DIREITO PENAL DO INIMIGO
UMA AFRONTA AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
ROZANA DE OLIVEIRA GOMES
Discente do Curso de Direito das Faculdades Integradas de Três Lagoas
-AEMS
DANIELA BORGES FREITAS
Docente Msc. do Curso de Direito das Faculdades Integradas de Três
Lagoas -AEMS
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo demonstrar que ao retroceder
excessivamente na punição de determinados comportamentos contraria-se o
Estado Democrático de Direito, previsto na Constituição Federativa Republicana
do Brasil, e também a um dos princípios basilares do Direito Penal: o Princípio
Direito Penal do fato, segundo o qual não se pode incriminar simples
pensamentos. O Direito Penal do Inimigo, mostra uma perspectiva na análise da
criminalidade. Este modelo de Direito Penal, restringe o direito às garantias
legais do indivíduo, que não sendo capazes de adaptar-se às regras da
sociedade devem ser afastados, ficando sob a tutela do Estado, perdendo o
status de cidadão.
Palavras-chaves: Estado Democrático de Direito. Direito Penal do Inimigo.
Direito Penal.
INTRODUÇÃO
Com o decorrer dos anos e a necessidade de se garantir a segurança do
Estado, surge uma expansão do direito punitivista, com o intuito de diminuir à
criminalidade e consequentemente proporcionar segurança à Nação.
O Direito Penal, conforme a teoria se divide em dois: o primeiro, denominado
direito penal do cidadão, é cercado das garantias constitucionais vigentes no direito
penal clássico, com amparo a princípios e garantias fundamentais constantes no
corpo da Constituição Republicana Federativa do Brasil; o segundo, chamado de
direito penal do inimigo ou do autor, é aquele em que se retira a dignidade da
pessoa humana.
O Estado Democrático de Direito não pode usar o Direito Penal como forma
de combater a criminalidade, ferindo a sua principal característica o princípio da
última “ratio”. Deve-se impor limites, finalizar os indivíduos que colocam em risco a
vida da coletividade, o convívio em sociedade de maneira compatível com a Lei
Maior, visando sempre o bem estar do indivíduo, observando os direitos e a
dignidade da pessoa humana.
1 – ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
1.1 DEFINIÇÃO DE CONSTITUCIONALISMO
A origem do constitucionalismo está ligada às constituições escritas e rígidas
dos Estados Unidos da América, em 1787, após a independência das 13 colônias, e
da França, em 1791, a partir da Revolução Francesa, apresentando traços
marcantes: organização do Estado e do poder estatal, por meio da previsão de
direitos e garantias fundamentais. Cabe ressaltar que a primeira constituição escrita
é anterior à Revolução Francesa. Trata-se da Constituição do Estado da Virginia
(uma das treze colônias norte-americanas), promulgada em 1776.
O Direito Constitucional, como ressalta Alexandre de Moraes, “[...] é o ramo
do Direito Público, destacando por ser fundamental à organização e funcionamento
do Estado, à articulação dos elementos primários do mesmo e ao estabelecimento
das bases da estrutura política”. (2013, p. 1).
Pode-se dizer que o constitucionalismo atualmente é associado à pelo
menos três idéias: garantia de direitos; separação de poderes; princípios e governo
limitado.
A constituição do Estado, considerada sua lei fundamental, seria
então, a organização de seus elementos essenciais: um sistema de
normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do
Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício
do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação,
os direitos fundamentais do homem e suas respectivas garantias. Em
síntese, a constituição é um conjunto de normas que organiza os
elementos constitutivos do Estado. (SILVA, 2009, p. 38)
1.2 CONCEITO DE DEMOCRACIA E ESTADO DEMOCRÁTICO
Democracia, termo que vem do grego, é um regime de governo que pode
tanto integrar ao sistema monárquico como também no sistema republicano. A
democracia tem princípios que protegem a liberdade humana e baseia-se no
governo da maioria, associado aos direitos individuais e das minorias.
Tem como principal função a proteção dos direitos humanos fundamentais,
como a liberdade de expressão, de religião, a proteção legal e as oportunidades de
participação na vida política, econômica e cultural da sociedade, e a igualdade.
