O Popular
MP quer garantir direito da portabilidade
do consignado
Segundo a secretaria da Fazenda, 80,4 mil servidores estaduais têm empréstimo
consignado, ou seja, possuem financiamento descontado diretamente do salário
Lídia Borges
O Ministério Público (MP) de Goiás quer impedir que os bancos que operam o crédito consignado
no Estado dificultem a transferência de dívidas do servidor que fez o empréstimo para outras
instituições financeiras (a chamada portabilidade de crédito) ou retenham informações para
inviabilizar a mudança do cliente para outros bancos. Para isso, expediu uma recomendação à
Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz) para notificar as instituições financeiras que interrompam
qualquer conduta abusiva contra o direito do consumidor.
A medida partiu da constatação de inúmeras reclamações de funcionários públicos estaduais na
Ouvidoria da Sefaz e do próprio MP, que não conseguem fazer a portabilidade. Segundo a gerente
da Ouvidoria, Cláudia Vaz, as principais queixas são referentes à devolução de TED (que é a forma
de pagamento necessária para que um banco compre uma dívida de outro), à falta de informação do
saldo devedor do cliente e à não liberação de margem (que é o porcentual do salário que o cliente
tem direito a tomar emprestado em consignação).
Contratos
Os bancos mais reclamados são o Cruzeiro do Sul, BMG, Santander, Boavista e Votorantim. De
acordo com informações da Secretaria da Fazenda, do total de 162,1 mil servidores estaduais, quase
metade (80,4 mil) tem empréstimo consignado, ou seja, possui financiamento descontado direto do
salário. Sem falar que muitos têm mais de um contrato.
O promotor Érico de Pina, coordenador do Centro de Apoio Operacional (CAO) do Consumidor do
MP, afirma que, caso os bancos não cumpram a recomendação, o Ministério Público pedirá a
suspensão das atividades de consignação e enviará os nomes das empresas ao Procon Goiás, para
que sejam autuadas e multadas.
"Aqui existe uma briga dura. Nenhum banco quer perder um contrato que é lucro líquido e certo, já
que não há praticamente risco de inadimplência no consignado. O dinheiro do servidor sai direto do
governo para os bancos", explica Pina.
Resposta
Por e-mail, o Banco BMG respondeu ao POPULAR que não tem conhecimento da demanda e que
se coloca à disposição do Ministério Público para sanar eventuais dúvidas. Acrescentou ainda que
obedece a legislação do Estado de Goiás no tocante ao crédito consignado, "respeitando os direitos
dos servidores."
Já os bancos Cruzeiro do Sul, Votorantim e Santander anunciaram que só vão se manifestar depois
de serem notificados. A Assessoria de Imprensa do Banco Bradesco, responsável pelo Boavista, diz
que a instituição "está apurando as ocorrências de forma a solucioná-las."
A portabilidade de crédito é um direito do cidadão. É uma oportunidade de transferir sua dívida para
outro banco que ofereça condições melhores para o financiamento, seja devido a taxas de juros
menores, prazos alongados ou liberação de mais crédito. Nesse caso, a nova instituição compra a
dívida da anterior e faz um novo contrato com o cliente, estabelecendo suas regras.
Foi pensando nas vantagens da portabilidade que a servidora Eva Manrique, 44, de Turvânia, tentou
mudar seu empréstimo para outro banco. Além de refinanciar sua dívida com taxas mais baixas - de
1,66% para 1,34% ao mês -, ela ainda conseguiria mais dinheiro na operação. Mas diz que não pôde
concluir a negociação, porque seu banco não aceitou o pagamento do saldo devedor feito por outro
banco, alegando que o número de contrato informado estava errado. Foram sete tentativas de
quitação. "Faz 45 dias que estou tentando negociar. Com o novo dinheiro, já tinha até feito
promessa de dar um notebook para meu filho, mas não consegui cumpri-la", desabafa a servidora.
