LAZER E ATENÇÃO MULTIDISCIPLINAR NO DESENVOLVIMENTO DE PESSOAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS Vera Maria da Rocha Professora do Curso de Fisioterapia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – RN Cláudia Moraes Trevisan Professora do Curso de Fisioterapia da Universidade Federal de Santa Maria – RS Márcia Cristina Ortiz Professora Especialista - Delegada Regional da SOBAMA - RN Fabrícia Azevedo da Costa Lilian Tereza de Araújo Almeida Acadêmicas do Curso de Fisioterapia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – RN Introdução Para atingir a maturação, o ser humano passa por diferentes etapas que são aprendidas através de experiências ou situações vivenciadas ao longo da vida. Características inatas e experiências sensório-motoras permitem o desenvolvimento de habilidades, de formas de comunicação e o seu aprimoramento. A capacidade para aprender o que se vivencia está vinculada, não apenas, ao crescimento neural e a maturação cognitiva, que podemos chamar de dotações biológicas, mas também, a diversos fatores ambientais, os quais poderão influenciar o complexo processo de desenvolvimento humano (Pikunas, 1999; Bronfenbrenner (1996). A Teoria dos Sistemas Ecológicos do Desenvolvimento Humano tem oferecido suporte teórico que permite evidenciar como alguns elementos existentes no ambiente são capazes de interferir nesse processo. Bronfenbrenner (1996), analisando de forma sistêmica os vários contextos onde ocorre o desenvolvimento, estabeleceu como microssistema o espaço mais próximo onde o ser humano em desenvolvimento se encontra; denominou de mesossistema, o laços que se estabelecem entre esses ambientes e macrossistema a própria sociedade, com seus valores, crenças, legislações e sua cultura. Há, um elemento que indica a temporalidade dos eventos, denominado de cronossistema. Em todos esses ambientes, serão as atividades, as inter-relações pessoais e os papéis desempenhados pelas pessoas que irão determinar a intensidade com que os mesmos irão intervir sobre o desenvolvimento. Isto é, a qualidade desses elementos determinará uma influência positiva ou negativa sobre o desenvolvimento humano. Nesse aspecto, o processo de desenvolvimento da pessoa com necessidades especiais está sujeito aos mesmos fatores. A diferença estabelece-se devido a importância que alguns ambientes passam a desempenhar frente aos possíveis comprometimentos que essas pessoas possam apresentar, sejam eles de ordem física, psíquica ou mental. O papel primordial dos vários ambientes refere-se, justamente, ao quanto os elementos neles existentes são capazes de estimular o pleno desenvolvimento de potencialidades. O que se verifica, no entanto, é que o entorno da pessoa com necessidades especiais mantém-se, para alguns, limitado à família, clínica e escola e, nesses contextos, as atividades voltam-se mais especificamente para as carências apresentadas, numa tentativa, às vezes frustrante, de alcançar a normalidade. Aspectos que dizem respeito ao lazer, comumente são obstruídos por atividades ligadas ao tratamento e reabilitação. A terapêutica, de uma forma geral, estabelece-se no restrito espaço clínico, deixando, muitas vezes, de evidenciar o potencial existente, restringindo experiências capazes de contribuir para a corporeidade da pessoa com necessidades especiais. Tratar da corporeidade, no presente caso, é levar em consideração toda a experiência vivida capaz de contribuir para a estruturação do eu e para o desenvolver de uma plena consciência de si. Tem-nos chamado particular atenção, as restrições, barreiras sociais, arquitetônicas e preconceitos sofridos pelas pessoas com necessidades especiais quando essas buscam outros espaços para conviverem. Estes fatores retratam a urgência em estabelecer e validar políticas públicas para a atenção ao deficiente. O projeto “Viva a diferença! - Um programa de lazer para a integração social da pessoa com necessidades especiais”, promovido pelo Departamento de Fisioterapia e que se desenvolve no Estado do Rio Grande do Norte, vem promovendo um trabalho que busca ampliar o espaço social da pessoa com necessidades especiais, oferecendo atividades lúdicas com a participação de familiares, profissionais de saúde e educação e da comunidade em geral. Observar as pessoas e as atividades durante esses momentos de lazer, tem-nos despertado alguns questionamentos: Como as experiências vivenciadas durante os passeios do “Projeto Viva a diferença!”, repercutem no cotidiano das famílias e das pessoas com necessidades especiais? De acordo com a percepção das famílias e das pessoas com necessidades especiais é possível categorizar as atividades vivenciadas no projeto “Viva a diferença!”, tendo por base a Teoria dos Sistemas Ecológicos? As atividades vivenciadas no projeto “Viva a Diferença!” repercutem sobre o processo reabilitativo das pessoas com necessidades especiais? O desenvolvimento de nossa investigação se dá com o intuito de obtermos respostas para essas questões e, especificamente, no presente trabalho, busca-se evidenciar a visão de uma equipe multidisciplinar sobre as repercussões de atividades de lazer no desenvolvimento de pessoas com necessidades especiais participantes do Projeto “Viva a diferença!”