A doutrina afirma que a democracia repousa sobre três princípios
fundamentais: o princípio da maioria, o princípio da igualdade e o princípio da
liberdade. José Afonso da Silva apud Aristóteles já enfatizava que a “Democracia é o
governo em que domina o número, isto é, a maioria, mas também afirmou que a
alma da Democracia consiste na liberdade, sendo todos iguais”. (2010, p. 128).
A questão dos princípios da democracia precisa ser reelaborada,
porque, no fundo, ela contém um elemento reacionário que
escamoteia a essência do conceito, mormente quando apresenta a
maioria como principio do regime. Maioria não é princípio. É simples
técnica de que se serve a democracia para tomar decisões
governamentais no interesse geral, não no interesse da maioria que
é contingente. (SILVA, 2010, p. 130).
A forma pela qual o povo participa do poder dá origem a três tipos de
democracia, são elas: a) Democracia direta é aquela que o povo exerce os poderes
governamentais, fazendo leis, administrando e julgando; b) Democracia indireta, é
aquela em que o povo não pode dirigir os negócios do Estado diretamente, outorga
as funções de governo a seus representantes; c) Democracia semidireta, é a
democracia representativa com alguns institutos de representação do povo nas
funções de governo.
Pode-se concluir que os constituintes optaram por um modelo de
democracia representativa, que tem como sujeito principal os Partidos Políticos, com
a participação direta dos cidadãos no processo decisório governamental. É mister
afirmar que o regime assume uma forma participativa por via representativa. Desta
forma, com tal modelo de democracia, a Constituição incorpora princípios da justiça
social e do pluralismo.
O artigo 3º da Constituição da República Federativa do Brasil reza:
Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
O regime democrático comporta três modalidades: democracia direta,
democracia representativa e democracia semidireta. A democracia direta é aquela
em que as decisões são tomadas pelo próprio povo. A democracia indireta ou
representativa, por sua vez, é aquela em que as decisões são tomadas pelo povo,
não de maneira direta, mas sim por seus representantes eleitos especialmente para
tal mister. A democracia semidireta é aquela que possui características das duas
modalidades, com eleição de representantes por meio de votos (democracia
representativa.
O Estado Democrático, adotado pelo Brasil, é aquele que não é só submetido
ao governo, conforme leciona José Afonso da Silva:
Conjunto de normas que criam seus órgãos e estabelecem suas
competências, que prevêem as separações de poderes, e que
também fixam direitos e garantias fundamentais para a proteção do
indivíduo contra quaisquer arbitrariedades estatais, mas que também
garante o respeito a denominada soberania popular, permitindo que
o povo participe das decisões políticas do Estado, seja por
intermédio de representantes eleitos pelo povo ou ainda de
mecanismo de democracia direta. (2012, p. 138).
Ainda conforme ressalta Alexandre de Moraes “configura-se, portanto, o
Estado Democrático como uma grande conquista da humanidade, que, para ser um
verdadeiro Estado de qualidades no constitucionalismo moderno deve ser Estado
Democrático de Direito”. (2013, p. 4)
O Estado Democrático, portanto, é aquele em que as decisões políticas são
tomadas com a estreita decisão da população, adota-se a figura do Estado
Democrático de Direito, que engloba princípios do Estado Democrático e princípios
do Estado de Direito.
1.4 DEFINIÇÃO DE ESTADO DE DIREITO
O Estado de Direito caracteriza-se por apresentar algumas premissas: a)
primazia da lei; b) sistema hierárquico de normas que preserva a segurança jurídica;
c) observância obrigatória da legalidade pela administração pública; d) separação de
poderes como garantia da liberdade ou controle de possíveis abusos; e)
reconhecimento da personalidade jurídica do Estado; f) reconhecimento e garantia
dos direitos fundamentais incorporados à ordem constitucional, e em alguns casos;
g) a existência de controle de constitucionalidade das leis como garantia ante o
despotismo do legislativo.
Alexandre de Moraes esclarece: “[...] Assim, somente existirá um Estado de
Direito onde houver a supremacia da legalidade”. (2013, p. 5).
