REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA Conceitos, princípios, instrumentos Direito Urbanístico, Estatuto da Cidade, Regularização Fundiária Ana Maria Furbino Bretas Barros - [email protected] Ana Paula Bruno – [email protected] Contexto OS ASSENTAMENTOS INFORMAIS são resultado de um processo histórico de desenvolvimento ecônomico, urbano e de acesso à terra desiguais e da ausência de um modelo consistente de promoção pública e privada de habitação para a população de baixa renda constituem o lugar de moradia de grande parte da população urbana brasileira Rio de Janeiro – Rocinha São Paulo Guarapiranga Brasília Vila Estrutural Situando a Questão • A agenda da Regularização Fundiária: resultado de um processo sócio-político de construção de uma política habitacional inclusiva – Reconhecimento do direito à moradia, constitucionalizado pela Emenda Constitucional n. 26/2000 – Parque habitacional informal como patrimônio constituído: relações estabelecidas ao longo de décadas; poupança REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA Processo de reconhecimento de direitos previstos na Constituição Federal, especificamente o direito à moradia e à cidade, a moradores de assentamentos irregulares, especialmente os de baixa renda, por meio da promoção da segurança na posse, do endereçamento oficial, do acesso a serviços públicos essenciais, a créditos e a financiamentos imobiliários para melhoria física das suas habitações. Formas de manifestação da irregularidade habitacional • Por tipologia do assentamento: – Loteamentos irregulares ou clandestinos – Favelas – Cortiços – Conjuntos Habitacionais • Por natureza da área: – Área pública – Área particular • Por tipo de irregularidade: – Fundiária/ registrária – Técnica/ urbanística – Edilícia Regularização Fundiária Hoje • Entendida como política pública: – De caráter curativo (passivo habitacional) – No âmbito de uma política habitacional mais ampla, de garantia do acesso à terra urbanizada e a habitações produzidas no mercado formal (política preventiva) • Duas visões predominantes: – Stricto Sensu: regularização jurídica dos assentamentos/ titulação; – Latu Sensu: regularização jurídica, ambiental, urbanística e social (denominada regularização fundiária plena) Base legal • Constituição Federal – Função social da propriedade e direito à moradia – Capítulo da Política Urbana – Art. 183: Usucapião especial urbano e concessão de uso • Estatuto da Cidade – Lei 10.257/2001: – Art. 4º, inciso V: “Instrumentos jurídicos e políticos” (regularização fundiária, em si, é um dos instrumentos do Estatuto da Cidade) Base legal • Lei Federal nº 6.766, de 1979 – Estabelece regras para o parcelamento do solo urbano, nas modalidades loteamento (subdivisão da gleba em lotes com abertura de sistema viário) e remembramento (subdivisão da gleba em lotes com aproveitamento de sistema viário existente) – Loteamento irregular passa a ser considerado crime contra a Administração Pública – Adimite que o Município assuma a regularização fundiária, na omissão do responsável (art. 40) – Alterações introduzidas pela Lei Federal nº 9.785, de 1999, facilitam a regularização fundiária, inclusive em áreas com registro de imissão na posse, podendo haver cessão de posse por instrumento particular – Regularização, entretanto, com visão de aprovação Base legal • Medida Provisória nº 2.220, de 2001 – Disciplina o instituto da Concessão de Uso Especial para fins de Moradia – vetado no Estatuto da Cidade • Decreto-Lei nº 271, de 1967 – Disciplina o instituto da Concessão de Direito Real de Uso • Lei Federal nº 11.977, de 2009 – Lei do Programa Minha Casa Minha Vida, dispõe em seu Capítulo III sobre a regularização fundiária de assentamentos urbanos – Admite condições e instrumentos especiais para regularização Instrumentos do Estatuto da Cidade para a Regularização Fundiária de assentamentos informais • usucapião especial de imóvel urbano (CF) • concessão de uso especial para fins de moradia (disciplinado na MP nº 2.220/01) • concessão de direito real de uso • zonas especiais de interesse social • demarcação urbanística para fins de regularização fundiária (incluído pela Lei nº 11.977, de 2009) • legitimação de posse (incluído pela Lei nº 11.977, de 2009) • direito de superfície • transferência do direito de construir • assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos Usucapião Especial de Imóvel Urbano • É direito subjetivo previsto no Art. 183 da CRFB • O Estatuto da Cidade disciplinou a aplicação do instituto na modalidade coletiva • Forma originária de aquisição de propriedade • Instituto aplicável apenas em áreas particulares: aquisição de imóveis públicos por meio de usucapião é vedada