. Procura-se categorizar, sob a luz da Teoria dos Sistemas Ecológicos, os aspectos relativos as atividades, tipos de relações estabelecidas e repercussões sobre as práticas profissionais, das atividades propostas no referido projeto. Tomando-se por base a utilização do lazer como peça fundamental no o processo de desenvolvimento da pessoa com necessidades especiais, esta pesquisa visa oferecer um novo olhar para este aspecto que pode ser incluído na reabilitação e que, muitas vezes fica esquecido ou menosprezado por muitos profissionais da área. Apesar de existirem alguma áreas da Fisioterapia que se encontram envolvidas com o lazer, o que constatamos é que muitos são aqueles que ainda consideram este tema como um item complementar facilmente dispensável na terapêutica profissional. Uma solução para contornar essa situação pode ser encontrada através da inclusão da prática lúdica no contexto reabilitativo. Acredita-se que atividades lúdicas bem orientadas podem contribuir para melhor conhecimento do próprio corpo e possíveis limitações que qualquer tipo de deficiência possa provocar, sendo que essas atividades ainda favorecem as relações interpessoais, que se constitui um forte elemento no contexto desenvolvimentista e reabilitativo. Sendo assim, para a pessoa com de necessidades especiais este trabalho deverá evidenciar o quanto o lazer permite a manifestação de suas potencialidades, e desta forma oferecer às equipes de trabalho e familiares dados científicos onde possam basear-se para propor metodologias inovadoras no seu fazer profissional e familiar. Outra justificativa que pode ser acrescentada é a pouca publicação que envolva o olhar multidisciplinar sobre a importância da experiência vivida nas práticas lúdicas como um potencializador de técnicas e de recursos aplicados à atenção à saúde, particularmente quando referimo-nos à qualidade de vida. Metodologia A pesquisa caracterizou-se por ser do tipo descritiva quanto aos objetivos a serem alcançados e interpretativa com relação a abordagem e tratamento dos dados coletados. Buscou-se investigar a visão de uma equipe multidisciplinar sobre suas ações desenvolvidas no sentido de promover o desenvolvimento infantil através do lazer. Ao mesmo tempo em que se procurou evidenciar concepções, o trabalho lançou o profissional a uma atitude reflexiva sobre sua própria prática e as conseqüências dessa. O universo dessa pesquisa foi composto por profissionais participantes do Projeto “Viva a Diferença!”. A amostra, por contingência, contou com cinco profissionais que estiveram presentes nos vários passeios promovidos pelo projeto e que aceitaram, voluntariamente, participar do presente estudo. Para preservar-lhes o anonimato, serão identificados pelos seguintes pseudônimos: Eunice; Fátima; Alice; Tina e Paula. Os profissionais participantes foram informados sobre o teor da pesquisa e, após assinatura de um termo e consentimento, relatando livre participação e autorizando a publicação dos resultados submeteram-se a uma entrevista semi-estruturada. Considerada como importante instrumento nas pesquisas qualitativas, a entrevista do tipo semi- estruturada foi gravada em fitas de microcassete Panasonic, num gravador da marca OLYMPUS (Pearl Corder S 921- Microcassete recorder ) e, após os registros, seguindo orientação proposta por Brito (1998), as informações coletadas foram transcritas integralmente para posterior interpretação. Abordamos primeiramente a temática do lazer, sua importância dentro de um contexto social, principalmente, na forma como os profissionais percebem sua implicação para o desenvolvimento das pessoas com necessidades especiais, num diálogo com os colaboradores e com os autores que embasaram o referencial teórico utilizado. Buscou-se identificar as categorias propostas pela Teoria dos Sistemas Ecológicos, por considerarmos que a mesma oferece material para análise do desenvolvimento em contexto. No que se refere à análise dos resultados, os relatos foram submetidos a uma análise interpretativa, utilizando como referência Denzin (1989), o qual propõe uma interpretação que