A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
IMPACTOS SÓCIO-ESPACIAIS E POLÍTICO-ECONÔMICOS DOS
GRANDES PROJETOS DE MINERAÇÃO EM MOÇAMBIQUE, o caso
da exploração do carvão mineral de Moatize
EDUARDO JAIME BATA1
CELENE CUNHA M. A. BARREIRA2
Resumo- O objetivo é analisar o megaprojeto de exploração do carvão mineral de Moatize,
buscando compreender os impactos sócio-espaciais, político-econômicos e as contradições inerentes
a esse megaprojeto, no tange às formas de organização ou de (re) organização sócio-espacial e
político-econômica, com vista a atender aos interesses do capital mineiro multinacional. A análise
baseou-se na categoria geográfica espaço, segundo a concepção de espaço de Santos (1997) e no
método materialismo histórico e dialético. A partir da pesquisa bibliográfica e documental foi possível
compreender que o início da exploração do carvão mineral suscitou a (re) organização sócio-espacial
e político-econômica para atender às demandas produtivas deste megaprojeto e/ou de suas
atividades complementares e, concomitante a isso, criou uma enorme pressão sobre as instituições
do Estado, incrementou a segregação sócio-espacial e gerou novas oportunidades de trabalho.
Palavras- Chave: Megaprojetos de mineração. Impactos político-econômicos e sócio-espaciais.
Carvão mineral. Moatize.
Abstract- The aim is to analyze the mega-project of coal exploitation from Moatize, seeking to
understand the socio-spatial, political and economic impacts and the contradictions of this
megaproject, in respect to organizational forms or socio-spatial (re) organization and politicaleconomic in order to serve the interests of multinational mining capital. Analysis was based on the
geographic space category, according to the design of space of Santos (1997) and historical
materialism and dialectical method. From the bibliographical and documentary research was possible
to understand that the beginning of the coal exploitation raised the ( re) spatial and socio- political and
economic organization to achieve the production demands of this megaproject and/or its
complementary activities and, concurrent with this created enormous pressure on state institutions,
increased socio- spatial segregation and generated new job opportunities.
Keywords: Mining mega-projects. Political-economic and socio-spatial impacts. Coal mining. Moatize.
1- Introdução
Moçambique, após alcançar a independência política em 1975, enveredou
pelo modelo socialista de desenvolvimento e, mais tarde, isto é, a partir de 1987,
iniciou as reformas econômicas e sociais que, permitiram a transição para o
1
- Doutorando em Geografia no Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia do Instituto
de Estudos Sócio-Ambientais (IESA) da Universidade Federal de Goiás, bolsista da CAPES. E-mail:
[email protected]
2
- Docente do Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia, do Instituto de Estudos SócioAmbientais
(IESA)
da
Universidade
Federal
de
Goiás.
Orientadora,
e-mail:
[email protected]
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neoliberalismo econômico. Moçambique, ao “optar” pela economia neoliberal, abriu
assim as portas ao investimento externo, e a uma menor intervenção do Estado nas
questões econômicas.
No país, o investimento externo, também designado Investimento Direto
Estrangeiro (IDE), está concentrado, principalmente, no complexo mínero-energético
e localiza-se, preferencialmente, nas zonas francas industriais e econômicas
especiais. Tal investimento tem sido apontando por alguns estudiosos (Mosca,
Selemane, Castel-Branco, e outros), como sendo a “locomotiva” que dinamiza a
economia nacional e garante os atuais níveis de crescimento econômico que o país
tem registrado, sobretudo, nos últimos dez anos.
A despeito das vantagens desse crescimento econômico, Castel- Branco e
Ossemane (2010) deploram o fato de o tal crescimento se restringir apenas ao setor
dos recursos minerais e energéticos. A falta de diversificação dos setores de
economia sinaliza o alto grau de vulnerabilidade da economia nacional,
principalmente, a choques externos decorrentes da queda dos preços de alguns
minerais no mercado internacional. Castel- Branco (2008) lembra ainda que a
riqueza gerada pelas grandes corporações mineiras pertence aos grandes projetos
que possuem e controlam e não à economia como um todo.