constitucionalmente • Requisitos: possuir como seu, ininterruptamente e sem oposição, pelo prazo mínimo de cinco (5) anos, área urbana com metragem máxima de 250m², para fins de moradia sua ou de sua família, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural • Pode ser requerida na forma individual ou coletiva • Só pode ser concedida uma vez • O direito é transmitido inter vivos ou causa mortis Usucapião Especial de Imóvel Urbano • Modalidade coletiva admitida em áreas urbanas superiores a 250 m², ocupadas em regime de composse por população de baixa renda Na modalidade coletiva, admite soma de posses Constitui condomínio especial indivisível, extinto apenas mediante deliberação de 2/3 dos condôminos, no caso de urbanização posterior à sua constituição Acordo escrito entre condôminos poderá definir frações diferenciadas, sendo a regra a outorga de frações ideais • A sentença declaratória vale como título hábil para o registro no cartório de registro de imóveis • Ação de usucapião especial urbano observa o rito sumário, com intervenção obrigatória do Ministério Público. • Aplicáveis os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita, inclusive perante o cartório de registro de imóveis. • Pode ser invocada como matéria de defesa Concessão de Uso Especial para fins de Moradia (CUEM) • Vetada no texto original do Estatuto da Cidade (razões do veto: ausência de limitação temporal; ausência de regime especial para bens públicos indisponíveis; ausência de prazo para atendimento do P.P.) • Instituto aplicável em áreas públicas, análogo ao usucapião especial urbano, que, entretanto, não implica aquisição da propriedade. • É direito subjetivo • Requisitos: posse ininterrupta e sem oposição, anterior a 30 de junho de 1996, de área urbana com metragem máxima de 250m², utilizada para moradia do ocupante ou de sua família, desde que este não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. • Pode ser requerida na forma individual ou coletiva • Constitui contrato por tempo indeterminado e resolúvel • É direito real passível de hipoteca Concessão de Uso Especial para fins de Moradia (CUEM) • Deve ser outorgada gratuitamente • Só pode ser concedida uma vez • É transferível por causa mortis ou inter vivos • Na modalidade coletiva, admite soma de posses • Título concedido pela via administrativa ou judicial • O Poder Público tem um ano para decidir o pedido • Em casos de risco à vida, o direito deve ser reconhecido em outro local • É facultada a outorga em outro local nos casos de imóvel: de uso comum do povo; destinado a projeto de urbanização; de interesse da defesa nacional, da preservação ambiental e da proteção dos ecossistemas naturais; reservado à construção de represas e obras congêneres; ou situado em via de comunicação. Concessão de Direito Real de Uso (CDRU) • Estabelecida pelo Decreto-Lei Federal 271/67 (Art. 7º) e elencada no Estatuto da Cidade – Lei 10.257/2001 • Instituto aplicável em áreas públicas e particulares • Utilizado nos programas pioneiros de Regularização Fundiária de áreas públicas. Hoje: instituto alternativo à concessão de uso especial para fins de moradia, nos casos em que os ocupantes das áreas públicas não preenchem os requisitos necessários à sua obtenção • Requisitos: interesse público • A outorga pelo Poder Público é discricionária e pode ser onerosa ou gratuita • Constitui contrato por tempo determinado ou não e resolúvel • É direito real passível de hipoteca, pelo prazo estabelecido em contrato de concessão (CC, arts. 1225 e 1473) Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) • Zoneamento específico: áreas destinadas à recuperação urbanística, à regularização fundiária e à produção de habitações de interesse social • As ZEIS permitem a adoção de parâmetros especiais de parcelamento, uso e ocupação do solo, adequados e específicos aos assentamentos informais objeto de intervenção • Definição legal (Lei 11.977, de 2009, art. 47, V) “parcela de área urbana instituída pelo Plano Diretor ou definida por outra lei municipal, destinada predominantemente à moradia de população de baixa renda e sujeita a regras específicas de parcelamento, uso e ocupação do solo” Regularização Fundiária na Lei nº 11.977/09 A Regularização Fundiária é tratada no Capítulo III, dividido em 5 seções: • Seção I: Disposições Preliminares (conceitos, legitimados, projeto de regularização fundiária) • Seção II: Da Regularização Fundiária de Interesse Social (procedimentos e instrumentos específicos) • Seção III: Da Regularização Fundiária de Interesse Específico • Seção IV: Do Registro da Regularização Fundiária (regras para o registro imobiliário da regularização fundiária, disposições sobre custas e emolumentos) • Seção