294 e 296 do STJ. Cumulação com encargos moratórios. Impossibilidade. Possibilidade de repetição do indébito, pois prescindível a demonstração do pagamento fundado em erro. I – As disposições do Código de Defesa do Consumidor são aplicáveis aos contratos bancários (Súmula no 297/STJ). II – É vedada a capitalização mensal dos juros, ainda que pactuada, salvo as expressas exceções legais (Súmula no 93/STJ). Incidência do art. 4o do Decreto no 22.626/1933 e da Súmula no 121/STF. III – A despeito da redação do inciso I da Resolução no 1.129/1986, a Segunda Seção deste Tribunal confirmou o entendimento das Turmas que a compõem, no sentido de ser vedada a cumulação da comissão de permanência com correção monetária (Súmula no 30), com os juros remuneratórios (Súmula no 296) ou quaisquer acréscimos decorrentes da mora, tais como os juros moratórios e multa (AgRg no RESP 712.801/RS, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 4/5/2005). IV – Entendidas como consequências lógicas do pleito revisional, à vista da vedação legal ao enriquecimento sem causa, não há obstáculos à compensação e à devolução de valor pago indevidamente. V – Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 699.352/RS, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/5/2005, DJ de 20/6/2005, p. 284). 93 35 UNIDADE única | O direito civil na constituição federal Os contratos de adesão são um campo fértil para a discussão da eticidade e do caráter social do contrato. A regra do pacta sunt servanda teve vigência plena até a edição do Código de Defesa do Consumidor que em seu art. 54 dispõe: Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. § 1o A inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão do contrato. § 2o Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que a alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no § 2° do artigo anterior. § 3o Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor § 4o As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão. Muito comum nas relações de consumo, essa forma de contrato passou a ter diversos requisitos a fim de garantir ao consumidor transparência no momento de sua assinatura, haja vista que o aderente não pode negociar qualquer cláusula. O Código Civil, no art. 423, afirma, inclusive, que caso as cláusulas sejam ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente. Dessa forma, o Código Civil ultrapassa o limite do consumidor, limitando ainda mais o contrato de adesão contra abusos. Exemplo disso foi a interpretação dada pelo Superior Tribunal de Justiça acerca da capitalização de juros (cobrança de juros sobre juros), que foi considerada cláusula abusiva, ainda que expressamente pactuadas,94 salvo se previstas em lei, como é o caso do art. 5o da Medida Provisória no 2.170-36, que permite a capitalização de juros no período de um ano.95 Dessa forma, o contrato de adesão continua vinculando as partes contraentes, devendo apenas ser evitado o abuso de direito contra a parte aderente, hoje tanto na seara do direito do consumidor como em todo o direito civil. CIVIL E PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATOS DE ABERTURA DE CRÉDITO ROTATIVO E DE ADESÃO A PRODUTOS E SERVIÇOS. INOVAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS. VEDAÇÃO. MEDIDA PROVISÓRIA No 1.963-17/2000. CONTRATO ANTERIOR. RECURSO MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE. MULTA, ART. 557, § 2o, DO CPC. I. Em sede de agravo regimental não se permite adicionar fundamento às razões do recurso especial. II. “O artigo 5o da Medida Provisória no 2.170-36 permite a capitalização dos juros remuneratórios, com periodicidade inferior a um ano, nos contratos bancários celebrados após 31/3/2000, data em que o dispositivo foi introduzido na MP no 1963-17” (2a Seção, REsp n. 602.068/RS, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJU de 21/3/2005). III. Sendo manifestamente improcedente e procrastinatório o agravo, é de se aplicar a multa prevista no art. 557, § 2o, do CPC, de 1% (um por cento) sobre o valor atualizado da causa, ficando a interposição de novos recursos sujeita ao prévio recolhimento da penalidade imposta. (AgRg no REsp 897.234/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 3/5/2007, DJ de 4/6/2007, p. 373). 94 95 36 CARBONNIER, Jean, apud FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Teoria Geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 4. Capítulo 4 Análise da relativização do conceito de direito subjetivo: o abuso de direito Antes de falar em direito subjetivo, é imprescindível separá-lo do direito objetivo. Na verdade, o direito objetivo nos permite fazer algo porque temos o direito subjetivo de fazê-lo.96 O direito objetivo é a norma, a lei, enquanto o direito subjetivo é a facultas agendi, ou seja, a faculdade de agir, de exercer um direito individual qualquer. O direito subjetivo difere do direito potestativo, já que este atribui ao seu titular a possibilidade de produzir efeitos jurídicos em determinadas situações mediante ato próprio de vontade, inclusive atingindo a terceiros interessados nessa situação, que não poderão se opor.97 Dispensa-se o comportamento do sujeito passivo, formando situações jurídicas pela sua própria vontade, impondo a terceiros determinados comportamentos.98 Exemplo disso é o empregador ao demitir o empregado. Segundo Nelson Rosenvald e Cristiano de Farias, o direito subjetivo possui algumas características:99 1) corresponde a uma pretensão conferida ao titular, paralelamente a um dever jurídico imposto a outrem; 2) admite violação, pois o terceiro pode não se comportar de acordo com a pretensão do titular (gerando o direito à indenização pelo prejuízo causado); 3) é coercível, podendo o sujeito ativo coagir o passivo a cumprir o seu dever; 4) o seu exercício depende, fundamentalmente, da vontade do titular. Os direitos subjetivos podem ser absolutos ou relativos. Absolutos, quando exercíveis contra a coletividade, como o direito de propriedade. Relativos quando o dever jurídico é imposto a determinadas ou determináveis pessoas, como é um direito firmado em contrato. A ordem constitucional e, hoje, a legislação civil vigente impuseram alguns limites a esse direito subjetivo, que são a boa-fé e sua função social, cujo descumprimento resulta no abuso de direito. Há de se ressaltar que antes do abuso de direito, o proprietário de um bem tinha o absoluto direito de uso, fruição e gozo do bem. CARBONNIER, Jean, apud FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Teoria Geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 4. 96 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Teoria Geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 7. 97 Idem, ibidem. 98 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Teoria Geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 5. 99 37 UNIDADE única | O direito civil na constituição federal Ressalte-se que os direitos subjetivos não foram criados ou instituídos pelo legislador em homenagem às prerrogativas egoísticas de certo indivíduo, mas objetivando o interesse social ou econômico.100 O abuso de direito teve como leading case, o caso de Clement Abyard, julgado pela Corte de Amiens. O proprietário de um terreno vizinho a um campo de pouso de dirigíveis construiu, sem qualquer justificativa ou interesse próprio, torres com lanças de ferro, colocando em perigo as aeronaves que ali aterrissavam, fazendo com que o Tribunal entendesse abusiva a conduta por um exercício anormal de seu direito de propriedade.101 Orlando Gomes entende que a teoria do abuso de direito funciona como um amortecedor, cuja função é aliviar os choques frequentes entre a lei e a realidade.102 O abuso de direito entra em choque frontal com a função social, haja vista que no abuso de direito o comportamento do indivíduo atende ao direito, mas no ato do seu exercício há uma violação de ordem material, descumprindo-se o sentido da norma.103 Há uma vinculação da noção do abuso de direito com o princípio da proporcionalidade, muito além da ideia liberal de que seu direito se encerra quando começa o do outro, como poderíamos pensar do leading case acima mencionado. Não se deve levar em consideração o caráter psicológico do agente no momento da conduta, sob risco de se provar a existência de eventual dolo e culpa, devendo o critério para aferir o abuso de direito ser objetivo. O Código Civil não chegou a estipular quais seriam os critérios a serem utilizados para definir o abuso de direito, ao contrário do Código de Defesa do Consumidor que arrolou exemplificativamente as hipóteses no art. 51.104 Entretanto, o Código, em seu art. 187, delimita o abuso do direito a partir CASORETTI, Simone. In: Comentários ao código civil: artigo por artigo. Coordenação Luiz Antonio Scavone Jr et alli, 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 426. 100 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 133. 101 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 131. 102 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Teoria Geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 506. 103 Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; II – subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código; III – transfiram responsabilidades a terceiros; IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; V – (Vetado); VI – estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor; VII – determinem a utilização compulsória de arbitragem; VIII – imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor; IX – deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor; X – permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral; XI – autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor; XII – obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor; XIII – autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração; XIV – infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais; XV – estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor; XVI – possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias. § 1o Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que: I – ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. § 2° A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes. 104 38 O direito civil na constituição federal | UNIDADE única da violação do fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. A boa-fé e os bons costumes constituem o elemento ético contratual. A boa-fé, que pressupõe a confiança entre as partes contratantes, não se confunde com os bons costumes, que tem uma relação estrita com a moral105, sendo aqueles que se cultivam como condições de moralidade social, matéria sujeita a variações de época a época, de país a país, e até dentro de um mesmo país e de uma mesma época. Seriam como exemplo aqueles que ofendem a opinião corrente à moral sexual, ao respeito da pessoa humana, entre outros.106 A boa fé é afirmativa, enquanto prescreve modelos de comportamento a assumir, enquanto os bons costumes suprimem efeitos da atividade negocial nociva.107 Entendendo como abusivo o ato que viole o seu fim econômico ou social, passa a ser admitida a intervenção em face de a liberdade contratual ser lesiva ao interesse comum. O legislador brasileiro praticamente copiou o disposto no art. 334 do Código português, inspirado pelo art. 2o do Código Civil suíço, que determina a boa-fé tanto no momento do exercício de seus direitos como no cumprimento dos seus deveres. Dessa forma, boa-fé e abuso de direitos se complementam. Tanto o ato ilícito quanto o abuso de direito são fontes do dever de indenizar quando o comportamento do agente seja passível de um juízo de censura.108 Tanto é assim que o legislador colocou os arts. 186 e 187 como fatos geradores de atos ilícitos. Não se pode imaginar, todavia, que boa-fé e abuso de direito sejam a mesma coisa. A boa-fé é um parâmetro utilizado para se definir a ocorrência ou não do abuso de direito. Assim, a boa-fé transforma-se em uma cláusula geral, existente em todos os contratos e por ser de matéria pública, podendo ser avocada pela parte interessada, pelo Ministério Público ou até conhecido de ofício pelo Juiz, a qualquer tempo ou grau de jurisdição.109 O juiz deverá, reconhecido o ato abusivo, rever a respectiva cláusula, podendo até determinar uma indenização pelos danos morais ou materiais. A boa-fé não constitui mais um imperativo ético, como a concepção clássica de bona fides não constitui um imperativo ético abstrato, mas sim uma norma que condiciona e legitima toda a experiência jurídica, desde a interpretação dos mandamentos legais e das cláusulas contratuais até as suas últimas consequências. O legislador utiliza-se de um critério objetivo, ao não exigir dolo por parte do violador do direito, e sim uma ofensa a um dos três princípios do art. 187. O ato ilícito praticado difere do previsto no art. 186, que remonta ao Código Civil anterior, por este violar um direito e causar dano, enquanto que no abuso de direito há um excesso no exercício do direito, ofendendo a sua valoração, negligenciando o elemento ético que preside a sua adequação ao ordenamento.110 Ambos são espécies do gênero antijuridicidade. LARENZ, Karl. apud FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Teoria Geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 509. 