Alexandre de Moraes leciona sabiamente:
Não há superioridade no poder judiciário sobre o legislativo, apenas
o poder do povo é superior a ambos, e que, quando a vontade do
legislativo, expressa em suas leis, entre em oposição com a do povo,
expressa na Constituição, os juízes devem ser governados por esta
última e não pelas primeiras. (2013, p. 5).
Pode-se dizer que o Estado de Direito é formado por duas correntes: o
Estado enquanto forma de organização política, e o Direito enquanto conjunto de
normas que regem uma sociedade. Conforme leciona José Afonso da Silva:
O Estado de Direito é uma criação do liberalismo, por isso, a doutrina
clássica repousa na concepção do direito natural, imutável e
universal, tendo como essência o princípio da legalidade no Estado
de Direito que é concebida como norma jurídica geral e abstrata.
(2010, p.117).
No Estado de Direito há uma estrutura estatal em que o poder público é
definido e controlado por uma constituição e é regido por normas jurídicas. Leciona
Alexandre de Moraes:
Por Estado de Direito entende-se aquele que, constituído livremente
com base na lei, regula por esta todas as suas decisões. Os
constituintes de 1988, que deliberaram ora como iluministas, ora
como iluminados, não se contentaram com a juridicidade formal,
preferindo falar em Estado Democrático de Direito, que se caracteriza
por levar em conta também os valores concretos da igualdade.
(2013, p. 5).
1.5 FUNDAMENTOS DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
O artigo 1º da Constituição da República Federativa do Brasil dispõe sobre o
que é Estado Democrático de Direito:
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em
Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por
meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição.
O Estado Democrático de Direito é o resultado de uma longa e grande
batalha na conquista do processo de evolução da sociedade. Nasce na busca de
uma maior participação da população nas decisões em que o Estado possa seguir,
dando um sentido aos direitos humanos e constitucionais a serem alcançados.
A democracia brasileira que o Estado Democrático de Direito realiza é um
processo de convivência social, numa sociedade livre, justa e solidária (artigo 3º, I,
CF). O Estado Democrático de Direito possui tarefas e princípios. Conforme José
Afonso da Silva, “A tarefa fundamental do Estado Democrático de Direito consiste
em superar as desigualdades sociais e regionais e instaurar um regime democrático
que realize a justiça social” (2010, p. 110).
2 – DIREITOS FUNDAMENTAIS DO HOMEM
Os direitos fundamentais do homem, que estão previstos no ordenamento
constitucional, nascem da própria condição humana. Não se pode desconsiderar
que os direitos fundamentais se solidificaram a partir do princípio da dignidade da
pessoa humana.
O reconhecimento dos Direitos Fundamentais do Homem caracteriza-se
como uma reconquista de algo que se perdeu quando a sociedade se dividiu entre
proprietários e não proprietários. Essa evolução veio no decorrer dos tempos,
leciona José Afonso da Silva:
[...] alguns antecedentes formais das declarações de direitos do
homem foram sendo elaborados, como o veto do tributo da plebe
contra ações injustas dos patrícios em Roma, a lei de Valério
Publícola proibindo penas corporais contra cidadãos em certas
situações [...]. (2010, p.150).
2.1 CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO HOMEM
A Constituição Republicana Federativa do Brasil de 1988 trouxe em seu
título II a subdivisão em cinco capítulos dos direitos e garantias fundamentais:
direitos individuais e coletivos; direitos sociais; nacionalidade; direitos políticos e
partidos políticos. Desta forma o legislador estabeleceu cinco espécies: direitos e
garantias individuais e coletivos; direitos sociais; direitos de nacionalidade; direitos
políticos; e direitos relacionados à existência, organização e participação em
partidos políticos. Alexandre de Moraes pondera: “[...] a doutrina apresenta-nos a
classificação de direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira geração,
baseando-se
na
ordem
histórica
cronológica
em
que
passaram
a
ser
constitucionalmente reconhecidas”. (2013, p. 29).
José Afonso da Silva pontua dizendo:
A classificação que decorre do nosso Direito Constitucional, é aquela
que os agrupa com base no critério de seu conteúdo, que, ao mesmo
tempo, se refere a natureza do bem protegido e do objeto de tutela.