V: Disposições Gerais (dispensa de projeto para o registro de parcelamentos implantados antes de 1979) Regularização Fundiária na Lei nº 11.977/09 Conceito (art. 46) “conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”. Outros conceitos de regularização fundiária • Outros conceitos de regularização fundiária: – Para demarcação de terras da União: Considera-se regularização fundiária de interesse social aquela destinada a atender a famílias com renda familiar mensal não superior a 5 (cinco) salários mínimos. (Art. 18-A. Dec Lei 9760/46) – Para gratuidade do registro: Considera-se regularização fundiária de interesse social para os efeitos deste artigo aquela destinada a atender famílias com renda mensal de até 5 (cinco) salários mínimos, promovida no âmbito de programas de interesse social sob gestão de órgãos ou entidades da administração pública, em área urbana ou rural. (Art. 290-A §2º Lei 6015/73) Regularização Fundiária na Lei nº 11.977/09 • Tipos de regularização fundiária • Regularização fundiária de interesse social: Tratamento especial na regularização de ocupações de população de baixa renda, que apresentam múltiplas vulnerabilidades, nos aspectos urbanísticos, ambientais, sociais e jurídicos • Regularização fundiária de interesse específico: Assentamentos irregulares não enquadrados como de interesse social Regularização Fundiária na Lei nº 11.977/09 Diretrizes (art. 48) Respeitadas as diretrizes gerais da política urbana estabelecidas na Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001, a regularização fundiária observará os seguintes princípios: • ampliação do acesso à terra urbanizada pela população de baixa renda, com prioridade para sua permanência na área ocupada, assegurados o nível adequado de habitabilidade e a melhoria das condições de sustentabilidade urbanística, social e ambiental; • articulação com as políticas setoriais de habitação, de meio ambiente, de saneamento básico e de mobilidade urbana, nos diferentes níveis de governo e com as iniciativas públicas e privadas, voltadas à integração social e à geração de emprego e renda; • participação dos interessados em todas as etapas do processo de regularização; • estímulo à resolução extrajudicial de conflitos; e • concessão do título preferencialmente para a mulher. Regularização Fundiária na Lei nº 11.977/09 Regras gerais • Regularização fundiária deve ser plena, ou seja, deve integrar as dimensões urbanística, ambiental, jurídica e social Obrigatoriedade de elaboração de projeto de regularização fundiária (art. 51), contendo áreas ou lotes a serem regularizados, edificações a serem relocadas, sistema viário existente ou projetado, áreas de uso público, medidas de contenção de riscos, medidas de adequação da infraestrutura básica, medidas de compensação urbanística e ambiental e medidas que garantam a sustentabilidade da intervenção Exceções: registro de sentença de usucapião, de sentença declaratória ou planta administrativa elaborada para a outorga de concessão de uso especial para fins de moradia (art. 51, § 1º) Regularização Fundiária na Lei nº 11.977/09 Regras gerais • Assentamentos consolidados anteriormente à data da Lei 11.977 (17 de julho de 2009) podem ser regularizados com redução de percentual de áreas destinadas ao uso público e de área mínima dos lotes, autorizada pelo Município • O Município pode dispor sobre regularização fundiária em seu território • Os dispositivos da lei são auto aplicáveis • A regularização fundiária pode ser promovida pelos municípios, estados, União, cooperativas habitacionais, associações de moradores, organizações sociais (OS’s), organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP’s) e entidades civis com finalidade específica (art. 50) Regularização Fundiária de Interesse Social Caracterização (art. 47, VII) • O assentamento irregular pode ser objeto de regularização fundiária de interesse social se for ocupado por população de baixa renda e – Preencher os requisitos para usucapião ou concessão de uso especial para fins de moradia (MP 2220/01) – Estiver demarcado como Zona Especial de Interesse Social no Plano Diretor ou Lei Municipal específica ou – For declarado de interesse para a implantação de projetos de regularização fundiária de interesse social, no caso de áreas da União, dos Estados, Municípios ou Distrito Federal Regularização Fundiária de Interesse Social Regras específicas • A aprovação do projeto de regularização fundiária pelo Município corresponde ao licenciamento urbanístico e ambiental, se – O Município tiver conselho de meio ambiente e – Órgão ambiental capacitado • No projeto de regularização fundiária, são admitidos parâmetros urbanísticos e ambientais específicos, de