evidencie o significado dos fatos para os atores da pesquisa, sugerindo também, que os fatos sejam analisados considerando-se o contexto social onde os mesmos se desenvolveram. Ao proceder a interpretação, procurou-se evidenciar categorias que permitissem referenciar os pressupostos da Teoria das Sistemas Ecológicos e da Corporeidade. Situando o Desenvolvimento Bronfenbrenner (1992, P.191), propõe que as características específicas da pessoa e do ambiente sejam vistas como produtos e produtores do desenvolvimento, sendo que “os resultados do desenvolvimento de hoje, modelam o resultado do desenvolvimento de amanhã”. Nos estudos das interações entre as pessoas e o ambiente deve-se levar em consideração todas as características pessoais tais como as cognitivas, sócio-emocionais, motivacionais, bem como a forma como se estabelece a relação entre a pessoa e o meio. Não basta, portanto, apenas considerarmos os elementos da pessoa e do ambiente, mas sim a maneira como se estabelecem essas relações. Conforme nos apresenta Krebs (1995 a; 1995b), o modelo teórico dessa abordagem considera a natureza das atividades que são realizadas, tanto nos ambientes mais próximos (família, escola, vizinhança), quanto nos mais distantes (cultura, sistema de crenças e valores, legislações), onde a pessoa está inserida. Nesse modelo a bidirecionalidade refere-se não só às relações interpessoais, mas entre os indivíduos e os ambientes, não se limitando apenas à pessoa em desenvolvimento nem a um único ambiente; esse fato permite, portanto, o exame dos sistemas de interações. Resumidamente, apresentamos o modelo sistêmico no sentido de orientar a compreensão dos relatos analisados posteriormente. Bronfenbrenner (1988; 1992;1996), caracteriza seu modelo, iniciando por aquele que denominou de microssistema, o qual é constituído pelos ambientes mais próximos do indivíduo em desenvolvimento. A seguir os aspectos relacionados ao mesossistema , o qual representa as forças de ligação entre os ambientes nos quais o indivíduo participa ativamente; o exossistema, ambiente onde o ser em desenvolvimento não tem participação ativa, mas onde ocorrem fatos que irão afetar o seu desenvolvimento e o macrossistema, onde se observa as características da cultura e subcultura de uma sociedade. É considerado, ainda, um nível que inclui as temporalidade denominado de cronossistema. A relação dinâmica entre a pessoa em desenvolvimento e suas constantes interações com o contexto ambiental podem ser vistas através dos elementos formadores da concepção sistêmica que Bronfenbrenner elaborou para a ecologia do desenvolvimento: as atividades, os papéis e as relações interpessoais (Krebs,1995a; 1995b; Bronfenbrenner, 1992, 1996). As atividades molares são entendidas como formas de comportamento humano, entretanto nem todos os comportamentos são formas de atividade molar, ou seja, são significantes ou influentes no desenvolvimento. Há duas condições para que uma atividade seja considerada como molar: (a) persistência temporal; e (b) significância para os indivíduos envolvidos no ambiente. As atividades menos significantes e de pequena duração são denominadas atividades moleculares. As atividades também variam à medida que invocam objetos, pessoas e fatos que não estão presentes no ambiente imediato, constituindo o que Bronfenbrenner (1996, p.38), denomina de “ecologia da vida mental”. O nível de complexidade das atividades cresce quando ocorrem relações com os demais. Essas relações são consideradas díadas, tríadas, tétradas, conforme o número de pessoas que delas participam em interações. Um olhar sobre o macrossistema que onde se estabelecem diretrizes, encontramos uma Política Nacional de Educação Especial, a qual conceitua pessoa portadora de necessidade especial (PNE) como sendo aquela que, por apresentar em caráter permanente ou temporário, alguma deficiência física, mental, sensorial, cognitiva, múltiplas condutas típicas ou ainda altas habilidades, necessita de recursos especializados para desenvolver mais plenamente o seu potencial e/ou superar ou minimizar suas dificuldades. Dentro das diretrizes da Política Nacional para a integração da pessoa portadora de necessidades especiais encontramos o estabelecimento de mecanismos que acelerem e favoreçam a inclusão da pessoa com deficiência, respeitando as suas peculiariedades, em todas as iniciativas governamentais relacionadas à educação , à saúde, ao trabalho, à edificação pública , à previdência social , à assistência social , ao transporte , à habitação , à cultura, ao esporte e ao lazer. Outro conceito importante emanado do macrossistema, diz respeito à integração, definida como um processo