105 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. III – Contratos. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 11. 106 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Teoria Geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 509. 107 VIEIRA DE MELLO, Heloísa Carpena. In: TEPEDINO, Gustavo. Problemas de Direito Civil Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000 p. 315. 108 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Novo Código Civil e Legislação extravagante. São Paulo: RT, 2002, p. 110. 109 Neste sentido: FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: teoria geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 514. 110 39 UNIDADE única | O direito civil na constituição federal O Superior Tribunal de Justiça já tem várias decisões em que entendeu ter havido abuso de direito. Entre elas: a. indivíduo que planta árvores em seu terreno, impedindo a vista do lote vizinho;111 b. indivíduo que se exime do pagamento de dívida de jogo contraída no exterior, em local onde a conduta é legalizada;112 c. o corte de fornecimento de energia elétrica por empresa concessionária do serviço por dívida inferior a R$ 1,00;113 d. a venda de bem imóvel modesto indivisível, moradia da família, para garantir um quarto da propriedade do ex-marido;114 e. o banco que se apropria do salário do correntista devedor, com base em cláusula contratual;115 DIREITO CIVIL. SERVIDÕES LEGAIS E CONVENCIONAIS. DISTINÇÃO. ABUSO DE DIREITO. CONFIGURAÇÃO. – Há de se distinguir as servidões prediais legais das convencionais. As primeiras correspondem aos direitos de vizinhança, tendo como fonte direta a própria lei, incidindo independentemente da vontade das partes. Nascem em função da localização dos prédios, para possibilitar a exploração integral do imóvel dominante ou evitar o surgimento de conflitos entre os respectivos proprietários. As servidões convencionais, por sua vez, não estão previstas em lei, decorrendo do consentimento das partes. – Na espécie, é incontroverso que, após o surgimento de conflito sobre a construção de muro lindeiro, as partes celebraram acordo, homologado judicialmente, por meio do qual foram fixadas condições a serem respeitadas pelos recorridos para preservação da vista da paisagem a partir do terreno dos recorrentes. Não obstante inexista informação nos autos acerca do registro da transação na matrícula do imóvel, essa composição equipara-se a uma servidão convencional, representando, no mínimo, obrigação a ser respeitada pelos signatários do acordo e seus herdeiros. – Nosso ordenamento coíbe o abuso de direito, ou seja, o desvio no exercício do direito, de modo a causar dano a outrem, nos termos do art. 187 do CC/2002. Assim, considerando a obrigação assumida, de preservação da vista da paisagem a partir do terreno dos recorrentes, verifica-se que os recorridos exerceram de forma abusiva o seu direito ao plantio de árvores, descumprindo, ainda que indiretamente, o acordo firmado, na medida em que, por via transversa, sujeitaram os recorrentes aos mesmos transtornos causados pelo antigo muro de alvenaria, o qual foi substituído por verdadeiro “muro verde”, que, como antes, impede a vista panorâmica. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 935.474/RJ, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/8/2008, DJE de 16/9/2008). 111 CARTA ROGATÓRIA. CITAÇÃO. AÇÃO DE COBRANÇA DE DÍVIDA DE JOGO CONTRAÍDA NO EXTERIOR. EXEQUATUR. POSSIBILIDADE. Não ofende a soberania do Brasil ou a ordem pública conceder exequatur para citar alguém a se defender contra cobrança de dívida de jogo contraída e exigida em Estado estrangeiro, onde tais pretensões são lícitas. (AgRg na CR 3.198/US, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, CORTE ESPECIAL, julgado em 30/6/2008, DJE de 11/9/2008). 112 PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. DISSÍDIO PRETORIANO NÃO DEMONSTRADO. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. SUSPENSÃO. ALEGADA VIOLAÇÃO DOS ARTS. 186 E 188, I, DO CC. NÃO OCORRÊNCIA. ABUSO DE DIREITO. CONFIGURAÇÃO DE ATO ILÍCITO (CC, ART. 187). RESSARCIMENTO DEVIDO. DOUTRINA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DESPROVIDO. 1. A divergência jurisprudencial deve ser devidamente demonstrada, conforme as exigências do parágrafo único do art. 541 do CPC, c/c o art. 255 e seus parágrafos, do RISTJ, não bastando, para tanto, a simples transcrição de ementas. 2. A questão controvertida neste recurso especial não se restringe à possibilidade/impossibilidade do corte no fornecimento de energia elétrica em face de inadimplemento do usuário. O que se discute é a existência ou não de ato ilícito praticado pela concessionária de serviço público, cujo reconhecimento implica a responsabilidade civil de indenizar os transtornos sofridos pela consumidora. 3. Comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos costumes (art. 187 do Código Civil). 4. A recorrente, ao suspender o fornecimento de energia elétrica em razão de um débito de R$ 0,85, não agiu no exercício regular de direito, e sim com flagrante abuso de direito. Aplicação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. 5. A indenização por danos morais foi fixada em valor razoável pelo Tribunal a quo (R$1.000,00), e atendeu sua finalidade sem implicar enriquecimento ilícito à indenizada. 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido. (REsp 811.690/RR, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/5/2006, DJ de 19/6/2006, p. 123). 113 Condomínio. Bem indivisível. Alienação judicial. Falta de citação do condômino. Moradia da família. – O condômino do imóvel indivisível que se quer alienar judicialmente deve ser citado. Art. 1105 do CPC. –Servindo o imóvel modesto para a moradia da ex-mulher e dos filhos do autor, a imposição da perda do bem com a alienação forçada caracteriza abuso de direito, pois a medida servirá apenas para preservar 25% da propriedade do autor. Art. 187 do Novo Código Civil. Recurso conhecido e provido. (REsp 367.665/SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 15/5/2003, DJ de 15/12/2003, p. 314). 114 CONTA CORRENTE. Apropriação do saldo pelo banco credor. Numerário destinado ao pagamento de salários. Abuso de direito. Boa-fé. Age com abuso de direito e viola a boa-fé o banco que, invocando cláusula contratual constante do contrato de financiamento, cobra-se lançando mão do numerário depositado pela correntista em conta destinada ao pagamento dos salários de seus empregados, cujo numerário teria sido obtido junto ao BNDES. A cláusula que permite esse procedimento é mais abusiva do que a cláusula mandato, pois, enquanto esta autoriza apenas a constituição do título, aquela permite a cobrança pelos próprios meios do credor, nos valores e no momento por ele escolhidos. Recurso conhecido e provido. (REsp 250523/SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 19/10/2000, DJ de 18/12/2000 p. 203). 115 40 O direito civil na constituição federal | UNIDADE única f. a utilização da via falimentar como meio de cobrança de pequeno valor para forçar o pagamento de forma mais célere;116 g. a recusa do réu no processo civil acerca da desistência da ação por parte do autor sem qualquer fundamentação;117 h. banco que recebe duplicata em operação de desconto e leva-a a protesto sem verificar devidamente a sua regularidade;118 i. cláusula que limita o tempo de internação de segurado por plano de saúde;119 Sob o pálio do combate ao abuso de direito, o Superior Tribunal de Justiça editou o Enunciado no 130, que determina que a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorrido em seu estacionamento, mesmo que haja cláusula expressa contrária. Outros casos que poderiam se enquadrar no abuso de direito seriam o de genitor que muda de domicílio a fim de frustrar o direito de visitas do genitor não guardião, os spams, a abertura pelo proprietário de poço em seu terreno com o fito de prejudicar nascente de água em prédio vizinho, o uso por parte de sociomajoritário de expediente a fim de prejudicar sócios minoritários, assim como as propagandas abusivas proibidas pelo Código de Defesa do Consumidor.120 FALÊNCIA. DEPÓSITO ELISIVO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESCABIMENTO DA VERBA. PRECEDENTE DA TURMA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. – EM SE TRATANDO DE DEPÓSITO ELISIVO EM FALÊNCIA, INDEVIDA E A VERBA HONORÁRIA EM FACE DO ART. 208, PAR. 2. DA LEI FALIMENTAR. – A OPÇÃO PELA VIA FALIMENTAR COMO MEIO DE COBRANÇA, EM DETRIMENTO DA VIA EXECUTIVA, CONSTITUI, INÚMERAS VEZES, ABUSO DE DIREITO, A MERECER REDOBRADA ATENÇÃO DO JULGADOR, QUE NÃO A DEVE PRESTIGIAR E ESTIMULAR. (REsp 1.712/RJ, Rel. Ministro FONTES DE ALENCAR, Rel. p/ Acórdão Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 13/2/1990, DJ de 9/4/1990, p. 2745). 116 PROCESSO CIVIL. PEDIDO DE DESISTÊNCIA DA AÇÃO. DEFERIMENTO. HOMOLOGAÇÃO. RÉU INTIMADO. DISCORDÂNCIA. AUSÊNCIA DE MOTIVO RELEVANTE. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA DO ART. 267, § 4o, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 1. A recusa do réu ao pedido de desistência deve ser fundamentada e justificada, não bastando apenas a simples alegação de discordância, sem a indicação de qualquer motivo relevante (REsp 90738/RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 21/9/1998). 2. A desistência da ação é instituto de cunho nitidamente processual, não atingindo o direito material objeto da ação. A parte que desiste da ação engendra faculdade processual, deixando incólume o direito material, tanto que descompromete o Judiciário de se manifestar sobre a pretensão de direito material (Luiz Fux, Curso de Direito Processual Civil, 3. ed., p. 449). 3. A despeito de ser meramente processual, após o oferecimento da resposta, é defeso ao autor desistir da ação sem o consentimento do réu, nos termos do art. 267, § 4o, do CPC. 4. A regra impositiva decorre da bilaterialidade formada no processo, assistindo igualmente ao réu o direito de solucionar o conflito. Todavia, a oposição à desistência da ação deverá ser fundamentada, sob pena de configurar abuso de direito. Precedentes: (REsp 976861/SP, DJ de 19/10/2007; REsp 241780/PR, DJ de 3/4/2000; REsp 115642/SP, DJ de 13/10/1997.) 5. Recurso especial improvido. (REsp 864.432/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/2/2008, DJE de 27/3/2008). 117 Direito civil. Ação de indenização por danos morais. Duplicata levada a protesto com equivocado número de CNPJ. Operação de desconto. Art. 13, § 4o, da Lei no. 5.474/1968. Ausência de verificação da regularidade da duplicata. Abuso de direito. – O banco que recebe duplicata em operação de desconto e leva-a a protesto sem verificar devidamente a sua regularidade comete ato abusivo e responde pelos prejuízos causados a terceiro de boa-fé. Precedentes. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 456.088/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 4/9/2003, DJ de 20/10/2003, p. 270). 118 Plano de saúde. Limite temporal da internação. Cláusula abusiva. 1. É abusiva a cláusula que limita no tempo a internação do segurado, o qual prorroga a sua presença em unidade de tratamento intensivo ou é novamente internado em decorrência do mesmo fato médico, fruto de complicações da doença, coberto pelo plano de saúde. 2. O consumidor não é senhor do prazo de sua recuperação, que, como é curial, depende de muitos fatores, que nem mesmo os médicos são capazes de controlar. Se a enfermidade está coberta pelo seguro, não é possível, sob pena de grave abuso, impor ao segurado que se retire da unidade de tratamento intensivo, com o risco severo de morte, porque está fora do limite temporal estabelecido em uma determinada cláusula. Não pode a estipulação contratual ofender o princípio da razoabilidade, e se o faz, comete abusividade vedada pelo art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor. Anote-se que a regra protetiva, expressamente, refere-se a uma desvantagem exagerada do consumidor e, ainda, a obrigações incompatíveis com a boa-fé e a equidade. 3. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 158.728/RJ, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/3/1999, DJ de 17/5/1999, p. 197). 119 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: teoria geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 525. 120 41 UNIDADE única | O direito civil na constituição federal O abuso de direito ataca as três novas visões do Código, a saber: a eticidade, a socialidade e a operabilidade do Direito Civil, esta última vista nas cláusulas abertas vindas da teoria da imprevisão, da resolução da onerosidade contratual e até da função social do contrato e da boa-fé objetiva, na medida em que permite ao Estado intervir na economia e funcionalizar o contrato como uma operação dinâmica, complexa, solidária e não apenas como um instrumento de ruína para o devedor, contra a ideia do pacta sunt servanda.121 Dessa forma, tem-se que os novos caracteres do Direito Civil moderno não ofendem o liberalismo contratual, mas delimita e impede seus excessos, fazendo com que o exercício do direito não se torne abuso nocivo à construção da sociedade, o que justamente a Constituição pretende. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6737, Acesso em: 10/04/2009.>. 121 42 Capítulo 5 A vedação ao enriquecimento sem causa como princípio O enriquecimento sem causa sempre esteve presente no direito brasileiro, mas nunca em sede legislativa. O Código Civil de 2002 inovou e nos arts. 884 a 886 faz previsão expressa da proibição do enriquecimento ilícito. Segundo Orlando Gomes: Há enriquecimento ilícito quando alguém, a expensas de outrem, obtém vantagem patrimonial sem causa, isto é, sem que a tal vantagem se funde em dispositivo de lei ou em negócio jurídico anterior. São necessários os seguintes elementos: a) o enriquecimento de alguém; b) o empobrecimento de outrem; c) o nexo de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento; e d) a falta de causa justa.122 Dessa forma, o Direito Civil, influenciado por uma premissa cada vez mais justa dentro da visão constitucional, não pode admitir que determinada pessoa enriqueça sem que haja justa causa para tanto, em detrimento de prejuízo de terceiro. O art. 884 dispõe que: Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição far-se-á pelo valor do bem na época em que foi exigido. O Código, assim, determina a devolução da quantia indevidamente auferida e quando se tratar de coisa determinada será este o objeto a ser restituído, devendo ser indenizado pelo valor do bem na época em que foi exigido quando não mais subsistir. O Código Civil de 1916 nada falava sobre o enriquecimento ilícito, fazendo com que a matéria ficasse apenas sob a égide principiológica.123 O artigo que mais se aproximava da proibição e que era utilizado pela jurisprudência era o 924,124 sendo este usado até antes da edição do Código de Defesa do Consumidor, que, de certa forma, ao buscar o favorecimento do consumidor contra o fornecedor impedia o enriquecimento GOMES, Orlando. Direito das obrigações. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1972, p. 289. 122 TALAVERA, Glauber Moreno. Comentários ao Código Civil: artigo por artigo/Coordenação Luiz Antônio Scavone Jr., 2. ed., rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 1178. 123 Art. 924. Quando se cumprir em parte a obrigação, poderá o juiz reduzir proporcionalmente a pena estipulada para o caso de mora, ou de inadimplemento. 124 43 UNIDADE única | O direito civil na constituição federal sem causa,125 já que em seu art. 53, apesar de não tratar expressamente do enriquecimento sem causa, garantia ao consumidor o direito de ressarcimento parcial nos contratos de compra e venda mediante prestações, em caso de inadimplemento. Antes da Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal já tratava do enriquecimento sem causa, ora chamando de locupletamento ilícito,126 ora como enriquecimento ilícito127, ora como enriquecimento sem causa em si.128 Normalmente, aplicava-se o princípio para análise de clausulas obrigacionais, pagamento de indenização por ações de desapropriação e em questões tributárias. Com a edição do CDC, o enriquecimento sem causa que afetava o consumidor, passava a beneficiá-lo, o que obrigou os tribunais a também vedarem tal situação.129 Diversas decisões no país foram alteradas pelo STJ ou pelo STF, nas situações em que o dano moral a favor do consumidor se mostrava desproporcional, gerando enriquecimento ilícito.130 Como situação contrária ao direito, não se pode admitir, mesmo que favorável a uma situação hipossuficiente, a possibilidade de enriquecimento ilícito. O Ministro Marco Aurélio, do Supremo CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. DEVOLUÇÃO DAS PRESTAÇÕES PAGAS. ART. 53, CDC. INAPLICABILIDADE. CC, ART. 924. ORIENTAÇÃO DA CORTE. PRECEDENTES. DIVERGÊNCIA. CARACTERIZAÇÃO. PEDIDO DE HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO. NÃO FORMALIZAÇÃO. DESACOLHIMENTO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I – Mesmo celebrado o contrato antes da vigência do Código de Defesa do Consumidor, o que impunha considerar eficaz previsão contratual de perda das quantias pagas pelo promissário adquirente, pode o juiz, autorizado pelo disposto no art. 924, CC, reduzi-la a patamar justo, com o objetivo de evitar enriquecimento sem causa que de sua imposição integral adviria à promitente-vendedora. II – Desacolhe-se o pedido de homologação judicial de acordo se a parte, reiteradamente intimada para a sua regularização, se mantém omissa. (REsp 142942/SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 26/10/1999, DJ de 13/12/1999, p. 150). 125 CÓDIGO CIVIL, ART. 964. LOCUPLETAMENTO ILÍCITO; RELAÇÃO DE CAUSALIDADE ENTRE O ENRIQUECIMENTO E O EMPOBRECIMENTO. ESSES REQUISITOS, PRESSUPOSTOS DOS DENOMINADOS CONDITIONES SINE CAUSA, DE MODO A CONSTITUIR A CONDITIO INDEBITI, UMA VEZ QUE SE NÃO DEMONSTRA O DESVIO DAS QUANTIAS RECEBIDAS PARA SUA APLICAÇÃO EM OUTROS FINS NÃO PREDETERMINADOS PELOS DOADORES. (RE 34521, Relator(a): Min. RIBEIRO DA COSTA, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/6/1957, ADJ de 2/9/1957 PP-02250 DJ de 21/6/1957 PP-07282 EMENT VOL-00301 PP-00103 RTJ VOL-00001-01 PP-00943). 126 MULHER CASADA. RESGUARDO DA SUA MEAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA DE AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO MOVIDA CONTRA O SEU MARIDO. DESCABIMENTO DO PEDIDO DESDE QUE NÃO FICOU DEMONSTRADO PELA EMBARGANTE QUE NÃO HOUVE PROVEITO COMUM, DECORRENTE DA ATIVIDADE EXERCIDA PELO MARIDO, E DE QUE RESULTOU ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. INEXISTÊNCIA DE VULNERAÇÃO DO DIREITO POSITIVO FEDERAL. DECISÃO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO S.T.F. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO. (RE 96101, Relator(a): Min. DJACI FALCAO, SEGUNDA TURMA, julgado em 30/3/1982, DJ de 23/4/1982 PP-03671 EMENT VOL-01251-03 PP-00662 RTJ VOL-00104-02 PP-00819). 127 128 MÚTUO, EM MOEDA ESTRANGEIRA, CONTRAÍDO E EXEQUÍVEL NO BRASIL. INTELIGÊNCIA DO ART. 2 DO DECRETO no 23.501, DE 27 DE NOVEMBRO DE 1933. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DE QUE É VEDADO O ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. A CONVERSÃO DA MOEDA ESTRANGEIRA EM MOEDA NACIONAL SE FAZ PELO CÂMBIO DA DATA EM QUE FOI CONTRAÍDA A OBRIGAÇÃO, E NÃO DO SEU PAGAMENTO, POIS, COM BASE NO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA, APENAS SE RESTITUEM AS PARTES AO STATUS QUO ANTE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. (RE 80172, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, TRIBUNAL PLENO, julgado em 8/9/1976, DJ de 15/4/1977, RTJ VOL-00082-02 PP-00491). CONSÓRCIO – PREÇO – PRAZO DE PAGAMENTO – ATUALIZAÇÃO DAS PARCELAS – DILATAÇÃO DO PRAZO. Mostra-se consentânea com as noções relativas ao ato jurídico perfeito a cobrança de parcelas suplementares decorrentes da projeção no tempo de majoração do preço do veículo. No contrato coletivo de consórcio, a obrigação primeira do consorciado é o pagamento total e atualizado do preço do veículo, ficando viabilizada, com isso, a entrega a todos os consorciados. A ordem jurídico-constitucional não agasalha óptica conducente a verdadeiro enriquecimento sem causa, potencializando-se interesse individual, momentâneo e isolado, em detrimento dos interesses do grupo e, portanto, da coletividade. (RE 141298, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 13/5/1996, DJ de 18/6/2001 PP-00012 EMENT VOL-02035-02 PP-00277). 129 130 44 DIREITO CIVIL. DANO MORAL. REGISTRO INDEVIDO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. A jurisprudência desta Corte está consolidada no sentido de que, na concepção moderna do ressarcimento por dano moral, prevalece a responsabilização do agente por força do simples fato da violação, de modo a tornar-se desnecessária a prova do prejuízo em concreto, ao contrário do que se dá quanto ao dano material. O valor arbitrado a título de danos morais, contudo, revela-se exagerado e desproporcional às peculiaridades da espécie. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (REsp 556.745/SC, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 14/10/2003, DJ de 15/12/2003, p. 319). O direito civil na constituição federal | UNIDADE única Tribunal Federal, chega a afirmar que a proibição do enriquecimento ilícito é cláusula constitucional implícita131. Essa cláusula implícita fez com que o Supremo enfrentasse uma questão delicada. O não pagamento de consulados estrangeiros de direitos trabalhistas a empregados contratados no Brasil. Nesse sentido, é interessante o julgamento feito pela Suprema Corte em que indivíduo pleiteava seus direitos contra o consulado japonês: E M E N T A: IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO – RECLAMAÇÃO TRABALHISTA – LITÍGIO ENTRE ESTADO ESTRANGEIRO E EMPREGADO BRASILEIRO – EVOLUÇÃO DO TEMA NA DOUTRINA, NA LEGISLAÇÃO COMPARADA E NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: DA IMUNIDADE JURISDICIONAL ABSOLUTA À IMUNIDADE JURISDICIONAL MERAMENTE RELATIVA – RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO. OS ESTADOS ESTRANGEIROS NÃO DISPÕEM DE IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO, PERANTE O PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO, NAS CAUSAS DE NATUREZA TRABALHISTA, POIS ESSA PRERROGATIVA DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO TEM CARÁTER MERAMENTE RELATIVO. – O Estado estrangeiro não dispõe de imunidade de jurisdição, perante órgãos do Poder Judiciário brasileiro, quando se tratar de causa de natureza trabalhista. Doutrina. Precedentes do STF (RTJ 133/159 e RTJ 161/643-644). – Privilégios diplomáticos não podem ser invocados, em processos trabalhistas, para coonestar o enriquecimento sem causa de Estados estrangeiros, em inaceitável detrimento de trabalhadores residentes em território brasileiro, sob pena de essa prática consagrar censurável desvio ético-jurídico, incompatível com o princípio da boa-fé e inconciliável com os grandes postulados do direito internacional. O PRIVILÉGIO RESULTANTE DA IMUNIDADE DE EXECUÇÃO NÃO INIBE A JUSTIÇA BRASILEIRA DE EXERCER JURISDIÇÃO NOS PROCESSOS DE CONHECIMENTO INSTAURADOS CONTRA ESTADOS ESTRANGEIROS. – A imunidade de jurisdição, de um lado, e a imunidade de execução, de outro, constituem categorias autônomas, juridicamente inconfundíveis, pois – ainda que guardem estreitas relações entre si – traduzem realidades independentes e distintas, assim reconhecidas quer no plano conceitual, quer, ainda, no âmbito de desenvolvimento das próprias relações internacionais. A eventual impossibilidade jurídica de ulterior realização prática do título judicial condenatório, em decorrência da prerrogativa da imunidade de execução, não se revela suficiente para obstar, só por si, a instauração, perante Tribunais brasileiros, de processos de conhecimento contra Estados estrangeiros, notadamente quando se tratar de litígio de natureza trabalhista. Doutrina. Precedentes.132 (RE 222368 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 30/4/2002, DJ de 14/2/2003 PP-00070 EMENT VOL-02098-02 PP-00344) Nesse momento, o enriquecimento sem causa já estava presente no direito brasileiro, tendo o Superior Tribunal de Justiça, interpretando sua vedação, passou a intervir em diversas situações, como, por AGRAVO DE INSTRUMENTO – ATUAÇÃO DO RELATOR – USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO COLEGIADO. (...). O alcance respectivo há de ser perquirido considerada a garantia constitucional implícita vedadora do enriquecimento sem causa. (AI 182458 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, SEGUNDA TURMA, julgado em 4/3/1997, DJ de 16/5/1997 PP-19960 EMENT VOL-01869-04 PP00788). 131 (RE 222368 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 30/4/2002, DJ de 14/2/2003 PP-00070 EMENT VOL02098-02 PP-00344). 132 45 UNIDADE única | O direito civil na constituição federal exemplo, na hipótese de multa penal compensatória, quando o contrato dispunha de cláusula cujo valor pelo descumprimento fosse exacerbado133 e no valor da fixação de multa diária pelo inadimplemento obrigacional134. Com a edição do Código Civil, houve maior clareza na definição conceitual. O art. 885 determinou que a restituição é devida, não só quando não há causa para o enriquecimento, quando a causa deixa de existir. Exemplo disso é o caso de servidor que recebe vantagem pecuniária qualquer em liminar que posteriormente vem a ser cassada, sendo ele obrigado a restituir o valor.135 Já o art. 886, que completa a parte relativa à proibição do enriquecimento sem causa, cujo nomen juris acabou também definido pelo Código, definiu a natureza extraordinária da medida, já que existe uma possibilidade de outro modo se ressarcir o prejuízo sofrido, não é cabível a ação por enriquecimento ilícito, como é o caso do direito de retenção do indivíduo que realiza benfeitorias úteis e necessárias. Dessa forma, o enriquecimento sem causa deixou de ser uma matéria principiológica, para ser uma proibição implícita da Constituição, definida pela lei ordinária e vedada pelos tribunais, não mais só como um princípio geral do direito, mas como a aplicação correta do ato jurídico perfeito, que só se confirma quando nenhuma das partes obtém vantagem desproporcional com relação à outra. Contrato de distribuição. Honorários de advogado. Cláusula penal compensatória. Art. 924 do Código Civil de 1916. Precedentes da Corte. 1. A fixação dos honorários de advogado pode ser revista nesta Corte quando absurdos ou irrisórios, mas, no caso, a verba foi fixada segundo a apreciação equitativa do Juiz, considerando a realidade dos autos, alcançando apenas o pedido reconvencional, que não foi integralmente deferido. 2. É possível reduzir a multa penal compensatória para evitar o enriquecimento sem causa, como no caso, em que as instâncias ordinárias consideraram que a reconvinda cumpriu a maior parte de suas obrigações, havendo dação em pagamento. 3. Recurso especial não conhecido. (REsp 798369/DF, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/9/2006, DJ de 26/2/2007, p. 587). 133 PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. MULTA POR DESCUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL. EXCESSO. REDUÇÃO. A multa pelo descumprimento de decisão judicial não pode ensejar o enriquecimento sem causa da parte a quem favorece, como no caso, devendo ser reduzida a patamares razoáveis. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido. (REsp 793491/RN, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 26/9/2006, DJ de 6/11/2006, p. 337). 134 ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. VALORES RECEBIDOS EM VIRTUDE DE LIMINAR POSTERIORMENTE CASSADA. RESTITUIÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. Valores pagos pela Administração Pública em virtude de decisão judicial provisória, posteriormente cassada, devem ser restituídos, sob pena de enriquecimento ilícito por parte dos servidores beneficiados. 2. A reposição de valores percebidos indevidamente possui expressa previsão legal, art. 46 da Lei no 8.112/1990, não havendo falar em direito líquido e certo a ser amparado pela via mandamental. 3. Precedente. 3. Recurso provido. (REsp 725.118/RJ, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI, SEXTA TURMA, julgado em 9/12/2005, DJ de 24/4/2006, p. 477). 135 46 Capítulo 6 Aspectos constitucionais da responsabilidade civil A responsabilidade é uma parte inerente ao Direito. A irresponsabilidade, ou seja, a não sujeição do indivíduo a qualquer punição pelo fato que realiza, sempre foi de tal forma extraordinária no Direito, podendo-se imaginar até fora deste, haja vista que, segundo Kelsen, não haveria direito sem a possibilidade de sanção. Monarcas e Imperadores, em Constituições absolutistas, eram considerados irresponsáveis pelos seus atos, devendo apenas responder perante Deus pelos seus atos.136 Não há na doutrina um conceito único de responsabilidade civil. Segundo José de Aguiar Dias, responsabilidade civil tem como origem do nome o radical latino spondeo, que era uma fórmula conhecida pela qual se ligava solenemente o devedor, nos contratos verbais do direito romano.137 Dizer que responsável é quem responde por algo, seria um tanto óbvio e inútil. Na verdade, responsabilidade pressupõe ideia de contraprestação, de correspondência, estando mais ligada à ideia de obrigação.138 A responsabilidade possui uma noção muito mais vinculada a um fato social do que exatamente jurídico. Por isso, há uma distinção clara entre a responsabilidade jurídica e a meramente moral, esta não interessando ao mundo do direito. É claro que a responsabilidade moral permeia a jurídica servindo como fundamento, mas esta pressupõe um prejuízo, que nem sempre existe no campo meramente moral.139 Nesse ponto, o Código Civil de 2002 é preciso em seu art. 927, ao dizer que aquele que por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo, assim como dispunha o art. 159 do Código de 1916. A inovação está no parágrafo único que assim dispõe: Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Neste sentido, a Constituição Imperial de 1824 dispunha em seu art. 99: A Pessoa do Imperador é inviolavel e Sagrada: Ele não está sujeito a responsabilidade alguma. 136 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. rev. atual. e aumentada por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 4. 137 Idem, ibidem. 138 DIAS, José de Aguiar, op. cit. , p. 7. 139 47 UNIDADE única | O direito civil na constituição federal O Código Civil abandona de vez a teoria subjetiva como a principal forma de responsabilização do indivíduo, havendo poucas exceções a essa regra140, tendo parte da doutrina rechaçado tal interpretação, alegando serem situações apenas de presunção da culpa141, interpretação a qual parece mais acertada. Assim como a Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor, a lei civil agora também prevê, expressamente, a possibilidade de responsabilização sem culpa, a chamada responsabilidade objetiva. Para melhor compreensão, reflita sobre o quadro com as modalidades de responsabilidade. TIPOS DE CARACTERÍSTICAS RESPONSABILIDADE Subjetiva Necessidade de comprovação de seus três elementos: dano, nexo de causalidade e culpa. O dever de reparar o dano não necessita da comprovação da Objetiva culpa, havendo apenas a prova do nexo de causalidade. O causador (Teoria do risco) do dano, para se eximir da culpa, deve comprovar que o fato foi resultante de culpa exclusiva da vítima. Risco integral O dano deve ser reparado ainda que o fato tenha sido gerado por culpa exclusiva da vítima. Originada no século XIX, por Saleilles e Josserand, a responsabilidade objetiva surge para tratar, inicialmente, de acidentes do trabalho e depois para tratar da responsabilidade por coisas inanimadas. Tem como fundamento o fato de que a vítima não deve suportar a exigência de uma comprovação de algo que frequentemente lhe escapa das mãos, ou não está ao seu alcance.142 A responsabilidade objetiva associa-se à verificação da insuficiência da dogmática subjetivista, adstrita à ideia de que somente o dano injusto poderia gerar reparação, em face das crescentes demandas sociais advindas com a industrialização.143 Com a criação da responsabilidade objetiva, várias foram as teorias para justificar esse risco. A teoria do risco-proveito surge afirmando que responsável é aquele que tira proveito da atividade danosa.144 Já o risco Art. 1.521. São também responsáveis pela reparação civil: I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob seu poder e em sua companhia; II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III – o patrão, amo ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou por ocasião dele (art. 1.522); IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos, onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V – os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até à concorrente quantia. (...) Art. 1.527. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar: I – que o guardava e vigiava com cuidado preciso; II – que o animal foi provocado por outro; III – que houve imprudência do ofendido; IV – que o fato resultou de caso fortuito, ou força maior. Art. 1.528. O dono do edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier da falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta. Art. 1.529. Aquele que habitar uma casa, ou parte dela, responde pelo dano proveniente das coisas que dela caírem ou forem lançadas em lugar indevido. 140 TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3. ed. atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 198. 141 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 269. 142 TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3. ed. atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 201. 143 Nessa hipótese haveria a necessidade de que alguma das partes tenha tido proveito e a vítima teria que comprovar o proveito, o que seria um retorno à teoria subjetiva. Neste sentido: CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed., São Paulo: Atlas, 2007, p. 129. 