Medidas de austeridade e agravamento da carga
fiscal
No passado dia 4 de Maio foi tornada pública a versão inglesa do denominado
Memorando da "Troika" (Memorando de entendimento sobre condicionalismos
específicos de política económica).
Este documento constitui um verdadeiro guião daquilo que nos próximos três anos
será previsível acontecer em Portugal ao nível da economia em geral e, em especial,
ao nível fiscal, laboral e social.
Nos próximos três anos os portugueses vão ser confrontados com um verdadeiro
"apertar do cinto", traduzido no aumento generalizado da carga fiscal, seja por via do
aumento dos impostos (como será o caso do IVA e do IMI) seja por via da redução de
benefícios e deduções (em sede de IRC e IRS), bem como na redução da protecção
social (subsídio de desemprego e RSI), e na flexibilização da legislação laboral (pela
diminuição do valor das indemnizações por despedimento).
De seguida, apresentamos um resumo das medidas que, de acordo com o
memorando da "troika", deverão ser implementadas em Portugal nos próximos três
anos, nas diversas áreas, e que em muito vão influenciar a vida dos cidadãos e das
empresas.
IRC - Medidas de âmbito fiscal na esfera das empresas
Redução das deduções aos impostos das empresas e dos regimes especiais com um
resultado de pelo menos 150 ME em 2012. As medidas incluem:
• Abolição de todas as taxas reduzidas de imposto sobre empresas;
• Limitação das deduções de perdas dos anos anteriores de acordo com a massa
tributável e reduzindo o período para os resultados transitados para três anos;
Regime actual:
No actual regime podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por
imparidade contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de
tributação anteriores:
a) as relacionadas com créditos resultantes da actividade normal que, no fim do
período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam
evidenciados como tal na contabilidade;
b) As relativas a recibos por cobrar reconhecidas pelas empresas de seguros;
c) As que consistam em desvalorizações excepcionais verificadas em activos fixos
tangíveis, activos intangíveis, activos biológicos não consumíveis e propriedades de
investimento. Podem também ser deduzidas para efeitos fiscais as perdas por
imparidade e outras correcções de valor contabilizadas no mesmo período de
tributação
ou
em
períodos
de
tributação
anteriores,
quando
constituídas
obrigatoriamente, por força de normas emanadas pelo Banco de Portugal, de carácter
genérico e abstracto, pelas entidades sujeitas à sua supervisão e pelas sucursais em
Portugal de instituições de crédito e outras instituições financeiras com sede em outro
Estado-membro da União Europeia, destinadas à cobertura de risco específico de
crédito e de risco-país e para menos-valias de títulos e de outras aplicações.
• Reduzir deduções fiscais e revogar as isenções subjectivas;
No actual regime temos diversas deduções fiscais, nomeadamente:
Deduções relativas a dupla tributação económica de lucros distribuídos e prejuízos
fiscais (que são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos
quatro exercícios posteriores);
Donativos a entidades de carácter cultural, científico, social, ambiental, desportivo ou
educacional
Isenções previstas para o Estado, Regiões Autónomas, autarquias locais, suas
associações de direito público e federações e instituições de segurança social;
pessoas colectivas de utilidade pública e de solidariedade social; actividades culturais,
recreativas e desportivas; sociedades e outras entidades abrangidas pelo regime de
transparência fiscal;
Isenção de pessoas colectivas e outras entidades de navegação marítima ou aérea,
entre outras.
• Restringir os benefícios fiscais, nomeadamente aqueles cujo desaparecimento
já estava previsto no Estatuto dos Benefícios Fiscais e fortalecendo as regras de
tributação para os automóveis das empresas;
• Propor emendas para as leis de finanças regionais para limitar a redução do
imposto das empresas nas regiões autónomas para um máximo de 20% face às
taxas aplicadas no continente.
No âmbito das finanças locais, no actual regime, as assembleias legislativas regionais
podem diminuir as taxas nacionais dos impostos sobre o rendimento (IRS e IRC) e do
imposto sobre o valor acrescentado, até ao limite de 30%, e dos impostos especiais de
consumo, de acordo com a legislação em vigor.