acordo com as características da ocupação • A implantação da infraestrutura básica deve ser feita pelo Poder Público, de forma direta ou por meio das concessionárias ou permissionárias de serviços públicos • A implantação da infraestrutura básica e de equipamentos comunitários pelo Poder Público pode ser feita antes de concluída a regularização jurídica do assentamento irregular Regularização Fundiária de Interesse Social Regras específicas • O Município pode admitir a regularização fundiária de interesse social em Áreas de Preservação Permanente:( Art. 54 §1º) – Ocupadas até 31 de dezembro de 2007 – Inseridas em área urbana consolidada • Densidade superior a 50 habitantes/há, malha viária implantada e pelo menos dois dos seguintes elementos: drenagem urbana, esgostamento sanitário, abastecimento de água potável, distribuição de energia elétrica, ou limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos – Que sejam objeto de estudo técnico, elaborado por profissinal legalmente habilitado, que comprove que a intervenção implica melhoria das condições ambientais em relação à situação irregular anterior Regularização Fundiária de Interesse Social Regras específicas • Registro simplificado do parcelamento decorrente de projeto de regularização fundiária de interesse social, sendo exigíveis apenas: (Art. 65) – Certidão atualizada da matrícula do imóvel – Projeto de regularização fundiária aprovado – Instrumentos de instituição e convenção de condomínio, se for o caso – Comprovação de legitimidade das entidades não governamentais para a promoção de ações de regularização fundiária • Gratuidade do registro do auto de demarcação urbanística, do título de legitimação de posse e de sua conversão em propriedade, bem como dos parcelamentos decorrentes de regularização fundiária de interesse social (Art. 68) Regularização Fundiária de Interesse Social Instrumentos específicos • Demarcação Urbanística – Procedimento administrativo pelo qual o poder público, no âmbito da regularização fundiária de interesse social, demarca imóvel de domínio público ou privado, definindo seus limites, área, localização e confrontantes, com a finalidade de identificar seus ocupantes e qualificar a natureza e o tempo das respectivas posses • Legitimação de posse – Ato do poder público destinado a conferir título de reconhecimento de posse de imóvel objeto de demarcação urbanística, com a identificação do ocupante e do tempo e natureza da posse Demarcação Urbanística Art. 56 a 58 • Aplica-se na regularização de ocupações consolidadas em que não haja conflito com os proprietários da área • Pode abranger parte ou a totalidade de imóveis privados de mais de um proprietário ou imóveis públicos • Envolve procedimento de notificação pessoal dos proprietários da área e de notificação por edital de confrontantes e eventuais interessados para eventual impugnação no prazo de quinze dias • É averbada nas matrículas dos imóveis atingidos • Somente pode ser feita pelo Poder Público Legitimação de posse Art. 59 e 60 • • Decorre do procedimento de demarcação urbanística • Deve ser concedida pelo Poder Público aos moradores de área demarcada que: Depende da elaboração do projeto de regularização fundiária e do registro do parcelamento, com abertura de matrícula dos lotes Ocupem lote ou possuam fração ideal de lote inferior a 250m² Não sejam proprietários, foreiros ou concessionários de outro imóvel urbano ou rural • • Não sejam beneficiários de legitimação de posse anterior Deve ser registrada na matrícula do lote correspondente Quando concedida sobre áreas privadas, pode ser convertida em propriedade após cinco anos de seu registro, mediante requerimento do morador legitimado dirigido ao Cartório de Registro de Imóveis (usucapião especial urbana administrativa) Regularização Fundiária de Interesse Específico Art. 61 e 62 Regras específicas • Regularização fundiária de assentamentos irregulares que não se caracterizam como de interesse social • Depende da análise e da aprovação do projeto de regularização pela autoridade licenciadora • Depende da emissão de licenças urbanística e ambiental • Deverá observar as restrições à ocupação de APPs • Contrapartidas/compensações urbanísticas e ambientais • Medidas de mitigação e compensação integrar termo de compromisso com força de título executivo extrajudicial • Registro do parcelamento nos termos da legislação em vigorLei 6.766 (Art. 64 da Lei 11977/09) Demarcação em áreas da União Dec. Lei 9760/46 com alterações da Lei 11.481/07 • Somente a União tem legitimidade para promover a demarcação em áreas de seu domínio • Procedimento realizado no CRI, com abertura de matrícula em nome da União – Art. 18A a 18F do Dec Lei 9760/46