SPMI – Sociedade Portuguesa
de Medicina Interna
Núcleo de Estudos VIH
SIGILO MÉDICO NA INFECÇÃO POR VIH
Paulo Sancho
Advogado
Lisboa, 1 de Junho de 2007
Posição Relativa do Sigilo face
aos Valores em presença
Visão Fundamentalista
vs
Visão Ponderada
Posição da Ordem dos Médicos



“O dever e o respeito que tem o médico de calar sobre os
segredos que lhe foram revelados no exercício da
profissão são um dos elementos que conduzem à
confiança do paciente no médico”;
“O direito do paciente à confidência constitui um dos
pilares de sustentação da profissão médica e é
assegurado pelo Código Deontológico e pela legislação”;
“O segredo médico é um mandamento privilegiado dos
códigos éticos e deontológicos dos médicos, constituindo
um referente irrenunciável da auto-representação dos
médicos em todo o mundo”.
Algumas Estatísticas
Pedidos ao Departamento Jurídico do
CNE e do CRS da OM
20
18
15
15
10
Escusas
SIDA
9
5
3
2
0
2005
0
2006
2007
Problemas Práticos

Um doente é seropositivo para o vírus VIH e,
apesar de para isso instado, nunca informou
a sua mulher dessa seropositividade e
mantém com ela relações sexuais não
protegidas. O que fazer?

No caso de um doente cuja infecção foi
detectada através de rastreio, é lícito pedir a
serologia do VIH aos seus familiares?
A protecção do segredo no
quadro normativo
 Constituição
da República Portuguesa –
art. 26.º
 Código Penal – art. 195.º
 Código do Processo Penal – art. 135.º
 Estatuto da Ordem dos Médicos – art. 13.º
 Código Deontológico – arts. 67.º, 68.º,
69.º, 70.º e 72.º
Art.70.º Código Deontológico
(Escusa do segredo)
Excluem o dever de segredo profissional:
a) O consentimento do doente ou seu representante quando a
revelação não prejudique terceiras pessoas com interesse
na manutenção do segredo;
b) O que for absolutamente necessário à defesa da dignidade,
da honra e dos legítimos interesses do Médico e do doente,
não podendo em qualquer destes casos o Médico revelar
mais do que o necessário e sem prévia consulta ao
Presidente da Ordem.
Art.72º C.D.O.M.
(Precauções que Não Violam o Segredo)
A obrigação do segredo profissional não impede
que o Médico tome as precauções necessárias,
promova ou participe em medidas de defesa
sanitária, indispensáveis à salvaguarda da vida e
saúde de pessoas, nomeadamente dos membros
da família e outras que residam ou se encontrem
no local onde estiver o doente.
Apreciação...
Conflito de valoração de normas deontológicas:

Liberdade e privacidade do indivíduo
VS

Direito à saúde e à Vida da família do doente
Apreciação...
Justo equilíbrio entre os interesses de respeito pelo indivíduo
e da solidariedade social:
Se o indivíduo tem direito a não ser discriminado,
ao sigilo sobre a sua vida privada e sobre o seu
estado de saúde, também a sociedade tem o
direito e o Estado a responsabilidade de tomar
medidas de prevenção que evitem a propagação
de doenças como a SIDA.
Apreciação...
Todavia, as medidas de que o seropositivo seja alvo só
serão admissíveis em nome duma necessidade objectiva de
salvaguarda de terceiro e na medida do estritamente
indispensável.
Trata-se, pois, da aplicação
proporcionalidade:
 Necessidade;
 Adequação;
 Proporcionalidade.
do
princípio
da
Apreciação...
Remoto
Salvaguarda dos
interesses do doente
Risco de
Contágio
Evidente
Sacrifício dos
direitos do seropositivo
Apreciação...
A obrigação de segredo médico cessa nestas
circunstâncias específicas e na estrita medida do
necessário para salvaguardar o direito à saúde e
à vida do(a) companheiro(a) do doente infectado,
sem prejuízo de previamente o médico desenvolver
todos os esforços no sentido de persuadir o
seu doente e ser ele a comunicar o próprio estado.
Conclusão...
O médico deve contactar os familiares do doente,
informá-los da situação e pedir-lhes que realizem
todos os testes e tratamentos necessários e
adequados à sua situação concreta.
Esta atitude não pode ficar dependente da vontade
e do consentimento do doente.
A Ordem dos Médicos defende oficialmente esta posição desde Novembro de 2000, na
sequência de um Parecer emitido pelo CNECV no mesmo ano (Parecer 32/CNECV/2000).
Outro Problema Prático
 Um
médico tem como paciente uma
prostituta infectada mas que não utiliza
medidas de protecção durante as
relações sexuais.
 Sendo notório o risco de infecção de
numerosas pessoas, como pode/deve o
médico proceder, no caso dos clientes
daquela não serem seus doentes?
A Dúvida…
Pode o segredo ser violado naquela
situação concreta, face à possibilidade
de propagação da doença?
Considerações

Importa ponderar a situação face aos valores em
jogo.
 O sigilo médico representa um importantíssimo
direito do doente e uma obrigação ética e
deontológica do médico.
 Contudo, a vida tem prioridade como valor, a sua
salvaguarda é consequentemente um dever ético
primordial ao qual os outros se devem subordinar.
Considerações

Uma comunicação directa e confidencial a
uma pessoa para salvaguarda da sua vida
não consubstancia publicidade a facto
sobre sigilo médico, não sendo portanto
ofensa à ética e à deontologia.
 Mas a comunicação destes mesmos factos
ao Ministério Público ou à polícia é coisa
diferente.
Considerações

Uma das questões fundamentais na colaboração dos
portadores de HIV nos programas de saúde pública é
o receio de que o segredo profissional não seja
preservado e que, consequentemente, possa existir a
probabilidade de discriminação em função da doença.
 O temor da divulgação e da discriminação contribui
para que se crie um clima de oposição a exames
periódicos voluntários e, consequentemente, à
vigilância e tratamentos devidos.
Considerações

Se o doente com SIDA temer que a algumas das
suas confidências pode corresponder um
procedimento criminal, corre-se o risco de
desencadearmos
um
fenómeno
reactivo
generalizado por parte daqueles pacientes que irá
resultar na não transmissão de quaisquer dados
ou de muitos elementos relevantes, com o receio
de poderem ser objecto de perseguição criminal.
 Este tipo de fenómeno pode ter repercussões
gravíssimas e incontroláveis a nível de saúde
pública.
Considerações

A prevenção do risco para a vida de terceiros
passa pela sensibilização do doente para os
deveres que sobre ele impendem relativamente à
protecção de terceiros que com ele se relacionem
sexualmente;
 A prevenção pode ser assegurada, a título
excepcional, pela possibilidade do médico
informar, directamente e com confidencialidade,
aquele cuja vida e saúde possam ser afectados
pelo comportamento do doente com SIDA.
Conclusões
A quebra do sigilo médico, por comunicação
ao tribunal, da identificação de um doente,
que eventualmente possa estar a praticar
um ilícito penal, não é deontologicamente
admissível pela afectação que traz à
relação de confiança e confidencialidade e
também pelas gravíssimas consequências
que pode ter em termos de saúde pública.
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