dinâmico de participação das pessoas num contexto relacional, legitimando sua integração nos grupos sociais (BRASIL-MEC,1994). A integração, portanto, implica em reciprocidade, o que já havíamos referido ao considerar a Teoria dos Sistemas Ecológicos. Observa-se, porém, que apesar da adequação legislativa sobre a questão que envolve o direito à cidadania da pessoa com necessidades especiais, na prática, essa realidade ainda não é uma constante em nossa sociedade. No que se refere à prática do lazer, particularmente, podemos observar que o acesso de pessoas com necessidades especiais aos diversos locais destinados para esse fim, tem se limitado a algumas poucas experiências que, na maioria das vezes, servem apenas para evidenciar o preconceito e a discriminação com que as pesoas são tratadas. Lazer, desenvolvimento e equipe – a visão dos atores e autores O contexto onde foi desenvolvido o presente estudo tem como cenário o “Projeto Viva a Diferença! Um programa de lazer para a integração social de pessoas com necessidades especiais”. É um projeto desenvolvido pelo Departamento de Fisioterapia, estruturado com o objetivo de oportunizar situações de integração entre pessoas portadoras de necessidades especiais, familiares, profissionais da área da educação e da saúde, estudantes e comunidade em geral, através de atividades recreativas, de orientações e preventivas, em diferentes espaços sociais (clubes, hotéis, escolas, praia, camping, etc). Além desse objetivo, visa promover programas especializados no atendimento aos Portadores de Necessidades Especiais (PNE), mediante oficinas multidisciplinares integrando áreas tais como: fisioterapia, pedagogia, psicomotricidade, psicologia, educação física, natação, musicoterapia, entre outras; oportunizar através de atividades recreativas a integração família – profissionais com orientação contextualizada; permitir em seu contexto a discussão multidisciplinar da atual situação do PNE diante nos mais diversos aspectos; possibilitar e estimular o acesso de pessoas portadoras de deficiências a locais públicos de lazer, trabalho e estudos, mesmo fora dos momentos de aplicação do projeto; oportunizar ao acadêmico uma vivência no contexto da realidade vivida pelo PNE, fora do espaço clínico e terapêutico. Ainda dentro das metas propostas no projeto, há a estruturação de um banco de dados que permita desenvolver pesquisas nos mais diferentes aspectos (saúde, educação, políticas públicas) e, também a interiorização da proposta. Desenvolvendo-se desde 1996, o projeto tem realizado passeios em praias, clubes, hotéis, parques, áreas de lazer e turismo em geral, no município de Natal, no estado do Rio Grande do Norte, incluindo em seu programa a Ilha de Fernando de Noronha. Envolveu, desde sua criação mais de 1000 pessoas, entre PNEs, parentes, amigos cuidadores, profissionais das mais diversas áreas e acadêmicos dos Cursos de Fisioterapia, Educação Física, Pedagogia, Serviço Social, entre outros; dentre essa população participante, aproximadamente 20% eram portadoras de necessidades especiais. Em seu interior já foram desenvolvidos mais de uma dezena de trabalhos científicos, apresentados nacionalmente e no exterior. Além da proposta do lazer como fator de integração, outra caracterísitca importante é a estruturação de sua equipe, que caracateriza-se pela multidisciplinaridade, envolvendo profissionais das áreas de Educação Física; Fisioterapia; da Pedagogia; da Psicologia; da Musicoterapia; do Turismo e Serviço Social. Sabe-se que manutenção de uma orientação prática em qualquer área é dependente da concepção que as pessoas tem sobre aquela determinada ação. Buscando verificar entre os atores de nossa investigação, o conhecimento dos mesmos com relação aos objetivos a que se dispõe o projeto, verificamos que todos os participantes tem conhecimento da proposta integradora relacionada ao lazer, contida no projeto. “Esse projeto nasceu de uma necessidade de estímulo ao lazer pelas pessoas portadoras de deficiência. Seria uma ajuda, um auxílio, um estímulo para que essas pessoas ganhassem um ambiente que elas normalmente não estavam acostumadas, que era um ambiente de lazer” (....). “... tem por objetivo realizar atividades de integração e lazer da pessoa portadora de deficiência em áreas de uso público ou privado visando à contextualização dessas pessoas dentro desses ambientes facilitando esse trabalho e envolvendo uma equipe interdisciplinar” (.....) Mesmo que não tenha havido, inicialmente, uma orientação ecológica para a elaboração do projeto, ele reúne em si, os princípios apontados por Bronfenbrenner em sua teorias dos sistemas. A abordagem ecológica, coloca o ser em