O critério da fonte leva em conta a circunstância de a Constituição
mesma admitir outros direitos e garantias fundamentais não
enumerados, quando em seu parágrafo 2º do artigo 5º, declara que
os direitos e garantias previstos neste artigo, não excluem outros,
decorrentes dos princípios e do regime adotados pela constituição e
tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte. (2010, p. 182).
Em síntese, com base na Constituição Republicana Federativa do Brasil,
podemos apontar os cinco grupos dos direitos fundamentais, todos elencados na
nossa Carta Magna: 1) direitos individuais e coletivos, artigo 5º; 2) direitos à
nacionalidade, artigo 12; 3) direitos políticos, artigo 14 a 17; 4) direitos sociais,
artigos 6º, 193 e seguintes; 5) direitos solidários, artigos 3º e 225.
2.2 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O princípio da dignidade da pessoa humana surgiu no plano filosófico, para
em seguida ser consagrada como valor moral, ao qual, finalmente, agregou-se um
valor jurídico. “Foi somente no final da segunda década do século XX que a
dignidade humana passou a figurar em documentos jurídicos, a começar pelas
Constituições do México (1917) e da Alemanha, de Weimar (1919)”. (SILVA, 2010,
p. 176).
O que significa realmente a expressão Dignidade da Pessoa Humana?
Segundo o ilustre doutrinador Alexandre Morais:
Ao Estado cabe o dever de garantir a justiça e direitos de liberdade
individual. A dignidade da Pessoa Humana atribui unidade aos
direitos e garantias fundamentais, inerente às personalidades
humanas afastando a idéia de predomínio das concepções
transpessoalistas de Estado e Nação, em função da liberdade
individual. A dignidade é um valor espiritual e moral intrínseco da
pessoa, que se manifesta singularmente na sua autodeterminação
consciente e responsável, trazendo consigo a pretensão ao respeito
das demais pessoas, edificando um mínimo invulnerável que todo
estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, excepcionalmente,
possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais,
todavia sem menosprezar o merecimento das pessoas enquanto
seres humanos. (2013, p. 33).
2.3 PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Reza a Constituição Federativa Republicana do Brasil, no seu artigo 5º, que
“Todos são iguais perante a lei”, demonstrando com o texto constitucional que todos
os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei. Entende-se que o alcance
do princípio não objetiva nivelar os cidadãos diante da norma constitucional, mas
que a própria lei não pode vir em desconformidade com a isonomia.
Faz-se necessário citar o artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos
Humanos: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São
dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com
espírito de fraternidade.” Neste contexto, afirma-se que os homens nascem e
permanecem iguais em direito.
Assim, não poderá subsistir qualquer dúvida quanto ao destinatário
da cláusula constitucional da igualdade perante a lei. O seu
destinatário é precisamente, o legislador e, em consequência, a
legislação; por mais discricionários que possam ser os critérios da
política legislativa, encontra no princípio da igualdade a primeira e
mais importante de suas limitações. (MELLO, 2002, p. 10).
O princípio da igualdade, pertence ao rol dos direitos humanos, e, portanto,
evoluiu conjuntamente com eles.
Tal princípio, existente na Constituição
Federativa Republicana do Brasil, opera em dois pontos distintos. De um lado, o
legislador ou o próprio executivo, na edição das leis, atos normativos e medidas
provisórias, impedem que possa haver tratamentos abusivos diferenciados a
pessoas que se encontram em situações iguais.
2.4 PRINCÍPIO DA LIBERDADE
O conceito de liberdade humana deve ser no sentido da atuação do homem
em busca de sua realização pessoal, de sua felicidade. Consiste na possibilidade de
o homem coordenar conscientemente sua vida na busca de meios necessários para
a realização da satisfação pessoal. Entre vários princípios fundamentais, o da
liberdade e da igualdade é, sem dúvida alguma, essencial para o equilíbrio de
qualquer Estado, através de uma justiça equitativa de oportunidades.