IRS - Medidas de âmbito fiscal na esfera das pessoas singulares
No que se refere ao IRS, a principal medida prevista consiste na redução dos
benefícios fiscais e das deduções no IRS, que deverão resultar numa receita adicional
não inferior a 150 ME em 2012.
As medidas incluem:
• restringir os valores máximos de deduções de acordo com o escalão
contributivo, com limites mais baixos aplicados aos maiores rendimentos e com
zero deduções para o escalão de rendimentos mais elevado;
(A título de exemplo, no actual regime, pode-se deduzir à colecta 30% das despesas
de saúde, independentemente do escalão de rendimentos).
• aplicar limites máximos a categorias individuais através da introdução de
limites nas deduções de despesas de saúde;
• eliminar a dedução de capital pago numa hipoteca;
• eliminar progressivamente a dedução de rendas e dos pagamentos de juro de
uma hipoteca para casas que sejam primeira habitação;
• eliminar estas deduções para novas hipotecas através da redução dos items
passíveis de terem deduções ao imposto;
Regime actual:
No actual regime são dedutíveis à colecta 30 % dos encargos a seguir mencionados
relacionados com imóveis situados em território português ou no território de outro
Estado-membro da União Europeia ou no espaço económico europeu, desde que,
neste último caso, exista intercâmbio de informações:
- juros e amortizações de dívidas contraídas com a aquisição, construção ou
beneficiação de imóveis para habitação própria e permanente ou arrendamento
devidamente comprovado para habitação permanente do arrendatário, com excepção
das amortizações efectuadas por mobilização dos saldos das contas poupançahabitação, até ao limite de € 591;
- importâncias, líquidas de subsídios ou comparticipações oficiais, suportadas a título
de renda pelo arrendatário de prédio urbano ou da sua fracção autónoma para fins de
habitação permanente, quando referentes a contratos de arrendamento celebrados a
coberto do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 321-B/90,
de 15 de Outubro, ou do Novo Regime de Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei
n.° 6/2006, de 27 de Fevereiro, ou pagas a título de rendas por contrato de locação
financeira relativo a imóveis para habitação própria e permanente efectuadas ao
abrigo deste regime, na parte que não constituem amortização de capital, até ao limite
de € 591.
• revisão da tributação do rendimento em espécie;
• propor emendas às leis de finanças regionais por forma a limitar a redução do
1RS nas regiões autónomas a um máximo de 20% face ao imposto aplicado no
continente.
• aplicar IRS a todos os tipos de transferências sociais em dinheiro [a habitação
social que é uma transferência em espécie fica isenta] e assegurar a
convergência das deduções de IRS aplicadas às pensões com aquelas aplicadas
aos rendimentos do trabalho com o objectivo de conseguir pelo menos 150 ME
em 2012.
Regime actual:
Actualmente, o abono de família, subsídio de desemprego e rendimento social de
inserção encontram-se isentos.
Impostos sobre o património
Medidas no âmbito da tributação do património imobiliário – redução ou
extinção de benefícios e isenções fiscais
O acordo celebrado entre o Governo e a "troika" prevê a subida do IMI (imposto
municipal sobre imóveis, ex-contribuição autárquica) e uma redução da isenção
do imposto. No entanto, o IMT deverá descer, o que poderá favorecer a compra e
venda de imóveis e evitar a estagnação do mercado imobiliário.
A tributação sobre o património deverá ser alterada com vista a conseguir-se aumentar
a receita em pelo menos 250 ME, através, nomeadamente, da redução substancial
das isenções temporárias para casas ocupadas pelo proprietário.
De acordo com o memorando de políticas económicas e financeiras acordado além da
retirada gradual da dedução das despesas com a casa no IRS, o IMI vai subir. A
isenção de IMI - que varia actualmente entre os quatro e oito anos - será
"consideravelmente reduzida até ao final de 2011".