Portanto, o impacto gerado por estes empreendimentos mineiros à economia
dependerá do grau de retenção e absorção da riqueza pela economia nacional e não
apenas pela quantidade de riqueza bruta.
Assim como em outras economias periféricas, em Moçambique a inserção
do capital deu-se via implatação de megaprojetos voltados para o desenvolvimento
de várias atividades, com destaque para a mineração. Os megaprojetos de
mineração caracterizam-se pela intensidade no capital investido, elevado consumo
de energia, concentração espacial o que conjectura maior pressão sobre a terra.
Assim, a viabilização desses empreendimentos suscitou a organização e/ou a (re)
organização do espaço local, para atender às demandas produtivas destes
empreendimentos e de outras atividades complementares.
Esses (re) arranjos espacais resultam frequentemente em conflitos, opondo
de um lado, a população local, com direitos “seculares” de uso e ocupação de terra;
e do outro lado, os megaprojetos detentores de licença de exploração. Portanto, à
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medida que cresce o volume de investimentos no setor mínero-energético,
aumentam concomitantemente as pressões devido à intensidade do uso da terra, o
que demanda uma nova organização sócio-espacial, cujo fito é albergar frações do
capital multinacional para a produção de commodities minerais. No bojo dessa (re)
organização, os megaprojetos alteram profundamente a estrutura, a forma, assim
como a função inicial do espaço nas regiões onde se instalam, na medida em que as
exigências de produção dessas corporações são outras, isto é, diferentes da
produção tradicional (SANTOS, 1997).
Assim, articulada a essas modificações altera-se também a estrutura social e
cultural da população local, visto que a chegada dos megaprojetos, insere novos
hábitos de consumo (muitas vezes estranhos ao lugar), novas formas de
relacionamento com o meio, bem como a mudança nos modos de vida da população
local. Ou seja, estes empreendimentos geram e/ou estimulam a “perda de valores
culturais”, ou aquilo que Santos (1997) denomina desculturização.
No domínio político-econômico, o início da mineração do carvão gerou maior
pressão sobre o setor público local e as instituições do Estado, demandando, assim,
a necessidade de (re) organização de alguns setores em função das necessidades
produtivas desses megaprojetos. De entre essas demandas, pode-se citar a título de
exemplo, a reelaboração do Plano Diretor da cidade de Tete.
Diante desse quadro, o nosso objetivo neste estudo, é analisar o
megaprojeto de exploração do carvão mineral de Moatize, buscando compreender
os impactos sócio-espaciais, político-econômicos e as contradições inerentes a esse
megaprojeto, no que tange às formas de organização ou de (re) organização sócioespacial e político- econômica, com vista a atender aos interesses do capital mineiro
multinacional. Do ponto de vista teórico, a análise foi baseada na categoria
geográfica espaço, segundo a concepção de Santos (1997), que considera o espaço
como um sistema de sistemas. A relevância do espaço como categoria de análise
geográfica é notável em vários estudos, sobretudo nos da Geografia, cujo enfoque é
o espaço geográfico, compreendido a partir do sistema espaço-tempo, palco no qual
ocorrem todas as coisas, conceito-chave considerando a “constelação” de conceitos
de Haesbaert (2010).
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Para a melhor sistematização das idéias apresentadas, iniciamos com uma
breve caracterização de Moatize, posto que esta região constitui o recorte espacial
deste artigo. Na sequência, apresentamos uma breve discussão teórica sobre as
concepções do espaço, e seguida desvelarmos as tramas sócio-espaciais e políticoeconômicas dos megaprojetos de mineração na construção dos espaços de
mineração nas duas regiões.
Concluímos vincando que a instalação dos megaprojetos não afetou apenas
negativamente a estrutura sócio-espacial e político-econômica local, mas, e,
principalmente, produziu uma nova dinâmica, abriu novas oportunidades de negócio
e de trabalho (temporário e permanente) e, gerou uma pequena elite nacional que foi
a que mais se beneficiou e/ou se beneficia desses megaprojetos.
2- Moatize e Cidade de Tete - a dimensão espacial da pesquisa
O Distrito de Moatize, cuja sede é a vila de Moatize, situa-se a NE da cidade
de Tete, e fica a 20 km desta. É limitado ao Norte pelos Distritos de Chiúta e
Tsángano, a Sul pelo Distrito de Tambara, Guro, Changara e o Município de Tete, a
Leste pela República do Malawi, a Oeste pelos Distritos de Chiúta e Changara
(MAE, 2005).