desenvolvimento no centro de uma série de estruturas encaixadas e inter-relacionadas, compondo um ambiente ecológico, onde considera o ambiente, como um sistema que inclui a história evolutiva humana, a cultura na qual a pessoa nasceu, a subcultura, a comunidade, a vizinhança imediata, a família, o período particular da história, o cotidiano, enfim, todo o entorno do indivíduo. Conforme uma das participantes aponta, essa qualidade é assim percebida: “A proposta maior do projeto (...) é a integração. É tanto que envolve família, outras pessoas, outros ambientes sociais que facilitam o trânsito da criança num ambiente público”. Um dos fatores importante a considerar em se tratando do desenvolvimento e de espaços desenvolvimentistas, são os ambientes, as ações e as interações possíveis de serem incrementas em um dado ambiente. Nesse sentido, houveram alguns participantes que chamaram a tenção para a proposta inovadora, no que se refere às possibilidades que o ambiente do projeto oferece (...) como o próprio nome diz, é uma oportunidade de você ir se divertir, a integração social acontece naturalmente como conseqüência disso, porque as pessoas que freqüentam o projeto provavelmente estão disponível para ir, para conhecer, para trocar, então mesmo aquelas pessoas que não tenham portadores de necessidades especiais na família, elas estão ali conhecendo aquele algo mais que aquele ser tem além da deficiência (...) “é uma oportunidade de troca; sempre é rico para qualquer um ser humano, porque quando você sai para um lugar, que você conhece pessoas, que você conhece as visões diferente, aí você cresce ... (...)eles tem essas oportunidades muitas vezes limitadas pelas barreiras, pela falta de oportunidade (...) então, esse projeto favorece esse tipo de crescimento, como para qualquer indivíduo, só que para eles é uma oportunidade”. Analisando-se essas questões sob uma ótica sistêmica, observa-se o quanto as interações pessoais são consideradas no ambiente do projeto. Para Bronfenbrenner ( 1996) as estruturas interpessoais constituem a estrutura e conteúdo que surgem das relações entre a pessoa em desenvolvimento, no caso presente, o portador de necessidades especiais e os demais. Há nesse nível outra questão a ser considerada que são os papéis desenvolvidos pelas pessoas numa determinada sociedade. No caso das pessoas com deficiências, muitas vezes, o preconceito e o estigma não permitem que se observe potencialidades e capacidades. Observa-se, também, nas colocações acima, a importância dada à experiência multiambiental e interações pessoais, já apontadas por Bronfenbrenner(1996), no que se refere aos ambientes onde o ser em desenvolvimento vive. Enquanto alguns centravam suas observações na análise dos espaços físicos, outros apontaram para questões envolvendo o preconceito. E que o projeto incita a quebrar. Alguns relatos evidenciam esses achados: “... além da troca, da oportunidade de o portador de necessidades especiais conhecer outras pessoas ditas “normais” ou mesmo com necessidades especiais como ele há uma oportunidade dele mostrar para a sociedade e para as pessoas que estão convivendo naquele grupo, naquele momento, em diversos passeios, que ele não é só falta, ele não é só defeito, que ele tem potencialidades, ele tem capacidade...” “infelizmente os espaços terminam ficando meio limitados, porque os lugares tem muitas barreiras, (...) as pessoas não se sentem motivadas a levar os filhos para determinados lugares por causa dos olhares, por causa de um monte de coisas.” Há entre os participantes da equipe uma consciência do quanto são limitadas as experiências do PNE com relação à sua sociabilidade. O acesso aos mais diversos locais, dentre esses os de lazer tem sido limitado a algumas poucas experiências que, na maioria das vezes, servem apenas para evidenciar o preconceito e a discriminação com que as pessoas são tratadas. São várias as formas como essa discriminação é apresentada: Na falta de acessibilidade, com barreiras arquitetônicas; falta de políticas públicas que favoreçam esses acessos; no ônus que a família tem que arcar, além de tratamentos, medicamentos, etc; além da estigmatização fantasiosa de alguns, que relacionam a deficiência à doença, à insanidade. ...” conheço muitos casos em que pessoas diziam: - Mas eles são inteligentes? Mas eles entendem as coisas? Mas ele não é deficiente?. Então[a participação no projeto] é uma oportunidade também deles como pessoas, mostrarem isso, porque eles são além do que o defeito mostra.” No que se refere aos aspectos legais sobre a questão das pessoas portadoras de necessidades especiais, a legislação brasileira é adequada o suficiente para