A liberdade tem uma característica histórica que é evidenciada por José
Afonso da Silva:
A liberdade tem caráter histórico, porque depende do poder do
homem sobre a natureza, a sociedade, e sobre si mesmo em cada
momento histórico. Realmente, a história mostra que o conteúdo da
liberdade se amplia com a evolução da humanidade. Fortalece-se,
estende-se, à medida que a atividade humana se alarga. Liberdade é
conquista constante. (2010, p. 232).
Diante desse ensinamento e valorando a história de construção da liberdade
e também da igualdade, compreende-se que, todos, neste modelo construtivo, tem
as mesmas possibilidades de se desenvolverem, de maneira que a evolução de um
indivíduo proporciona a da coletividade, e tão logo a do Estado. Ensina Alexandre de
Moraes: “Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema total de
liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de
liberdades para todos”. (2013, p. 275).
2.5 PRINCÍPIO DA FRATERNIDADE
Fraternidade é identificada como a solidariedade do coração, uma vez que
surge do socorro mútuo prestado entre as pessoas, baseada na intervenção direta
do Estado e dos poderes públicos em socorro das necessidades coletivas.
Fraternidade significa “amor ao próximo; fraternização e união ou convivência como
de irmãos; harmonia, paz, concórdia, fraternização” (MIRANDA, 2000, p. 267).
3
DIREITO PENAL DO INIMIGO
3.1 DIREITO PENAL
Embora o direito penal tenha surgido com o próprio homem, não cabe dizer
que já existiam princípios do direito penal nos tempos primitivos. Naquela época,
toda desgraça existente como pestes, pragas e secas, por exemplo, eram
entendidas como castigo dos deuses (forças divinas) que vinham para que de
alguma forma o homem fosse castigado, por ter praticado algum ato que resultasse
em reparação. Para acalmar os deuses, criaram proibições religiosas, sociais e
políticas que quando eram desobedecidas acarretavam em castigo. Isso levou à
coletividade a punição do infrator, surgindo então o crime e logo por consequência a
pena.
Pode-se observar que com as necessidades da sociedade surge o direito,
que vem a garantir a convivência humana em sociedade. Mirabete conceitua: “O
direito positivo traz em si um conjunto de regras que disciplina o convívio em
sociedade, prevendo as consequências e sanções aos que violarem”. (2008, p. 2).
Capez preceitua:
O Direito Penal é o segmento do ordenamento jurídico que detém a
função de selecionar os comportamentos humanos mais graves e
perniciosos à coletividade, capazes de colocar em risco valores
fundamentais para a convivência social, e descrevê-los como
infrações penais, cominando-lhes, em consequência, as respectivas
sanções, além de estabelecer todas as regras complementares e
gerais necessárias à sua correta e justa aplicação. (2013, p. 19).
O direito penal é um meio de controle social formalizado que representa a
espécie mais sistemática de intervenção do Estado, formado por princípios e regras,
que visam definir as ações do homem e logo definir se há condutas de natureza
penal e suas consequências penais. É um meio de controle social formal, tendo em
vista que foi estabelecido para esta finalidade.
Prado conceitua:
O Direito Penal, no seu conceito formal, seria a parte do
ordenamento jurídico que enumera as ações ou omissões delitivas,
aplicando-lhes certas penas ou medidas de segurança. Em seu
conceito material refere-se às condutas consideradas reprováveis ou
danosas à sociedade que atingem bens jurídicos indispensáveis à
sua própria existência. (2008, p. 22).
3.2 PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA
O princípio da intervenção mínima ocupa papel importante para assegurar
as garantias fundamentais previstas na Constituição Republicana Federativa do
Brasil, pois não é possível a incriminação legal sem que haja a intervenção do
Direito Penal. Faz-se necessário pontuar que o princípio da intervenção mínima não
se encontra expresso na Constituição Republicana Federativa do Brasil, nem no
Código Penal. A elaboração e a aplicação da lei penal deve ter por base o princípio
da intervenção mínima, pois, como afirma Luiz Regis Prado:
O princípio da intervenção mínima (última ratio) limita o jus puniendi,
no sentido de que pressupõe que a tutela penal só deve tratar
daqueles bens jurídicos fundamentais da sociedade e caso não
existam outros métodos eficiente para assegurar as condições de
vida, o desenvolvimento e a paz social, tendo em vista o postulado
maior da liberdade e da dignidade da pessoa humana. (2008, p. 63).