Do ponto de vista geomorfológico, Moatize está assentado num vasto
complexo gnaisso-granítico do cinturão de Moçambique (Mozambique belt), do qual
sobressaiem em às rochas do pós-karroo, na qual ocorrem os seguintes tipos de
solo: solos castanho- cizentos, castanho - avermelhados pouco profundos sobre
rochas calcárias e os derivados de rochas basálticas, podendo estes últimos, serem
avermelhados, castanho - avermelhados ou pretos (MAE, 2005).
A geologia de Moatize distingue-se pela ocorrência de importantes jazidas,
das quais os filões de quartzo carbonatados, jazidas de ferro e chumbo, jazidas de
coríndon, de fluorite e de carvão do tipo hulha. As jazidas de carvão cobrem uma
extensa área que vai desde Chingodzi ao rio Mecombedzi. Portanto, essa extensa
área compõe a Bacia Carbonífera de Moatize-Minjova, a maior e, mais importante
reserva de carvão mineral no país, cujas quantidades são estimadas em
aproximadamente 2,5 bilhões de toneladas (MAE, 2005).
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Dados do Censo (2007), apontam que Moatize tem 113.409 habitantes.
Porém, de acordo com Instituto Nacional de Estatística (INE, 2013), o Distrito tem
155.663 habitantes, ou seja, um aumento populacional na ordem de 42.254
habitantes em relação ao número da população registrada no Censo 2007. Portanto,
este aumento da população não é surpreendente, pois a partir de 2008, Moatize
passou a receber significativos contigentes humanos vindo de quase todo o mundo,
visto que foi nesse período que iniciou a construção das primeiras infra-estruturas e
da base logística para garantir a exploração e exportação do carvão mineral a partir
de Moatize.
3- A reprodução do capital pelo carvão mineral de Moatize – as tramas sócioespaciais na construção dos espaços de mineração
3.1- Espaço – concepções teóricas
O espaço é um conceito polissêmico cujo entendimento depende do
adjectivo que o qualifica, por exemplo, espaço econômico, espaço pessoal, entre
outros. Em relação à escala de abrangência, o termo espaço pode abarcar tanto o
nível local, quanto a escala planetária ou global, (CORRÊA, 2003).
Esta polissemia, reflete também a diversidade de áreas de conhceimento
que se preocupam com o estudo desta categoria. Portanto, o estudo do espaço não
é exclusivo da geografia, embora este constitua o seu objeto de estudo. Atualmente
há cada vez mais ramos de conhecimento que estudam o espaço.
De entre essas disciplinas cumpre destacar além da geografia, a sociologia,
a economia, a psicologia, entre outras. Assim, a despeito desta pluralidade de
disciplinas que estudam o espaço, cabe salientar que, cada uma dessas áreas
temáticas o faz, a partir de um determinado prisma, ou seja, circunscrito à uma
perspectiva que vá de encontro aos seus objetivos.
Na ciência geográfica especificamente, na qual o espaço é considerado
conceito-chave, o seu estudo pode ser feito, a partir das correntes do pensamento
geográfico. Corrêa (2003), por exemplo, apresenta uma síntese sobre as diferentes
concepções do espaço mediado pela compreensão que se tinha sobre o espaço em
cada uma das etapas do pensamento geográfico.
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Assim, partindo da geografia tradicional, passando pela geografia teoréticoquantitativa (influenciado pelas ciências da natureza, sobretudo a fisica), e pela
geografia crítica (de cunho marxista) e, desembocando na geografia humanista e
cultural (realça a subjetividade, a intuição) que se contrapõe às tendências
marxistas, o autor aponta nessa demarché, as principais concepções do espaço.
Apesar das profícuas contribuições para a compreensão do espaço apresentadas
nas outras correntes geográficas, por razões de ordem metodológica, destacaremos
apenas a concepção do espaço na geografia crítica.
