Anais do XV Encontro de Iniciação Científica da PUC-Campinas - 26 e 27 de outubro de 2010 ISSN 1982-0178 PERFIL SÓCIO-DEMOGRÁFICO E CLÍNICO DOS USUÁRIOS DE UM CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL DO MUNICÍPIO DE CAMPINAS Iara Monteiro Smeke de Miranda1 Profª Drª Maria Luisa G. Simões Ballarin2 Faculdade de Terapia Ocupacional Centro de Ciências da Vida [email protected] Grupo de Pesquisa: Saúde Mental, Terapia Ocupacional e Perspectivas de Formação Centro de Ciências da Vida [email protected] Resumo: Considerando os diferentes equipamentos de assistência à saúde mental, constituídos a partir da Reforma Psiquiátrica brasileira, destacam-se os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Estes se caracterizam como serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico tradicional e são essenciais na organização e composição de rede de atenção à saúde mental, na medida em que buscam estruturar suas intervenções na perspectiva da atenção baseada na comunidade, no território e na construção de projetos terapêuticos singularizados, por isso mesmo, devem ser considerados objetos sistemáticos de investigação. Assim, este trabalho tem por objetivo identificar o perfil sócio-demográfico e clínico dos usuários de um CAPS do município de Campinas. Trata-se de um estudo de natureza descritiva e quanti-qualitativo em que se realizou pesquisa documental com consulta a prontuários e demais documentos do referido serviço. Os resultados evidenciaram que 53,75% dos usuários são do sexo masculino, sendo a média de idade de 41,28 anos. A maioria possui nível de escolaridade correspondente ao ensino fundamental incompleto. Além disso, 60,26% dos usuários enquadram-se no grupo das esquizofrenias, transtornos esquizotípicos e delirantes. Entende-se que os resultados do estudo podem contribuir para o aprimoramento e a elaboração de projetos e programas que atendam com mais efetividade os usuários do serviço investigado. Palavras-chave: Saúde Mental, Centros de Atenção Psicossocial, Perfil sócio-demográfico Área do Conhecimento: Ciências da Saúde – Fisioterapia e Terapia Ocupacional – CNPq. 1. INTRODUÇÃO No bojo das transformações ocorridas na assistência psiquiátrica brasileira, serviços alternativos à internação psiquiátrica tradicional foram sendo implantados. Tais serviços, constituídos especialmente nas duas últimas décadas, mostram-se relevantes na medida em que buscam o resgate de autonomia e cidadania do doente mental, além de uma nova ordenação do trabalho em equipe, do estímulo à criação de associações de usuários, familiares e trabalhadores e privilegiam as práticas e questionamentos interdisciplinares [1, 2, 3, 4]. Neste panorama, os CAPS funcionam como equipamentos estratégicos na articulação da rede de atenção, constituindo-se como a principal estratégia da Reforma Psiquiátrica, como um lugar de referência e tratamento para pessoas com transtornos mentais. Um panorama detalhado acerca da evolução das políticas em saúde mental de 1991 a 2004 em nosso país identifica uma expansão do modelo assistencial, com destaque para os CAPS e Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT) [5], o que pode ser também constatado através da análise da evolução da produção científica sobre o tema CAPS entre 1997 e 2008, que aumentou significativamente [6]. Embora seja importante enfatizar os avanços observados na consolidação da rede de atenção no campo da saúde mental, a constituição de uma política em saúde mental de base territorial é complexa e envolve diversos elementos e inúmeros desafios. Alguns autores [7, 8, 9] salientam a necessidade de se compreender os CAPS, bem como os outros serviços substitutivos. Portanto, refletir de maneira mais detalhada acerca da construção e articulação da rede de serviços em saúde mental pode favorecer a análise e a avaliação dos próprios equipamentos, no caso, os CAPS e, facilitar a elaboração de ações e estratégias de enfretamento mais efetivas e que contemplem a 1 reais necessidades desta população. Ressalta-se que no que se refere ao sistema de saúde mental, o município tornou-se referência nacional no processo de reforma psiquiátrica, contando atualmente com 05 CAPS III, além de cerca de dez expe1 2 Aluna da Faculdade de Terapia Ocupacional. Bolsista PIBIC/CNPq Professora Doutora da Faculdade de Terapia Ocupacional. Anais do XV Encontro de Iniciação Científica da PUC-Campinas - 26 e 27 de outubro de 2010 ISSN 1982-0178 riências de Centros de Convivência e Geração de Renda, mais de 30 SRT e mais de 20 equipes de saúde mental na rede básica. 2. CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS Trata-se de um estudo de natureza descritiva, exploratória, retrospectiva e quanti-qualitativa, que utilizou como fonte de informações dados secundários obtidos junto a prontuários dos usuários do CAPS, bem como documentos do serviço (relatórios de controle administrativo) que foram disponibilizados. A consulta aos prontuários foi realizada entre os meses de outubro de 2009 a maio de 2010. Elaborou-se uma folha de registro contendo as variáveis a serem pesquisadas em cada um dos prontuários consultados. Posteriormente, elaborou-se um banco de dados a partir de uma planilha (Excel) organizada de acordo com as variáveis coletadas, cujo objetivo foi proceder à análise estatística. De 307 prontuários ativos, foram consultados 85, dada a existência de falhas nos registros, dados conflitantes e ausência de informações, o que demandou maior tempo do que o previsto na consulta de cada documento. Apesar da importância dos prontuários como forma de registro de informações acerca da assistência prestada aos usuários dos serviços, no Brasil, ainda se constata a baixa qualidade e a inadequação dos registros e prontuários [10]. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Com relação ao serviço constatou-se que é um serviço de atenção comunitária, pública, de base territorial, que funciona 24 horas por dia (CAPS III) e que possui 08 leitos/noite, tendo sido inaugurado em 1993. Objetiva tratar de forma intensiva as pessoas com transtorno mental grave, com idade superior a 14 anos, junto às suas famílias e na sua comunidade, evitando a internação psiquiátrica integral e promovendo a reabilitação psicossocial dos cronicamente comprometidos, possibilitando, ainda, que o usuário se insira na comunidade. O serviço dispõe de uma equipe técnica composta por psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais, auxiliares e técnicos de enfermagem, enfermeiros e equipe de apoio (administrativo, segurança patrimonial e limpeza), sendo subdividida em três miniequipes que prestam cuidados aos usuários de acordo com o território de moradia. Desenvolvem projetos terapêuticos individualizados e singulares, sendo os usuários inseridos em diferentes modalidades de atenção, tais como: grupos terapêuticos, psicoterapia, terapia ocupacional, oficinas, atelier, espaços dirigidos ao autocuidado, de acordo com suas necessi- dades dentro e fora do CAPS. Além disso, são realizados atendimentos individuais, grupos de família, visitas domiciliares, acompanhamentos terapêuticos e parcerias com outros serviços da saúde mental (Centros de Convivência, Oficinas de Geração de Renda e dois Serviços Residenciais Terapêuticos, Serviço de Saúde Cândido Ferreira, CAPS i, CAPS Ad). São acompanhados atualmente no serviço 307 usuários, sendo que em torno de 60 freqüentam diariamente o serviço. 3.1. Perfil sócio demográfico Os dados coletados juntos aos prontuários evidenciaram que 53,75% dos usuários são do sexo masculino e 46,25% do sexo feminino. Quanto à distribuição etária, observou-se que as idades variam entre 18 e 79 anos, sendo a média de idade 41,28 anos, a mediana 42 e a moda 47 anos. Verifica-se que até os 39 anos há predomínio de usuários homens, sendo que entre os usuários acima de 40 anos de idade, a maioria é mulher, de acordo a figura 1. 