144 48 O direito civil na constituição federal | UNIDADE única profissional considera o dever de indenizar quando o fato prejudicial é uma decorrência da atividade ou profissão do lesado.145 A teoria do risco excepcional afirma que a reparação é devida quando o dano é consequência de um risco que escapa da prática comum da atividade da vítima, ainda que estranho ao trabalho que normalmente exerça.146 O Código Civil adotou a teoria do risco que, segundo Caio Mário, seu principal defensor, se fixa no fato de que, se alguém põe em funcionamento uma atividade qualquer, responde pelos eventos danosos que esta atividade gera para os indivíduos, independentemente de determinar se em cada caso, isoladamente, o dano é devido à imprudência, à negligência, a um erro de conduta.147 Vale ressaltar que Caio Mário foi um dos autores do Projeto do Código Civil e a redação do parágrafo único do art. 927 representa exatamente seu pensamento. Dessa forma, ao afirmar que haverá a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos previstos em lei, como já era anteriormente, e quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Mas a grande transformação legislativa não veio com o Código Civil, mas sim com a Constituição Federal de 1988. Tanto as pessoas de Direito Público quanto as de Direito Privado prestadoras de serviço possuem responsabilidade objetiva, conforme redação do art. 37, § 6o, respondendo pelos atos praticados pelos seus agentes. Consolida-se então a Teoria do Risco Administrativo, muito bem definida no julgamento feito pelo Supremo Tribunal Federal do Recurso Extraordinário 109.615-2, conforme ementa abaixo transcrita: E M E N T A: INDENIZAÇÃO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO PODER PÚBLICO – TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO – PRESSUPOSTOS PRIMÁRIOS DE DETERMINAÇÃO DESSA RESPONSABILIDADE CIVIL – DANO CAUSADO A ALUNO POR OUTRO ALUNO IGUALMENTE MATRICULADO NA REDE PÚBLICA DE ENSINO – PERDA DO GLOBO OCULAR DIREITO – FATO OCORRIDO NO RECINTO DE ESCOLA PÚBLICA MUNICIPAL – CONFIGURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO MUNICÍPIO – INDENIZAÇÃO PATRIMONIAL DEVIDA – RE NÃO CONHECIDO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER PÚBLICO – PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL. – A Teoria do Risco Administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou por omissão. Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 270. 145 Idem, ibidem. 146 Idem, ibidem. 147 49 UNIDADE única | O direito civil na constituição federal de demonstração de falta do serviço público. – Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal (RTJ 55/503 – RTJ 71/99 – RTJ 91/377 – RTJ 99/1155 – RTJ 131/417). – O princípio da responsabilidade objetiva não se reveste de caráter absoluto, eis que admite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade civil do Estado, nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias – como o caso fortuito e a força maior – ou evidenciadoras de ocorrência de culpa atribuível à própria vítima (RDA 137/233 – RTJ 55/50). RESPONSABILIDADE CIVIL DO PODER PÚBLICO POR DANOS CAUSADOS A ALUNOS NO RECINTO DE ESTABELECIMENTO OFICIAL DE ENSINO. – O Poder Público, ao receber o estudante em qualquer dos estabelecimentos da rede oficial de ensino, assume o grave compromisso de velar pela preservação de sua integridade física, devendo empregar todos os meios necessários ao integral desempenho desse encargo jurídico, sob pena de incidir em responsabilidade civil pelos eventos lesivos ocasionados ao aluno. – A obrigação governamental de preservar a intangibilidade física dos alunos, enquanto estes se encontrarem no recinto do estabelecimento escolar, constitui encargo indissociável do dever que incumbe ao Estado de dispensar proteção efetiva a todos os estudantes que se acharem sob a guarda imediata do Poder Público nos estabelecimentos oficiais de ensino. Descumprida essa obrigação, e vulnerada a integridade corporal do aluno, emerge a responsabilidade civil do Poder Público pelos danos causados a quem, no momento do fato lesivo, se achava sob a guarda, vigilância e proteção das autoridades e dos funcionários escolares, ressalvadas as situações que descaracterizam o nexo de causalidade material entre o evento danoso e a atividade estatal imputável aos agentes públicos. Com tal julgamento, o Supremo Tribunal Federal passa a assentar os limites da responsabilidade objetiva, exigindo a ocorrência do dano, o nexo de causalidade, a oficialidade da conduta lesiva e um elemento negativo, a inexistência de causa excludente da responsabilidade. Já o risco integral também teve amparo constitucional. Conforme dispõe o art. 21, XXIII, d, da Constituição, a responsabilidade civil por danos nucleares independe de existência de culpa. A discussão na alínea constitucional é exatamente por qual teoria o constituinte preferiu. Majoritariamente, a doutrina entende que o constituinte preferiu a teoria do risco integral, haja vista que como a Constituição não estabeleceu exceções, ao contrário do art. 37, § 6o, que não trata da culpa e sim da responsabilidade do Estado pelos atos de seus agentes. Comparemos os textos constitucionais. 50 O direito civil na constituição federal Artigo 21, XXIII, D A responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa. | UNIDADE única Artigo 37, § 6o As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Tal interpretação foi reforçada pelo Superior Tribunal de Justiça, que ao tratar do dano ambiental, cuja redação legal também dispõe que a responsabilidade civil independe da existência de culpa, entendeu ser aplicada a teoria do risco integral, devendo ser indenizado os terceiros afetados por sua atividade.148 Assim, o risco integral se aplica tanto aos danos com acidentes nucleares, como ao dano ambiental causado por poluição, conforme o art. 14, § 1o, da Lei no 6.938/1981. Curiosamente, auxiliando a interpretação constitucional, o legislador ao tratar da responsabilidade objetiva no Código de Defesa de Consumidor, em seu art. 12, também dispôs que a responsabilidade pelo fato do produto e do serviço independe de culpa. Todavia, no § 3o, do art. 12, o Código arrola as hipóteses de excludente de responsabilidade, dentre elas a culpa exclusiva da vítima149. Sendo assim, a interpretação sistêmica mais correta é a de que tanto o dano ambiental como o nuclear não respondem pela teoria do risco administrativo, mas, sim, do risco integral, caso contrário, o § 3o seria absolutamente desnecessário. ADMINISTRATIVO. DANO AMBIENTAL. SANÇÃO ADMINISTRATIVA. IMPOSIÇÃO DE MULTA. EXECUÇÃO FISCAL. 1. Para fins da Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981, art 3o, entende-se por: I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; II – degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente; III – poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos; 2. Destarte, é poluidor a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental; 3. O poluidor, por seu turno, com base na mesma legislação, art. 14 – “sem obstar a aplicação das penalidades administrativas” é obrigado, “independentemente da existência de culpa”, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, “afetados por sua atividade”. 4. Depreende-se do texto legal a sua responsabilidade pelo risco integral, por isso que em demanda infensa a administração, poderá, interpartes, discutir a culpa e o regresso pelo evento. 5. Considerando que a lei legitima o Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente, é inequívoco que o Estado não pode inscrever sel-executing, sem acesso à justiça, quantum indenizatório, posto ser imprescindível ação de cognição, mesmo para imposição de indenização, o que não se confunde com a multa, em obediência aos cânones do devido processo legal e da inafastabilidade da jurisdição. 6. In casu, discute-se tão somente a aplicação da multa, vedada a incursão na questão da responsabilidade fática por força da Súmula no 07/STJ. 5. Recurso improvido. (REsp 442.586/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/11/2002, DJ de 24/2/2003 p. 196). 148 Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. § 1° O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I – sua apresentação; II – o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III –a época em que foi colocado em circulação. § 2o O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado. § 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: I – que não colocou o produto no mercado; II – que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. 149 51 UNIDADE única | O direito civil na constituição federal Entretanto, o Supremo limitou a responsabilidade objetiva do Estado, interpretando a teoria do risco administrativo, impondo que ela só deva ocorrer na ação comissiva do Estado, devendo a responsabilidade ser subjetiva quando decorrente da omissão estatal.150 Dessa forma, a responsabilidade civil sofreu uma mudança drástica em face da própria interpretação constitucional. O Estado, que antes era irresponsável, cuja frase The king can do no wrong representava essa ideia, passou para a responsabilidade subjetiva, hoje responde sem a necessidade de culpa pela ação de seus agentes, havendo a possibilidade até de uma responsabilidade ilimitada em raras hipóteses. Esse espírito constitucional permitiu que a teoria do risco criado norteasse não só a relação desproporcional entre o cidadão e o Estado, mas entre o consumidor e o fornecedor, havendo a chamada inversão do ônus da prova, fazendo com que o direito consumerista brasileiro se torne um dos mais avançados do mundo. É claro que a Constituição não pretende e nem deve abolir a responsabilidade subjetiva, mas sim abrir espaço para a responsabilidade objetiva naquelas hipóteses a qual o legislador visa proteger interesses maiores, como o do meio ambiente, do consumidor, em que a parte lesada é notoriamente a mais frágil. Do mesmo modo, o Código Civil passa a abolir o abuso do direito, ao considerá-lo um ato ilícito, assim como mantém as regras do Código anterior. Ainda há muito que se trabalhar e evoluir acerca dos conceitos do parágrafo único do art. 927 do Código Civil, já que se trata de uma verdadeira cláusula geral151, exigindo cada vez mais bom senso dos juízes e dos tribunais na evolução do entendimento da responsabilidade objetiva. EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO: DETENTO FERIDO POR OUTRO DETENTO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: CULPA PUBLICIZADA: FALTA DO SERVIÇO. C.F., art. 37, § 6o. I. – Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por esse ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, em sentido estrito, está numa de suas três vertentes – a negligência, a imperícia ou a imprudência – não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço. II. – A falta do serviço – faute du service dos franceses – não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro. III. – Detento ferido por outro detento: responsabilidade civil do Estado: ocorrência da falta do serviço, com a culpa genérica do serviço público, por isso que o Estado deve zelar pela integridade física do preso. IV. – RE conhecido e provido. (RE 382054, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 3/8/2004, DJ de 1/10/2004 PP-00037 EMENT VOL-02166-02 PP-00330 RT v. 94, n. 832, 2005, p. 157-164 RJADCOAS v. 62, 2005, p. 38-44 RTJ VOL 00192-01 PP-00356). 150 TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3. ed. atualizada, Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 2. 151 52 Capítulo 7 Os modelos constitucionais de família e seu impacto no direito sucessório A Constituição reservou um capítulo específico para tratar da família, da criança, do adolescente e do idoso. O art. 226 da Constituição Federal dispõe que: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1o O casamento é civil e gratuita a celebração. § 2o O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. § 3o Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4o Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. § 5o Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. § 6o O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos. § 7o Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. § 8o O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. Tem-se, então, que normas meramente civilistas passam a integrar o corpo da Constituição. A previsão do casamento civil gratuito, da aceitação do casamento religioso, a criação da figura da união estável, que só passou a existir infraconstitucionalmente após mais de cinco anos, a aceitação da entidade familiar por qualquer um dos pais e não por ambos, a igualdade entre os sexos, a autorização do divórcio, criando regras que o Código Civil ou as leis posteriores sequer tratavam, demonstram uma relevância do direito das famílias pelo constituinte. Do mesmo modo, o art. 227, §§ 5o e 6o, determinam que a adoção será assistida pelo Poder Público, não havendo mais diferenciação entre os chamados filhos legítimos e ilegítimos, haja vista que todos os filhos passam a ser iguais, havidos ou não da relação de casamento. 