propor ao deficiente uma vida social ideal , entretanto, o meio e as pessoas que estão à ele relacionados não se encontram compatíveis com esta realidade. Na verdade o anseio de todo deficiente é o direito à igualdade. Não o direito de ser igual, mas a possibilidade de, sendo diferente, ter acesso aos mesmos direitos. Ter respeitada sua diversidade, o conteúdo da sua competência e não a medida da sua eficiência, ter a marca do humano sobressaindo como possibilidade de sua diversidade. A legislação também deixa claro o direito ao acesso da pessoa portadora de deficiência aos meios de comunicação social; incentiva a prática desportiva formal e não-formal como direito de cada um e o lazer como forma de promoção social; promove a inclusão de atividades desportivas para pessoa portadora de deficiência na prática da educação física ministrada nas instituições de ensino públicas e privadas; apóia e promove a publicação e o uso de guias de turismo com informação adequada à pessoa portadora de deficiência; estimular a ampliação do turismo à pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida, mediante a oferta de instalações hoteleiras acessíveis e de serviços adaptados de transporte. Para obtenção desses objetivos, os órgãos e as entidades da Administração Pública Federal direta e indireta, promotores ou financiadores de atividades desportivas e de lazer, devem concorrer técnica e financeiramente. Porém, o que se observa a partir de alguns relatos que essa legislação não é cumprida: ... “os familiares e as pessoas portadoras de necessidades especiais não tem esse acesso fácil até por falta de conhecimento, ou o pai não tem nenhuma iniciativa em levar seu filho para um lugar (...)de qualquer forma [ o projeto] facilita esse desenvolvimento pra criança por está numa equipe e por está em ambientes que são geralmente sociais.” A forma como o ambiente é percebido pelas pessoas que nele interagem, é um aspecto importante a ser considerado nos estudos desenvolvimentistas. O desenvolvimento de potencialidades será aumentado por estarem em grupo, o que já estabelece maiores oportunidades de amizade e adequação social e certamente, o deixarão menos expostos ao preconceito e à discriminação. Há uma expectativa de que esse convívio em grupo favoreça para mudanças positivas no comportamento e desenvolvimento das pessoas, principalmente no que se refere a potencialidades. Sob a ótica da teoria ecológica, Krebs (1995), aponta para a necessidades de valorizar as experiências vivenciadas pelas pessoas afirmando que não podemos considerar apenas as propriedades lineares do ambiente, mas principalmente, a maneira como cada pessoa é capaz de perceber e experienciar esse ambiente. Não é só através da observação no contexto que se verifica a importância das experiêncais vividas no projeto junto `equipe. Um dos nossos atores assim referese: ... relatos dizendo que: “ eu não sabia que era capaz de dar conta do comportamento de meu filho num ambiente desses. Eu só vim porque você iria estar junto, porque a equipe iria estar junto e assim as pessoas não iriam ficar só olhando para meu filho e hoje eu percebo que não é um bicho de sete cabeças”....” “ “Eu posso sim, eu vou dar conta desses olhares curiosos, eu vou dar conta do comportamento às vezes agressivo ou arredio ou não tão condizente com o comportamento social do meu filho nesse espaço. Eu sei que serviu para tentar e agora eu frequento esse ambiente normalmente”.Assim alguns se manisfestam...” Ao ser analisada a temática deste trabalho, isto é, a visão multidisciplinar sobre a influência do lazer no cotidiano das pessoas com necessidades especiais e em seu processo reabilitacional, verificamos que muitas vezes o lazer é tido como uma realidade bastante distante daquela que vive grande parte da população mundial. Diante da diversidade de variáveis existentes no abrangente contexto do lazer , bem como, da subjetividade expressa por cada pessoa em particular para descrevê-lo, torna-se um tanto complexo determinar com precisão a conceituação do lazer. No contexto do mundo capitalista, verifica-se que o lazer se apresenta como um produto específico do processo de industrialização, e que sob muitos aspectos, está intimamente ligado ao trabalho e associado a uma mercadoria a ser consumida , o que o torna simplesmente produto de consumo e meio de conformismo, servindo como instrumento de interesse das classes dominantes.