Assim como Eva, o policial militar Iriomar de Lima, 41, também reclama da tentativa frustrada de
transferir sua dívida de banco. Segundo ele, das cerca de 50 parcelas de seu empréstimo
consignado, já havia pago 20, no valor de aproximadamente R$ 460 cada. Como comprou um carro
na semana passada, renegociou o financiamento com outro banco, no qual passaria a pagar parcelas
de R$ 780 a juros menores.
Como não conseguiu fazer a portabilidade, teve de pegar dinheiro emprestado com amigos para
honrar a nova parcela, que por agora está em torno de R$ 1 mil. "Fui até o banco pegar meu saldo
devedor, mas colocaram até segurança na porta para tentar impedir a minha entrada e de outros",
afirma.
Segundo os bancos, a inoperância de algumas transações de portabilidade de crédito, normalmente,
acontece em função de questões operacionais. O problema mais sério ocorre entre os bancos
Cruzeiro do Sul e Santander.
Impasse
A Associação dos Bancos (Asban) diz que tem reclamações das duas partes e que, nesta semana, se
reunirá com representantes de ambas para tentar resolver o impasse.
"Estes são problemas diminutos diante do volume de consignados em Goiás e não podem manchar a
lisura do sistema, que é extremamente competente", afirma o vice-presidente da Asban, Mário Jorge
de Alencastro.
O superintendente de Gestão da Sefaz, Alessandro Melo da Silva, anuncia que vai solicitar à Asban
- conveniada do governo e responsável pela empresa que opera o sistema -, a automatização de
qualquer operação que ainda esteja sendo feita de outra forma, como cálculos de saldo devedor,
renegociações e demais transações.
Município
Já o diretor-geral de Pessoal da Secretaria de Administração e Recursos Humanos de Goiânia,
Oswaldo Silva, diz que poucas são as reclamações que chegam à diretoria sobre consignados.
"Quando há problema, suspendemos imediatamente as operações do banco até que a situação se
resolva", frisa.
Segundo Silva, cerca de 25 mil servidores municipais têm contrato de crédito consignado, o que
corresponde a 55% do total de funcionários da prefeitura.
Bancos travam "guerra"
Na guerra entre os bancos para manter a carteira de clientes, o sistema operacional das financeiras é
o álibi mais usado para justificar a inoperância de algumas transações. Atualmente, tudo funciona de
forma informatizada. O banco que quer comprar a dívida do servidor faz a solicitação do saldo
devedor via sistema da Secretaria da Fazenda (Sefaz), aguarda até 48 horas pelas informações e, em
seguida, emite o pagamento por transferência eletrônica (TED).
O problema é que para fazer essa transação, é preciso informar números de contrato e outros dados.
E é aí que a operação estaria travada. O fogo cruzado é principalmente entre Banco Cruzeiro do Sul
e Santander. O sistema de pagamento do Cruzeiro do Sul exige 26 dígitos e o do Santander, só 22, o
que, na prática, tem inviabilizado o pagamento.
Esse problema levantou uma troca de insultos entre a regional do Cruzeiro do Sul e a empresa
Centro-Oeste (CO) Business, que é correspondente bancária do Santander em Goiás. A CO
argumenta que tem 300 casos de clientes que foram impedidos pelo banco de fazer a portabilidade,
porque têm informações retidas ou são assediados por funcionários para permanecer com o mesmo
empréstimo.
"O primeiro subterfúgio do Cruzeiro do Sul para impedir o servidor de exercer seu direito é negar o
número de contrato. Depois, é devolver os pagamentos feitos para quitar a dívida", afirma o diretorgeral da empresa, Wagy Mansur.
Já o Cruzeiro do Sul acusa a Centro-Oeste de tentar burlar as regras da portabilidade. Primeiro,
fazendo pagamentos da dívida do servidor com recursos próprios, o que é proibido pelo Banco
Central (a negociação deve ser apenas entre instituições financeiras, ou seja, diretamente entre
Cruzeiro e Santander). Depois, obtendo procurações de clientes para informar e pagar o saldo
devedor, o que, para o Cruzeiro do Sul, é uma prática de má-fé.
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