Estas medidas fazem parte de uma estratégia que tem como objectivo desincentivar a
compra de casa, diminuir o recurso ao crédito à habitação e o endividamento das
famílias, mas também incentivar o mercado de arrendamento.
O IMI vai ser reforçado através da reavaliação do valor patrimonial tributário que
começa no segundo semestre do ano e através da subida das taxas a partir de 2012.
Esta subida vai ajudar a compensar a redução do imposto sobre as transacções
onerosas sobre imóveis (IMT).
Recorde-se que os impostos sobre o património foram alvo de uma reforma profunda
em 2003. Na altura, a contribuição autárquica (CA) passou a IMI e a Sisa passou á
chamar-se IMT (imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis) e
representou uma revisão em alta generalizada daqueles impostos, que representam
uma das principais fontes de receita das autarquias, uma vez que se trata de impostos
municipais.
Arrendamento urbano
Ao nível do mercado de arrendamento, o Governo vai apresentar (no 3° trimestre de
2011) medidas para alterar a Nova Lei de Arrendamento Urbano (Lei n° 6/2006), a fim
de garantir um equilíbrio de direitos e obrigações entre senhorios e inquilinos, tendo
em conta os mais vulneráveis socialmente. Deste plano, resultará uma proposta de
legislação a ser apresentada ao parlamento até ao final de 2011. Em particular, o
plano de reforma da lei do arrendamento urbano pretende introduzir medidas
destinadas a:
• ampliar as condições sob as quais a renegociação de arrendamento residencial
sem termo pode ocorrer, incluindo a limitação da possibilidade de transmissão
do contrato para parentes de primeiro grau;
Regime actual:
O contrato pode ser resolvido por acordo das partes. As partes podem resolver o
contrato com base em incumprimento pela outra parte. O arrendamento para
habitação não caduca por morte do arrendatário quando lhe sobreviva cônjuge com
residência no locado ou pessoa que com o arrendatário vivesse no locado em união
de facto e há mais de um ano; ou pessoa que com ele residisse em economia comum
e há mais de um ano.
• introduzir um quadro para melhorar o acesso das famílias à habitação,
eliminando os mecanismos de controlo de rendas, tendo em conta os mais
vulneráveis socialmente;
Regime actual:
Contempla um regime transitório para contratos celebrados na vigência do Regime do
Arrendamento Urbano (RAU):
-
o
senhorio
apenas
pode
promover
a
actualização
da
renda
quando,
cumulativamente: exista avaliação do locado, nos termos do CIMI; e o nível de
conservação do prédio não seja inferior a 3. O aumento da renda é feito de forma faseada, tendo em conta o rendimento anual bruto corrigido do agregado familiar do
arrendatário, bem como a sua idade e eventual deficiência com grau comprovado de
incapacidade superior a 60%.
• reduzir o aviso prévio de rescisão de contratos de arrendamento para os
senhorios;
Actualmente, o senhorio pode impedir a renovação automática mediante comunicação
ao arrendatário com uma antecedência não inferior a um ano do termo do contrato.
• prever um procedimento extrajudicial de despejo por quebra de contrato,
visando a redução do tempo de afastamento para três meses.
Actualmente, é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de
mora superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas, ou de
oposição pelo arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública. A
resolução pelo senhorio, quando opere por comunicação à contraparte e se funde na
falta de pagamento da renda, fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no
prazo de três meses.
• e reforçar a utilização dos procedimentos extrajudiciais existentes para os
casos de partilha de bens herdados.
Reabilitação e renovação de imóveis
O Governo pretende também aprovar durante o 3° trimestre de 2011 legislação para
simplificar os procedimentos administrativos para a renovação e reabilitação urbana.