A intervenção mínima tem como objetivo garantir que o legislador, no
momento de punir comportamentos, tenha consciência para não incriminar aquelas
condutas que possam ser resolvidas por outros ramos do Direito. Segundo Fernando
Capez, “O princípio da intervenção mínima, alcança o intérprete do Direito, para que
este não tipifique ações quando houver outras formas jurídicas de resposta, menos
danosas que o sistema punitivo estatal”. (2013, p. 58).
3.3 ESTADO DO INIMIGO - PRINCÍPIO MÁXIMO DO DIREITO PENAL
Na teoria proposta pelo alemão Günther Jakobs, o Direito Penal do Inimigo é
conceituado como um direito penal de exceção, em que há a constatação de um
criminoso inimigo da ordem social e sua segregação, sendo-lhe negados direitos e
princípios fundamentais, que somente serão reservados aos considerados cidadãos.
Para o jurista alemão, Jakobs, aquele que não pode adequar-se as
imposições do Estado, deixando de cumprir ou ao infringir o seu contrato social,
deixa de ser membro dele, ficando excluído como membro, logo, deve ser banido do
Estado.
No Estado do inimigo, o indivíduo não poderá ser punido com uma sanção,
muito menos depois ser reinserido na sociedade com todos seus direitos
fundamentais como base. Ele será punido como medida de segurança. Também não
será punido conforme sua culpabilidade e, sim, de acordo com sua periculosidade.
No âmbito do direito penal do inimigo, se combate ferozmente perigos, que
sempre adiantam o âmbito da proteção da norma, ou seja, a antecipação da tutela
penal. Jakobs afirma que: “[...] o ponto de partida ao qual se ata a regulação é a
conduta não realizada, mas só planejada, isto é, não o dano à vigência da norma
que tenha sido realizado, mas o fato futuro”. (2012, p. 42).
É possível perceber que no Direito Penal do Inimigo o indivíduo, ao cometer
um ato ilícito contra o Estado e logo contra o bem-estar da sociedade de uma
maneira global, recebe tratamento diferenciado, que vai da redução de suas
garantias até a completa usurpação dos direitos que lhe são conferidos pela ordem
jurídica.
3.4 RELAÇÃO ENTRE OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E O PRINCÍPIO DA
INTERVENÇÃO MÍNIMA
Quando se faz referência à palavra princípio deve-se considerá-la a base de
toda forma de conhecimento científico ou filosófico, que vem a dar conhecimento a
todas as áreas do saber, como ensina Alexandre de Moraes:
[...] princípios são verdades fundantes de um sistema de
conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por
terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática
de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas
necessidades da pesquisa e da práxis. (2013, p. 3).
Faz-se necessário citar os princípios constitucionais em matéria penal, pois
a função básica do Direito Penal é garantir os direitos da pessoa humana frente ao
poder punitivo do Estado, que deve seguir as orientações encontradas no texto
constitucional, servindo como fundamentos para a estruturação das leis penais: a)
princípio do devido processo legal, b) princípio da oficialidade; c) princípio do
contraditório e da ampla defesa, d) princípio do estado de inocência, e) princípio da
publicidade, f) princípio do juiz natural, g) princípio do duplo grau de jurisdição.
O Princípio da Intervenção Mínima não está expresso na Constituição
Republicana Federativa do Brasil, nem na legislação penal, mas nem por isso deixa
de ter aplicação legal em nosso direito.