(Pires apud Marcelino, 2000). Distinguindo-se sua compreensão do senso comum, o lazer pode ser demarcado a partir de duas categorias: a atitude e o tempo. O lazer considerado como atitude será caracterizado pelo tipo de relação verificada entre o sujeito e a experiência vivida, basicamente, a satisfação provocada pela atividade. Já o ligado ao tempo, considera as atividades desenvolvidas no tempo liberado do trabalho ou no tempo livre. Ambos os aspectos são fundamentais para o entendimento do âmbito do lazer e devem ser combinados, uma vez que o isolamento de cada um pode provocar equívocos. Na perspectiva de ultrapassar a visão parcial e limitada do lazer, o autor relaciona essa prática a valores desde os mais comuns como descanso e divertimento, aos valores de desenvolvimento pessoal, social e educativo. Estes seriam responsáveis por oportunizar a tomada de contato, percepção e reflexão sobre as pessoas e as realidades, bem como abrir possibilidades pedagógicas de denunciar a realidade existente através da vivência do lúdico. O lazer além de ser um campo de atividades em estreita relação com as demais áreas de atuação do homem como o trabalho, por exemplo, é também um tempo privilegiado para a vivência dos valores que contribuam para mudanças na ordem moral e cultural. As atividades de lazer devem procurar atender as pessoas no seu todo e para isso é necessário que essas mesmas pessoas conheçam os conteúdos que satisfaçam os vários interesses, sejam estimuladas a participar e recebam um mínimo de orientação que lhes permita a opção. São poucos os trabalhos que relacionam lazer e deficiência, pois em geral, as preocupações ficam voltadas para aspectos médicos e educacionais, não se considerando, neste ultimo caso, o lazer como meio para o desenvolvimento ou como uma necessidade e um direito do indivíduo. (Blascovi-Assis, 1997.). Voltando-se para os relatos de nossos participante, podemos observar que o lazer nesse contexto pode ser visto: “Esses ambientes de lazer são importantes para o desenvolvimento das potencialidades não tanto individuais mas no coletivo, onde um percebe através do comportamento do outro, no espaço do outro ou do ânimo, do humor do outro, alguma coisa em si próprio como também em relação ao grupo, à sociedade que está inserida. E também numa direção oposta: pessoas da sociedade percebendo isso nessas pessoas ou individualmente ou então no coletivo”(...). “Eu percebi que as pessoas que eram mais introvertidas se soltaram mais, famílias que eram mais fechadas,que não saíam muito com os filhos e passaram a expor mais a se sentir mais capazes de sair, até contato entre eles (...), então há uma transformação, porque a partir dai surge uma amizade, surge um contato, surge uma troca, e muitas vezes a partir desses contatos, surge a idéia de participar ou não de terapias que não se fazia antes, participar ou não de escolas que se freqüentava antes, ter idéia de trabalho então, com certeza isso ocorre, esta oportunidade de crescimento.” (...) De acordo com Blascovi-Assis ( op. cit.), se observarmos o papel do lazer no processo de reabilitação das pessoas com necessidades especiais, constataremos a sua grande relevância, pois é bastante comum se verificar que grande parte do convívio social deste, se encontra limitado a ambientes de tratamento clínico , o que faz com que o deficiente carregue com si uma carga emocional pouco favorável ao seu desenvolvimento, uma vez que centraliza atenção de tudo o que acontece na sua vida em torno da deficiência. A importância de uma equipe voluntária e multidisciplinar composta por acadêmicos, professores e profissionais participar do “Viva a diferença!” se dá para uma atenção diretamente à pessoa com necessidades especiais, orientando seus familiares e comunidade envolvida. “Seriam vários olhares para um mesmo objetivo, para um mesmo caminho. Então cada participante, cada profissional dando sua contribuição com um olhar voltado para sua área de atuação ou para sua experiência pessoal como profissional ou como pessoa mesmo, sairia enriquecido.” (...) A importância da atuação multidisciplinar permite que se leve em consideração as especificidades de cada um e o aprendizado comum, pois de acordo com Paula, um ade nossas participantes termina-se aprendendo com o outro, mesmo que não se irá atuar sobre outra área de conhecimento; ao se abrir para esses novos conhecimentos e não olhar esse portador de deficiência como uma pessoa fragmentada, tem-se uma outra postura diante do outro. A participação em equipe favorece para que cada elemento conheça um pouco mais a área do outro e para poder ver esse sujeito como um todo. Concordando com essa afirmação, Fátima, outra entrevistada, acha muito importante a atuação de uma equipe interdisciplinar: cada profissional está vendo aquele indivíduo como um todo, como um ser completo, que não é dividido, então por exemplo, quanto mais esse ser for visto no total, e