53 UNIDADE única | O direito civil na constituição federal O art. 229 determina o dever de assistência dos pais para com seus filhos, assim como os filhos maiores têm o dever de amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. A família, instituição secular, base da sociedade, ganha uma nova visão, igualitária, democrática e plural, buscando-se proteger todo e qualquer modelo de vivência afetiva e compreendida como estrutura socioafetiva.152 Nesse sentido podemos fazer um quadro comparativo entre a família do Código Civil de 1916 e a família da Constituição de 1988 com o Código Civil de 2002.153 Família no Código Civil de 1916 Família na CF/1988 e no novo Código Civil Matrimonializada Pluralizada Patriarcal Democrática Hierarquizada Igualitária substancialmente Heteroparental Hetero ou homoparental (questionável) Biológica Biológica ou socioafetiva Unidade de produção e reprodução Unidade socioafetiva Caráter institucional Caráter instrumental O princípio da dignidade humana (art. 1o, III) passa a estar bem presente nas relações familiares, fazendo com que profundas alterações tenham ocorrido após a nova Carta constitucional. Com o texto constitucional, normatizou-se uma situação vista na vida real que era a família não como um conceito meramente jurídico, mas uma situação de fato154. O casamento continua sendo de extrema relevância para o Direito, mas não é mais a forma única de constituição familiar. Aceita-se a família monoparental, composta apenas por um dos pais e até a união estável, que será melhor analisada a seguir. A igualdade entre homens e mulheres também alterou a relação familiar. O homem passa também a adotar o nome da mulher no casamento (art. 1.565, parágrafo único do CC). Acaba-se com a hipótese de anulação do casamento pela ausência de virgindade da mulher, regra medieval e cuja aplicabilidade é incompatível com os dias atuais. Questão interessante é a possibilidade ou não de concessão de alimentos a nascituros. A intensa discussão doutrinária reflete-se nos tribunais onde há decisões favoráveis à concessão155 e outras contrárias.156 Indubitavelmente, a grande questão advinda da Constituição e das legislações infraconstitucionais posteriores foi como o direito de família passou a tratar as relações matrimoniais. O concubinato, que é a relação entre homem e mulher desimpedidos, foi ignorado por muito tempo pela legislação brasileira, FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Direito das famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 9. 152 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Direito das famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 11. 153 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Direito das famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 38. 154 TJ/RJ, Ac. 1a Cam. Cív., Ap. Civ. 14.954, rel. Des. Pedro Américo Rios Gonçalves, in RT 560:220, Apud FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Direito das famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 41. 155 ALIMENTOS PROVISÓRIOS. COMPANHEIRA. NASCITURO. 1 – Alimentos provisórios, fixados em cognição sumária, exigem cautela na verificação dos indícios de existência da alegada união estável. 2 – Embora a lei resguarde os direitos do nascituro, não lhe garante alimentos antes do nascimento com vida. 3 – Agravo provido em parte. (20060020034638AGI, Relator JAIR SOARES, 6a Turma Cível, julgado em 24/5/2006, DJ de 13/7/2006, p. 67). 156 54 O direito civil na constituição federal | UNIDADE única que rejeitava qualquer relação que não fosse o casamento. Nesse sentido, tem-se o clássico voto do Min. Hahnemann Guimarães, ao julgar o RE 7.182/1947: A ordem jurídica ignora, avisadamente, a existência do concubinato, da união livre; não lhe atribui consequências. São situações que não têm relevância jurídica, mas isto não impediria que se pagassem, que se entendessem devidos à concubina honorários pela prestação dos serviços.157 O concubinato começou a ter relevância no direito brasileiro a partir da década de 1950, em que se separou o concubinato puro do adulterino158, que por sinal era criminoso, em face do crime de adultério que perdurou até 2003. A jurisprudência do Supremo evoluía, admitindo, por sua vez, a sociedade de fato como algo possível e amparado pelo direito.159 Há quem até prefira o termo companheiro ao invés de concubino, em face do preconceito relativo à figura do concubinato. O próprio Código Civil de 2002 trata o concubinato como as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar (art. 1.727). Com a Constituição, a sociedade de fato existente passa a ter o nome de união estável. Infraconstitucionalmente, duas leis vêm tratar do assunto, a Lei no 8.971/1984 e a Lei no 9.278/1996, antes da edição do Código Civil. Inicialmente, pretendia-se estipular um prazo mínimo para a caracterização da união estável, conforme a redação da primeira lei, mas, após a verificação de situações que não atendiam corretamente ao disposto legalmente, o legislador preferiu deixar a cargo do Juiz a caracterização da união estável. União estável é casamento? A resposta é não. O constituinte visou legalizar e normatizar a situação, mas não substituir ou igualar ao casamento. Tanto é assim que o § 3o menciona que a lei deverá facilitar a conversão da união estável em casamento. Gustavo Tepedino afirma com clareza que: A Constituição Federal, contudo, não pretendeu equiparar entidades heterogêneas, identificando a relação familiar de fato com o mais solene dos atos jurídicos. O casamento, com efeito, como ato jurídico, pressupõe uma profunda e prévia reflexão de quem o contrai, daí decorrendo imediatamente uma série de efeitos que lhe são Vide também: TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil – Tomo I. 3. ed. atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 371. Inteiro teor do acórdão em http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?id=511877&codigoClasse=437&numero=7182&siglaRecurso =&classe=RE. 157 TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil – Tomo I. 3. ed. atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 374. 158 159 1. DEVE DISTINGUIR-SE NO CONCUBINATO A SITUAÇÃO DA MULHER QUE CONTRIBUI, COM O SEU ESFORÇO OU TRABALHO PESSOAL, PARA FORMAR O PATRIMÔNIO COMUM, DE QUE O COMPANHEIRO SE DIZ ÚNICO SENHOR, E A SITUAÇÃO DA MULHER QUE, A DESPEITO DE NÃO HAVER CONTRIBUÍDO PARA FORMAR O PATRIMÔNIO DO COMPANHEIRO, PRESTOU A ELE SERVIÇO DOMÉSTICO, OU DE OUTRA NATUREZA, PARA O FIM DE AJUDÁ-LO A MANTERSE NO LAR COMUM. NA PRIMEIRA HIPÓTESE, A MULHER TEM O DIREITO DE PARTILHAR COM O COMPANHEIRO O PATRIMÔNIO QUE AMBOS FORMARAM; E O QUE PROMANA DOS ARTS. 1.303 E 1.366 DO CÓDIGO CIVIL, DO ART. 673 DO CPC DE 1939, ESTE AINDA VIGENTE NO PORMENOR POR FORÇA DO ART. 1.219, VII, DO CPC DE 1939, E DO VERBETE 380 DA SÚMULA DESTA CORTE, ASSIM REDIGIDO: “COMPROVADA A EXISTÊNCIA DE SOCIEDADE DE FATO ENTRE OS CONCUBINOS, E CABÍVEL A SUA DISSOLUÇÃO JUDICIAL, COM A PARTILHA DO PATRIMÔNIO ADQUIRIDO PELO ESFORÇO COMUM.” NA SEGUNDA HIPÓTESE, A MULHER TEM O DIREITO DE RECEBER DO COMPANHEIRO A RETRIBUIÇÃO DEVIDA PELO SERVIÇO DOMÉSTICO A ELE PRESTADO, COMO SE FOSSE PARTE NUM CONTRATO CIVIL DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS, CONTRATO ESSE QUE, RESSABIDAMENTE, OUTRO NÃO E SENÃO O BILATERAL, ONEROSO E CONSENSUAL DEFINIDO NOS ARTS. 1.216 E SEGUINTES DO CÓDIGO CIVIL, ISTO É, COMO SE NÃO ESTIVESSE LIGADA, PELO CONCUBINATO, AO COMPANHEIRO. 2. QUANTUM DA REMUNERAÇÃO DEVIDA À COMPANHEIRA. COMO SE CALCULA NO CASO. 3. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. (RE 79079, Relator(a): Min. ANTONIO NEDER, PRIMEIRA TURMA, julgado em 10/11/1977, DJ de 29/12/1977, RTJ VOL-00084-02 PP-0487). 55 UNIDADE única | O direito civil na constituição federal próprios – dada a certeza e a segurança que oferecem os atos solenes. Já a união estável, ao contrário, formada pela sucessão de eventos naturais que caracterizam uma relação de fato, tem outros elementos constitutivos, identificáveis ao longo do tempo, na medida em que se consolida a vida comum. Aí está o cerne da questão: os efeitos jurídicos que decorrem do ato solene consubstanciado pelo casamento, cujo substrato axiológico vincula-se ao estado civil e à segurança que as relações sociais reclamam, não podem se aplicar à união estável, por diversidade de ratio.160 Apesar de diferentes, o legislador, em algumas situações, igualou os dois institutos, como no direito de pedir alimentos (art. 1.694), no vínculo por afinidade (art. 1.595), nos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, além do sustento e educação dos filhos (art. 1.724), nos impedimentos (art. 1.723, § 1o), o acréscimo do nome do companheiro (art. 57, § 3o, da Lei no 6.015/1973) e a aplicação do regime de comunhão parcial de bens, salvo previsão em contrário (art. 1.725), dentre outros. Mas, o que é união estável? O caput do art. 1.723 diz que é a relação entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. Como já abordado acima, não há a necessidade de um tempo mínimo, nem tampouco a de convivência na mesma residência.161 A doutrina arrola alguns dos requisitos para a constituição da união estável162: 1) diversidade de sexos, 2) estabilidade, 3) publicidade, 4) continuidade, 5) ausência de impedimentos matrimoniais, 6) animus familiae (o ânimo de constituir uma família). Caracterizada a união estável, como se situaria a relação patrimonial entre os companheiros? Por força do art. 1.725 do Código Civil, os bens obtidos na constância da união estável presumem-se obtidos pelo TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil – Tomo I. 3. ed. atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 385. 160 Súmula no 382 do STF: A VIDA EM COMUM SOB O MESMO TETO, “MORE UXORIO”, NÃO É INDISPENSÁVEL À CARACTERIZAÇÃO DO CONCUBINATO. 161 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD. Nelson, Direito Civil: Direito das famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 392. 162 56 O direito civil na constituição federal | UNIDADE única esforço comum do casal.163 Por oportuno, esta era a redação do art. 5o da Lei no 9.278/1996.164 Por esse raciocínio, entram na comunhão os bens arrolados no art. 1.660: I – os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges; – os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior; II III – os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges; IV – as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge; V – os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão. Em contrapartida, o art. 1.659 exclui da comunhão: I – os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar; II – os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares; III – as obrigações anteriores ao casamento; IV – as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal; V – os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão; VI – os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge; VII – as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes. Também não se comunicam os bens havidos antes do casamento (art. 1.661). E o direito de sucessão? O art. 1.790 do Código Civil dispõe que: A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; Neste sentido: RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM. COMPROVAÇÃO. PARTILHA DE BENS. PRESUNÇÃO DA EXISTÊNCIA DE ESFORÇO COMUM NA FORMAÇÃO DO PATRIMÔNIO HAVIDO DURANTE O PERÍODO DE CONVIVÊNCIA. Nos termos do disposto no art. 5o da Lei no 9.278/1996 e no art. 1.725 do Código Civil de 2002, o patrimônio havido na constância da união estável presume-se formado pelo esforço comum do casal, não se exigindo do companheiro sobrevivente, para que este faça jus ao direito de meação, a prova da sua colaboração para a aquisição de bem adquirido ao tempo da convivência do casal.