154 Caderno especial do Jornal do Comércio Porto Alegre, 30 de março de 2015 Quando o lucro deixa de ser fotos vert/divulgação/jc o único objetivo Em 2002, os franceses François-Ghislain Morillion e Sébastien Kopp, ambos na época com 22 anos, estavam bebendo vodka na mesa de um bar em Nova York e chegaram à mesma conclusão de muitos jovens nessa idade, depois de alguns goles de destilado: não estavam felizes. A vida estava vazia, mesmo formados em Administração e com um bom emprego em Wall Street, meca do mercado financeiro mundial. Só que eles, ao contrário da maioria dos jovens nessa idade, levaram a sério aquela conversa e decidiram abandonar o rentável emprego e viajar durante um ano para estudar sustentabilidade. Este era um problema real e queriam aprender como projetos de sustentabilidade poderiam impactar o mundo. Eles conheceram 56 projetos na Índia, China, África do Sul e Brasil. Após uma grande viagem para o Brasil em 2005, os amigos resolveram criar a Vert (“verde” em francês) com o objetivo de fabricar calçados de design clean e urbano, buscando sempre um impacto positivo, tanto na parte social como ambiental. A cidade escolhida foi Campo Bom, no Vale do Rio dos Sinos, distante cerca de 50 Km de Porto Alegre, pioneira na exportação de calçados. Para François-Ghislain Morillion, uma marca humana não considera o lucro como único objetivo. “A empresa se torna apenas uma ferramenta para um objetivo social e ambiental: melhorar a vida e o ambiente de todos os envolvidos na empresa.” Segundo a pesquisa do The Economist Intelligence Unit, empresas mais engajadas socialmente experimentam um retorno no valor do negócio quatro vezes maior do que aquelas com atuação mínima nessa área. Morillion percebe uma grande fidelidade de seus clientes, “que se tornam verdadeiros embaixadores da nossa marca, porque se sentem envolvidos no processo. Acredito que isso sim tem um valor muito alto”. Hoje, com uma produção anual de 110 mil pares e presente em 15 países, a marca conta com uma equipe multicultural espalhada entre Paris, Londres, Berlim, Milão, Rio Branco, Fortaleza, Novo Hamburgo, Rio de Janeiro e São Paulo. Além de lojas nacionais em São Paulo, Rio de Janeiro, Campinas e Recife, entre outras, que comercializam a marca no Brasil. Os calçados da Vert têm fabricação e matérias-primas 100% brasileiras desde o início da marca. Segundo os sócios, o Brasil oferece uma base para produção dos tênis por conta do lado social e ecológico, e por isso, toda a matéria-prima é cultivada no País. Desde 2005, a marca já utilizou cerca de 120 toneladas de algodão orgânico, 65 toneladas de borracha selvagem da Amazônia, 160 pessoas encontram uma oportunidade de emprego através das cooperativas e mais 30 funcionários diretos ao redor do mundo. A Vert aposta no comércio justo como uma ferramenta essencial da economia verde. Por isso, cada par de tênis vendido gera uma média de R$ 1,1 pago aos produtores de algodão do Semiárido Nordestino e R$ 0,70 aos seringueiros do Acre. “Não acreditamos numa visão romântica da ecologia. O nosso caminho é a valorização econômica. Na Vert, isso passa por um trabalho social: os seringueiros e os produtores de algodão recebem um valor diferenciado por preservar as florestas e as terras”, explica François-Ghislain Morillion. Respeito aos trabalhadores Em palestra recente em Porto Alegre, Morillion disse que a Vert paga cinco vezes mais por um funcionário: “Fazemos questão de estar em uma fábrica que respeita os trabalhadores.” Com concorrentes que têm custo menor com os traba- Borracha selvagem da Amazônia: cada par de tênis vendido gera uma média de R$ 0,70 pago aos seringueiros no Acre lhadores é possível ser competitivo? François-Ghislain Morillion: “Nossos concorrentes não gastam tanto com a produção dos tênis, mas gastam muito em marketing (70% do valor de um tênis é publicidade). Nós invertemos o plano Os franceses François-Ghislain Morillion e Sébastien Kopp abandonaram Nova York e investiram numa fábrica de calçados em Campo Bom, Rio Grande do Sul de negócio, injetando mais valor no produto (matéria-prima, fabricação) e diminuindo ao máximo os custos de divulgação. Nosso tênis conta uma história verdadeira, que não precisa de muito marketing.” Semiárido Nordestino: Cada par de tênis vendido gera uma média de R$ 1,1 pago aos produtores de algodão do Nordeste