Na geografia nova (calcada no materialismo histórico e na dialética), o
espaço aparece definitivamente como conceito central, sobre o qual incidem
múltiplas contradições. Nesta corrente, destaca-se na análise espacial, as
contribuições do neomarxista Henri Lefebvre, para quem o espaço compreendido
como espaço social, vivido, em estreita correlação com a prática social e, não deve
ser visto como espaço absoluto, vazio, mas como o locus da reprodução das
relações sociais de produção, (CORRÊA, 2003).
Lefebvre (2000, p.7) vinca muito bem a sua percepção sobre o espaço e
aponta que
o espaço é mais do que isso, ele se vende, se compra; ele tem valor de
troca e valor de uso […] o espaço não é vazio, é produto por interação ou
retroação, o espaço intervém na própria produção; organização do trabalho
produtivo, […] o espaço é produtivo e produtor, ele se dialetiza, suporta as
relações econômicas e sociais é o locus da reprodução das relações sociais
de produção, isto é, da produção da sociedade.
Portanto, a partir destas considerações, fica claro que a concepção do
espaço tem se modificado concomitante à modificação da sociedade e também dos
paradigmas do conhecimento geográfico. No âmbito da geografia crítica (iniciada
nas décadas de 1960 e 1970), cabe salientar o papel que o espaço tem, não só
como fonte de obtenção de recursos, mas e, sobretudo, como o locus da reprodução
das relações sociais, ou seja, da produção da sociedade.
3.2- Desvelando os impactos sócio-espaciais e político-econômicos dos
megaprojetos de mineração em Moatize
A exploração dos recursos naturais (minerais, água, solo) conheceu um
inusitado aumento nas últimas décadas do século XX e nas primeiras décadas deste
século. Esse crescimento justifica-se, por um lado, pelo aumento dos níveis de
consumo desses recursos em muitas economias emergentes como por exemplo, o
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Brasil, China, Índia, entre outros países, e por outro lado, pela necessidade de
acumulação enquanto estratégia de contenção e enfrentamento da crise capitalista.
Nos últimos tempos, a mineração é caracterizada pelo predomínio de
grandes consórcios multinacionais detentoras de poder econômico, que dividem o
mundo entre si e operam num sistema interligado, isto é, em redes. Nas regiões
onde esses “gigantes” se instalam, tal como é o caso de Moatize, as multinacionais
organizam e (re) organizam o espaço, eliminam os sujeitos indesajados que
eventualmente podem constituir “barreiras naturais” e, buscam impor uma lógica
produtiva, bem como novas formas de organização sócio-espacial que atendam às
suas necessidades, (SANTOS, 1997).
Em Moatize, a inserção do capital via megaprojetos de mineração implicou
na desestruturação das formas de organização sócio-espacial preexistentes, na
precarização das relações de trabalho, na formação de enclaves econômicos e, foi
marcado, principalmente por conflitos entre as comunidades locais e as
multinacionais. A nova lógica produtiva introduzida nesta região, demandou a
retirada e o reassentamento de 1313 famílias afetadas, processo este, que não só
produziu novas formas de organização sócio-espacial, mas também afetou
significativamente a dimensão simbólica e cultural dessas famílias.
Do ponto de vista simbólico e cultural, a retirada e o reassentamento
compulsório das famílias diretamente afetadas forçou os sujeitos a distanciarem-se
dos seus lugares de sacralização das relações espirituais, o que gerou um enorme
descontentamente no seio destes.
Calaça (2013, p. 26), demostra muito bem os impactos da inserção do
capital e explica que a “ “territorialização” do capital (grifo do autor) impacta o mundo
dos sujeitos, criando modos de desenraizá-los alterando seus modos de vida,
interferindo nos valores políticos, sociais, econômicos e culturais, nos símbolos e
nas representações”.
A chegada dos megaprojetos em Moatize produziu enormes contigentes
humanos excluídos e residindo nas periferias da vila, em terrenos íngremes,
marginais, com ravinas e sem as mínimas condições de vida. Ou seja, a inserção
dos megaprojetos em Moatize engendrou novas formas de organização sócioespacial por meio da refuncionalização ou readaptação dos espaços preexistentes,
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impondo assim, uma nova racionalidade, por meio de ordenamento territorial, que
permita o exercício “seguro” de suas atividades produtivas.