3.5 O DIREITO PENAL DO INIMIGO AFRONTA O ESTADO DEMOCRÁTICO DE
DIREITO
Para Jakobs, pertencem ao Direito Penal: o Direito Penal do Cidadão e o
Direito Penal do Inimigo. São tipos que aparecem misturados, sendo que o primeiro
é a regra. O Direito Penal do Cidadão é dirigido à pessoa que cometeu um crime,
mas que oferece garantias de obediência ao ordenamento jurídico. O Estado a vê
como alguém que cometeu um erro e que não oferecerá perigo de maneira
persistente por princípio. Já o Direito Penal do Inimigo é destinado ao indivíduo que
se excluiu ou que coloca em risco a existência do Estado, ou seja, que se
autoexcluiu por princípio. O inimigo não é visto como uma pessoa, pois não oferece
garantias de um comportamento pessoal. Desse modo, é um perigo para a
sociedade. Jakobs, afirma que o Direito Penal do inimigo é legitimo, pois, afasta da
sociedade pessoas que são tratadas como “coisa” pelo fato de terem praticado crime
ou ameaçado o Estado.
Eugenio Raul Zaffaroni contesta e critica Jakobs:
A proposta de Jakobs é estática, pois admite o tratamento
diferenciado destinado ao inimigo de forma limitada, e acredita que
isso irá conter o Estado de Polícia presente em todo Estado de
Direito concreto. Portanto, Jakobs não visa ao fim do Estado de
Direito. Ele considera que a sua tática evitará a contaminação de
todo o Direito Penal com fragmentos do Direito Penal do Inimigo.
(2012, p. 198).
O Brasil é um Estado Democrático de Direito, que é baseado por um
ordenamento jurídico, embasado em um conjunto de leis organizadas por normas
legais. A Constituição Republicana Federativa do Brasil tem por base o princípio da
humanidade, devendo ser aplicados os dispositivos constitucionais relativos ao
Direito Penal. Este princípio encontra-se relacionado às sanções penais, bem como
o tratamento do condenado, não devendo ser esquecido que se trata de pessoa
humana, com suas necessidades básicas, dotada de direitos e garantias
fundamentais, mas sem fechar os olhos à pena prevista para a infração por ele
cometida.
O princípio da humanidade pode ser mais bem observado e analisado no
artigo 5º, inciso III, da Constituição Republicana Federativa do Brasil:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
III - ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano
ou degradante.
O Direito Penal do inimigo defende a não aplicação de muitas garantias
fundamentais. Neste tipo de Direito, o indivíduo não possui um Direito Penal legal,
mas sim um Direito Penal de guerra. A Constituição Republicana Federativa do
Brasil é contrária a qualquer tratamento que venha degradar a vida humana. Toda
pessoa que tem sua liberdade privada, deve ser tratada com o devido respeito à
dignidade inerente ao ser humano
CONCLUSÃO
O Direito Penal passou a ser visto não só pelo Estado, mas também pela
sociedade, como uma salvação para resolver os problemas que a humanidade
enfrenta. O Direito Penal do Inimigo surgiu com objetivo da aplicação da lei de forma
mais severa ao inimigo como é tratado, eliminando as garantias previstas na
Constituição
Republicana
Federativa
do
Brasil,
bem
como
nos
Tratados
Internacionais, que possuem como alicerce o direito e garantias fundamentais do ser
humano.
A liberdade não pode ser vista como uma afronta à segurança pública. Leis
penais excessivamente repressivas já provaram que não são eficientes para o
combate à criminalidade. É necessária uma intervenção do Estado na proteção do
indivíduo, com planejamentos de políticas públicas nas áreas sociais com maiores
desigualdades.
Concluo, então, que não se pode enaltecer a figura de inimigo de modo que
se desvalorize a dignidade da pessoa humana, pois a norma é feita para resguardar
o indivíduo dos abusos praticados pelo Estado, e não o contrário.
A Constituição Republicana Federativa do Brasil impõe a igualdade de todos
os seres, sem distinção de natureza, por meio de Cláusula Pétrea. Não se pode
diminuir o respeito à pessoa humana para se atingir o bem comum, pois este tem
sua base na própria dignidade humana, que é impenhorável, indivisível,
irrenunciável e indisponível.
O Estado Democrático de Direito é incompatível com o Direito Penal do
Inimigo, pois não seria possível distinguir quem seria de fato cidadão ou inimigo.
Punir não significa ofender a dignidade inerente a todo ser humano e sim uma forma
de reparar o dano ocorrido a outrem e reintegrá-lo ao convívio da sociedade depois
do cumprimento da pena.
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direito penal do inimigo uma afronta ao estado democrático