não de uma maneira separada, e não dividida, mas ele vai ser valorizado como um indivíduo, como um todo.” Sassaki (1997), afirma que a prática da inclusão social se apóia em alguns princípios básicos: a aceitação das diferenças individuais, a valorização de cada pessoa, a convivência dentro da diversidade humana e a aprendizagem através da cooperação. Nesse aspecto, a inclusão social é uma contribuição na formação de um novo tipo de sociedade através de pequenas e grandes transformações, nos ambientes físicos, nos procedimentos técnicos e na mentalidade de todas as pessoas, inclusive das PNE. “O portador de necessidades especiais acima de tudo ele é um ser humano que tem que está em todo lugar que a gente está, por que não? Faz parte da sociedade, então não resta dúvidas que ele vai encontrar mais barreiras quando ele estiver no ambiente externo, porque o ambiente externo normalmente não está adaptado para ele, (...) um dos propósitos é exatamente alertar locais por onde se passa para que procurem adaptar o que for necessário, para que o portador de necessidades especiais possa se sentir a vontade. O lazer e a recreação inclusivos podem trazer muitos benefícios como o aumento na variedade de modelos sociais propiciados pela diversidade dos participantes, crescimento do senso de pertencer à comunidade de cada pessoa, melhoria da imagem da entidade promotora perante a comunidade local e internacional. (Sassaki, 1997). Condizendo com as idéias da autora, Fátima, fisioterapeuta, relata: “Como já aconteceu no projeto, a criança que não estudava, tinha uma certa idade e já poderia está na escola, foi encaminhada para a escola, foi orientada. Criança que não fazia terapia passou a fazer e assim outras coisas da vida também que são orientadas quando necessário. Uma pessoa que tem toda condição de trabalhar , mas não está por falta de oportunidade, então você contata com um, contata com outro, de repente vê a possibilidade de um estágio. Tudo isso é possível através da troca.” Considerações finais Para a criança com necessidades especiais, a vivência multiambiental é parte uma rotina cotidiana, visto que com seu responsável ou cuidador, normalmente, percorre uma infinidade de espaços terapêuticos e educacionais (clínicas de diferentes especialidades, escolas com diferentes propostas, consultórios, internações hospitalares, entre outros). O que parece não funcionar são os laços de ligação entre os microssistemas e a inexistência de comunicação entre eles. São áreas que requerem estudos e estratégias de intervenção que sejam capazes de ajustar essas relações e promoverem de forma transdisciplinar o melhor desenvolvimento do potencial da criança com necessidades especiais. Analisando, a multiplicidade de ambientes, as atividades e a forma de interação proporcionada pela presença de uma equipe multidisciplinar dentro do projeto, verifica-se que há uma conduta positiva promotora de desenvolvimento. Tal conduta, enquanto incentivadora de vivências diferenciadas favorecem para a experenciação que envolve o ser em sua corporeidade, isto é, em seus aspectos corporais, psíquicos, espirituais, enfim, em sua integralidade. Um dos fatores que nos chamou atenção nesse trabalho, é que fica evidente que muitos preconceitos são desenvolvidos por falta de espaços que ofereçam distintas atividades em que as pessoas portadoras de necessidades especiais possam vivenciar suas potencialidades. Esse preconceitos se estabelecem, muitas vezes, pelo desconhecimento da sociedade de um potencial presente em cada ser humano e que, o próprio PNE e sua família, às vezes substimam. Nossos resultados apontam para a orientação sistêmica existente dentro do projeto, onde sua principal característica além de atividades de lazer, é lançar um olhar multidisciplinar, ou melhor, transdisciplinar para a questão da integração das pessoas com necessidades especiais, já que os limites de cada área de saber inserida no programa, são ludicamente transgredidos. Sugere-se que mais estudos envolvendo questões sobre diferentes formas de se promover a inserção social das pessoas com necessidades especiais possam ser encaminhados para que, a curto prazo, a sociedade possa ser considerada um ambiente primordial de desenvolvimento. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BLASCOVI – ASSIS, S. Lazer e deficiência mental: O papel da família e escola em uma proposta de educação pelo e para o lazer. SP : Papirus,1997. BRITO, A. P. A observação direta e sistemática do comportamento. Lisboa: Faculdade de Motricidade Humana, 1998. BRONFENBRENNER, U. Pesquisa ecológica social. Stuttgart, 1976. DENZIN, . 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