As medidas específicas irão:
• simplificar os procedimentos administrativos para obras de renovação, os
requisitos de segurança, a autorização para uso e formalidades necessárias para
implantar inovações que beneficiam e melhoram a qualidade do edifício e o seu
valor (tais como medidas de poupança de energia). A maioria dos proprietários
de apartamentos será definida como representando a maioria do valor total do
edifício;
• simplificar as regras para a transferência temporária dos inquilinos do edifício
sujeito a obras de reabilitação, tendo em conta as necessidades dos inquilinos e
respeito pelas suas condições de vida;
• conceder aos proprietários a possibilidade de pedir a rescisão do contrato de
locação para grandes obras de renovação (que afectam a estrutura e a
estabilidade do edifício), com um máximo de 6 meses de aviso prévio;
Regime actual: quando o senhorio pretenda realizar obras de remodelação ou
restauro profundos, nomeadamente de conservação e reconstrução, pode haver lugar
a denúncia do contrato ou suspensão da sua execução pelo período de decurso
daquelas. Em certos casos, a suspensão do contrato é obrigatória.
Quando o senhorio pretenda demolir o locado, pode haver lugar a denúncia do
contrato.
Quando optar por denunciar o contrato para remodelação ou restauro profundos, o
senhorio fica obrigado ao pagamento de uma indemnização, ou à garantia do
realojamento do arrendatário por período não inferior a cinco anos. O mesmo regime
se aplica à denúncia para demolição;
• e, finalmente, padronizar as regras que determinam o nível do estado de
tributação das propriedades.
Regime actual:
As taxas do imposto municipal sobre imóveis são as seguintes:
Prédios urbanos: 0,4 % a 0,7 %
Prédios urbanos avaliados, nos termos do CIM1:0,2 % a 0,4 %
Prédios rústicos: 0,8%
O valor patrimonial tributário dos prédios é determinado por avaliação, com base em
declaração do sujeito passivo. A iniciativa da primeira avaliação de um prédio urbano
cabe ao chefe de finanças, com base na declaração apresentada pelos sujeitos
passivos ou em quaisquer elementos de que disponha.
I VA - Redução ou eliminação de isenções e taxas aplicáveis
O objectivo a alcançar visa aumentar as receitas do IVA para conseguir pelo menos
410 ME por ano, através das seguintes medidas:
• reduzir as isenções fiscais no IVA;
Regime actual:
A título de exemplo indicam-se em seguida algumas isenções previstas em sede de
IVA:
- Isenções nas operações internas;
- Isenções na importação;
-Isenções na exportação, operações assimiladas a exportações e transportes
internacionais;
- Isenções nas operações relacionadas com regimes suspensivos.
- Regime especial do artigo 53° Código do IVA
• Mover categorias de bens e serviços dos escalões reduzido e intermédio para
os escalões mais altos do IVA, ou seja, passar a taxar bens ou serviços que
actualmente são tributados à taxa de 6% para os 13% ou 23%, o que significa um
importante agravamento da carga fiscal, em especial para as situações de
passagem da taxa reduzida para a taxa normal. Outra alteração será passar a
taxar à taxa normal alguns bens ou serviços que actualmente são tributados à
taxa intermédia de 13%.
Apesar de não haver orientações nesse sentido, é sempre possível que a prazo
as taxa do IVA venham a sofrer ainda algum agravamento, podendo passar para
os 24% ou 25%, nomeadamente em 2012 ou 2013.
• Propor emendas às leis de finanças regionais, por forma a limitar a redução do
IVA a um máximo de 20% nas regiões autónomas, face ao aplicado no
continente.
Agravamento Impostos sobre o Consumo (imposto automóvel e imposto
sobre o tabaco)
O Governo pretende aumentar os impostos sobre o consumo em 250 ME em 2012,
em particular, através das seguintes medidas:
• aumento do imposto automóvel e redução das isenções;
• aumento dos impostos sobre o tabaco;
• indexar estes impostos à inflação subjacente;
• introduzir impostos sobre o consumo de electricidade de acordo com a
directiva da UE 2003/96.
Finalmente, o plano prevê um reforço das medidas de combate à evasão fiscal, fraude
e informalidade, com vista a aumentar a receita em pelo menos 175 ME em 2012.
ÁREA JURÍDICA
JUNHO -2011
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Medidas de austeridade e agravamento da carga fiscal