Santos (1997) fundamenta essa idéia destacando que, o processo de
incorporação das formas técnico-científicas demanda a (re) organização espacial
com vista a abrigar frações de capital que exigem uma rentabilidade maior. Por essa
necessidade, “as multinacionais organizam a sua produção em função do seu
próprio jogo de interesses, criando ali, ampliando ali, ou mesmo suprimindo suas
atividades nas áreas consideradas menos interessantes” (SANTOS, 1997, p.44).
Harvey (2012) finaliza afirmando que, a racionalidade imposta pelas
empresas define os limites das ações quanto ao uso e funções do espaço, de modo
que o funcionamento assegure a reprodução do capital.
Como se pode compreender, a inserção do capital além dos seus efeitos
sobre a organização sócio-espacial vigente, o mesmo impacta fortemente a estrutura
social local na busca por uma maior rentabilidade. Ao proceder dessa forma, não só
transforma o espaço, como também produz o espaço a partir do espaço
preexistente, que em muitas vezes é um espaço totalmente excludente.
Em Moatize, a idéia difundida sobre os megaprojetos era de que estes
“redimiriam” a população da condição de pobreza. Na prática tal não aconteceu,
posto que os avultados investimentos realizados neste Distrito visam possibilitar a
expansão do capitalismo, em busca de novas regiões produtoras de matéria-prima,
da força de trabalho mais barata, dos incentivos fiscais, da legislação trabalhista e
ambiental precária, o que em parte encontraram em Moçambique.
Portanto, estes investimentos são estratégias de superação da crise, tal
como referenciado por Marx (1989) citado por Alves, Nascimento e Silva (2003).
Insistimos que, os megaprojetos não vão e, nem poderão gerar o desenvolvimento
em Moatize, uma vez que não garantem a integração social, pensada a partir da
liberdade de participação, acesso à cultura, a alimentação, infraestruturas de
serviços públicos, vestuário. Souza (2003, p.106) é enfático nesse aspecto e,
considera a “autonomia a base para o desenvolvimento, [portanto], encara o
desenvolvimento como o processo de auto-instituição da sociedade rumo à mais
liberdade e menos desigualdades”.
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A partir desta premissa, percebe-se que os requisitos básicos para o
desenvolvimento não existem em Moatize
e/ou são escamoteados pelos
megaprojetos. Há evidências de que os reassentamentos dividiram membros da
mesma família ou da mesma comunidade para áreas distintas, aquilo que Ramos
(2009) designou de tática de dividir para reinar. Ademais, a partir do relato das
famílias diretamente afetadas, é possível apurar que os megaprojetos e o governo
reassentaram as famílias em regiões potencialmente impróprias para à prática da
agricultura, base de subsistência da grande maioria da população moçambicana.
Portanto,
este
movimento
(retirada
e
reassentamento)
produziu
concomitantemente novas formas de organização e/ou de (re) organização sócioespacial e político-econômica nos dois lugares, embora em ritmos e dinâmicas
diferentes. Tal processo foi acompanhado pelo movimento de desterritorialização e
reterritorialização das famílias diretamente afetadas, processo este que Heasbaert
(2003, p. 179) considera a “marca essencial da modernidade em seu conjunto, na
qual as relações sociais são deslocadas dos contextos territoriais de interação e se
reestruturam por meio de extensões indefinidas”.
No plano político-econômico e social, o início da mineração do carvão em
Moatize, engendrou não só novas formas de organização social, a partir do
surgimento de novos bairros (Matundo e Mateus Sansão Muthemba) sem as
mínimas condições de habitação, mas também aumentou a demanda interna,
principalmente, em relação aos produtos da primeira necessidade.
Mosca e Selemane (2011) explicam que a chegada dos megaprojetos de
mineração incrementou a oferta de serviços de empresas nacionais ou estrangeiras,
o fornecimento de energia, o transporte de longa distância, bem como o negócio de
aluguel de casas e do número de pessoas que trabalham no setor informal.
Concomitante a estas modificações cujos impactos afetam a estrutura sócioespacial, a inserção do capital mineiro multinacional gerou maior pressão sobre o
setor público local e para as instituições do Estado, que se viram na necessidade de
se (re) reorganizarem com vistas à atender a nova lógica produtiva imposta pelos
megaprojetos.