(20071010043994APC, Relator NATANAEL CAETANO, 1a Turma Cível, julgado em 4/2/2009, DJ de 16/2/2009, p. 86). 163 Art. 5o Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito. 164 § 1o Cessa a presunção do caput deste artigo se a aquisição patrimonial ocorrer com o produto de bens adquiridos anteriormente ao início da união. § 2o A administração do patrimônio comum dos conviventes compete a ambos, salvo estipulação contrária em contrato escrito. 57 UNIDADE única | O direito civil na constituição federal II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança. O Código Civil limita a sucessão dos bens na união estável apenas àqueles adquiridos onerosamente. A doutrina, em peso, critica por entender inconstitucional tal limitação, fazendo com que os bens adquiridos gratuitamente acabem, na ausência de herdeiros, indo para o Estado, confundindo-se o instituto da meação com o da sucessão.165 Imaginemos um bem recebido a título de herança pelo companheiro, que não possui filhos e que trinta anos depois vem a falecer. Sua companheira não teria direito ao bem, mesmo que eventualmente tivesse usufruído por todo esse período. A análise do art. 1.790 precisa ser feita com a do art. 1.829, que trata da ordem de sucessão como um todo. Dispõe o artigo: Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; I II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III – ao cônjuge sobrevivente; IV – aos colaterais. Comparando o companheiro com o cônjuge, verificam-se algumas situações. Inicialmente, o cônjuge, assim como o companheiro com filhos comuns, passa a ser herdeiro recebendo como se fosse mais um filho, dependendo do regime, conforme se vê no art. 1.829, I. Todavia, se o falecido tiver filhos com outra pessoa que não seu companheiro, terá este direito à metade do valor que teria direito cada filho. Exemplo: se o falecido tiver dois filhos, cada filho receberia 40% do valor da herança, enquanto a companheira teria 20%. Na hipótese de ausência de filhos, o cônjuge concorre com os ascendentes, podendo receber a metade dos bens se um dos pais já tiver falecido ou se ambos tiverem falecidos, havendo avós vivos166, ou um terço na hipótese de ambos estarem vivos. O cônjuge sobrevivente mantém-se como terceiro na linha sucessória, recebendo toda a herança na ausência de ascendentes e descendentes. Já o companheiro recebe um terço, existindo qualquer parente, seja ascendente ou colateral. Neste sentido, José Luiz Gavião de Almeida, Nelson Rosenvald, Cristiano Chaves de Farias, Zeno Veloso, dentre outros. 165 Art. 1.837. Concorrendo com ascendente em primeiro grau, ao cônjuge tocará um terço da herança; caber-lhe-á a metade desta se houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau. 166 58 O direito civil na constituição federal | UNIDADE única Não havendo ascendente nem descendente vivo, são chamados a suceder os parentes colaterais até o quarto grau. A regra de definição de graus funciona da seguinte forma: cada grau representa uma geração. O parentesco colateral deve ir até o ramo comum e depois descer até a pessoa desejada para saber qual o grau. Exemplo: Avô Pai Indivíduo Tio Irmão Primo Dessa forma, os primos são parentes de 4o grau, enquanto os tios de 3o, assim como os irmãos são de 2o grau. Pelo Código Civil, os parentes mais próximos excluem os mais remotos. O Código prevê algumas regras, como a de que irmãos unilaterais herdarão a metade dos irmãos bilaterais, herdando em partes iguais, caso não haja nenhum bilateral. Os sobrinhos têm preferência sobre os tios, recebendo os filhos de irmãos unilaterais a metade dos filhos de irmãos bilaterais.167 Não havendo herdeiros, nem testamento, os bens vão ao município, ao Distrito Federal ou à União, na hipótese de território. O Código Civil prevê em seu art. 1.831, o chamado direito real de habitação, sendo este a garantia reconhecida ao cônjuge de continuar residindo, de forma vitalícia, no imóvel único de natureza residencial transmitido e que servia de lar para o casal, após a morte de um dos componentes de uma sociedade afetiva.168 Apesar de a lei reconhecer expressamente ao cônjuge, seria um absurdo não estendê-lo ao companheiro, haja vista a antiga redação do art. 7o da Lei no 9.278/1996, sendo assim um retrocesso injustificável.169 Por fim, uma última questão seria decorrente de benefício previdenciário. A concessão desse benefício pode ser feita ao cônjuge ou a qualquer parente, além de companheiro. Nesse ponto, uma situação surge polêmica: a concessão de benefícios ao companheiro homossexual. Como exposto acima, o Código Civil é expresso ao definir como união estável a relação entre homem e mulher, não havendo previsão legal acerca da homoafetividade. Todavia, as situações de fato surgem evidentes e o Poder Judiciário é chamado a decidir sobre essas questões. Contrariamente ao que o Ministro Hahnemann Guimarães, há seis décadas inadmitia situações de fato não tratadas pelo direito, Art. 1.839. Se não houver cônjuge sobrevivente, nas condições estabelecidas no art. 1.830, serão chamados a suceder os colaterais até o quarto grau. Art. 1.840. Na classe dos colaterais, os mais próximos excluem os mais remotos, salvo o direito de representação concedido aos filhos de irmãos. Art. 1.841. Concorrendo à herança do falecido irmãos bilaterais com irmãos unilaterais, cada um destes herdará metade do que cada um daqueles herdar. Art. 1.842. Não concorrendo à herança irmão bilateral, herdarão, em partes iguais, os unilaterais. Art. 1.843. Na falta de irmãos, herdarão os filhos destes e, não os havendo, os tios. § 1o Se concorrerem à herança somente filhos de irmãos falecidos, herdarão por cabeça. § 2o Se concorrem filhos de irmãos bilaterais com filhos de irmãos unilaterais, cada um destes herdará a metade do que herdar cada um daqueles. § 3o Se todos forem filhos de irmãos bilaterais, ou todos de irmãos unilaterais, herdarão por igual. 167 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Direito das famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 423. 168 Nesse sentido, DIAS, Maria Berenice Manual de Direito das famílias. São Paulo: RT. 4. ed., 2007. p. 176. 169 59 UNIDADE única | O direito civil na constituição federal começa-se hoje a admitir a possibilidade não de concessão da união estável, mas, em um dos seus efeitos patrimoniais, o de benefício previdenciário, a admitir a relação homoafetiva. Nesse sentido, o Tribunal Regional Federal da 1a Região admitiu a possibilidade de pensão por morte a companheiro homossexual, desde que comprovado o vínculo,170 aceitando o STJ a inclusão de parceiro homossexual como dependente em plano de saúde.171 O mesmo STJ entende a união homoafetiva como uma verdadeira sociedade de fato172, assim como o STF entendia acerca do concubinato antes da Constituição de 1988. Decisões desse sentido, polêmicas por natureza, demonstram que a evolução do direito tem que atender aos desafios de nossa sociedade. Não há hoje que se falar em casamento nem em união estável de homossexuais, mas a concessão de benefícios previdenciários, bem como de quaisquer efeitos financeiros, é uma demonstração de que o legislador, em um futuro próximo, terá que arranjar alguma solução para regulamentar a situação de fato que hoje é presente em nossa sociedade. Esse espírito constitucional, o de trazer o direito de família mais perto da sociedade foi o responsável pelas mudanças acima demonstradas, bem como permite que o futuro seja diferente do que vivemos hoje. Todavia, não podemos deixar de lado a necessidade de se analisar as situações fáticas com cautela, já que o objetivo do direito é confirmar e solidificar a família e não destruí-la. Como é a relação do Direito Civil com o Direito Constitucional? Houve alguma mudança nos paradigmas de Direito Público e Direito Privado? PREVIDENCIÁRIO. O DIREITO. PENSÃO POR MORTE AO COMPANHEIRO HOMOSSEXUAL. 1. A sociedade, hoje, não aceita mais a discriminação aos homossexuais. 2. O Supremo Tribunal Federal vem reconhecendo a união de pessoas do mesmo sexo para efeitos sucessórios. Logo, não há por que não se estender essa união para efeito previdenciário. 3. “O direito é, em verdade, um produto social de assimilação e desassimilação psíquica ...” (Pontes de Miranda). 4. “O direito, por assim dizer, tem dupla vida: uma popular, outra técnica: como as palavras da língua vulgar têm um certo estágio antes de entrarem no dicionário da Academia, as regras de direito espontâneo devem fazer-se aceitar pelo costume antes de terem acesso nos Códigos” (Jean Cruet). 5. O direito é fruto da sociedade, não a cria nem a domina, apenas a exprime e modela. 6. O juiz não deve abafar a revolta dos fatos contra a lei. (AG 2003.01.00.000697-0/MG, Rel. Desembargador Federal Tourinho Neto, Segunda Turma, DJ, p. 27, de 29/4/2004). 170 (...) – A relação homoafetiva gera direitos e, analogicamente à união estável, permite a inclusão do companheiro dependente em plano de assistência médica. – O homossexual não é cidadão de segunda categoria. A opção ou condição sexual não diminui direitos e, muito menos, a dignidade da pessoa humana. – Para configuração da divergência jurisprudencial é necessário confronto analítico, para evidenciar semelhança e simetria entre os arestos confrontados. Simples transcrição de ementas não basta. (REsp 238.715/RS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 7/3/2006, DJ de 2/10/2006, p. 263). 171 RECURSO ESPECIAL. RELACIONAMENTO MANTIDO ENTRE HOMOSSEXUAIS. SOCIEDADE DE FATO. DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE. PARTILHA DE BENS. PROVA. ESFORÇO COMUM. Entende a jurisprudência desta Corte que a união entre pessoas do mesmo sexo configura sociedade de fato, cuja partilha de bens exige a prova do esforço comum na aquisição do patrimônio amealhado. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (REsp 648.763/RS, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 7/12/2006, DJ de 16/4/2007, p. 204). No mesmo sentido: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO. HOMOSSEXUAIS. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO. COMPETÊNCIA. VARA CÍVEL. EXISTÊNCIA DE FILHO DE UMA DAS PARTES. GUARDA E RESPONSABILIDADE. IRRELEVÂNCIA. 1. A primeira condição que se impõe à existência da união estável é a dualidade de sexos. A união entre homossexuais juridicamente não existe nem pelo casamento, nem pela união estável, mas pode configurar sociedade de fato, cuja dissolução assume contornos econômicos, resultantes da divisão do patrimônio comum, com incidência do Direito das Obrigações. 2. A existência de filho de uma das integrantes da sociedade amigavelmente dissolvida, não desloca o eixo do problema para o âmbito do Direito de Família, uma vez que a guarda e responsabilidade pelo menor permanece com a mãe, constante do registro, anotando o termo de acordo apenas que, na sua falta, à outra caberá aquele munus, sem questionamento por parte dos familiares. 3. Neste caso, porque não violados os dispositivos invocados - arts. 1o e 9o da Lei no 9.278, de 1996, a homologação está afeta à vara cível e não à vara de família. 4. Recurso especial não conhecido. (REsp 502.995/RN, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 26/4/2005, DJ de 16/5/2005, p. 353). 172 60 PARA (NÃO) FINALIZAR Embora o tempo de estudos deste Curso tenha sido concluído, com certeza a busca por um maior aprofundamento das questões de Processo Civil Cautelar vão continuar. Por esse motivo, a consulta mais detalhada de algumas das obras referenciais indicadas e a permanente atualização jurisprudencial, mais do que serem pertinentes, constituem uma necessidade, visando ao aprimoramento constante e a construção e lapidação de um pensamento jurídico próprio. 