20% 16% 12% 8% 4% 0% 18-19 20-29 30-39 40-49 Homem 50-59 Mulher >=60 não consta Figura 1. Distribuição por faixa etária, de acordo com o gênero A predominância desta faixa etária encontrada coincide com outros trabalhos [11, 12] que estudaram CAPS que atendem adultos, já que a média de idade encontrada nestes estudos foi de 46 e 45,6 anos, respectivamente. Além disso, uma destas pesquisas [12] constata 75% dos usuários entre 30 e 59 anos, dado similar ao encontrado no presente estudo (73,29%). Segundo a OMS [13] a incidência de transtornos mentais e de comportamento vem aumentando no mundo, sendo que uma em quatro famílias tem pelo menos um membro que sofre atualmente um transtorno mental ou comportamental. Além disso, é significativo o número de pessoas no mundo que apresen- Anais do XV Encontro de Iniciação Científica da PUC-Campinas - 26 e 27 de outubro de 2010 ISSN 1982-0178 tam transtornos mentais e de comportamento numa fase de vida em que são economicamente ativas e encontram-se na faixa etária de 20 a 50 anos. O não atendimento às necessidades sociais e de funcionamento básicas foram os mais importantes previsores de uma baixa qualidade de vida entre pessoas com transtornos mentais graves. Quanto ao nível de escolaridade constatou-se que a maioria dos usuários (32,94%) não completou o ensino fundamental, enquanto 11,76% estudaram até completar este nível de ensino. Além disso, destacase que 31,76% dos usuários chegaram até o ensino médio, tendo completado ou não. Embora este tipo de informação conste nos formulários padronizados do serviço, em 15,29% dos prontuários analisados não constava este dado (figura 2). Não alfabetizado 2,35% Fundamental Incompleto 32,94% Fundamental Completo 11,76% Médio Incompleto 12,94% Médio Completo Superior Incompleto Superior Completo não informado dos diagnósticos classificados nos grupos: síndromes comportamentais associadas a disfunções fisiológicas e a fatores físicos (F50-F59) e transtornos do comportamento e transtornos emocionais que aparecem habitualmente durante a infância ou a adolescência (F90-F98). Tabela 1. Distribuição das categorias diagnósticas atribuídas, por gênero Grupo Classificação CID-10 (a) F20-F29 (b) F30-F39 (c) F60-F69 (d) F70-F79 (e) F40-F48 (f) F00-F09 (g) F10-F19 (h) F80-F89 Não informado Total (n=307) Gênero (%) Masc. Fem. Total (%) 76,97 13,94 0,61 3,64 0,00 1,21 0,61 0,61 2,42 100 60,26 25,08 4,89 4,56 0,98 0,65 0,33 0,33 2,93 100 40,85 16,20 9,86 5,63 2,11 0,00 0,00 0,00 3,52 100 18,82% 4,71% 1,18% 15,29% Nota:(a)Esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e delirantes; (b) Transtornos do humor [afetivos]; (c) Transtornos da personalidade e do comportamento; (d) Retardo mental; (e) Transtornos neuróticos relacionados com o "stress" e somatoformes; (f) Transtornos mentais orgânicos; (g) Transtornos decorrentes do uso de substância psicoativa; (h) Transtornos do desenvolvimento psicológico. Figura 2. Distribuição percentual de usuários por nível de escolaridade Os estudos de Surjus [14] e Tomasi et al [12] também identificam a maioria dos usuários (53%) com nível fundamental incompleto de escolaridade, o que permite inferir que a amostra estudada corresponde ao perfil de escolaridade médio de usuários de CAPS encontrados em outros trabalhos. 3.2. Perfil clínico dos usuários do CAPS Quanto ao perfil clínico, especificamente em relação ao diagnóstico psiquiátrico atribuído, segundo a Classificação Internacional de Doenças em sua décima revisão (CID-10), destaca-se que 60,26% dos usuários enquadram-se no grupo das esquizofrenias, transtornos esquizotípicos e delirantes (F20-F29), sendo esta categoria a mais prevalente em ambos os sexos, porém com maior índice entre os homens. Notou-se, no entanto, que os diagnósticos de transtornos de humor (afetivos), transtornos da personalidade, retardo mental e transtornos neuróticos foram mais prevalentes nas usuárias do sexo feminino, conforme se observa na tabela 1. Não foram encontra- Em relação ao perfil clínico psiquiátrico constatou-se que os resultados deste estudo são similares a estudos [11, 14] que observaram que os grupos diagnósticos mais freqüentes relacionavam-se aos quadros de esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e transtornos delirantes em primeiro lugar, seguidos dos casos de transtornos do humor. Diferentemente dos identificados em outro estudo [12], onde os transtornos de humor representaram a maior proporção dos diagnósticos (39%), seguidos da esquizofrenia (24%) e das neuroses (13%). Esses dados são relevantes já que segundo a OMS [13] uma em cada quatro pessoas desenvolve adoecimento psíquico em algum momento da vida e, nos países em desenvolvimento, como o Brasil, 90% dessas pessoas não recebem tratamento adequado. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Além de permitir aprofundar o conhecimento acerca da população usuária do CAPS, especificamente em relação às variáveis estudadas, o estudo evidenciou a necessidade do desenvolvimento outras pesquisas, Anais do XV Encontro de Iniciação Científica da PUC-Campinas - 26 e 27 de outubro de 2010 ISSN 1982-0178 que objetivem analisar aspectos como as formas de atendimento oferecidas no serviço, os tipos de procedimentos terapêuticos, bem como sua efetividade. Em relação ao perfil sócio-demográfico e clínico dos usuários do CAPS, identificou-se que a maioria é do sexo masculino – porém com relativo equilíbrio percentual entre os gêneros, sendo a média de idade 41,28 anos. A maioria estudou até o ensino fundamental incompleto e a maioria absoluta é enquadrada no grupo das esquizofrenias, transtornos esquizotípicos e delirantes. No âmbito dos serviços que dão suporte ao modelo psicossocial de atenção à saúde mental, os CAPS representam um desafio particular, uma vez que devem garantir acesso, integralidade e resolutividade na assistência prestada, agregando os diferentes níveis de atenção. Sua dimensão envolve uma complexidade, a qual comporta inúmeras questões que devem ser analisadas continuamente, e que contemplam desde a reestruturação dos serviços até as relações de trabalho, a assimilação de novos saberes, metodologias e tecnologias de trabalho. Além disso, é importante relembrar que cada sujeito que demanda o cuidado é singular e possui múltiplas dimensões que vão além do diagnóstico, sintomatologia e variáveis demográficas e sociais. Neste sentido, uma clínica ampliada pautada no planejamento em saúde [15] deve incorporar, além dos dados epidemiológicos, também o social e subjetivo de cada sujeito. AGRADECIMENTOS Agradecemos a PUC-Campinas e ao CNPq pela Bolsa PIBIC concedida à aluna para o desenvolvimento deste trabalho. Agradecemos aos trabalhadores, usuários do serviço estudado e seus familiares. REFERÊNCIAS [1] Guljor, A. P. F. (2003), Os centros de atenção psicossocial: um estudo sobre a transformação do modelo assistencial em saúde mental, Dissertação de Mestrado, Escola Nacional de Saúde Pública, Rio de Janeiro, RJ. [2] Galletti, M. C. (2004), Oficina em saúde mental: instrumento terapêutico ou intercessor clínico?, UCG, Goiânia, GO. [3] Dimenstein, M. (2006), O desafio da política de saúde mental: a (re)inserção social dos portadores de transtornos mentais, Mental, vol. 4, n. 6, p.69-83. [4] Koda, M. Y.; Fernandes, M. I. A. 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(2006), Rupturas e encontros: desafios da reforma psiquiátrica brasileira, Tese de Doutorado, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro, RJ. [10] Vasconcelos, M. M.; Gribel, E. B.; Moraes, I. H. S. (2008), Registros em saúde: avaliação da qualidade do prontuário do paciente na atenção básica, Rio de Janeiro, Brasil, Cad Saúde Pública, vol. 24, supl. 1, p.s173-s182. [11] Andreoli, S., et.al. (2004), Utilização dos centros de atenção psicossocial (CAPS) na cidade de Santos, São Paulo, Brasil, Cad Saúde Pública, vol. 20, n. 3, p.836-844. [12] Tomasi, E., et al. (2010), Efetividade dos centros de atenção psicossocial no cuidado a portadores de sofrimento psíquico em cidade de porte médio do Sul do Brasil: uma análise estratificada, Cad Saúde Pública, vol. 26, n. 4, p.807-815. [13] Organização Mundial de Saúde; Organização Panamericana da Saúde; ONU. (2001), Relatório Sobre a Saúde no Mundo, Organização Mundial da Saúde, Genebra, Suíça. [14] Surjus, L. T. L. S. 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