Assim, a reelaboração do plano diretor da cidade de Tete, bem como da
estratégia e da política nacional de descentralização, são exemplos dos (re) arranjos
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em nível institucional para acomodar as necessidades destes megapreendimentos.
Portanto,
é
isto
que
alguns
autores
consideram
como
processo
de
institucionalização, isto é, a criação de territórios ou o rearranjo de velhos limites,
com finalidade de normatizar o uso e a circulação espacial por meio da
institucionalização ou normatização dos territórios.
Esse processo é próprio da incorporação das formas técnico-científicas que,
pela sua natureza, demandam a (re) organização espacial com vistas a abrigar
frações de capital que exigem uma rentabilidade maior e, por conseguinte, a
reestruturação da própria administração pública, que tem de se reorientar com vista
a atender as demandas pelo consumo e por infraestruturas que sirvam de apoio ao
capital mineiro multinacional (SANTOS, 1997).
Assim, a implantação dos megaprojetos de mineração da Vale Moçambique,
Rio Tinto e da Jindal Steel and Power em Moatize, configurou novas espacialidades
e intensificou os mecanismos de segregação sócio-espacial, ao mesmo tempo em
que, aumentou as pressões da sociedade civil moçambicana sobre o Estado. A
sociedade civil entende que o Estado deve procurar soluções, deve ensejar novas
lutas, de modo que o crescimento do setor da mineração no país, sobretudo em
Moatize, não seja apenas o vetor multiplicador das desigualdades sócio-espaciais.
Ou seja, o Estado moçambicano deve intervir o quanto antes no sentido de
garantir que o boom da mineração contribua para a melhoria das condições de
trabalho e de suas relações, de habitação e uma cada vez maior participação da
população na vida econômica e social do país.
4- Algumas considerações
Em Moçambique, vários pesquisadores (Castel- Bransco (2008), Selemane
(2009), Ramos (2009), Mosca e Selemane (2011), Matos e Medeiros (2014), entre
outros), têm se dedicado ao estudo dos megaprojetos de mineração nas suas mais
diversas dimensões. Com a exceção de Matos e Medeiros (2014), o resto destes
autores, buscam compreender como a exploração dos recursos minerais poderá
contribuir para o alívio à pobreza e, no limite, promoverá o desenvolvimento
econômico e social do país.
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A partir da análise feita neste artigo, foi possível perceber que os impactos
sócio-espaciais e político-econômicos em curso no Distrito de Moatize, embora não
sejam exclusivos dos megaprojetos de mineração instalados naquela região, é
correto afirmar que tais impactos resultam, em boa parte, da concretude desses
megaprojetos e, por isso estão a eles imbricados. Pois, a inserção desses
empreendimentos, engendrou novas formas de organização e/ou (re) organização
sócio-espacial e político-econômico com o fito de atenteder às demandas produtivas
dos megaprojetos. Concomitante, gerou maior pressão sobre a terra, bem como
uma enorme demanda em busca de novos espaços para diversas atividades.
Por um lado, o início destas atividades pressionou as instituições do Estado
(distrital, municipal e provincial), posto que tiveram que se (re) organizar em função
das demandas dos megaprojetos, e por outro lado, intensificou os questionamentos
da socidade civil com relação ao papel do Estado no provimento dos serviços
báscios e na garantia dos interesses nacionais e da população local.
A despeito dessa realidade, cabe salientar que os megaprojetos de mineração
produziram à medida que geraram um “amontoado” de excluídos (Heasbaert, 2010),
uma pequena burguesia nacional constituída por empresários nacionais, ou por
indivíduos ligados ao poder político nacional que foi a que mais se beneficiou e/ou
se beneficia desses megaprojetos. Portanto, é essa a contradição do capitalismo
que ao socializar o trabalho e privatizar os meios de trabalho, produz concomitante
uma pequena elite completamente abastada, e um amontoado de excluídos
socialmente, que à custa do seu sangue, suor e dignidade, garantem a reprodução
do capital e a expatriação dos superlucros. É isto que alguns autores consideram a
essência invariável do capitalismo.
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