61 Referências BONAVIDES, Paulo. Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 129. Código Civil comentado: negócio jurídico. Atos jurídicos lícitos. Atos ilícitos: artigos 104 a 188, volume II, coordenador Álvaro Villaça Azevedo. São Paulo: Atlas, 2003. Comentários ao código civil: artigo por artigo/Coordenação Luiz Antônio Scavone Jr., 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. rev. atual. e aumentada por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 176. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Direito das obrigações. 3. ed. 2. tiragem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. _____. Direito Civil: Direito das famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. _____. Direito Civil: Teoria Geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 35. GOMES, Orlando. Direito das obrigações. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1972. _____. Introdução ao Direito Civil. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. _____. Direitos reais. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. NERY JR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Novo Código Civil e Legislação extravagante. São Paulo: RT, 2002. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. 3 – Contratos. 10. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2000. _____. Instituições de Direito Civil: V. 4. Direitos Reais. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. _____. Responsabilidade Civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3. ed. atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. 62 | REFERÊNCIAS _____. Problemas de Direito Civil Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. _____. Temas de Direito Civil – tomo II. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. Sites consultados <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6737> <http://www.miguelreale.com.br/artigos/funsoccont.htm> <http://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_Marbury_contra_Madison> <http://www.conjur.com.br/2002-set-03/stj_rever_indenizacao_escola_base> <http://www.law.cornell.edu/supct/html/historics/USSC_CR_0005_0137_ZS.html (em inglês)> DECISÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS (20060020034638AGI, Relator JAIR SOARES, 6a Turma Cível, julgado em 24/5/2006, DJ 13/7/2006 p. 67). (20071010043994APC, Relator NATANAEL CAETANO, 1a Turma Cível, julgado em 4/2/2009, DJ 16/2/2009 p. 86). DECISÕES DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1a REGIÃO (AG 2003.01.00.000697-0/MG, Rel. Desembargador Federal Tourinho Neto, Segunda Turma, DJ, p.27, de 29/4/2004). DECISÕES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Súmula no 37: STJ. (AgRg na CR 3.198/US, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Corte Especial, julgado em 30/6/2008, DJE de 11/9/2008). (AgRg no REsp 699.352/RS, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, Terceira Turma, julgado em 24/5/2005, DJ de 20/6/2005, p. 284). (AgRg no REsp 897.234/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Quarta Turma, julgado em 3/5/2007, DJ de 4/6/2007, p. 373). (Apn .479/RJ, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Corte Especial, julgado em 29/6/2007, DJ de 1/10/2007, p. 198). (HC 84.758, Rel. Ministro. CELSO DE MELLO, julgamento em 25/5/2006, DJ de 16/6/2006). (RCDESP no Ag 10.28.443/RJ, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Quarta Turma, julgado em 18/12/2008, DJE de 2/2/2009). (REsp 1.712/RJ, Rel. Ministro FONTES DE ALENCAR, Rel. p/ Acórdão Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Quarta Turma, julgado em 13/2/1990, DJ de 9/4/1990, p. 2.745). (REsp 1.022.103/RN, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, julgado em 17/4/2008, DJE de 16/5/2008). (REsp 1.025.047/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, julgado em 26/6/2008, DJE de 5/8/2008). 63 REFERÊNCIAS | (REsp 142.942/SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Quarta Turma, julgado em 26/10/1999, DJ de 13/12/1999, p. 150). (REsp 158.728/RJ, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Terceira Turma, julgado em 16/03/1999, DJ de 17/5/1999, p. 197). (REsp 238.715/RS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Terceira Turma, julgado em 7/3/2006, DJ de 2/10/2006, p. 263). (REsp 250.523/SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Quarta Turma, julgado em 19/10/2000, DJ 18/12/2000, p. 203). (REsp 279.273/SP, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, julgado em 4/12/2003, DJ de 29/3/2004, p. 230). (REsp 367.665/SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Quarta Turma, julgado em 15/5/2003, DJ de 15/12/2003, p. 314). (REsp 442.586/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 26/11/2002, DJ de 24/2/2003, p. 196). (REsp 456.088/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, julgado em 4/9/2003, DJ 20/10/2003, p. 270). (REsp 46.420/SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Quarta Turma, julgado em 12/9/1994, DJ de 5/12/1994, p. 33565). (REsp 473.106-RS, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO). Agravo improvido. (AgRg no REsp 656.616/SP, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, Quarta Turma, julgado em 7/2/2006, DJ de 10/4/2006, p. 202). (REsp 502.995/RN, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, Quarta Turma, julgado em 26/4/2005, DJ de 16/5/2005, p. 353). (REsp 506.437/SP, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, Quarta Turma, julgado em 16/9/2003, DJ de 6/10/2003, p. 280). (REsp 531.335/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Terceira Turma, julgado em 2/9/2008, DJE de 19/12/2008). (REsp 540.681/RJ, Rel. Ministro CASTRO FILHO, Terceira Turma, julgado em 13/9/2005, DJ de 10/10/2005, p. 357). (REsp 556.745/SC, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Quarta Turma, julgado em 14/10/2003, DJ de 15/12/2003, p. 319). (REsp 595.600/SC, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Quarta Turma, julgado em 18/3/2004, DJ de 13/9/2004, p. 259). (REsp 628.490/PA, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Quarta Turma, julgado em 7/8/2007, DJ de 8/10/2007, p. 287). (REsp 648.763/RS, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Quarta Turma, julgado em 7/12/2006, DJ de 16/4/2007, p. 204). (REsp 67.292/RJ, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, Quarta Turma, julgado em 3/12/1998, DJ de 12/4/1999, p. 153). (REsp 725.118/RJ, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI, Sexta Turma, julgado em 9/12/2005, DJ de 24/4/2006 p. 477). (REsp 740.073/RJ, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Terceira Turma, julgado em 25/10/2005, DJ de 6/3/2006, p. 385). 64 | REFERÊNCIAS (REsp 783.139/ES, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, Quarta Turma, julgado em 11/12/2007, DJ de 18/2/2008, p. 33). (REsp 793.491/RN, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Quarta Turma, julgado em 26/9/2006, DJ de 6/11/2006, p. 337). (REsp 798.369/DF, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Terceira Turma, julgado em 26/9/2006, DJ de 26/2/2007, p. 587). (REsp 803.481/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, julgado em 28/6/2007, DJ de 1/8/2007, p. 462). (REsp 811.690/RR, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, Primeira Turma, julgado em 18/5/2006, DJ de 19/6/2006, p. 123). (REsp 864.432/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 12/2/2008, DJE de 27/3/2008). (REsp 896.635-MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, julgado em 26/2/2008, ainda não publicado). (REsp 935.474/RJ, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, julgado em 19/8/2008, DJE de 16/9/2008). (REsp 968.564/RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Quinta Turma, julgado em 18/12/2008, DJE de 2/3/2009). (RMS 17.732/MT, Rel. Ministro GILSON DIPP, Quinta Turma, julgado em 28/6/2005, DJ de 1/8/2005, p. 477). DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Súmula no 382 do STF (ADI no 1.950, Rel. Ministro. EROS GRAU, julgamento em 3/11/2005, DJ de 2/6/2006). No mesmo sentido: ADI no 3.512, julgamento em 15/2/2006, DJ de 23/6/2006. (ADI no 2.054, Rel. p/ o ac. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, julgamento em 2/4/2003, Plenário, DJ de 17/10/2003). (ADI no 2.213-MC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, julgamento em 4/4/2002, Plenário, DJ de 23/2004). (ADI no 2.591-ED, Rel. Min. EROS GRAU, julgamento em 14/12/2006, Plenário, DJ de 13/4/2007). (ADI no 3.045, voto do Min. CELSO DE MELLO, julgamento em 10/8/2005, Plenário, DJ de 1/6/2007). (ADI no 3.045, voto do Min. CELSO DE MELLO, julgamento em 10/8/2005, Plenário, DJ de 1/6/2007). (ADI no 3.464, Rel. Min. MENEZES DIREITO, julgamento em 29/10/2008, Plenário, DJE de 6/3/2009). (ADI no 319-QO, Rel. Min. MOREIRA ALVES, julgamento em 3/3/2093, Plenário, DJ de 30/4/1993). (ADI no 444, Rel. Min. MOREIRA ALVES, julgamento em 14/6/1991, Plenário, DJ de 25/10/1991). (AI no 182.458 AgR, Rel. (a): Min. MARCO AURÉLIO, segunda turma, julgado em 4/3/1997, DJ de 16/5/1997 PP-19960 EMENT VOL-01869-04 PP-00788). (AI no 456.513-ED, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, julgamento em 28/10/2003, 1a Turma, DJ de 14/11/2003). (AI no 655.298-AgR, Rel. Min. EROS GRAU, julgamento em 4/9/2007, DJ de 28/9/2007). (AP no 447, Rel. Min. CARLOS BRITTO, julgamento em 18/2/2009, Plenário, Informativo 536). 65 REFERÊNCIAS | (HC no 84.446, Rel. (a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 23/11/2004, DJ de 25/2/2005 PP-00029 EMENT VOL-02181-01 PP-00130 RTJ VOL-00192-03 PP-00974 LEXSTF v. 27, n. 316, 2005, p. 439-449 RMDPPP v. 1, n. 4, 2005, p. 124-131). (HC no 87.341, Rel. Min. EROS GRAU, julgamento em 7/2/2006, DJ de 3/3/2006). (Inq 1905, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 29/4/2004, DJ de 21/5/2004 PP-00033 EMENT VOL-02152-01 PP-00011 RTJ VOL 00192-01 PP-00050). (MS no 22.164, Rel. Min. CELSO DE MELLO, julgamento em 30/10/95, Plenário, DJ de 17/11/1995). (Pet. 3.645, Rel. Min. MENEZES DIREITO, julgamento em 20/2/2008, DJE de 2/5/2008.). (RE 141298, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 13/5/1996, DJ 18/6/2001 PP-00012 EMENT VOL-02035-02 PP-00277). (RE 192.737, Rel. Min. MOREIRA ALVES, julgamento em 5/6/1997, Plenário, DJ de 5/9/1997). (RE 215.984, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, julgamento em 4/6/2002, DJ de 28/6/2002). (RE 222368 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 30/4/2002, DJ 14/02/2003 PP-00070 EMENT VOL-02098-02 PP-00344). (RE 261.278-AgR, Rel. p/ o ac. Min. GILMAR MENDES, julgamento em 1/4/2008, DJE de 1/8/2008.). (RE 34521, Relator(a): Min. RIBEIRO DA COSTA, Segunda Turma, julgado em 11/6/1957, ADJ DATA 2/9/1957 PP-02250 DJ 21/06/1957 PP-07282 EMENT VOL-00301 PP-00103 RTJ VOL-00001-01 PP00943). (RE 348.827, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, julgamento em 1/6/2004, DJ de 6/8/2004). (RE 348.827, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, julgamento em 1/6/2004, DJ de 6/8/2004.). (RE 382054, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 3/8/2004, DJ de 1/10/2004 PP-00037 EMENT VOL-02166-02 PP-00330 RT v. 94, n. 832, 2005, p. 157-164 RJADCOAS v. 62, 2005, p. 38-44 RTJ VOL 00192-01 PP-00356). (RE 387.014-AgR, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, julgamento em 8/6/04, DJ de 25/6/2004). (RE 447.584, Rel. Min. CEZAR PELUSO, julgamento em 28/11/06, DJ de 16/3/2007). (RE 79.079, Rel.(a): Min. ANTONIO NEDER, Primeira Turma, julgado em 10/11/1977, DJ de 29/12/1977 PP-***** RTJ VOL-00084-02 PP-0487). (RE 80.172, Rel.(a): Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 8/9/1976, DJ de 15/04/1977 PP-***** RTJ VOL-00082-02 PP-00491). (RE 96.101, Rel.(a): Min. DJACI FALCAO, Segunda Turma, julgado em 30/03/1982, DJ de 23/4/1982 PP03671 EMENT VOL-01251-03 PP-00662 RTJ VOL-00104-02 PP-00819). 66